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30.10.08

"PARECER BRILHANTE USTRA" REVELOU A VERDADEIRA FACE DO GOVERNO LULA

Se ainda havia dúvidas quanto ao lado para o qual pendem as simpatias do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, estão dirimidas: entre os carrascos da ditadura de 1964/85 e suas vítimas, ele prefere os totalitários.

Isto já se depreendia de vários sinais emitidos por Lula. Como quando insinuou que, se um cidadão continua acreditando nos ideais de esquerda ao tornar-se sexagenário, é porque tem miolo mole.

Ou quando ele aceitou passivamente a nota oficial emitida pelo Alto Comando do Exército para contestar a posição do Ministério da Justiça acerca dos assassinatos de opositores políticos cometidos pelo regime militar, expressa no livro Direito à Memória e à Verdade.

Lula, ademais, consentiu numa quebra de hierarquia, pois o posicionamento dos comandantes colocara em xeque a autoridade do titular da Defesa (foi a última vez em que Nelson Jobim agiu verdadeiramente como ministro: percebendo que dele se esperava apenas a submissão à caserna, adequou-se rapidinho a tal papel).

Já o ministro da Justiça Tarso Genro, por ingenuidade ou segundas intenções, provocou novamente Lula a descer do muro, ao convocar, no final de julho, uma audiência pública para se discutir a punição dos torturadores dos anos de chumbo.

Forçado a tomar partido, o presidente o fez, como sempre, ao lado dos militares, descartando peremptoriamente qualquer iniciativa do Executivo no sentido da revogação da Lei de Anistia. Mandou a esquerda honrar seus heróis e mártires, em vez de ficar exigindo castigo para quem torturou os heróis e executou os mártires.

Finalmente, semanas atrás, o ministro das Minas e Energia Edison Lobão não teve pejo em fazer rasgados elogios aos governos dos generais, colocando até em dúvida se constituíam verdadeiramente uma ditadura. Como ninguém o admoestou, presume-se que estivesse autorizado a dizer o que disse.

Então, o caso da Advocacia Geral da União (AGU) está longe de ser um episódio isolado. É apenas uma expressão mais acintosa da guinada à direita em curso no Governo Lula.

O "PARECER BRILHANTE USTRA" - Desconversas à parte, o que houve agora foi simplesmente isto: a União assumiu a defesa dos ex-comandantes do DOI-Codi/SP, Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir dos Santos Maciel, no processo que lhes-é movido pelos procuradores federais Marlon Weichert e Eugênia Fávero.

Os procuradores pleitearam a responsabilização pecuniária desses militares da reserva pelas mortes e sevícias ocorridas durante o período de 1970/76, quando estiveram à frente daquele centro de torturas. Ou seja, que fossem declarados culpados pelos crimes e práticas hediondas cometidos sob seu comando e repusessem tudo que a União despendeu em reparações a suas vítimas.

Dos 6.897 cidadãos que passaram pelas garras do DOI-Codi/SP, a grande maioria sofreu as torturas de praxe (espancamentos, choques elétricos, pau-de-arara, afogamento, asfixia, etc.), acrescida de uma exclusividade do local: a cadeira-do-dragão, cujos assento e encostos para os braços e cabeça eram revestidos de metal, para aumentar a potência das descargas que a vítima, amarrada, recebia. Vladimir Herzog foi um mártir brasileiro bestialmente assassinado na cadeira-do-dragão.

A União tinha três caminhos a escolher: entrar no processo ao lado dos procuradores, permanecer neutra ou tomar a defesa dos carrascos. Fez uma escolha inconcebível e inaceitável, até porque contradiz frontalmente toda a legislação internacional subscrita pelo Brasil e as recomendações da ONU. O Governo Lula nos tornou párias da civilização, tanto que já fomos chamados a nos justificar perante a OEA (como se fosse possível explicar o inexplicável!).

Em sua defesa dos algozes, a AGU invocou a anistia autoconcedida pela ditadura no ano de 1979, que nada mais representou do que um habeas-corpus preventivo para quem sabia ter incidido em assassinatos em massa (incluindo as mortes durante as sessões de tortura e a execução a sangue-frio de prisioneiros que estavam sob a guarda do Estado), sevícias as mais brutais, sequestros (até de crianças!), estupros, ocultação de cadáveres e outras abominações.

Segundo a AGU, aquela lei colocou uma pedra definitiva sobre o assunto, nada mais havendo a se fazer. É um arrazoado que, obviamente, servirá como munição jurídica para os torturadores, em todos os tribunais a que forem conduzidos.

Talvez seja o caso de o denominarmos Parecer Brilhante Ustra, assim como um casuísmo da ditadura militar para favorecer o pior dos torturadores do Deops/SP recebeu o apelido de Lei Fleury...

TORTURA ERA REGRA, NÃO EXCEÇÃO - Esta decepcionante evolução dos acontecimentos está longe de ser inesperada, vindo ao encontro do que escrevi quando Genro e o secretário especial de Direitos Humanos Paulo Vannuchi promoveram aquela malsinada audiência pública.

Depois que Lula se manifestou claramente contra a revogação da anistia de 1979, Genro tentou maquilar a derrota como vitória, propondo que fossem abertas na Justiça ações contra os ex-torturadores, sob a acusação de terem cometido crimes comuns. Segundo ele, as atrocidades não se tipificavam como crimes políticos e, portanto, ficavam de fora do guarda-chuva protetor da Lei de Anistia.

De imediato, eu adverti que:
* a tortura nunca fora um excesso cometido por meia-dúzia de aloprados nos porões, mas sim uma política de Estado que, embora não assumida formalmente, nem por isso deixara de ser menos efetiva, tendo sido implementada com a concordância ou a omissão de toda a cadeia de comando;
* que o atalho proposto por Genro impediria a responsabilização dos mandantes, permitindo apenas o enquadramento dos executantes;
* que daria aos acusados uma forte arma de defesa, pois eles argumentariam exatamente que estavam apenas cumprindo ordens;
* que não representaria a verdadeira justiça, ficando-se longe de passar o período realmente a limpo; e
* que o caminho judicial seria tão longo e os recursos protelatórios à disposição dos réus, tantos, que poucos deles (ou nenhum) acabariam recebendo a sentença definitiva em vida.

Audir dos Dantos Maciel morreu nesse meio-tempo. Brilhante Ustra, septuagenário, já sofreu crises cardíacas.

E as tentativas de contornar-se a Lei da Anistia, doravante, terão como adversária a União, que oficializou sua posição de endosso à impunidade dos carrascos.

Isto, claro, se não houver um recuo tático do governo, em razão do ultimato de Vannuchi (que deixará sua Pasta se a AGU não retirar o parecer) e das várias manifestações de repúdio que estão pipocando.

Mas, nada impedirá que, dentro de semanas, estejamos novamente nos chocando com a hostilidade de Lula aos ideais e valores da esquerda.

Então, já passou da hora de compenetrarmo-nos que nossas bandeiras não são assumidas pelo atual governo nem serão por ele ou dentro dele viabilizadas. Se quisermos justiça e respeito, teremos de lutar por ambos. Junto à sociedade, não nos gabinetes palacianos.

Bem melhor do que mobilizarmo-nos para derrubar um parecer da AGU, servindo como peões na luta interna do Planalto, seria agirmos de forma autonôma e contra um alvo de primeira grandeza: o entulho autoritário atrás do qual o inimigo está abrigado. A anistia de 1979 tem de ser revogada, em nome das vítimas da ditadura mais brutal que o Brasil já conheceu e de nosso auto-respeito como Nação.

Que se levante a bandeira correta, justa e necessária, de uma vez por todas!

P.S.: ver também CHEGA DE PATINHARMOS SEM SAIR DO LUGAR!, no blog Náufrago da Utopia ( http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/2008/10/chega-de-patinharmos-sem-sair-do-lugar.html )

27.10.08

ELEIÇÕES SEM NADA

Cantei a bola nos dois artigos que escrevi antes do 1º turno: foram eleições sem opções e sem esperanças.

Só havia candidatos do sistema. Fernando Gabeira acabou sendo o único que pareceu remotamente vir na contramão, devido à desigualdade de recursos que fez lembrar as antigas campanhas de "o tostão contra o milhão".

Mas, com seus elogios ao capitalismo, seus recuos das antigas posições "radicais" e as médias que andou fazendo junto aos mercadores da fé e aos senhores da guerra, logo dissipou as tênues esperanças que restavam.

Não era mais Gabeira, embora continuasse usando o rótulo. Virou Qualquer-Coisa. E, como Fernando Qualquer-Coisa, perdeu.

Assim como Marta deixou de ser Suplicy há muito tempo, mas continua usando o sobrenome que hoje não passa de rótulo.

Foi como Suplicy que ela venceu uma vez -- e tão-somente porque escondeu do eleitorado que já deixara de sê-lo, na verdade.

Sem o digno sobrenome, o que sobra? Uma sexóloga de TV com todo jeitão de dondoca daslu. Que nunca seria candidata petista no tempo em que o partido era ideológico. E, agora, mostrou ser uma mala sem alça até mesmo para o PT fisiológico...

Os analistas da imprensa destacam a cristalização de uma nova direita em São Paulo, abarcando o que restou do velho udenismo, do adhemarismo, do janismo, do quercismo e do malufismo, em amálgama nauseabundo com forças de esquerda que guinaram à direita (o velho PCB, o tucanato...).

O certo é que a costura desses restos mortais numa nova criatura política, com Serra no papel de Dr. Frankenstein, foi muito facilitada pela extremada rejeição da classe média paulistana a Marta Qualquer-Coisa e ao próprio petismo.

Pesam contra Marta os estigmas de introdutora de taxas extremamente antipáticas, como a do lixo; de construtora de dois túneis unanimemente tidos como superfaturados, mal concebidos e mal executados; e de arrogante quando criticada, como da vez em que destratou uma dentista cujo consultório fora inundado pelas enchentes e da outra vez em que mandou os torturados pela espera infinita nos aeroportos relaxarem e gozarem.

O PT, por sua vez, carrega o desgaste do mensalão e da traição a suas bandeiras históricas, como a de repúdio aos bancos e ao grande capital. Em vez de governar para os pobres e para a classe média, como prometera, está governando para os muito pobres (que lhe dão votos) e os muito ricos (que lhe garantem poder).

Nada a estranhar, portanto, em que tenha transformado em inimiga a classe média mais encorpada e influente do País, a de São Paulo.

O quadro, depois das eleições municipais, é desalentador.

De um lado o PT reformista/assistencialista, sem a mais remota veleidade de romper as amarras de um modelo econômico que perpetua a desigualdade e a exclusão social.

Do outro, o novo bloco conservador capitaneado pelo PSDB, com o DEM reduzido a coadjuvante de luxo.

E o velho centrão, com o PMDB à frente, barganhando seu apoio no atacado e no varejo.

Pior do que isto, só mesmo o boato de que Lula estaria prestes a desembarcar do PT e vestir uma fantasia de tucano, para ajudar a eleger Serra em 2010, com a contrapartida de ser ele o candidato presidencial em 2014.

Só o fato de que esta hipótese hoje não choca ninguém já é um atestado eloquente do descrédito dos políticos, sem exceção, aos olhos do cidadão comum.

Se consumada, será a ignomínia suprema.

23.10.08

GOVERNO LULA ESCOLHE SEU LADO: O DE BRILHANTE USTRA

Se ainda havia alguma dúvida quanto à posição do Governo Lula diante da ditadura de 1964/85 e as atrocidades por ela cometidas, está dirimida: coloca-se mesmo ao lado dos totalitários.

Quem fala por Lula é o ministro das Minas e Energia Edison Lobão, que acaba de fazer rasgados elogios ao período de arbítrio, questionando até seu caráter de uma verdadeira ditadura; e o ministro da Defesa Nelson Jobim, que se manifesta e age como porta-voz no governo dos contingentes mais retrógrados das Forças Armadas.

Tarso Genro e Paulo Vannuchi, respectivamente ministro da Justiça e secretário nacional de Direitos Humanos, sofreram uma derrota acachapante, com a decisão tomada pela União de assumir a defesa dos ex-comandantes do DOI-Codi/SP, Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir dos Santos Maciel, no processo que lhes-é movido pelos procuradores federais Marlon Weichert e Eugênia Fávero.

Os procuradores pleitearam a responsabilização pecuniária desses militares da reserva pelas mortes e sevícias ocorridas durante o período de 1970/76, quando estiveram à frente daquele centro de torturas. Ou seja, que fossem declarados culpados pelos crimes e práticas hediondas cometidos sob seu comando e repusessem tudo que a União despendeu em reparações a suas vítimas.

Dos 6.897 cidadãos que passaram pelas garras do DOI-Codi/SP, a grande maioria sofreu as torturas de praxe (espancamentos, choques elétricos, pau-de-arara, afogamento, asfixia, etc.), acrescida de uma exclusividade do local: a cadeira-do-dragão, cujos assento e encostos para os braços e cabeça eram revestidos de metal, para aumentar a potência das descargas que a vítima, amarrada, recebia. Vladimir Herzog foi um mártir brasileiro bestialmente assassinado na cadeira-do-dragão.

A União tinha três caminhos a escolher: entrar no processo ao lado dos procuradores, permanecer neutra ou tomar a defesa dos carrascos. Fez uma escolha inconcebível e inaceitável, até porque contradiz frontalmente toda a legislação internacional subscrita pelo Brasil e as recomendações da ONU. O Governo Lula nos tornou párias da civilização.

Em sua defesa dos carrascos, a Advocacia Geral da União invocou a anistia autoconcedida pela ditadura no ano de 1979, que nada mais representou do que um habeas-corpus preventivo para quem sabia ter incidido em assassinatos em massa (incluindo as mortes durante as sessões de tortura e a execução a sangue-frio de prisioneiros que estavam sob a guarda do Estado), sevícias as mais brutais, sequestros (até de crianças!), estupros, ocultação de cadáveres e outras abominações.

A TORTURA ERA REGRA, NÃO EXCEÇÃO - Esta evolução dos acontecimentos, entretanto, está longe de ser inesperada, vindo ao encontro do que escrevi quando Genro e Vannuchi promoveram uma audiência pública para discutir a punição dos torturadores, no final de julho.

Lula, por meio de Jobim, desautorizou qualquer iniciativa do Executivo no sentido da revogação da Lei da Anistia.

Genro tentou maquilar a derrota como vitória, propondo que fossem abertas na Justiça ações contra os ex-torturadores, acusando-os de terem cometido crimes comuns. Segundo ele, as atrocidades não se tipificavam como crimes políticos e, portanto, ficavam de fora do guarda-chuva protetor da Lei da Anistia.

De imediato, eu adverti que:
* a tortura nunca fora um excesso cometido por meia-dúzia de aloprados nos porões, mas sim uma política de Estado que, embora não assumida formalmente, nem por isso deixara de ser menos efetiva, tendo sido implementada com a concordância ou a omissão de toda a cadeia de comando;
* que o atalho proposto por Genro impediria a responsabilização dos mandantes, permitindo apenas o enquadramento dos executantes;
* que daria aos acusados uma forte arma de defesa, pois eles argumentariam exatamente que estavam apenas cumprindo ordens;
* que não representaria a verdadeira justiça, ficando-se longe de passar o período realmente a limpo; e
* que o caminho judicial seria tão longo e os recursos protelatórios à disposição dos réus, tantos, que poucos deles (ou nenhum) acabariam recebendo a sentença definitiva em vida.

Audir dos Dantos Maciel morreu nesse meio-tempo. Brilhante Ustra, septuagenário, já sofreu crises cardíacas.

E as tentativas de contornar-se a Lei da Anistia, doravante, terão como adversária a União, que oficializou sua posição de endosso à impunidade dos carrascos.

Então, fica cada vez mais evidenciado que não se fará justiça sem suprimir-se mais este entulho autoritário. A anistia de 1979 tem de ser revogada, em nome das vítimas da ditadura mais brutal que o Brasil já conheceu e de nosso auto-respeito como Nação. Que se levante a bandeira correta e justa, de uma vez por todas!

Quanto a Genro e Vannuchi, a dignidade impõe que se afastem de um governo que os desautoriza a cada momento.

Assim como a dignidade impõe ao presidente Lula que renuncie à pensão de prejudicado pela ditadura que vem recebendo há décadas e restitua cada centavo aos cofres públicos.

Por uma questão de coerência: quem se alinha com os déspotas e verdugos, moralmente não merece reparação de vítima. É o mesmo caso do Cabo Anselmo.

22.10.08

CASO SANTO ANDRÉ: OS GLADIADORES DO CAPITALISMO PUTREFATO

Um ex-cunhado meu foi economiário durante toda sua trajetória profissional. Entrou office-boy e acabou gerente.

Certa vez me contou que, quando sua agência era assaltada, a maior preocupação dos funcionários era apressarem os bandidos, para que dessem o fora com a grana antes da chegada da polícia: sabiam que os brucutus da lei mandariam bala para todo lado, sem consideração pela vida deles e dos clientes.

Também fiquei conhecendo o Massacre do Carandiru em detalhes, porque trabalhava na Imprensa do Palácio dos Bandeirantes quando o episódio ocorreu.

A soldadesca atirou porque estava apavorada com a fumaça, gritaria e confusão. Então, por despreparo, descarregou o medo no gatilho.

Oficial que se colocasse entre os matadores fardados e seus alvos acabaria recebendo bala também. É o que já aconteceu um sem-número de vezes nas guerras. Na do Vietnã, p. ex., havia mais oficiais estadunidenses mortos pelo fogo amigo do que pelos disparos do inimigo...

O coronel Ubiratan, coitado, nada pôde nem poderia fazer para controlar a tropa. Ele não era nenhum celerado fascistóide, mas sim um comandante de perfil burocrático, contando os dias que faltavam para a aposentadoria e torcendo para que não surgir nenhum contratempo nesse meio-tempo. Tirou o azar grande.

O grande culpado, claro foi o governador Fleury, que ordenou uma invasão desnecessária para exibir seu muque, depois convenceu o secretário da Segurança Pública a segurar o rojão.

Enfim, para quem sabe das coisas, nada há a estranhar em que a ação policial em Santo André tenha sido mais uma comédia de erros com final trágico.

A polícia tem pelo menos uma atenuante: incompetência não chega a ser crime.

Já os abutres da imprensa não têm nenhuma.

Passaram o tempo todo capitalizando um drama em benefício próprio, para saciar a bisbilhotice doentia de seu público.

Comprovaram que a ética do jornalismo foi levada de roldão pela competição e ganância. Está tão morta quanto a tal Eloá.

A VIDA RETOCA A ARTE - Não se preocupando em momento algum com a vida dos patéticos personagens alçados a atração momentânea da arena de gladiadores do capitalismo putrefato, os coleguinhas na ativa fizeram-me até lembrar de um dos grandes clássicos de Hollywood: A Montanha dos Sete Abutres, de Billy Wilder (1951).

O filme mostra um mineiro preso em velhas ruínas indigenas e um repórter ambicioso (Kirk Douglas) que o encontra, pode resgatá-lo de imediato, mas o convence a ficar lá, enquanto extrai todos os dividendos jornalísticos dessa situação.

Manipula a tudo e a todos: a esposa do mineiro, que faz melodrama, posando de semiviúva; o xerife, que lhe concede o direito de controlar como bem entender o acesso ao local; o empreiteiro responsável pela obra de salvamento, para que vá pelo caminho mais longo, esticando ao máximo a duração do espetáculo.

Na véspera do grand finale, entretanto, o mineiro morre de pneumonia. E o abutre responsável pelo desfecho trágico acaba também destruído, pelos remorsos.

O episódio de Santo André também tendia a ser resolvido muito antes, sem tragédia, caso a imprensa não montasse seu circo.

A partir do momento em que virou atração de mídia, o tal Lindemberg passou a representar um papel diferente; afinal, não é qualquer zé mané que tem essa raríssima chance de desfrutar não uns minutinhos ocasionais de fama, mas nada menos do que 100 horas!

Deu no que deu. Agora a ex-namorada está enterrada no caixão e ele passará o melhor de sua vida enterrado numa prisão, se os outros detentos não o matarem antes.

O pior é que se deu uma multiplicação dos abutres. No filme havia apenas um; o título brasileiro se refere ao nome indigena da montanha em que o mineiro ficou meio soterrado.

Em Santo André eram bem mais do que sete. E nenhum deles demonstrou o mínimo remorso, ao contrário do personagem cinematográfico.

A vida não apenas imitou a arte, mas também a retocou. Para pior.

8.10.08

RESISTIR É PRECISO

Desde janeiro de 2007 disponibilizo meus artigos semanais neste blog O Rebate. E, em agosto de 2008, passei a fazer comentários mais ligeiros sobre os principais acontecimentos, diariamente, no blog Náufrago da Utopia.

Embora só tivesse enunciado isto formalmente no mês passado, o que eu fiz, desde o primeiro momento, foi tentar provar que se pode ser revolucionário no século 21, sem resvalar para o jacobinismo (ou seja, respeitando os direitos humanos) nem para o fanatismo (ou seja, praticando o pensamento crítico).

Embora tenha conquistado algum prestígio virtual, continuo quase ignorado pela grande imprensa, que não me ouve nem mesmo quando produz matérias sobre assuntos aos quais estou intimamente ligado, não me contrata, nem me publica. O máximo que tenho obtido são espaços nas seções de leitores para protestar contra as desinformações mais gritantes.

Mas, como disse um jornalista amigo ao resenhar o Náufrago da Utopia, eu sou um sujeito muito teimoso. Passei 34 anos sem desistir de estabelecer a verdade sobre injustiças que sofri como preso político, até que consegui. E estou há quase dois anos tentando provar que as análises corretas podem impor-se a despeito da evidente má vontade da mídia patronal e da mídia chapa-branca, bem como do culto à certificação que se consolidou no Brasil nas últimas décadas.

Apenas me graduei em jornalismo, nunca fiz pós nem MBA, jamais suportei jornadas caça-níqueis de atualização, tendo detestado cada minuto que nelas passei como repórter, cumprindo determinadas pautas. A exemplo dos revolucionários de outrora, fui sempre buscar por mim mesmo o conhecimento que me fazia falta.

Quem acompanha meu trabalho sabe que tenho média de acertos bem maior que a dos me(r)dalhões do sistema. E que corro muito mais riscos do que eles.

Foi o que fiz no último dia 2 de julho, quando a turbulência nos mercados apenas começava. Em meu artigo CRÔNICA DA ESTAGFLAÇÃO ANUNCIADA ( http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/2008/07/crnica-da-estagflao-anunciada.html ), não tive dúvidas em antecipar a gravidade da tempestade que se formava, nem em reabilitar as análises marxistas sobre crises cíclicas do capitalismo, tão desacreditadas pelos economistas a serviço da manutenção do status quo:

"...a alternância de fases de expansão e retração econômicas marca o capitalismo desde o seu início. Por que desta vez seria diferente? De onde os doutos economistas tiraram a idéia de que o crescimento agora seria ininterrupto? Isto me parece mais expressão de desejo do que análise isenta.

"...A desigualdade (...) continuou caracterizando o capitalismo, com a agravante de que os formidáveis avanços científicos e tecnológicos das duas últimas décadas criaram plenas condições para proporcionar-se a cada habitante do planeta o suficiente para uma existência digna.

"Em vez disso, o que houve foi um incremento ad absurdum das atividades parasitárias, totalmente inúteis para o ser humano, cuja expressão mais conspícua, claro, são os bancos, amos e senhores do capitalismo atual.

"E, para que os bens e serviços continuassem sendo consumidos independentemente do poder aquisitivo insuficiente dos consumidores, expandiu-se a oferta de crédito também ad absurdum. Então, desde as nações até as famílias passaram a operar com as contabilidades mais insensatas, em que as contas nunca fecham e os débitos, impagáveis, são sempre empurrados para o futuro.

"É sobre esse pano-de-fundo de artificialidade básica que se projeta a atuação dos grandes especuladores do mercado financeiro, cujo campo de ação foi enormemente ampliado pelo advento da internet.

"Atribuir-lhes (ou às autoridades que não os policiaram suficientemente) a responsabilidade pela estagflação anunciada é tão falacioso agora quanto, p. ex., na quebra da Bolsa em 1929. O nome do vilão sempre foi outro: capitalismo."

Que cada um julgue se eu andei certo ou errado ao anunciar que estávamos às vésperas de uma nova crise cíclica do capitalismo, com a única diferença de que os recursos atuais possiblitaram que ela fosse represada por mais tempo do que no passado (tendendo, portanto, a ter virulência bem maior).

No entanto, já houve manifestação semelhante por parte de um autor respeitável. No final de setembro, o historiador Eric Hobsbawm, que escreveu A Era da Revolução, A Era do Capital, A Era do Império e A Era dos Extremos, afirmou estar havendo “um indiscutível renascimento do interesse público por Marx no mundo capitalista”, provocado, principalmente, pela ocorrência de “uma crise econômica internacional particularmente dramática em um período de uma ultra-rápida globalização do livre-mercado”. E acrescentou:

"É claro que qualquer 'retorno a Marx' será essencialmente um retorno à análise de Marx sobre o capitalismo e seu lugar na evolução histórica da humanidade – incluindo, sobretudo, suas análises sobre a instabilidade central do desenvolvimento capitalista que procede por meio de crises econômicas autogeradas com dimensões políticas e sociais." [o que não passa de uma forma rebuscada de proclamar a atualidade das análises marxistas sobre as crises cíclicas do capitalismo...]

De minha parte, continuarei teimosamente oferecendo análises que o sistema desconsidera e não são lastreadas em autoridade certificada de nenhuma espécie.

E, se mais sites e portais se fecharem para mim como se fecharam todas as portas da grande imprensa, ainda assim vocês poderão acompanhar o meu trabalho nos dois blogs, dia após dia.

Resistir é preciso.

6.10.08

2008: ELEIÇÕES SEM ESPERANÇAS

Houve eleições municipais neste domingo. Sabemos disso porque fomos obrigados a ir votar, ficamos sem o futebol dominical e não pudemos tomar umas e outras nos botecos.

Mas, faltava algo nas ruas: esperança. Ninguém dava mostras de acreditar que algo mudaria, fosse quem fosse eleito.

Menos, é claro, os feios, sujos e malvados que disputaram vagas na Câmara Municipal, movidos quase todos por ambições mesquinhas. Estes se atiraram à luta com a sofreguidão de quem vê uma chance única de subir na vida ou (os que buscavam a reeleição) manter-se num patamar muito acima do facultado por seus reais talentos.

O desfile dessas figuras grotescas no horário eleitoral gratuito parecia show de aberrações em mafuás da periferia. Pouquíssimos sugeriam a mais remota possibilidade de servirem ao povo, já que saltava aos olhos sua escassa competência e a escassez ainda maior de caráter. Mal conseguiam dissimular que queriam mesmo é servir-se do povo, dos cofres públicos e das inesgotáveis benesses do poder.

A principal conclusão a tirar-se dessas eleições já se sabia na véspera: a fisiologia impera, não existindo mais nenhum grande partido movido por ideologia. O PT, última tentativa nessa direção, hoje não vê pecado nenhum em coligar-se com o PPS em 20,3% dos municípios brasileiros, com o PSDB em 19,7% e com o DEM em 17,2%.

Se associar-se aos dois primeiros já embaça as distinções que deveria haver entre situação e oposição, as alianças com o DEM constituíram verdadeira ignomínia: o PT, que nasceu da resistência à ditadura de 1964/85, irmanando-se ao partido herdeiro da Arena, criada pelos militares para dar aparência de legalidade ao jugo da força bruta.

De resto, ficou comprovado que o patrimônio político de Lula é pessoal e intransferível. Sua popularidade sobe aos píncaros, mas não se transmite ao PT e seus aliados, que tiveram desempenho apenas razoável em grandes capitais como São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre, além de amargarem derrotas sofridas em Curitiba e no Rio de Janeiro (onde o prejuízo foi total, pois perdeu ao lado do pior dos candidatos, depois que uma tentativa espúria de beneficiá-lo terminou em tragédia) .

As freqüentes comparações entre Lula e Getúlio Vargas omitem um dado importante: o segundo inspirava verdadeira devoção nos trabalhadores, tanto que foi capaz de eleger até um poste (Eurico Gaspar Dutra), quando impedido de disputar a eleição presidencial.

Já Marta Suplicy, peça-chave no tabuleiro de Lula, ficou exatamente no seu índice habitual de trinta e pouco por cento, apesar de todo apoio presidencial.

Pior: a arrancada de Gilberto Kassab em setembro indica que, quando o eleitorado paulistano passou a interessar-se pelo pleito, inclinou-se na direção do atual prefeito.

Será dificílimo, quase impossível, reverter essa tendência. Não é à toa que dirigentes petistas já aconselham Lula a evitar um comprometimento excessivo com a campanha de Marta no 2º turno.

Finalmente, evidenciou-se que está bloqueado o caminho para outro partido repetir a trajetória do PT -- seja porque o otimismo da década de 1980 cedeu lugar ao conformismo atual, seja por conta da decepção causada pelo próprio PT, ao frustrar as esperanças que despertou.

A classe média, capaz de mobilizar-se por ideais, mostra-se amarga e descrente. Por enquanto, o assistencialismo e o clientelismo estão sendo suficientes para garantir apoios que contrabalançam o êxodo dos melhores seres humanos.

Mas, já sem apelo para corações e mentes, Lula e o PT dependerão do que puderem oferecer para as barrigas. Enquanto proporcionarem melhoras materiais, mesmo que ínfimas, têm chance de perpetuarem-se no poder.

Se a crise cíclica do capitalismo atingir um estágio mais agudo, entretanto, já não haverá como manter essa sustentação, em última análise, comprada.

Aí vai lhes fazer muita falta a ardorosa militância que sustentava o partido nos tempos difíceis e foi trocada pelos interesseiros sempre em busca de partidos que os sustentem.
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