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18.8.09

O CASO BATTISTI E O ESPÍRITO DE JUSTIÇA

Os leitores mais assíduos de meus textos sabem que, na semana passada, travei rápida polêmica com o juiz aposentado e colunista da CartaCapital Wálter Fanganiello Maierovitch, no site Conversa Afiada, de Paulo Henrique Amorim.

Com menos adrenalina e o distanciamento crítico possível para quem participou de uma batalha, tentarei aprofundar o que aconteceu.

Comecemos pelo passo a passo:
  1. PH Amorim teve acesso, em primeira mão, ao parecer elaborado por um dos luminares do Direito no Brasil que, a soldo do governo italiano, tentou descobrir uma filigrana jurídica qualquer que desse aparência de legalidade a uma eventual decisão do Supremo Tribunal Federal de extraditar o escritor e perseguido político italiano Cesare Battisti;
  2. raciocinando como jornalista, ele publicou (ver aqui) a informação nova que alguma mão misteriosa depositou no seu colo;
  3. para dimensionar o que o tal parecer acrescenta ao processo, Amorim recorreu a Maierovitch, que, obviamente, o saudou como se fosse a tábua dos 10 mandamentos, pois se comporta no Caso Battisti com a isenção de um membro de torcida organizada no jogo de seu time;
  4. enviei uma contestação (ver aqui) da matéria como um todo e Amorim, jornalista que respeita as boas práticas jornalísticas, a acolheu, publicando-a;
  5. também publicou contestações (ver aqui) de Maierovitch, a mim e a leitores que comentaram o assunto;
  6. e também publicou minha resposta (ver aqui), desta vez específica, ao Maierovitch.
O debate ficou por aí.

Não cometerei a tolice de afirmar que dei xeque-mate em juiz num assunto jurídico. Na verdade, Maierovitch me respondeu tão sucintamente quanto possível, com perceptível repugnância.

Trata-se da reação habitual dos medalhões do sistema, ao se defontarem com cidadãos por eles tidos como desqualificados para discutir os elevados assuntos de sua área de atuação. Onde já se viu a plebe ignara invadir a praia dos PhD?

Então, com seus parágrafos curtos, ele escreveu apenas para reiterar sua posição e manter seu prestígio junto aos outros sacerdotes do Direito que porventura o lessem, tipo "aqui está a palavra final para os expertos e pouco me importa o que pensem os leigos". Nem sequer tentou ser convincente, já que despreza aqueles a quem poderia convencer.

Abdicou, portanto, de tentar levar vantagem sobre mim na disputa pelos corações e mentes dos leigos, do público habitual do site, cujos comentários acabaram sendo favoráveis a Battisti por ampla maioria.

Não sou advogado e jamais estudei Direito. Mas, lutando contra injustiças que sofri e algumas que outros sofreram, sendo solidário com colegas de serviço, defendendo o que é certo num país em que prevalecem interesses, acabei indo aos tribunais muito mais vezes do que gostaria. Aos 19 anos já respondia a quatro processos em auditorias militares, por haver travado o bom combate contra a ditadura.

Os conhecimentos adquiridos na estrada da vida foram fundamentais para que eu saísse vencedor nas duas batalhas de opinião mais dramáticas que já travei: como porta-voz da greve de fome dos quatro de Salvador, em 1986; e por minha própria anistia de ex-preso político, em 2004/5.

Então, consigo compreender razoavelmente a argumentação jurídica propriamente dita, não me deixando intimidar pelo linguajar cifrado e imponente dos doutos.

Mas, não é a exegese de textículos que privilegio em minhas batalhas, e sim o espírito de justiça que Platão dizia ser inerente a todo ser humano.

Pois, numa sociedade de classes, raríssimo é o idealista que conseguirá competir com profissionais debruçados a vida inteira sobre as minúcias legais, procurando os expedientes mais engenhosos para alcançar vitórias, seja quando defendem o que é justo, seja quando lhes pagam para absolver culpados e fazer prevalecer interesses espúrios.

O outro lado terá sempre mais recursos do que nós e sempre vai arregimentar os melhores juristas -- salvo uns poucos capazes de abrir mão de honorários em nome do espírito de justiça, como o grande Dalmo de Abreu Dallari.

As cartas nunca deixarão de estar marcadas contra nós. Invariavelmente nos defrontaremos com a perícia do inimigo no manuseio interesseiro dos textos legais e com a tendenciosidade da grande imprensa, que oscila (é óbvio!) na órbita dos interesses burgueses.

Ainda assim, não devemos desprezar a possibilidade de que o espírito de justiça faça os homens de boa vontade perceberem com quem está a verdade.

P. ex., nada do que Maierovitch ou o luminar contratado pelo governo estrangeiro argumentem será capaz de convencer pessoas sensatas de que os processos italianos dos anos de chumbo não tenham sido contaminados pela prática hedionda da tortura.

E não apenas em função dos depoimentos posteriores dos ultras, das admoestações que a Anistia Internacional fez na época às autoridades italianas ou das avaliações insuspeitas de um Norberto Bobbio, dentre tantos outros.

Mas por ser o que lhes é ditado pelo bom senso e pelo saldo coincidente de outros episódios de repressão aos que tomaram em armas para contestar o poder burguês: os países inevitavelmente respondem a tal desafio, ou aderindo ostensivamente ao terrorismo de estado (caso do Brasil de Médici), ou pisoteando veladamente os direitos humanos.

Na segunda hipótese, por mais que tentem esconder as torturas praticadas nos porões, mais cedo ou mais tarde elas acabam vindo à tona -- como os suplícios infligidos pela CIA a cidadãos muçulmanos na esteira do 11 de setembro.

Então, brasileiros não engolem esse blablablá oficialesco dos Minos e Maierovitchs sobre a democracia italiana nos anos de chumbo. Estão carecas de saber que governos colocam as razões de Estado à frente dos direitos fundamentais do homem.

E é por terem ocorrido excessos de parte a parte que não cabem mais punições, três décadas depois desses terríveis eventos.

Ainda mais num caso como o de Cesare Battisti, em que salta aos olhos a má fé dos que tentam erigi-lo em bode expiatório, obcecados em fazer deste episódio um tríplice exemplo: de fragelação da esquerda revolucionária, do poder implacável do Estado e da imposição da vontade dos países centrais sobre os periféricos.

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