"Em que momento o Peru tinha se f...?", pergunta Mario Vargas Llosa na abertura de Conversa na Catedral. Talvez a indagação seja mais fácil de responder no caso brasileiro: foi em 25 de abril de 1984.
Era uma noite úmida e estávamos na Praça da Sé, esperando o País renascer. A Câmara Federal apreciava a Emenda Dante de Oliveira e um gigantesco placar fora erguido para permitir o acompanhamento voto a voto.
Antes, ouvimos discursos e mensagens augurando vitória. Depois, foi a derrota que se desenhou aos poucos, enquanto a garoa aumentava. Por fim, o longo caminho de volta para casa. Uns poucos exaltados e querendo briga, os outros cabisbaixos, sem ânimo para mais nada.
Fazia 11 dias que minha primeira filha nascera. Não lhe legaria o Brasil de meus sonhos. As músicas, as passeatas, as concentrações-monstro na Sé e no Anhangabaú, o amarelo que usávamos nas roupas para simbolizar a adesão às diretas-já... tudo em vão. Algumas centenas de deputados haviam permanecido alheias à vontade nacional.
Sairíamos da ditadura pela porta dos fundos, como parece ser nossa sina. Do descobrimento do que já se sabia existir à independência para inglês ver, todos os momentos solenes da nossa História têm um quê de farsa e bufonaria. Mas, por Deus, daquela vez quase todos fizeram sua parte!
No rescaldo da derrota entraram em cena os profissionais -- conforme anunciou Tancredo Neves, aludindo a si próprio e a seus iguais. E, se poucos votos faltaram para o restabelecimento imediato das eleições diretas, muitos apareceram para ungir, por via indireta, o candidato da Aliança Democrática.
É claro que, no primeiro caso, os congressistas eram convidados a abrir mão de seu próprio cacife; e a segunda ocasião significava a hora das recompensas. Que foram prodigamente distribuídas.
Não entrarei no mérito do Governo Sarney e da lenta agonia que consome até hoje a democracia brasileira, como se o nascimento espúrio tivesse lançado uma sombra sobre o seu futuro. Mas, quero deixar registrada -- mesmo que tanto tempo depois -- minha indignação com o aborto de uma esperança.
São raros os momentos em que há real interesse da população em influir nos destinos do País. E, cada vez que se ensaia um tímido despertar, surgem profissionais para conduzir os acontecimentos no sentido de um eterno retorno.
Nossa elite é sui generis: incapaz de formular um projeto nacional e de se unir em torno dele, alcança invejável coesão quando se trata de resistir às pressões que vêm de baixo. De empresários a políticos, passando por sindicalistas e acadêmicos, todos têm em comum a obstinação em não deixar a peteca escapar-lhes das mãos.
Daí o desencanto e o nilismo que grassam entre nosso povo. Quem ouve a voz das ruas sabe que o cidadão comum não se considera representado por nenhuma força do espectro político. Nenhuma.
E isto se deve, dentre outros motivos, ao balde de água fria sempre atirado no ânimo da multidão, como a garoa a nos castigar naquela noite em que acompanhamos mais uma traição à promessa de um futuro altaneiro, e voltei para casa sem palavras de amor para minha mulher nem paciência para ninar a criancinha, pois trazia a certeza, e os eventos posteriores só viriam confirmá-lo, de que naquele momento o Brasil tinha se f...
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