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8.3.08

OS HOMENS UNIDIMENSIONAIS DITOS DE ESQUERDA

Celso Lungaretti

Quando, na década de 1960, Marcuse comunicou o advento do homem unidimensional, deu-nos a impressão de estar apenas exagerando certas tendências dos países desenvolvidos. Seu esboço impiedoso de um indivíduo em que foi anulada a capacidade crítica e cujas aparentemente livre escolhas são moldadas por forças exteriores parecia-nos apenas outra distopia, na linha do 1984 de George Orwell.

Aí, a partir de 1970, passamos a conviver com aqueles pré-yuppies ensandecidos, a vociferarem “Brasil, ame-o ou deixe-o!”, impermeáveis a qualquer crítica que se fizesse à ditadura militar. Só viam o que queriam ver: a conta bancária no azul, os ganhos na Bovespa, o carango na garagem. Direitos humanos? Ora, isso não enche a barriga de ninguém...

Nós nos consolávamos com o pensamento de que a censura férrea vedava aos cidadãos o conhecimento das mazelas do regime dos generais. Não queríamos acreditar que os eufóricos com o milagre brasileiro eram nossos primeiros homens unidimensionais, avestruzes que enterram a cabeça na areia quando confrontadas com realidades que desmentem suas ilusões.

Pior ainda aconteceria quando os vigaristas neopentecostais começaram a ser desmascarados pela imprensa. As provas de estelionato, curandeirismo, lavagem cerebral e outros crimes se multiplicavam, saltavam aos olhos, até formarem um quadro devastador.

Qualquer ser realmente pensante só poderia concluir que a Igreja Universal do Reino de Deus nada mais era (e é) do que uma arapuca para depenar otários. No entanto, o rebanho de fanáticos fechou os ouvidos, cobriu os olhos e tampou a boca, mantendo-se numa redoma mental até o assunto sair do noticiário. Para eles, tudo não passava de maquinações do Capeta.

O inimaginável seria o fenômeno se reproduzir na esquerda. Mesmo nos piores momentos do século passado, como quando do pacto de Stalin com Hitler, os comunistas se mantiveram disciplinados, mas tinham um mundo de dúvidas na cabeça. Calavam sua insatisfação por acreditarem que a salvação da pátria-mãe do socialismo justificava quaisquer sacrifícios.

Hoje, entretanto, o pesadelo se materializou. Passaram a existir pessoas que acreditam sinceramente ser de esquerda, e com igual sinceridade crêem que se pode ser de esquerda defendendo caudilhos, déspotas e criminosos.

Vêem o mundo em preto-e-branco, vituperando tudo que os EUA e seus aliados fazem, ao mesmo tempo que justificam tudo que é feito contra os EUA e seus aliados. Não percebem que, ao lutar por ideais superiores, não podemos usar as mesmas táticas e armas crapulosas de quem quer apenas preservar o status quo.

Ignoram também que, se os revolucionários são sempre contra os estadunidenses, a recíproca não é verdadeira.

O direitista De Gaulle feriu os interesses norte-americanos muito mais do que Chávez. Seria motivo para considerá-lo um companheiro?

E o que dizer de Pol-Pot e Saddam Hussein? Alguém reverenciará seus exemplos?

No entanto, há quem enalteça as Farc e se julgue marxista, evidenciando um espantoso desconhecimento do “reino da liberdade, para além da necessidade” que Marx tinha como objetivo final: quando o indivíduo, liberto dos grilhões da necessidade, desenvolverá plenamente suas potencialidades humanas.

Seqüestrar centenas de pessoas para obter resgates e fazer chantagem é atitude de bandidos, não de revolucionários. Quem se propõe a conduzir a humanidade para um estágio superior de civilização não pode, jamais, sob justificativa nenhuma, incidir em práticas hediondas!

Prevalece, aqui, aquela regrinha básica da dialética hegeliana: fins e meios estão em permanente interação. Então, a sociedade que as Farc querem construir não é mais a que está nos clássicos marxistas, mas sim uma sociedade em que se admite a captura arbitrária de cidadãos e sua manutenção em cativeiro degradante, subumano, enquanto isto for conveniente para seus captores.

Não serão os homens unidimensionais ditos de esquerda que vão reconquistar o respeito da cidadania para nossas causas, tão abalado por acontecimentos recentes. Isto só poderão lograr aqueles que não negarem o óbvio ululante rotulando-o de “propaganda burguesa”, nem atropelarem os fundamentos da vida civilizada para defender bandos armados.

Quem considera dispensável respeitar os direitos humanos, supondo tratarem-se apenas de “moralismo hipócrita” e “pequeno-burguês”, continuará sendo ouvido tão-somente pelos outros fanáticos e ignorado pelos melhores seres humanos, tal como ocorre quando os zumbis da IURD e da Renascer tentam convencer as pessoas equilibradas da santidade do bispo Edir, do apostolo Estevam e da bispa Sônia.

8 comentários:

Roberto Tramarim disse...

Excelente artigo! Nada a acrescentar, nada do que discordar.
Parabéns!

Luís Cláudio Amarante disse...

Artigo maravilhoso! É bom ver que ainda existe alguém com o mínimo de coerência e bom senso.

Raul Ferreira Bártholo disse...

Parabéns Lungaretti! Voce continua o mesmo esquerdista a quem se ouve com o maior respeito e atenção. E muito o admiro desde quando o vi pela televisão (apresentado pela ditadura) como um "arrependido". Eu olhava estarrecido. Lembro o entrevistador não menos espantado(era o Almir Gabriel?). A câmara focava as mãos. Mostravam queimaduras (cigarro) e as imagensm eram ainda em preto e branco. No alto à cabeça, viam-se cicatrizes mal encobertas; cabelos arrancados, feridas marcas de pancadas. E você, pela boca chiava ao falar: assobiava o ar por entre vazios do dente quebrado.

Depois desapareceu. Agora o reencontro através dos artigos que escreve. Pois é grande minha alegria ver você ainda de pé. E claro, junto com Gabeira, ainda sermos a esquerda que longe de oportunismos e fanfarronices "revolucionárias" dispensa comportamentos inadmissíveis quase equivalentes ao que você sofreu. Parabéns,Celso.
Abs, Raul

(Ah, sim. Coloquei um "link" em meu Blog em http://exemplodeinconfidentes.blogspot.com)

celsolungaretti disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
celsolungaretti disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
celsolungaretti disse...

Este artigo é parte de uma polêmica que estive travando no grupo de discussões Eskuerra, a partir das reações suscitadas por meu texto A GUERRA DOS ESFARRAPADOS.

Como registro, eis todos os links dessa polêmica:

br.groups.yahoo.com/group/eskuerra/message/47930

br.groups.yahoo.com/group/eskuerra/message/47934

br.groups.yahoo.com/group/eskuerra/message/47946

br.groups.yahoo.com/group/eskuerra/message/47952

br.groups.yahoo.com/group/eskuerra/message/47955

br.groups.yahoo.com/group/eskuerra/message/47959

br.groups.yahoo.com/group/eskuerra/message/47966

cezar disse...

Celso,parabéns pelo Blog.Sou um admirador seu desde os tempos da "Rock Star".
Algumas questões sobre seu texto:
A sua apreciação possui um componente ÉTICO-HUMANISTA elogiável.
Mas,seu julgamento sobre as FARCs,Chaves divide opiniões no campo da esquerda.Nesse "vale de lagrimas" somos confrontados impiedosamente com nossos princípios e a hitória é implacável :
É verdade que Stalin fulizava antigo bolcheviques e deportava milhões para a Sibéria;enquanto isso, a Inglaterra subjugava,escarnecia e assassinava o povo de Ghandi na India. Há um relato de Gilberto Freire ,de passagem em terras norte-americanas,de cheiro forte de carne queimada de negros capturados em caça ,isso na mesma época dos "sanguinários bolcheviques de Lenin.
Na Colombia,milhares de simpatizantes e militantes das Farcs foram sequestrados e mortos pelos paramilitares financiados pelo Estado. Tal condição colocou um tipo de escolha onde a sobrevivência ganhou proeminência sobre a luta.O problema é que o uso do cachimbo deixa a boca torta. Reconheço a necessidade de reavaliar "posturas" e métodos nas açoes revolucionária,mas,não sinto segurança de baixar muito a guarda.
O próprio embate que vc está travando sobre Battisti tem o agravante de apontar, pela acusação, os métodos violentos do PAC, apesar da brilhante defesa de seu advogado.

Sem querer prolongar demais,"Endurecer sim, perder a ternura jamais".

celsolungaretti disse...

Companheiro,

o uso dos mesmos métodos nos tornará igualmente execráveis.

A prioridade continua sendo a dos tempos de Marx: estabelecer regimes de liberdade e justiça social nos países de economia avançada, pois são eles que apontam o caminho a ser seguido pelos demais.

E, hoje, só conquistaremos os corações e mentes dos cidadãos dessas nações com um ideário de respeito absoluto pelos direitos humanos.

Foi assustando-os com o espantalho do totalitarismo que a imprensa burguesa conseguiu afastar a maioria deles dos ideais revolucionários até hoje.

Abs.

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