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12.8.09

CASO BATTISTI: RESPOSTA AO "CONVERSA AFIADA"

Subliminar: em muitas fotos Battisti sai bem, mas preferem difundir ad nauseam as imagens deprimentes da sua prisão.


Meu caro Amorim,

como porta-voz do Comitê de Solidariedade a Cesare Battisti, solicito espaço no Conversa Afiada para apresentar o outro lado da questão enfocada na matéria O Caso Battisti: como o Ministro da Justiça jogou Lula numa fria (acessar aqui).

Mesmo que o direito de resposta tenha sido pulverizado pela decisão do Supremo Tribunal Federal de transformar o jornalismo numa espécie de Oeste selvagem ou terra de ninguém, acredito que você, profissional veterano e íntegro que é, continuará respeitando-o como princípio ético e por vocação democrática.

E é importante que os leitores do Conversa Afiada não sejam iludidos pelo que não passa do jus sperniandi do governo italiano numa questão já decidida pelo governo brasileiro e alongada por capricho do STF, das alegações de um jurista contratado e de um colunista que até hoje não respondeu ao questionamento do escritor italiano Cesare Battisti, que o acusa de atuar no Brasil como mero repassador das informações de um funcionário acumpliciado com as torturas reconhecidamente praticadas pelas autoridades italianas durante os anos de chumbo.

Segundo Battisti (acessar aqui), é o subprocurador Armando Spataro quem está municiando Walter Maierovitch, como uma espécie de ghost writer dos textos que alimentam a campanha sistemática e extremamente tendenciosa contra ele movida pela CartaCapital. E o faz com falsidades extraídas de inquéritos e processos contaminados por violações aberrantes dos direitos humanos dos acusados:
“É um torturador documentado. Quantos morreram por causa dele, executados nas ruas! Ele é quem deveria ir preso, da mesma forma como os torturadores da Argentina estão sendo presos agora!”
A Anistia Internacional, efetivamente, recebeu na época várias denúncias de que militantes das organizações de ultraesquerda italianas eram espancados, queimados com pontas de cigarro, obrigados a beber água salgada, expostos a jatos de água gelada, etc.

Fartas provas neste sentido foram anexadas pela defesa de Battisti no processo de extradição que lhe-é movido pela Itália -- cujo julgamento o STF vem prometendo marcar há meses, enquanto mantém preso quem deveria ter sido libertado em janeiro/2009, quando o ministro da Justiça Tarso Genro tomou a decisão de conceder refúgio humanitário ao perseguido político italiano.

E, ao fazê-lo, Genro lembrou o fato notório de que os ultras haviam sido torturados nos escabrosos processos que marcaram o período dos anos de chumbo na Itália.

Segundo Genro, assim como sucedia "tragicamente" no Brasil de então, também na Itália "ocorreram aqueles momentos da História em que o 'poder oculto' aparece nas sombras e nos porões, e então supera e excede a própria exceção legal", daí resultando "flagrantes ilegitimidades em casos concretos".

Afora isso, houve também clamorosas aberrações jurídicas, conforme reconheceu um dos luminares do Direito, Norberto Bobbio:

“A magistratura italiana foi então dotada de todo um arsenal de poderes de polícia e de leis de exceção: a invenção de novos delitos como a ‘associação criminal terrorista e de subversão da ordem constitucional’ (...) veio se somar e redobrar as numerosas infrações já existentes – ‘associação subversiva’, ‘quadrilha armada’, ‘insurreição armada contra os poderes do Estado’ etc. Ora, esta dilatação da qualificação penal dos fatos garantia toda uma estratégia de ‘arrastão judiciário’ a permitir o encarceramento com base em simples hipóteses, e isto para detenções preventivas, permitidas (...) por uma duração máxima de dez anos e oito meses".

Foi assim que muitos réus, como Cesare Battisti, sofreram verdadeiros linchamentos com verniz de legalidade durante o escabroso período do macartismo à italiana:
  • com pesadas condenações lastreadas unicamente nos depoimentos interesseiros de outros réus, dispostos a tudo para colherem os benefícios da delação premiada;
  • com o uso da tortura para extorquir confissões e para coagir militantes menos indignos a engrossarem as fileiras dos delatores premiados; e
  • com processos que eram verdadeiros jogos de cartas marcadas, já que a Lei fora distorcida a ponto de admitir penas com efeito retroativo e prisões preventivas que duravam mais de dez anos.
A confirmação do refúgio concedido pelo Brasil a Cesare Battisti não só é a única decisão cabível à luz das leis de nosso país e da generosa tradição de acolhermos de braços abertos os perseguidos políticos de todas as nações e tendências ideológicas, como também um imperativo moral: o de, em nome da civilização, rejeitarmos de forma cabal quaisquer procedimentos jurídicos contaminados pela prática hedionda da tortura.

Além disto, o Acnur - Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados advertiu o STF de que, caso venha a tomar desta vez uma decisão discrepante da orientação internacionalmente adotada (e, acrescento eu, passando por cima tanto da nossa Lei do Refúgio quanto da jurisprudência que ele próprio estabeleceu em processos anteriores) , abrirá um precedente perigosíssimo: o de que países discordantes do desfecho de outros casos igualmente finalizados venham a reapresentar o pedido de estradição, agora às Cortes Supremas das nações que concederam o refúgio. Na prática, a instituição do refúgio será debilitada a tal ponto que vai se tornar irrelevante.

E o presidente do Conare - Comitê Nacional para Refugiados Luiz Paulo Barreto também se opôs a uma eventual apropriação pelo STF da prerrogativa de resolver os casos de refúgio, como parece pretender seu presidente Gilmar Mendes:
"Nem sempre o Judiciário tem condições de avaliar todos os detalhes de um processo de refúgio. P. ex., no caso do Sudão, da Eritreia, da República Democrática do Congo, o Supremo tem condições de saber que neste momento e nesses países há perseguição? Talvez não, porque o Supremo não é órgão especializado para dar refúgio".
Ademais, o parecer que o procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza encaminhou ao STF reitera a recomendação de que seja extinto o processo de extradição contra Cesare Battisti sem julgamento de mérito, com sua consequente libertação.

O motivo é o que eu e todos os cidadãos com o mínimo de conhecimentos jurídicos vimos repisando há uma eternidade: o ministro da Justiça concedeu status de refugiado a Battisti e as decisões anteriores do próprio STF sempre foram no sentido de que tal benefício impede o prosseguimento de extradições.

Mas, o procurador-geral foi além: ainda que não prevaleça este entendimento, o Supremo deve decidir pela improcedência do mandado de segurança apresentado pelo governo italiano contra a decisão de Tarso Genro, pois somente pessoas e entes de caráter privado podem entrar com mandados de segurança, faltando legitimidade ao governo italiano para utilizar essa via, já que se constitui numa pessoa jurídica de direito público internacional.

Por tudo isto, a conclusão de cidadãos brasileiros com espírito de justiça é inequívoca: a única pessoa que está numa (cela) fria é Cesare Battisti, preso há dois anos e meio sem ter cometido crime nenhum no nosso país, em função de acusações suspeitíssimas de um governo que pode estar apenas tentando calar uma testemunha eloquente das arbitrariedades por ele cometidas nos anos de chumbo.

A Itália continua brigando com a verdade histórica de que incidiu nas mesmas práticas das ditaduras latino-americanas ao travar o combate ao brigadismo. Deveria pensar em anistia e reconciliação, colocando uma pedra sobre esse passado deplorável. Enquanto insistir em perseguições rancorosas e extemporâneas, somente reavivará a lembrança do que tenta fazer o mundo esquecer.

Respeitosamente,

CELSO LUNGARETTI (jornalista, escritor e ex-preso político anistiado pelo Ministério da Justiça)

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