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30.9.10

FECHANDO O DOSSIÊ DO GERALDO VANDRÉ

Depois de finalizado, postado e expedido o artigo Vandré: de rei a trapo em 58 dias, ocorreu-me outra solução para a charada, que honestamente dividirei com vocês, já que nunca tive compromisso com prestígio e infalibilidade.

Freud nos ensinou que lapsos são significativos, costumam trazer à tona a verdade que não se pode revelar ou não se quer admitir.

Então, chamou-me a atenção que, na entrevista de 2004, Vandré situou sua volta ao Brasil no final da década de 1970. Evidentemente, a imprecisão foi atribuída a problemas mentais.

No Dossiê Globo News, entretanto,  ele agora forneceu as datas de chegada e de anúncio da chegada com total precisão: 14 de julho e 11 de setembro.

Parece que, tanto em 2004 quanto agora, ele nos deu uma dica: os motivos de sua mudança de comportamento devem ser buscados em 1973.

Veio-me à lembrança o episódio do dirigente bolchevique que, ao depor num dos julgamentos stalinistas, admitiu os crimes mais inverossímeis, como espionagem a serviço das potências ocidentais e tentativa de envenenar os reservatórios de água soviéticos.

Mas, lá pelas tantas, encaixou a frase: "Todos sabemos que a tortura é um instrumento medieval de justiça".

Os tacanhos Torquemadas acreditaram que ele estivesse negando a existência da tortura na URSS. Mas, na verdade, mandara um recado cifrado, de que se acusava daqueles absurdos para que não o supliciassem mais.

Não fui o único a notar que Vandré nos deu toques nas entrelinhas.

Mas, por que tantos rodeios, afinal? O que o impedia de, em plena democracia, dar nomes aos bois?

Aí, lembrei-me das três ou quatro horas que papeamos em 1980, no seu apartamento da rua Martins Fontes (SP).

O mais significativo de tudo foi a resposta que deu quando perguntei se, aproveitando a liberação pela censura da "Caminhando" e o sucesso que fazia na voz da Simone, ele não aproveitaria para reatar sua carreira.

Respondeu que a música poderia voltar mas, se ele tentasse voltar junto, correria sério risco pessoal.

Perguntei se havia sido ameaçado. Desconversou.

Concluí que ele estivesse se referindo aos atentados terroristas então cometidos pela  linha dura, na tentativa de inviabilizar a  distensão lenta, gradual e progressiva  do ditador Geisel. Se incendiavam bancas de jornais e expediam cartas-bombas a torto e a direito, o que lhes impediria de atentarem contra um artista-símbolo?

Mas, e se a razão do seu temor fosse outra? E se houvesse passado por situações tão traumáticas que a possibilidade de revivê-las fosse totalmente inadmissível para ele?

Ora, com certeza os militares se aproveitariam disto. Por exemplo, com uma variante do velho artifício do  policial ruim x policial bom.

Com os presos políticos mais jovens essa jogada era quase sempre tentada. Uns torturadores se mostrando mais bestiais ainda que de hábito, enquanto outro agente fingia compadecer-se e estar tentando ajudar.

Com militantes quase nunca colava. Mas, com um artista, quem sabe?

E, se os espantalhos seriam naturalmente os gorilas das outras Armas, mais identificadas com a repressão política, os aviadores se constituiriam na opção óbvia para o papel de amigos e protetores do Vandré.

Terão tentado isso com ele? Terá ele acreditado?

O certo é que esta possibilidade faz muito mais sentido do que aceitarmos como normal sua devoção pela FAB, a tecla mais desafinada de toda sua entrevista de sábado e de todas as suas declarações de um bom tempo para cá.

Em 1980, ele deixou transparecer  para mim que utilizava as esquisitices para ser considerado inofensivo por aqueles que poderiam fazer-lhe mal.

Agora também ele ora parece estar encenando uma farsa, ora ter um motivo para suas ações que não quer ou não pode revelar.

Entre os que foram submetidos a essa máquina de triturar seres humanos, há os que continuam paranóicos até hoje. Não seria nada surpreendente e inaudito se Vandré ainda temesse estar na mira dos antigos algozes, e visse nos oficiais da FAB seus guardiães.

29.9.10

VANDRÉ: DE REI A TRAPO EM 58 DIAS

"Ele foi um rei, e brincou com a sorte
Hoje ele é nada, e retrata a morte
Ele foi um rei, e brincou com a sorte
Hoje ele é nada, e retrata a morte

Ele passou por mim, mudo e entristecido
Eu quis gritar seu nome, não pude
Ele olhou pra parede, disse coisas lindas
Disse um poema pr'um poste, me veio lágrimas

O que fizeram com ele? Não sei
Só sei que esse trapo, esse homem foi um rei
O que fizeram com ele? Não sei
Só sei que esse trapo, esse homem foi um rei"
("Tributo A Um Rei Esquecido", Benito Di Paula)

Ainda sobre o enigma Geraldo Vandré, eis mais elementos para corroborar minha tese  de que, a despeito de tudo que haja sofrido antes de deixar o País do AI-5, sua transformação de rei em trapo se deu na volta para o Brasil, quando a ditadura dele se apossou em 14/07/1973 e só o liberou em 11/09/1973, anunciando então sua chegada como se tivesse acabado de desembarcar.

Eis duas declarações de 2004, em entrevista que Vandré então concedeu a Ricardo Anísio, do Jornal do Norte:
"...eu voltei [do exílio] doente e meio perdido em meu país, quando justamente os militares  me  acolheram  (!) e  me deram tratamento médico (!!), e  me alojaram (!!!)".

"... havia escrito a canção ["Fabiana"] porque sempre fui um apaixonado por aviões. Agora, a minha relação com as Forças Armadas hoje, é de muito  respeito mútuo  (!).  Eles me tratam com dedicação (!!) e  sabem das minhas questões existenciais (!!!)".
Na verdade, Vandré foi mas é internado numa clínica psiquiátrica e, em depoimento que li na internet, uma companheira que também estava lá relatou que ele se encontrava sob vigilância de agentes da ditadura, impedido de falar com os outros pacientes.

Há também referências a uma internação em 1974, numa clínica do bairro de Botafogo (RJ), depois de uma crise de nervos durante a qual teria ameaçado esfaquear a irmã.

Mas é a do ano anterior que realmente importa. Pode-se dizer que se constituiu num divisor de águas. Vandré era um antes e se tornou outro depois.

Vale citar o Timothy Leary, aquele mesmo do LSD, que foi também uma das mais respeitadas autoridades científicas no estudo das lavagens cerebrais:
"O trabalho de lavagem cerebral é relativamente simples, consistindo basicamente na troca de alguns circuitos robóticos por outros. Assim que a vítima passa a encarar o reprogramador como a criança encara seus pais - fornecedores de segurança vital e de apoio para o ego - qualquer nova ideologia pode ser inculcada no cérebro.

"Durante o estágio de vulnerabilidade, qualquer pessoa pode ser convertida a qualquer sistema de valores. Facilmente podemos ser induzidos a entoar 'Hare Krishna, Hare Krishna' como 'Jesus morreu por nós', ou a bradar 'abaixo o Vaticano', aceitando plenamente as ideologias que estão por trás desses temas".
Fragilizado por tudo que sofrera, incluindo problemas com drogas, Vandré pode muito bem ter, naqueles suspeitíssimos 58 dias, sido induzido a bradar "viva a FAB", retratando a morte.

Enquanto não soubermos no que realmente consistiu o tal  tratamento médico  proporcionado pelos militares quando  acolheram  e  alojaram  o Vandré, não poderemos, em sã consciência, descartar a hipótese de lavagem cerebral.

Com a palavra, os jornalistas investigativos e os historiadores.

OUTRA EXPLICAÇÃO

Depois de finalizado, postado e expedido este texto, ocorreu-me outra solução para a charada, que honestamente dividirei com vocês, já que nunca tive compromisso com prestígio e infalibilidade.

Freud nos ensinou que lapsos são significativos, costumam trazer à tona a verdade que não se pode revelar ou não se quer admitir.

Então, chamou-me a atenção que, na entrevista de 2004, Vandré situou sua volta ao Brasil no final da década de 1970. Evidentemente, a imprecisão foi atribuída a problemas mentais.

No Dossiê Globo News, entretanto,  ele agora forneceu as datas de chegada e de anúncio da chegada com total precisão: 14 de julho e 11 de setembro.

Parece que, tanto em 2004 quanto agora, ele nos deu uma dica: os motivos de sua mudança de comportamento devem ser buscados em 1973.

Veio-me à lembrança o episódio do dirigente bolchevique que, ao depor num dos julgamentos stalinistas, admitiu os crimes mais inverossímeis, como espionagem a serviço das potências ocidentais e tentativa de envenenar os reservatórios de água soviéticos.

Mas, lá pelas tantas, encaixou a frase: "Todos sabemos que a tortura é um instrumento medieval de justiça".

Os tacanhos Torquemadas acreditaram que ele estivesse negando a existência da tortura na URSS. Mas, na verdade, mandara um recado cifrado, de que se acusava daqueles absurdos para que não o supliciassem mais.

Não fui o único a notar que Vandré nos deu toques nas entrelinhas.

Mas, por que tantos rodeios, afinal? O que o impedia de, em plena democracia, dar os nomes aos bois?

Aí, lembrei-me das três ou quatro horas que papeamos em 1980, no seu apartamento da rua Martins Fontes (SP).

O mais significativo de tudo foi a resposta que deu quando perguntei se, aproveitando a liberação pela censura da "Caminhando" e o sucesso que fazia na voz da Simone, ele não aproveitarei para reatar sua carreira.

Respondeu que a música poderia voltar mas, se ele tentasse voltar junto, correria sério risco pessoal.

Perguntei se havia sido ameaçado. Desconversou.

Concluí que ele estivesse se referindo aos atentados terroristas então cometidos pela linha dura, na tentativa de inviabilizar a  distensão lenta, gradual e progressiva  do ditador Geisel. Se incendiavam bancas de jornais e expediam cartas-bombas a torto e a direito, o que lhes impediria de atentarem contra um artista-símbolo?

Mas, e se a razão do seu temor fosse outra? E se houvesse passado por situações tão traumáticas que a possibilidade de revivê-las fosse totalmente inadmissível para ele?

Ora, com certeza os militares se aproveitariam disto. Por exemplo, com uma variante do velho artifício do  policial ruim x policial bom.

Com os presos políticos mais jovens essa jogada era quase sempre tentada. Uns torturadores se mostrando mais bestiais ainda que de hábito, enquanto outro agente fingia compadecer-se e estar tentando ajudar.

Com militantes quase nunca colava. Mas, com um artista, quem sabe?

E, se os espantalhos seriam naturalmente os gorilas das outras Armas, mais identificadas com a repressão política, os aviadores se constituiriam na opção óbvia para o papel de amigos e protetores do Vandré.

Terão tentado isso com ele? Terá ele acreditado?

O certo é que esta possibilidade faz muito mais sentido do que aceitarmos como normal sua devoção pela FAB, a tecla mais desafinada de toda sua entrevista de sábado e de todas as suas declarações de um bom tempo para cá.

Em 1980, ele deixou transparecer  para mim que utilizava as esquisitices para ser considerado inofensivo por aqueles que poderiam fazer-lhe mal.

Agora também ele ora parece estar encenando uma farsa, ora ter um motivo para suas ações que não quer ou não pode revelar.

Entre os que foram submetidos a essa máquina de triturar seres humanos, há os que continuam paranóicos até hoje. Não seria nada surpreendente e inaudito se Vandré ainda temesse estar na mira dos antigos algozes, e visse nos oficiais da FAB seus guardiães.  

26.9.10

A PERGUNTA NÃO FOI RESPONDIDA: O QUE ACONTECEU COM VANDRÉ?

"Não há por que mentir ou esconder
a dor que foi maior do que é capaz meu coração"
("Pequeno Concerto Que Virou Canção")


Foi um banho de água fria, um anticlímax, o Dossiê Globo News que marcou o reencontro dos telespectadores brasileiros com Geraldo Vandré, aos 75 anos de idade e 37 depois do última e deprimente aparição.
 
De positiva há a intenção manifestada por ele de retomar as atividades musicais, nem que seja gravando composições em espanhol, num país latino-americano qualquer.

E sua intenção de enveredar por poemas sinfônicos não é  tão despropositada como possa ter parecido para os que ignoram ser ele autor de uma missa apresentada em conventos dominicanos, Paixão Segundo Cristino.

Mas, não foi desta vez que a pergunta do repórter Geneton Moraes Neto – e de todos nós – teve verdadeira resposta: o que aconteceu, afinal, com Geraldo Vandré?

Só nos resta torcer para que o jornalista Vitor Nuzzi, na biografia que logo lançará do cantor e compositor paraibano, consiga desvendar o enigma.

Em primeiro lugar: Vandré foi torturado antes de partir para o exílio?

Há ex-preso político que garante tê-lo visto desmaiado numa sala de tortura. Mas, naquelas circunstâncias tão dramáticas, podia-se tomar uma pessoa por outra, ou confundir imaginação e realidade.

Quando eu estava preso na PE da Vila Militar, ouvi de cabos e sargentos relatos terríveis sobre as humilhações e indignidades a que submeteram Caetano Veloso e Gilberto Gil. Orgulhavam-se de haver colocado “no seu lugar” aquelas “bichas choronas”...

Mas, as torturas brutais não eram decididas por cabos da guarda e carcereiros entediados, e sim pelos oficiais, que as reservavam para os casos em que havia informações a serem arrancadas.

Então, Vandré só haverá sido massacrado se os ressentimentos contra ele, de tão exacerbados, tiverem feito com que recebesse tratamento diferente do habitual.

Pode ser, os militares nunca engoliram a estrofe famosa da “Caminhando”:
“Há soldados armados, amados ou não
Quase todos perdidos, de armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam antigas lições
De morrer pela pátria e viver sem razões”
É estranha a seletividade de sua memória, ao reconhecer, p. ex., que se refugiou na casa da viúva do Guimarães Rosa, mas omitir que o então governador de São Paulo, Abreu Sodré, o escondeu no próprio Palácio dos Bandeirantes. Quem me revelou isto, um companheiro jornalista que então atuava na imprensa palaciana, é totalmente confiável.

O certo é que, ou fugiu do País ao receber aviso da Dedé, mulher do Caetano (conforme alega) ou foi preso e depois despachado para o exterior (a versão mais plausível), vagou pelo Chile e pela França, sentiu-se infeliz e amargurado, teve problemas com drogas.

Seu disco francês (Das Terras de Benvirá) é pungente, inventário das dores de uma geração que viu seus sonhos destruídos e pagou altíssimo preço pela derrota. Chega a chorar nitidamente no meio da interpretação.

Mas, ainda era Vandré:
“Eu canto o canto
Eu brigo a briga
Porque sou forte
E tenho razão”
("Vem Vem")
Acabou não agüentando a barra do exílio e, como era usual, teve de negociar com a ditadura as condições de sua volta, para “não ter na chegada/ que morrer, amada/ ou de amor, matar” ("Canção Primeira").

Indagado sobre a entrevista que concedeu de imediato, na qual declarou a intenção de só fazer dali em diante canções de amor, ele agora diz:
“Gostaria de rever as imagens. Houve a gravação. O que foi para o ar, não sei. Queriam que fizesse uma gravação. Não lembro mais. Mas nada disse que não tenha querido dizer. Aquela declaração foi feita a pedido de alguém que se apresentou como policial federal. Fiz um depoimento aqui, no Rio. Depois disseram que tinha que ir para Brasília. Cheguei ao Brasil em 14 de julho. Em 11 de setembro de 1973, apareço como se estivesse chegando em Brasília. O depoimento foi gravado antes. Gravaram minha imagem descendo do avião em Brasília. Tudo muito manipulado. Tive que passar por um processo de readaptação ao voltar”.
A gravação era sempre parte do acordo, previamente combinada, e não “feita a pedido de alguém que se apresentou como policial federal”.

Com Gilberto Gil aconteceu o mesmo. Foi mostrado em pleno aeroporto, declarando: “Não tenho mais compromissos com a História”. Uma variante de “agora só farei canções de amor”. Os serviços de guerra psicológica das Forças Armadas não eram lá muito sutis...

Também não acredito que o depoimento tenha sido prestado a uma produtora independente. Quem costumava cumprir tais tarefas para a ditadura era a própria Globo.

E está inteiramente confirmado que o alegado "processo de readaptação" foi algo bem diferente: Vandré recebeu tratamento psiquiátrico, sob controle da ditadura, nesse período entre 14 de julho e 11 de setembro de 1973. 

Pode-se, sim, levantar a hipótese de lavagem cerebral.

De que, nesses quase dois meses em que o tiveram indefeso em suas mãos, extremamente fragilizado, hajam nele incutido a bizarra devoção pela Força Aérea Brasileira, a ponto de ele compor uma canção homenageando a FAB e de dar agora entrevista em instalações da Aeronáutica, trajando abrigo da Academia da Força Aérea.

Que o tenham condicionado a gostar do  policial bom  faz mais sentido do que uma  síndrome de Ícaro num homem com sua idade e história de vida.

Mas, é claro, trata-se apenas de uma hipótese.

25.9.10

É HOJE: TV LEVA AO AR 1ª ENTREVISTA DE VANDRÉ DESDE 1973!

Neste sábado (25), às 21h05, o canal por assinatura Globo News apresentará uma atração imperdível:
"Depois de quatro décadas de isolamento, o cantor e compositor que se transformou em um dos maiores enigmas da MPB resolve finalmente quebrar o silêncio (...). Geraldo Vandré deu uma entrevista ao repórter Geneton Moraes Neto no dia em que completava 75 anos de idade. Desde que voltou do exílio, no segundo semestre de 1973, ele não falava para a TV".
O Dossiê Globo News com Geraldo Vandré será reprisado no domingo (26), às 04h05 e às 12h30; e na 2ª feira (27), às 15h30.
HOMENAGEM
Para dimensionar a importância de Geraldo Vandré na música e na sociedade brasileira, recomendo dois diferentes enfoques de sua trajetória:
Quem tiver interesse, encontrará também no meu blogue o teleteatro que criei a partir de uma das composições do Vandré: Geração Maldita.

24.9.10

REFLEXÕES SOBRE O GOLPISMO E A HIDRA

Para que não pairem dúvidas, esclareço: meus alertas sobre a montagem de cenário para nova quartelada apenas colocam em evidência uma das tendências do quadro político atual -- e que não é a dominante neste momento.

Percebe-se claramente que a extrema-direita não acredita mais em reação dos seus candidatos na eleição presidencial do mês que vem. Dá a derrota como inevitável e já trabalha para uma virada de mesa.

Alguns textos publicados na imprensa também são, nitidamente, direcionados para o que virá depois da eleição de Dilma Rousseff. Caso do famoso editorial no qual a Folha de S. Paulo exortou a que se dê  paradeiro  no lulismo.

Entretanto, vale repetir mais uma vez, tudo isso só se tornará ameaça real se os eternos conspiradores conseguirem convencer os realmente poderosos de que poderão perder seus privilégios.

Sem o apoio do grande capital e dos EUA não se derruba governo no Brasil.

Quanto à caserna, também não mostra entusiasmo por aventuras que terminaram muito mal no passado, quando o poder usurpado teve de ser devolvido sob a vara da execração popular.

O passado nos ensina que os fardados são sempre a última e decisiva peça a ser colocada no quebra-cabeças golpista. Nada existe a temermos, por enquanto.

A faina manipulatória da grande imprensa serve tanto para ajudar os demotucanos a tentarem ainda virar a disputa eleitoral, como para enfraquecer previamente o governo de Dilma Rousseff e também para lastrear recaídas totalitárias. É de espectro amplo.

Da mesma forma, por trás do tal "Manifesto em Defesa da Democracia" estão tanto as figurinhas carimbadas da direita troglodita (Reinaldo Azevedo à frente), como os serristas.

Assim, o secretário de Relações Institucionais do governo paulista, Almino Affonso, está convocando um ato para a próxima 4ª feira (29), na Praça da República (capital paulista), de repúdio às declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a imprensa e de apoio ao candidato demotucano.

Candidamente, admitiu:
"[o manifesto dos notáveis] não faz referência a Serra, mas reforça sua candidatura. Vamos dar continuidade, com outra cara".
Aliás, a mesma duplicidade se verificava no Cansei!: havia também os legalistas, claro, mas a rede virtual neofascista apoiou em peso o movimento, na esperança de que se tornasse uma nova Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade.

A burguesia, como a hidra, tem muitas cabeças.

A pior delas, com certeza, vai se tornar bem visível após a proclamação do resultado das urnas.

Os reacionários mais empedernidos não deixarão de tentar qualquer coisa, face à perspectiva de outros oito anos de lulismo no poder (os quatro de Dilma, seguidos da volta de Lula em 2014). E o mais provável é que fracassem de novo.

Trata-se de algo que não nos deve assustar nem deter, mas contra o qual precisamos nos precaver, para não sermos apanhados de pijama, como fomos em 1964 ou como Zelaya foi no ano passado.

22.9.10

O LOBO ESTÁ USANDO DE NOVO A PELE DE CORDEIRO

Humildemente, admito meu erro: não será no ano que vem que a direitalha começará a preparar uma virada de mesa, em razão da nova e acachapante derrota eleitoral.

Foi assim que eles agiram quando o presidente Lula conquistou seu segundo mandato.

Um semestre depois, tentaram reeditar a Marcha da Família, Com Deus, Pela Liberdade.

Só que o tal do Cansei! (foto) foi simplesmente ridículo, reunindo míseras 4 mil testemunhas no espaço imenso da Praça da Sé.

Mecanicamente, acreditei que a história se repetiria. E afirmei, no artigo As ameaças existem e ignorá-las poderá ser trágico (o qual,  timing  à parte, continua sendo uma boa  crônica da quartelada anunciada, a ser levada em conta pelos que têm a obrigação de adotar contramedidas):
"Podemos dar como favas contadas que haverá cidadãos querendo derrubar o governo no início de 2011".
Eu não espeava que, duas semanas antes do pleito, a direita golpista já tivesse desistido da cartada eleitoral e passado à etapa seguinte.

Então, um de seus mais notórios porta-vozes, Reinaldo Azevedo, está lançando a nova versão do Cansei!, provavelmente porque o João Dória ainda não se recuperou do último fiasco. Deve continuar cansadinho.

Na exortação carnavalesca que RA inseriu nesta 4ª feira em seu blogue da Veja (A democracia e o estado de direito pedem passagem...), ele deixou bem evidenciada, em caixa alta, a genealogia do novo movimento, que utiliza um manifesto de notáveis como abre-alas:

"NÃO ESTAMOS CANSADOS (sic)! AO CONTRÁRIO! ESTAMOS CHEIOS DE ENERGIA PARA DEFENDER A DEMOCRACIA, O ESTADO DE DIREITO E A LIBERDADE DE IMPRENSA".

Ou seja, a Marcha da Família foi um dos estopins de uma tragédia; o Cansei! de 2007, uma tentativa farsesca de a bisar; e o Cansei! de 2010 não passaria da farsa que reedita a farsa... como desfile carnavalesco?

Pateticamente, RA acusa "o PT e sindicalistas" de "flerte com a barbárie ditatorial", como se, afora a alegada (e, bem vistas as coisas, inofensiva) "truculência retórica", partisse deles a maior ameaça à democracia e ao estado de direito.

Não, a esquerda brasileira pode ser dada às bravatas da boca pra fora, mas as mordidas provêm sempre da direita, com seu know-how golpista aprimorado ao longo dos tempos: 1954, 1961, 1964...

Infelizmente, alguns homens dignos se deixaram iludir por esse alarmismo insuflado dia e noite pela mídia tendenciosa. Não serei eu a desmerecer suas magníficas trajetórias.

Apenas lamento que hoje estejam servindo de inocentes úteis para as vis tramóias dos inúteis.

21.9.10

PARA MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, REVER REPARAÇÕES NÃO É ATRIBUIÇÃO DO TCU

A Agência Brasil informa: o Ministério da Justiça pediu ao Tribunal de Contas da União que reconsidere sua decisão de revisar mais de 9 mil reparações econômicas concedidas a vítimas da ditadura militar.

Esclarece que as reparações, ainda que pagas mensalmente e de forma contínua, “têm natureza jurídica indenizatória, e não de pensão”.

Incorreu, portanto, em grave equívoco o procurador Marinus Eduardo Marsico, cujo objetivo assumido é forçar a redução dos valores concedidos a Maria Pavan Lamarca (viúva de Carlos Lamarca, executado por militares quando estava rendido e indefeso, sob a guarda do Estado brasileiro) e aos jornalistas Jaguar e Ziraldo.

Ele passou batido pelo fato de que as reparações estão fora da alçada do TCU, ao qual, segundo a Constituição, cabe apenas fiscalizar aposentadorias e pensões de servidores públicos e familiares.

Ignorou, inclusive, decisão anterior do próprio Tribunal de Contas, que, em processo de anistiados da Força Aérea Brasileira (TC 026.848/2006-1), reconheceu: “não se extrai do texto constitucional qualquer possibilidade de o TCU adentrar terreno da discricionariedade política dos atos de governo”.

O documento enfatiza que a indenização aos anistiados não tem “natureza previdenciária”, não é um direito decorrente do recolhimento de trabalho e contribuição à Previdência Social, mas um direito devido a uma lesão provocada pelo Estado. Daí decorre que “o ato de concessão da declaração da anistia, bem como da prestação permanente e continuada, não se submete a registro perante a Corte de Contas”.

Segundo o MJ, além de inconstitucional, a decisão do TCU é “inoportuna” e “injustificável”, agravando a não reconciliação do Estado com as pessoas perseguidas pelo regime militar: 
“Com a ausência de arquivos disponíveis para a sociedade, com a negativa do direito à proteção judicial das vítimas em relação aos seus torturadores, com a incapacidade do Estado em localizar os restos mortais dos desaparecidos políticos, o processo reparatório resta como baluarte da transição rumo à reconciliação”.

DIRIGENTES CUBANOS VILIFICAM TRABALHADORES

Logo que foi noticiado o plano cubano de demitir 500 mil funcionários do setor estatal, equivalentes a quase 10% dos trabalhadores do país, eu já lamentei a sorte dos coitadezas que não têm "sequer um sindicato que os defenda da guilhotina, digo, do enxugamento de quadros".

Exatamente uma semana depois, a enviada especial da Folha de S. Paulo a Havana bate na mesmíssima tecla, qualificando de "fenômeno original" o papel assumido pela entidade sindical, a Central dos Trabalhadores de Cuba, de anunciar e administrar o passaralho: "em vez de defender a manutenção dos empregos, é quem apresenta as propostas de cortes".

Pior ainda é a realidade que a retórica dos dirigentes nos permite vislumbrar:
"Não é possível manter três motoristas por equipe, pagando salários que não têm respaldo na produção" (Salvador Valdés Mesa, secretário-geral da CTC).

"[a reestruturação visa coibir] a baixa produtividade, as indisciplinas, as violações do estabelecido, o roubo, a falta de ética e atuações ilícitas por falta de exigência e rigor" (jornal Trabalhadores).
Para Valdés Mesa, a degola é necessária para a defesa da Revolução. "E, defendendo a Revolução, defendemos os trabalhadores."

Primeiramente, o óbvio: é repulsivo estarem apresentando medidas de ordem macroeconômica como se fossem tão somente um castigo para os trabalhadores relapsos.

Já não basta atirá-los na rua da amargura? Ainda têm de expô-los à execração dos demais, ao trombetearem que a culpa é deles mesmos?

O certo é que, por diversos motivos, dentre os quais o embargo estadunidense, o modelo cubano não estava funcionando e se decidiu admitir que os investimentos privados tenham maior peso na atividade econômica (hoje, sua participação está na casa de 5%).

Era isto que deveria ser exposto, honestamente, ao povo cubano. A verdade é revolucionária, lembram?

Mas, este poderia concluir que, afinal, os dirigentes não são infalíveis, errando como qualquer humano erra.

Então, para que não pairasse dúvida acerca da divindade da  nomenklatura, o jeito foi vilificar os demitidos, erigindo-os em bodes expiatórios.

Que cada companheiro decida de que lado está, quando se chocam os trabalhadores e o Estado que deveria a eles pertencer. Eu me alinharei sempre com os trabalhadores.

De resto, fica mais uma vez evidenciado que eles não estão encarando o trabalho como sua contribuição para a sociedade. Têm a mesma má vontade e os mesmos desígnios individualistas de quem está submetido ao capitalismo.

Para não alongar esta discussão, constatarei que, se isto ocorre após cinco décadas de Revolução, só podemos depreender que:
  • ou os trabalhadores querem mesmo é melhora material, consumismo, lixando-se para a libertação da sociedade como um todo -- o que implicaria a inexistência de esperança para a humanidade;
  • ou o que  pegou  foi só a tentativa de se construir o socialismo num país isolado e atrasado.
Fico com Marx: nosso objetivo não é a igualdade na penúria, mas sim a distribuição equânime das riquezas.

As que já são geradas e as que o seriam caso o labor dos homens priorizasse o socialmente útil, descartando o suntuário e o parasitário (cujo peso é cada vez maior, à medida que se aprofunda a degenerescência do capitalismo).

A mudança de foco -- da ganância e da busca do privilégio para a solidariedade e o bem comum -- ou se dará em escala mundial, puxada pelos países de economia mais avançada, ou vai abortar, gerando modelos híbridos como o soviético, o chinês e o cubano, que fracassam e acabam reintroduzindo o capitalismo.

Estou sendo herético?

Não, estou apenas resgatando o Marx original, que pouca gente leu.

19.9.10

ALÉM DA CREDIBILIDADE, A 'FOLHA' PERDEU O SENSO DE RIDÍCULO

Na última 4ª feira (15), certo de que a Folha de S. Paulo continuaria escamoteando as boas práticas jornalísticas, postei e divulguei o artigo Caso Battisti: a 'Folha' driblará de novo o direito de resposta?.
Resumindo:
  • o jornal publicara na 2ª feira um panfletinho canhestro, de viés escrachadamente direitista, perpetrado por uma nada ilustre desconhecida para pressionar o presidente Lula a decidir de maneira injusta e indigna o caso da extradição do perseguido político italiano Cesare Battisti;
  • no mesmo dia o companheiro Carlos Lungarzo detonou tal falácia parágrafo por parágrafo, produzindo uma refutação exemplar e enviando-a à Folha lá pela hora do almoço;
  • o pasquim da  ditabranda  começou a enrolar o Lungarzo na própria 2ª e continuou na 3ª, com o editor de Opinião finalmente prometendo uma resposta... para a 5ª, quando o assunto estaria frio como um iceberg;
  • antes disto, na 4ª, publicou no Painel do Leitor uma refutação do advogado Barroso, fiel à sua prática de fornecer tribuna privilegiada para as piores aberrações e relegar as contestações à seção de leitores, que o Paulo Francis apropriadamente definia como "muro das lamentações";
  • cantei a bola no meu artigo, antecipando que este seria o pretexto utilizado pela Folha para não publicar o artigo do Lungarzo, negando-lhe o direito de resposta no mesmo espaço e com o mesmo destaque, como era praxe no jornalismo de verdade, mas deixou de sê-lo quando os jornais ficaram submetidos a banqueiros credores ou a filhinhos de patrões.
Errei: o pretexto que o editor de Opinião utilizou para tapar o sol com a peneira, desta vez, foi de que eu publicara o artigo do Lungarzo no meu blogue e, provavelmente, o espalhara pela minha rede...

Esperei até hoje para ver se a ombudsman, em sua coluna dominical, cumpriria seu dever de abordar este caso. Também se omitiu.

Então, só me resta dividi-lo com vocês.

É hilário constatar que, da forma como o editor de Opinião da Folha colocou a questão, euzinho fui colocado em pé de igualdade com o autoproclamado maior jornal do País: o que sai no blogue do Lungaretti, a Folha não publica.

Foi a homenagem que o vício prestou à virtude, pois, modéstia à parte, nos meus espaços se pratica um jornalismo inexistente na Folha desde os idos dos '70, quando tinha um diretor de redação de verdade, Cláudio Abramo.

Da mesma forma que o Gabeira e o Serra abdicaram da própria identidade, tornando-se o avesso do que eram, a Folha hoje não passa de um ex-jornal que virou mero  house organ  da direita golpista, obcecado em fabricar factóides políticos, no afã de fornecer munição eleitoral para tais e quais candidaturas em detrimento de outras.

Seu compromisso não é mais com a informação, e sim com a manipulação.

17.9.10

PAUTA GOLPISTA: 'FOLHA' PEDE QUE SE DÊ "PARADEIRO" NO LULISMO

Quando surgiam as mais escabrosas revelações sobre o esquema de corrupção montado por PC Farias, meus colegas de trabalho no Palácio dos Bandeirantes, alguns com décadas de atuação na imprensa governamental, eram unânimes em afirmar que o tesoureiro de Fernando Collor apenas fizera, de forma mais amadoresca, o que todos faziam: "Onde já se viu passar cheques a torto e a direito? Deveria pagar tudo em dinheiro vivo, como o daqui..."

Por conhecer a História deste país e saber muito bem como  aquilo que todos fazem  foi trunfo importante para os conspiradores que causaram a morte de Getúlio Vargas e derrubaram o governo legítimo de João Goulart, eu reintroduzi no debate político uma velha máxima do Paulo Francis: combate à corrupção é bandeira da direita.

Agora, talvez, a ficha caia para os companheiros que não concordaram comigo quando a bola da vez era Daniel Dantas -- o qual, como PC Farias, apenas dera bandeira ao fazer o que fazem todos os banqueiros (parasitas supremos do capitalismo), pois o maior crime de todos é a própria fundação do banco, como falou e disse Bertold Brecht.

Agora, foi só ser exposto um dos infinitos esquemas de corrupção existentes no Brasil e a mídia golpista já começou a espalhar sugestões veladas de golpe de estado, como faz a Folha de S. Paulo em seu editorial desta 6ª feira:
"Nesta hora em que as pesquisas de intenção de voto apontam para uma vitória acachapante da candidata oficial, mais do que nunca é preciso estabelecer limites e encontrar um paradeiro à ação de um grupo político que se mostra disposto a afrontar garantias democráticas e princípios republicanos de forma recorrente".
Estando a candidata oficial prestes a ser eleita de forma acachapante, qual o  paradeiro  que se poderá dar à ação do grupo político que o editorialista da Folha qualifica de delinquente contumaz?

Ora, se a afronta à democracia e à república vem sendo recorrente, depreende-se que o Legislativo e o Judiciário não estejam conseguindo encontrar tal  paradeiro.

Então, quem será o verdadeiro destinatário da conclamação do jornal da  ditabranda? Os fardados, que não têm a missão constitucional de serem instrumento de   paradeiro  nenhum, mas a direita sempre tenta convencer a agirem como tal?

Os precedentes levam a crer que sim...

De resto, espero que os companheiros de esquerda façam uma rigorosa autocrítica por terem, como eu sempre adverti, levado água para o moinho da direita, ao estimularem as Operações Satiagrahas e Leis da Ficha Limpa da vida, como se fossem meros pequeno-burgueses moralistas.

A posição de revolucionários deve ser sempre inequívoca, incisiva e didática: a corrupção é inerente ao capitalismo, que coloca a ganância e a busca do privilégio acima de todos os outros valores da vida social, então só será extinta quando o próprio capitalismo for extinto.

Estimular ilusões reformistas pode render votos e proporcionar pequenos ganhos políticos, mas implica cumplicidade com o anestesiamento da consciência das massas, ao incutir-lhes a esperança de que meros retoques na fachada salvarão um edifício cujos alicerces estão podres.

"Que suas palavras sejam sempre sim, sim, ou não, não, pois tudo o mais será sugerido pelo demônio", disse um santo medieval.

15.9.10

RABO PRESO, A 'FOLHA' SÓ NÃO TEM COM O LEITOR...

A Folha de S. Paulo, como o leopardo, não perde as pintas. Usa sempre os mesmos subterfúgios para esquivar-se de seguir as boas práticas jornalísticas.

Em 1994, o escritor Marcelo Paiva me fez acusação gratuíta e gravíssima na capa da Ilustrada e tive de brigar muito, apelando inclusive ao próprio diretor de redação, para que respeitassem integralmente o direito que o próprio manual de procedimentos do jornal me concedia: o de que fosse publicada minha réplica e, havendo tréplica, também um pronunciamento final.

Quiseram escamotear o último, alegando falta de espaço por causa da Copa do Mundo. A redação e a própria ombudsman da época tentaram sair por essa tangente. Quando cobrei do Otavinho Frias Filho a observância das normas do manual por ele introduzido, muito a contragosto, o jornal aquiesceu.

Só que, àquela altura, nenhuma das partes tinha fontes ou evidências irrefutáveis para lastrear suas afirmações. Acabou ficando minha palavra contra a do Paiva.

Dez anos e alguns meses depois, encontrei a prova de que necessitava -- um relatório confidencial de operações do II Exército -- e apelei à Folha, no sentido de que fosse esclarecido definitivamente o episódio, em benefício dos leitores e da minha honra.

Enrolaram-me  durante umas três semanas, incumbindo o diretor da sucursal do RJ de receber a minha versão e preparar uma matéria... só que ele sempre alegava ter algo mais urgente para fazer.

Finalmente, o grande historiador Jacob Gorender enviou carta ao Painel do Leitor da Folha, fazendo a autocrítica dele, Gorender, por haver acreditado na versão que me dava como delator da área de treinamento guerrilheiro em Registro, quando escreveu seu clássico Combate nas Trevas.

A Folha aproveitou a oportunidade para se livrar de uma obrigação que relutava em cumprir: comunicou-me que considerava a publicação da carta do Gorender como suficiente para reposicionar a questão, inteirando os leitores da nova evolução do caso.

Ou seja, Gorender fez sua autocrítica. E quanto à Folha, que me havia lançado uma pecha infame em espaço dos mais nobres (a capa do seu caderno de Variedades)? Não se manifestou, simplesmente. Pois, ter oferecido espaço à carta do Gorender não significava sequer que concordasse com a conclusão a que ele chegou..

Consultei advogados. Poderia pleitear judicialmente direito de resposta, mas eu estava em péssima situação financeira e nenhum se propôs a me representar de graça.

Na eventualidade de uma ação por danos morais ou coisa que o valha, o advogado, pelo menos, poderia atuar na esperança de receber parte substancial da indenização pleiteada. Mas, como já se haviam passado dez anos, meu direito tinha prescrito.

A HISTÓRIA SE REPETE?

Por que evoco isto?

Porque, aparentemente, a Folha voltou a proceder da mesmíssima maneira.

Publicou na 2ª feira (13) um artigo medíocre, engrossando o lobby que pressiona o presidente Lula a entregar Cesare Battisti à Itália.

Recebeu, lá pela hora do almoço, uma refutação parágrafo a parágrafo do nosso bom Carlos Lungarzo. Exercício incontestável do direito de resposta, partido de um respeitado professor acadêmico e principal representante da Anistia Internacional no Brasil.

Iniciou os negaceios, a  enrolação. Ante a insistência do Lungarzo, prometeu resposta para a 5ª feira (16).

Hoje (15), no Painel do Leitor, publicou mensagem do advogado de Battisti, Luís Roberto Barroso:
"O artigo (...) apresenta uma crítica ao governo federal e à sua política externa.

"Nesse contexto, defende a entrega de Cesare Battisti à Itália mais de 30 anos após os fatos relevantes.

"O STF autorizou a extradição por 5 votos a 4, transferindo a decisão final ao presidente da República. A autorização foi dada em uma hipótese rara de voto de Minerva a favor da acusação e contra o parecer do procurador-geral da República, que era pela validade do refúgio.

"Foi a primeira vez que um ato de refúgio foi anulado, decisão criticada por alguns dos principais juristas do país em carta ao presidente Lula.

"Cesare Battisti é um escritor pacato, que há muitos anos vivia na França com sua família até que o governo Berlusconi passou a persegui-lo. Foi condenado à revelia em um segundo julgamento, com base apenas em delações premiadas. No primeiro, nem sequer foi acusado. Em sua crítica, a articulista faz uma opção política e diz preferir a Itália à Venezuela, Cuba e Irã.

"Essa não é uma razão para mandar alguém para a prisão pelo resto da vida".
Gato escaldado, eu adivinho que a resposta ao Lungarzo amanhã será a mesma que eu recebi em 2004: "A Folha considera que a publicação da carta do Barroso já foi suficiente...".

Só que não foi: artigo se responde com artigo, no mesmo espaço e com tamanho equivalente.

Então, ofereço aos meus leitores a oportunidade de conhecerem a brilhante refutação do Lungarzo.

Se a Folha não fizer o mesmo com seus leitores, é porque não está, como eu, comprometida com o verdadeiro jornalismo.
ACOLHER BATTISTI É UMA ESCOLHA ÉTICA

Carlos Alberto Lungarzo (*)
Como simples mortal, nunca consegui, apesar dos muitos esforços, aprender a refinada linguagem dos juristas. Entretanto, sei o que é uma escolha ética: é escolher pela verdade. Por causa disso, desejo indicar que nas acusações contra Battisti há numerosas inverdades. Vejamos algumas:

No relatório da ext 1085 (versão publicada pelo próprio STF), p. 53 (ad calcem) diz: “Homicídio de LINO SABBADIN, perpetrado em Mestre, em 16.2.1979. Battisti, no interior do estabelecimento comercial de propriedade da vítima, desfechou-Ihe diversos tiros a queima-roupa”. Entretanto, a sentença do Tribunal de Júri de Milão, de 13.12.88, RG 49/84, diz, na página 448 (embaixo): “É significativa a comparação entre o retrato falado [...] e a foto de Giacomini”. Na pág. 678, §2 diz-se que “[Giacomini] tem admitido totalmente sua responsabilidade [...] relativo ao homicídio Sabbadin”.
Em nenhum documento italiano se diz que Sabbadin tenha recebido tiros de duas armas diferentes. Sempre se afirma que Giacomini atirou e que Battisti era escolta. (A cumplicidade de Battisti não foi provada, nem afirmada por Giacomini, mas isto é outra história). Portanto, onde teve Peluso uma fonte tão boa que é melhor que a sentença italiana? Por que ele inventou este fato?

Na matéria em apreço se diz que houve “oportunidade de defesa e impugnação”. Foi? Onde estão as provas? As procurações que os advogados Pelazza e Fuga usaram como se fossem de Battisti, foram falsificadas, como provou a historiadora e arqueóloga Fred Vargas. Como entendi que era necessária uma prova muito detalhada, fiz uma animação de mais de 50 frames, onde se demonstra passo a passo a forma em que esta falsificação foi feita. Está em numerosos sites e em meu blog, onde estão também todas as cópias dos documentos carimbados na França:

http://ocasodecesarebattisti.blogspot.com/search/label/FALSIFICA%C3%87%C3%95ES

A autora diz que a delação premiada é usada no Brasil. Não diz, porém, que mereceu muitos reparos dos melhores juristas e magistrados, entre eles Marco Aurélio de Mello e Menezes Direito, de ideologias muito diversas. Aos que dizem que Battisti foi terrorista sugiro ler a proposta de definição de novembro de 2004, da ONU, um órgão que pode ser considerado conhecedor do assunto.

“No episódio de que ora se trata, a única soberania não observada foi a italiana.” A ideia atual é que a soberania vale dentro das fronteiras de um país, no mar territorial, nas embaixadas, etc. O Planalto não está dentro de soberania do estado italiano. A lei nº 9.474/97 veda refúgio a autores de crimes considerados hediondos, mas, como disse a ministra Carmen Lúcia, esse conceito não existia na Itália na época (nem no Brasil).

O que chama minha atenção é a referência à ditadura castrista, e as soberanias cubanas, venezuelana e iraniana. Nós, militantes de Direitos Humanos, temos defendido Zapata e, obviamente Sakinheh, e sob nenhuma hipótese aceitamos que esses direitos possam ser violados sob qualquer pretexto. Este assunto nada tem a ver com o caso Battisti. O fato de que a autora inclua estas observações me faz pensar que seu objetivo tampouco é jurídico.

Aliás, me pergunto o seguinte: se eu fosse conivente com crimes contra os Direitos Humanos em Cuba e no Irã, isso significa que também deveria ser conivente com os mesmos crimes na Itália? Ou seja, uma injustiça apagaria as outras?

* Carlos Lungarzo é professor titular aposentado da Unicamp e membro de Anistia Internacional

14.9.10

REFLEXÕES MELANCÓLICAS SOBRE CUBA E A DEMISSÃO EM MASSA

Furacão Sobre Cuba é o título de um livro escrito em 1960 por Jean-Paul Sartre, que li quando começava a me direcionar para a política revolucionária. Fez-me admirar muito a ilha.

O filósofo existencialista francês se referia, claro, ao furacão que varrera Cuba no ano anterior, quando os guerrilheiros de Fidel e Che derrubaram o governo despótico e corrupto de Fulgêncio Batista.

Cinco décadas depois, um novo furacão está se desencadeando sobre Cuba, segundo notícia da Folha.com:
"Cuba anunciou nesta segunda-feira que vai cortar ao menos meio milhão de funcionários públicos até o começo do ano que vem, e reduzir as restrições a empreendimentos privados para ajudá-los a encontrar novos empregos. É a medida mais dramática já anunciada no governo de Raúl Castro para atenuar a grave situação econômica que enfrenta a ilha".
Bota dramáticidade nisso. Sendo a força de trabalho cubana de 5,1 milhões de cidadãos, 4,2 milhões dos quais a serviço do Estado, significa que quase 10% dos trabalhadores e 12% dos funcionários do setor estatal serão atingidos pelo passaralho "até o primeiro trimestre de 2011".

O comunicado do sindicato oficial, a Central de Trabalhadores de Cuba, é taxativo:
"Nosso Estado não pode e não deve continuar apoiando negócios, entidades produtivas e serviços com folhas de pagamentos inflacionadas, e perdas que prejudicam nossa economia são, em última instância, contraprodutivas, criando hábitos ruins e distorcendo a conduta do trabalhador".
Qualquer semelhança com a retórica adotada pelos países capitalistas nos funestos tempos de Reagan e Thatcher não é mera coincidência. Os poderosos sempre apresentam como necessárias e salutares as medidas que infelicitam os coitadezas.

Os quais são mais coitadezas ainda quando não têm sequer um sindicato que os defenda da guilhotina, digo,  do  enxugamento de quadros (ah, os eufemismos!).

E, para quem ficou surpreso com a recente alusão de Fidel Castro à ineficiência do modelo econômico cubano, vale lembrar que já a reconhecera em discurso proferido na Páscoa, quando sugeriu que fossem demitidos até 1 milhão de trabalhadores. Raul deixou pela metade.

Não vou repetir a argumentação do meu artigo A frase de Fidel e o besteirol do PIG. Apenas destacar que ficou novamente comprovada a impossibilidade de se construir o socialismo em países isolados, atrasados e asfixiados pelos inimigos. c.q.d.

Triste sina, a de nações como Cuba. Sob o capitalismo, relegavam-na a cassino, cabaré e bordel de luxo para ricaços estrangeiros.

Depois da revolução, confinada como pestilenta pelo embargo estadunidense, não conseguiu construir uma economia próspera. E ainda serve como espantalho para a propaganda burguesa: "Vejam como o comunismo empobrece um país!"...

Certo está Hugo Chávez: precisamos reerguer o movimento revolucionário em escala planetária -- não necessariamente por meio da 5ª Internacional que ele está lançando.

Mas, o caminho é esse mesmo.

12.9.10

A FRASE DE FIDEL E O BESTEIROL DO PIG

A grande imprensa brasileira saudou efusivamente a afirmação de Fidel Castro, de que o modelo econômico cubano não funcionaria (mais tarde relativizada por ele, sob a alegação de não era exatamente isto que queria dizer).

troféu PIG  coube a Suely Caldas que, em O Estado de S. Paulo, deitou falação sobre o que está muito além dos seus conhecimentos:
"A esperança de um mundo igual e justo, lançada por Karl Marx e Friedrich Engels no século 19, não logrou sucesso em nenhuma das experiências socialistas vividas ao longo do século 20. Entre outras razões de ordem econômica, também porque nunca conseguiram se sustentar sem a imposição de uma ditadura a subjugar uma população que ansiava por liberdade".
Até quando será invocado o santo nome de Marx em vão?

Ele jamais pregou a construção do socialismo em países isolados e atrasados.

Acreditava que, como consequência de suas próprias contradições (principalmente a apropriação individual do produto do trabalho coletivo), o capitalismo passaria a frear o desenvolvimento das forças produtivas, ao invés de o alavancar.

Então, em sua marcha para o progresso, a humanidade seria obrigada a evoluir para uma forma de organização econômica, política e social que libertasse as forças produtivas do jugo do lucro.

Ou seja, em termos simplificados, o contínuo crescimento da produção era limitado pelo fato de que os produtores, ao serem espoliados de uma parcela do resultado do seu labor, não tinham meios para adquirir tantos produtos quanto geravam.

Então, essa produção que excedia o poder aquisitivo dos consumidores era destruída (queimas de café para evitar a queda do preço no mercado, p. ex.) ou, por mecanismos mais sutis,  remanejada: a economia se voltava para atividades parasitárias ou para a indústria de guerra.

Ou seja, o peso descomunal que o setor financeiro adquiriu no capitalismo do século 20 foi uma forma de manter pessoas trabalhando para nada produzirem de útil, necessário ou válido. É a condenação mais gritante de um sistema putrefato, que mantém os homens a labutarem em vão, quando poderiam estar trabalhando muito menos e vivendo muito melhor, livres do tacão da necessidade e do estresse da competição encarniçada.

As duas guerras mundiais e os muitos conflitos localizados, idem. Em vez de se direcionar o esforço dos seres humanos para melhorar a existência dos seres humanos, passou-se a empregá-lo no seu extermínio.

Como alternativa, as grandes recessões periódicas que assolam o capitalismo até hoje.

Antes, a superprodução desembocava automaticamente na crise.

Depois, para permitir que os consumidores adquirissem aquilo que não podiam pagar, criaram-se mecanismos de crédito que resolvem o problema imediato, mas, como bola de neve, acabam gerando dívidas impagáveis à frente.

Até que essa economia artificial, fictícia, estoura como bolha de sabão.

Exatamente como Marx dizia, a contradição insolúvel do capitalismo engendrará crises cíclicas até que ele seja superado pela racionalidade econômica.

Elas podem não ocorrer mais a cada dez anos, mas continuam tão inevitáveis quanto antes.

Face a tal mostrengo, como ousa e jornalista empertigada criticar o socialismo real? Quem tem algo a dizer sobre ele somos nós, não ela.

REVOLUÇÃO MUNDIAL x SOCIALISMO NUM SÓ PAÍS

No princípio, os  profetas  apregoavam uma maré revolucionária que uniria e imantaria os proletários de todos os países, varrendo o planeta. É o que lemos no mais inspirado panfleto político que a humanidade já produziu, o Manifesto do Partido Comunista de 1848.

Levando em conta não só que os trabalhadores do mundo inteiro estavam irmanados pela sina de terem uma substancial parcela da riqueza que geravam (a mais-valia) expropriada pelo patronato, como também que a exploração capitalista havia subjugado países e culturas, submetendo proletários de todos os quadrantes a uma mesma lógica de dominação, os papas do marxismo profetizaram que o socialismo seria igualmente implantado em escala global, começando pelas nações de economias mais avançadas e se estendendo a todas as outras.

O movimento revolucionário foi, pouco a pouco, conquistado pela premissa teórica do internacionalismo, ainda mais depois que a heróica Comuna de Paris foi esmagada em 1871 pela ação conjunta de tropas reacionárias francesas com o invasor alemão. Se as nações capitalistas conjugariam suas forças para sufocar qualquer governo operário que fosse instalado, então os movimentos revolucionários precisariam também transpor fronteiras, para terem alguma chance de êxito – foi a conclusão que se impôs.

Outra, de consequências trágicas: a tese de que, como era desigual o ritmo com que as nações amadureciam para a experiência socialista, poderia se recorrer a uma ditadura momentânea do proletariado (já que a Comuna de Paris parecera ter sido derrotada por excesso de brandura) naquelas que se libertassem primeiramente, para resistirem ao capitalismo agonizante até que a revolução vencesse no mundo inteiro.

No entanto, a ditadura do proletariado deveria se tornar cada vez menos ditadura, tendo a função de preparar as condições para seu desaparecimento, por obsolescência.

Em 1917, surgiu a primeira oportunidade de tomada de poder pelos revolucionários desde a Comuna de Paris. E os bolcheviques discutiram apaixonadamente se seria válida uma revolução em país tão atrasado como a Rússia – uma verdadeira heresia à luz dos ensinamentos marxistas.

Para Marx, o socialismo viria distribuir de forma equânime as riquezas geradas sob o capitalismo, de forma que beneficiassem o conjunto da população e não apenas uma minoria privilegiada. Então, ele sempre augurara que a revolução mundial começaria nos países capitalistas mais avançados, como a Inglaterra, a França e a Alemanha.

Um governo revolucionário na Rússia seria obrigado a cumprir tarefas características da fase da acumulação primitiva do capital, como a criação de infra-estrutura básica e a industrialização do país. O justificado temor de alguns dirigentes bolcheviques era de que, assumindo tais encargos, a revolução acabasse se desvirtuando irremediavelmente.

Prevaleceu, entretanto, a posição de que a revolução russa seria o estopim da revolução mundial, começando pela tomada de poder na Alemanha. Então, alavancada e apoiada pelos países socialistas mais prósperos, a construção do socialismo na Rússia se tornaria viável.

Os bolcheviques venceram, mas seus congêneres alemães foram derrotados em 1918. A maré revolucionária acabou sendo contida e, como se previa, várias nações capitalistas se coligaram para combater pelas armas o nascente governo revolucionário. Mesmo assim, o gênio militar de Trotsky acabou garantindo, apesar da enorme disparidade de forças, a sobrevivência da URSS.

Quando ficou evidente que a revolução mundial não ocorreria tão cedo, a União Soviética tratou de sair sozinha da armadilha em que se colocara. Devastada e isolada, precisou criar uma economia moderna a partir do nada.

Nenhum ardor revolucionário seria capaz de levar as massas a empreenderem esforços titânicos e a suportarem privações dia após dia, indefinidamente. Só mesmo a força bruta garantiria essa mobilização permanente, sobre-humana, de energias para o desenvolvimento econômico. A tirania stalinista cumpriu esse papel.

A revolução nunca mais voltou aos trilhos marxistas. Como único país dito socialista, a URSS passou a projetar mundialmente seu modelo despótico, que encontrou viva rejeição nas nações avançadas. Nestas, as únicas adesões não se deveram à atuação política dos trabalhadores, mas sim às baionetas do Exército Vermelho, quando da vitória sobre o nazismo.

Tomada autêntica de poder houve em outros países pobres e atrasados, como a China, Cuba, Vietnã e Camboja. E todos repetiram a trajetória para o modelo autoritário do socialismo num só país stalinista.

AVANÇO TECNOLÓGICO x LETARGIA ECONÔMICA

Mas, a arregimentação autoritária da mão-de-obra só funcionou a contento na etapa da industrialização pesada.

Na segunda metade do século 20, a economia capitalista avançou noutra direção, a da sofisticação tecnológica, da miniaturização, da gestação sôfrega de novas manias consumistas. Informática, biotecnologia, novos materiais, novos processos.

O avanço movido a ganância, com base no talento individual, na pesquisa e na tecnologia, derrotou a economia letárgica da URSS, tornada jurássica da noite para o dia, e sua  nomenklatura  arrogante que se reservava todos os privilégios.

Comprovava-se a máxima marxista segundo a qual são os países com forças produtivas mais desenvolvidas que determinam os rumos da humanidade.

O bloco soviético desabou como uma fruta apodrecida. Seus países voltaram ao capitalismo e à democracia burguesa.

A China conseguiu manter o sistema político autoritário, à custa de mesclar a economia estatizada com a iniciativa privada. Criou o pior dos mundos possíveis: algo assim como o milagre brasileiro, com a falta de liberdade sendo aceita em função das melhoras materiais proporcionadas pelo regime (e do espírito tradicionalmente submisso dos asiáticos).

Sobrou para os idealistas do século 21 a missão de recolocar a revolução nos trilhos, para que ainda seja cumprindo o sonho original de Marx: não apenas regimes híbridos em países isolados, mas sim o planeta inteiro transformado no “reino da liberdade, para além da necessidade”, em que:
  • cada cidadão contribua no limite de suas possibilidades para que todos os cidadãos tenham o suficiente para suprirem as suas necessidades e desenvolverem plenamente as suas potencialidades; e
  • o estado desapareça, com os cidadãos assumindo a administração das coisas como parte de sua rotina e a ninguém ocorra administrar os homens, já que eles serão, para sempre, sujeitos da sua própria História.
Engendrarmos uma onda revolucionária capaz de varrer o planeta é tarefa gigantesca? É.

Mas, em relação ao século 19, há uma mudança importante: ela se tornou muito mais necessária, como alternativa à regressão -- talvez, até, à própria aniquilação -- da humanidade.

Pois, salta aos olhos que, mantida a prioridade dos interesses individuais sobre os coletivos, a exaustão de recursos naturais e as catástrofes ecológicas reduzirão drasticamente os contingentes humanos, ou os exterminarão de vez.

A opção a fazermos, como disse Norman O. Brown, agora é entre a vida numa sociedade solidária e harmoniosa, ou a morte sob o capitalismo excludente e predatório.

11.9.10

COMPANHEIRO ALLENDE? PRESENTE! AGORA E SEMPRE!

Hoje é dia de reverenciarmos Salvador Allende, o  compañero presidente.

Que nunca pretendeu, no poder, ser nada além de outro militante revolucionário, como todos os seus companheiros de jornada na luta por um Chile com liberdade e justiça social.

E que, naquele terrível 11 de setembro de 1973, não aceitou curvar-se aos tiranos, preferindo a morte digna à fuga indigna que lhe ofereceram.

Então, as palavras que endereçou ao povo pelo rádio, na iminência do martírio, inspirarão para sempre os combatentes por um mundo redimido do pesadelo capitalista:
"Colocado numa transição histórica, pagarei com minha vida a lealdade do povo. E lhes digo: tenho certeza de que a semente que entregaremos à consciência de milhares e milhares de chilenos não poderá ser extirpada definitivamente. Trabalhadores de minha Pátria! Tenho fé no Chile e em seu destino. Outros homens se levantarão depois deste momento cinza e amargo em que a traição pretende se impor. Sigam vocês sabendo que, bem mais cedo do que tarde, vão abrir-se de novo as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor".

9.9.10

ALERTA: O BRASIL NÃO ESTÁ IMUNE AO GOLPISMO

Vamos falar sério.

A eleição de Dilma Rousseff está mais do que definida.

O escândalo da invasão de dados siligosos de pessoas próximas a José Serra não tem apelo eleitoral suficiente para alterar o resultado do pleito.

Nem mesmo para evitar que a eleição seja decidida no 1º turno.

Mas, dá combustível para tentativas golpistas. Dos mais inflamáveis.

O jogo não vai ser virado. A mesa, talvez.

Foi com que sonharam os articuladores do  Cansei!.  Quando o que seria sua  Marcha da Família com Deus Pela Liberdade só mobilizou 4 mil gatos pingados, decidiram recuar, à espera de oportunidade melhor.

Resignaram-se ao cumprimento integral do segundo mandato do presidente Lula.

Aceitarão, da mesma forma, o mandato da sucessora que Lula produziu, mais a perspectiva de que ele próprio conquiste outro (eu quase ia escrevendo  um quarto...) em 2014?

Têm oito anos de pão e água pela frente e um mote e tanto para tentarem reeditar 1964.

Daquela vez, o pretexto era a conspiração comunista internacional, o  ouro de Moscou, etc. Funcionou.

Em 2007, ergueram o espantalho do Fôro de São Paulo, Chávez, etc. Não funcionou.

Agora, o bicho-papão será o estado policial, tentacular, conforme proposto pela Veja em recente matéria de capa (foto acima) cujo texto e ilustração têm mais a ver com   sci-fi  do que com jornalismo...

Sejamos francos: existe organização popular suficiente para que a resistência a uma eventual quartelada seja mais eficaz do que em 1964?

Não. A ênfase do lulo-petismo tem sido a de ganhar eleições, não a de estruturar, fora e independentemente do Estado, o poder popular. Então, a tomada do governo pelas forças reacionárias o privaria da fonte principal de sua força e capacidade de reação.

Podemos confiar em que as Forças Armadas desta vez não cedam à tentação golpista?

O quadro é pior do que em 1964, quando a maioria dos militares queria respeitar a Constituição, um núcleo de conspiradores esforçava-se para assumir a liderança da caserna e havia remanescentes dos cabos e sargentos que heroicamente impediram a primeira tentativa de usurpação do poder, em 1961.

Agora, a maioria continua preferindo atuar profissionalmente, o núcleo de oficiais conspiradores existe (contando com expressivo contingente de nostálgicos da ditadura) e nada restou de espírito resistente nos escalões inferiores.

Então, o fiel da balança é o poder econômico.

A anemia do  Cansei!  se deveu à falta de apoio do grande capital, dos banqueiros, da agroindústria, da Rede Globo. Os senhores do Brasil consideravam que seus interesses estavam sendo bem servidos e não viam motivos para aventuras.

Nada indica que tenham mudado de opinião, haja vista a profusão de recursos com que abastecem a campanha de Dilma.

Mas, nada é definitivo na política e os cenários se modificam com muita rapidez.

Podemos dar como favas contadas que haverá cidadãos querendo derrubar o governo no início de 2011.

Não se produziu até agora o fato político capaz de alterar os humores dos verdadeiramente poderosos. 

Mas, tudo é possível. Há sempre um Gregório Fortunato para fazer uma monumental lambança, ou um Cabo Anselmo para incitar radicalização desmedida.

Então, seria sensato, talvez até providencial, se os dirigentes petistas tomassem duas providências:
  • apagarem o incêndio na Receita Federal, demitindo superiores que não zelaram como deveriam pelos dados sob sua guarda e apurando rigorosamente as responsabilidades desses aloprados que, com suas ações criminosas e estúpidas, acabaram servindo como inocentes úteis para a arregimentação das forças inimigas;
  • passarem a se preocupar um pouco menos com a eleição, que marcha a contento, e um pouco mais com a sustentação do resultado que sairá das urnas.
Outubro não é preocupante. A incógnita são os meses seguintes.

6.9.10

OU FICAR A PÁTRIA LIVRE OU MORRER PELO BRASIL

Hinos nacionais não são prioritários para quem quer construir um Brasil diferente, não representações simbólicas diferentes do Brasil atual.

Mas, a cada 7 de setembro, aumenta minha inveja dos franceses, que têm um eletrizante, enquanto somos obrigados a nos contentar com uma marcha mais apropriada para banda (sua destinação original), embalando versos rococós que mais da metade dos brasileiros não consegue decorar e, provavelmente, nem um décimo entende.

A Marselhesa foi composta por um oficial do exército francês e músico autodidata, para encorajar os soldados que combateriam os austríacos em 1792. Originalmente, era o Canto de Guerra para o Exército do Reno. Adotado pelas tropas revolucionárias e pelo povo, espalhou-se por todo o país e foi oficializada como hino nacional em 1795.

Imagens fortíssimas: o estandarte ensanguentado erguido contra a tirania, para evitar que déspotas vis se tornassem os mestres do destino dos franceses; os cidadãos chamados à luta para combater ferozes soldados estrangeiros que vinham degolar seus filhos e suas esposas.

E o refrão de arrepiar:
"Às armas, cidadãos,
Formai vossos batalhões!
Marchemos, marchemos!
Que um sangue impuro
Irrigue os nossos campos arados!"

Enquanto isso, por aqui o sol da liberdade teria brilhado como consequência do brado retumbante de um príncipe estrangeiro que resolveu mudar sua devoção sabe-se lá se por razões mais profundas ou por mero pragmatismo político; afinal, uma das cartas que o levaram a soltar o grito do Ipiranga foi a da esposa, Maria Leopoldina, advertindo-o de que "o pomo está maduro, colhe-o já, senão apodrece".

O chamado Hino da Independência é bem mais viril e altaneiro, não tanto pela música que D. Pedro I teria composto algumas horas depois do grito, mas em razão dos versos de Evaristo da Veiga, professor que simpatizava com os poetas da Inconfidência Mineira.

Não há nada, no Hino Nacional inteiro, com impacto remotamente equiparável ao deste refrão:
"Brava Gente Brasileira
Longe vá, temor servil;
Ou ficar a Pátria livre,
Ou morrer pelo Brasil!
Ou ficar a Pátria livre,
Ou morrer pelo Brasil!"
Traduzem o calor e as paixões do momento: Evaristo os compôs antes mesmo do grito, em agosto de 1822. Uma de suas mutações acabou se casando com a moldura sonora de D. Pedro I.

Já a letra de Osório Duque Estrada só foi acoplada ao Hino Nacional em 1909, depois de vencer um concurso realizado três anos antes. Do membro nº 2 da Academia Brasileira de Letras só poderia mesmo esperar-se algo tão artificial, rebuscado e flácido.

Idéia maluca: o Geraldo Vandré de outrora seria o nome ideal para compor um Hino Nacional que realmente fizesse jus ao povo brasileiro. Uma síntese de "Disparada", "Caminhando" e "Paixão Segundo Cristino".

Não sei se o Vandré atual daria conta do recado.

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