“E agora, José?/ A festa acabou,/ a luz apagou,/ o povo sumiu,/ a noite esfriou... /// ...o riso não veio/ não veio a utopia/ e tudo acabou/ e tudo fugiu/ e tudo mofou” (“E Agora José?”, Carlos Drummond de Andrade)
Começou melancolicamente o segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva: sem público, sem planos e sem equipe, permitindo antever mais quatro anos de governo moluscóide.
O apelido que ele fez questão de incorporar ao nome acabou se revelando profético. As lulas são animais invertebrados de corpo mole e mucoso. Exatamente as características mais marcantes do Lula presidente.
Invertebrado, oscila entre a esquerda e a direita ao sabor dos interesses imediatos e do público que pretende cativar com cada discurso. No dia da posse, p. ex., repetiu o surrado blablablá contra a elite, sem perceber que esse linguajar de sindicalista não condiz com um presidente que propicia lucros estratosféricos para o capital financeiro (a menos que, em sua douta avaliação, os banqueiros não façam parte da elite). E falou em botar os milicos na rua, bandeira autoritária que provoca calafrios naqueles que sabem como começam as quarteladas no 3º mundo.
Mole com os amigos, ele permitiu que vicejasse em seu primeiro mandato o maior esquema de assalto aos cofres públicos e instrumentalização do Estado pelos companheiros de maracutaias já visto nestes tristes trópicos. Conseguiu superar em muito o mar de lama de Getúlio e o Collorgate, tanto no volume da dinheirama amealhada quanto na quantidade de pessoas envolvidas nas práticas mafiosas.
E espalhou seu muco a torto e a direito. Desmoralizou completamente o Executivo, tornado um balcão de negócios e um covil de tramóias, com destaque para a repulsiva mobilização de vários órgãos do Estado contra um humilde caseiro que ousou apontar a nudez do vice-rei; o Legislativo, com a compra de apoio parlamentar no atacado e varejo; o Judiciário, que compactuou com os escândalos denunciados e ainda aproveitou a esbórnia generalizada para beneficiar-se também; e a sociedade brasileira como um todo, ao desmentir o velho chavão de que o crime não compensa, dando a deixa para o “liberou geral”.
Mas, objetam aqueles que Nelson Rodrigues chamava de “idiotas da objetividade”, o Lula foi reeleito, e com votação expressiva.
Este é, na verdade, o seu maior pecado.
Primeiramente, porque tornou o eleitorado brasileiro cúmplice de suas ilicitudes. Cometeu, em escala ampliada, exatamente os mesmos delitos que custaram a Collor a perda do mandato. E foi anistiado nas urnas, o que veio confirmar a frase atribuída a De Gaulle: o Brasil não é um país sério, já que nele os assuntos mais importantes são tratados à base de dois pesos e duas medidas.
Além disso, dissipou nossas últimas ilusões de termos eleitores capazes de decidir, como cidadãos, qual o governante mais apropriado para o País. A maioria votou apenas em quem lhe pareceu mais indicado para melhorar suas condições materiais de vida – mesmo que de forma homeopática e quase irrisória face às oportunidades que a economia mundial oferece neste instante.
E mandou às urtigas valores fundamentais como a honestidade, pois, na percepção cínica que se disseminou entre as massas, todos os políticos roubam, então é preferível ter no Planalto um ladrão que veio do povo.
Daí a sensação de anticlímax na posse. Ninguém espera nada do novo governo moluscóide, além da continuidade do Bolsa-Esmola e de outras pequenas concessões palacianas para tornar a miséria menos insuportável.
Acreditávamos que Lula mobilizaria o povo para mudar o Brasil. Preferiu manter as massas em permanente abulia, dar continuidade à política econômica neoliberal e obter sustentação política por meio do toma-lá-dá-cá de sempre.
Era o Lula-Lá que personificava nossas esperanças. Hoje é, apenas, lula. Com inicial minúscula, em todos os sentidos.
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