Celso Lungaretti (*)
Quem colocou esta frase em circulação, atribuindo-a a Lênin, foi o genial cineasta Jean-Luc Godard, na década de 1960. Dado aos chistes e ao non sense, Godard pode ter sido ele próprio o autor. Pouco importa. O fato é que sintetiza bem a visão de mundo da juventude mais idealista do século passado.
Em 1968 e nos anos seguintes, tivemos as primaveras de Paris e de Praga, o repúdio universal à intervenção dos EUA no Vietnã, a resistência às ditaduras em todos os quadrantes, movimentos os mais diversos em defesa da justiça social e dos direitos das minorias, bem como a revolução de costumes conhecida como contracultura. Ventos de mudança varreram o planeta. Foi um impulso generoso, solidário, irmanando os melhores seres humanos na busca de um futuro digno para a humanidade.
Houve, portanto, um tempo em que muitos acreditaram piamente na iminência de uma sociedade na qual os relacionamentos entre os seres humanos, de tão éticos e gratificantes, iriam se tornar a realização da estética no cotidiano. Não precisaríamos mais da arte para sonhar acordados com uma beleza inexistente na vida real. O paraíso seria agora.
Depois, claro, veio a reação. E as flores foram sendo, uma a uma, arrancadas.
O capitalismo triunfante moldou o planeta à sua imagem e semelhança: competitividade, ganância, desigualdade, parasitismo, guerras inúteis, agressões insensatas ao meio ambiente, consumismo exacerbado, condenação de vastos contingentes humanos ao desemprego crônico e à miséria aviltante, degradação do pensamento, da arte e dos padrões morais.
Carlos Heitor Cony, que busca afoitamente outros privilégios mas foi privilegiado com dotes de grande escritor, escreveu em 1974 um romance profético, Pilatos. Mostra como seria um mundo em que os homens não tivessem nenhuma motivação idealista, sentimento nobre ou limites morais. Todas as suas ações visariam apenas à satisfação de apetites e de necessidades primárias.
Era um inferno mais assustador que o descrito nas religiões. E tinha tudo a ver com aquele Brasil dos yuppies enriquecidos pelo milagre econômico e das massas anestesiadas pelo tricampeonato de futebol.
Os personagens desumanizados de Pilatos lembram – até demais! – os arautos dessa nova direita emergente no Brasil, que faz do rancor e do retrocesso sua bandeira. O que parecia exagero literário virou triste realidade.
Há indivíduos que conspiram dia e noite para arrastar o Brasil a uma nova ditadura.
Há indivíduos capazes de escrever entusiasticamente em defesa de filmes que fazem apologia da truculência e da tortura.
Há indivíduos que se regozijam quando cidadãos exemplares são flagrados em situações equívocas, como se a grandeza do rabino Henry Sobel pudesse ser empanada pela cleptomania e a do padre Júlio Lancelotti, por distúrbios da sexualidade.
Demonstram ódio homicida pelos rivais ideológicos, a ponto de se aproveitarem de suas debilidades humanas – quem não as tem? – para instigarem seu linchamento moral. Como Átila e Gengis Khan, só vêem os inimigos como obstáculos a serem suprimidos.
Seus textos são um deserto de ideais. Não contêm nenhum sonho, nenhuma esperança, nada que sinalize um mundo melhor. Apenas a defesa encarniçada do status quo capitalista e o combate encarniçado aos que, bem ou mal, propõem alternativas.
São contra governos, partidos e pessoas. Abominam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. E não têm, sequer, a honestidade de seus congêneres da Espanha, adeptos de Franco, que assumiam abertamente os valores obscurantistas que professavam, ao urrarem “abaixo a inteligência, viva a morte!”.
* Celso Lungaretti é jornalista e escritor. Mais artigos em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com
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25.10.07
A ÉTICA É A ESTÉTICA DO FUTURO
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5 comentários:
Celso
ao ler textos como o teu parece que um ar fresco entra pela janela...
obrigada por escrever o que me vai nom coração..
abraço
Inês Bernal
jornalista
CELSO,
AS ELITES BUSCAM COMO ALCATEIAS FAMINTAS PESSOAS PARA QUE SOBRE AS MESMAS SEJAM TRANSFERIDOS E PROJETADOS OS FRACASSOS. PRECISAM APRESENTAR SEMPRE À COLETIVIDADE A IMAGEM QUE CONSTRÕEM PERVERSAMENTE. ENTÃO ESTRUTURAM FUNDAMENTADOS EM SUAS MORAIS UM CÓDIGO DE ÉTICA QUE TEM POR OBJETIVO IINSTITUIR O CONTROLE SOCIAL .
CADA ANO , CADA MÊS AS ELITES ESCONDEM SUAS SUJEIRAS ATIRANDO A SUA PRÓPRIA LAMA FÉTIDA SOBRE ALGUÉM.
PARABÉNS PELA MATÉRIA.
Excepcional seu artigo. Sabemos que as elites sobrevivem porque promovem em seu escárnio a desestruturação de líderes como Sorbel, Lanceloti e outros.
A mesma cria através do conluio de oprtunistas fragilizados e amadontrados seus códigos e suas defesas e chamam uisso de ética.
Caro Celso , esse ética constituida que aí condena todos os dias não serve nem mesmo para papel higiênico.
Excelente seu escrito.
Um abraço
Celso
Parabéns pelo texto, infelizmente não encontramos texto de qualidade como o seu publicado no dia-a-dia.
Somos obrigado a assistir um show de horror nas revistas, jornais e televisão.
Parabéns
Até a vitória, sempre!
Abraço
Bruno Bedotti!
Celso,
Recebi hoje por email cópia de texto seu intitulado "A Amoralidade como Norma".
A propriedade e elegância de sua argumentação me levaram a acessar este blog e ler vários de seus artigos, inclusive aquele intitulado "A Ética é a Estética do Futuro".
Melhor do que eu voce conhece a dor de escrever. Escolher palavras e imaginar interpretação e reação.
Compreendo com clareza a mensagem do parágrafo "Há indivíduos que se regozijam quando cidadãos exemplares são flagrados em situações equívocas, como se a grandeza do rabino Henry Sobel pudesse ser empanada pela cleptomania e a do padre Júlio Lancelotti, por distúrbios da sexualidade.", mas voce foi infeliz duas vêzes.
Henry Sobel e Julio Lancelotti não são exemplos. São homens dignos.
O primeiro estava ou está doente, mas o exercício da sexualidade do segundo não é um distúrbio.
Que tarefa dificil a sua!
De todo modo, parabéns.
Márcio Siqueira Soares
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