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25.6.09

COTAS RACIAIS, SIM OU NÃO?

Desde abril/2007 sou editorialista de O Rebate.

Meu último editorial, Cotas Raciais têm bons resultados, frustrando os reacionários agourentos (acessar) foi replicado por Almir da Silva Lima, membro da coordenação nacional do Movimento Negro Socialista.

Seguem a contestação do Sr. Almir, Ex-guerrilheiro esquerdista, jornalista agora defende políticas compensatórias ‘raciais’!. E minha tréplica, Sectarismo e divisionismo atrapalham movimento negro num momento decisivo, para que cada leitor possa tirar suas conclusões.

EX-GUERRILHEIRO ESQUERDISTA, JORNALISTA
AGORA DEFENDE POLÍTICAS COMPENSATÓRIAS 'RACIAIS'!


Almir da Silva Lima

Ex-militante de uma organização opositora e armada à ditadura militar-fascista (1964-1985), um jornalista redigiu o texto “Cotas raciais têm bons resultados, frustrando os reacionários agourentos” defendendo políticas compensatórias ‘raciais’. Isto é, o militante que outrora se proclamava marxista-leninista, no fundo adepto das idéias do russo Josef Stalin (1879-1953), quando dizia ‘a luta anti-racista dos negros é uma questão secundária’ agora a defende como principal. Ou seja, ele passou a agir como ‘reacionário agourento’ defendendo sob o apelido de política compensatória ‘racial’ a conciliação entre capitalismo e racismo. É o que veremos neste texto.

Primeiro, o próprio jornalista concitou o debate ”Desde abril do ano passado quando 113 autoproclamados ‘cidadãos anti-racistas’entregaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) um manifesto contra as leis raciais, eu lhes respondi com o artigo: As cotas raciais e os 113 tolos pomposos”; provocou. Na época optei por aguardar que o colega de redação no jornal O Rebate viesse a se esclarecer acerca da polêmica questão. Inclusive o convidei a participar como observador da IV Reunião Nacional do Movimento Negro Socialista (MNS) em São Paulo, dia 13 de maio passado quando, de manhã, ocorreu um Ato Público nas escadarias do Teatro Municipal.

Desde a época o jornalista se equivoca ao insinuar que a Frente Única (FU) do MNS com sindicalistas, artistas e intelectuais contra as leis ‘raciais’ é inspirada nas teses de um diretor de jornalismo da Rede Globo, de fato um burguês reacionário. Apesar de compreensível dado o estalinismo do jornalista, esclareço-lhe: De inspiração em Lênin (1870-1924) e Trotsky (1879-1940) o propósito de uma FU é específico. Para tanto, se juntam todos e todas contra uma determinada política burguesa (leis ‘raciais’). Nós do MNS não somos sectários. A incoerência é dos burgueses que estão na FU, contra tais interesses da classe social deles. Já o jornalista faz o contrário.

Por isso democraticamente sugiro ao jornalista ler e estudar a obra de Trotsky como o livro Nacionalismo Negro onde ele ensinou ‘A luta anti-racista dos negros no continente africano e na diáspora é específica, estratégica e indissociável da luta de classes; uma questão de princípio dos autênticos socialistas independentemente da cor da pele’. Leia também: Da editora Civilização o livro ‘Divisões Perigosas: Políticas raciais no Brasil contemporâneo’ redigido por integrantes da FU. Quanto ao livro ‘Racismo e Luta de Classes’ do coordenador nacional das fábricas ocupadas Serge Goulart, prefaciado pelo coordenador nacional do MNS José Carlos Miranda. A obra está esgotada, mas empresto-a, até a editora Marxista relançá-lo.

O jornalista se referenciou em um colunista-burguês de O Globo onde publicou dia 17 último o texto ‘A cota do sucesso da turma do ProUni’. É o mesmo que critiquei pelo texto publicado dia 03 do corrente ‘As cotas desmentiram as urucubacas’. Nele, o colunista utilizou a expressão preconceituosa ‘mandinga’ para maldizer àqueles que se opõem às políticas racialistas, isto é, se opõem às leis baseadas na hedionda ideologia e ou crença fundamentalista da existência de ‘raças’ entre os seres da espécie humana. Não por mera coincidência, a mesma coisa defende o jornalista com quem debato.

Assim foi dito, sendo o pensamento de ambos “Meu ponto-de-vista continua o de que as cotas, mesmo significando um avanço (e devendo, portanto, ser defendidas e mantidas), nunca passarão de um paliativo (sic), pois a verdadeira solução passa também pela igualdade de oportunidades no mercado de trabalho e na sociedade, bem como pelo melhor direcionamento dos esforços de todos, negros e brancos”. Isso é conciliação de capitalismo com racismo pregado claramente pelos dois jornalistas. Haja vista “Entre os partidários da competição insensível entre os seres humanos movidos pela ganância e os cidadãos decentes que procuram minorar as mazelas do capitalismo, eu me alinharei sempre com estes últimos. Mas, sem ilusões: As injustiças só serão realmente erradicadas quando o bem comum prevalecer sobre os interesses individuais, numa nova forma de organização social”; concluíram peremptoriamente.

As reivindicações do MNS e o seu slogan ‘Racismo e Capitalismo são os dois lados de uma mesma moeda’.

Como vimos essa ‘nova forma de organização social’ dos dois jornalistas significa a conciliação entre exploração (capitalismo) e opressão (racismo) expressa na célebre frase acima dita pelo herói negro e mártir internacional da Consciência Negra e conseqüentemente da luta anti-racista Stephen-Steve Bantu Biko (1946-1977). Tal frase é o slogan do Movimento Negro Socialista (MNS) desde a fundação em 13/05/2006. Baseado nela não me cansa repetir: A quase totalidade dos movimentos negros (brasileiros e internacionais) e seus aliados como os dois jornalistas são hipócritas quando falam combaterem o racismo. Então eles utilizam sofismas com estratégico e sectário propósito de fazer a aludida conciliação.

Na quase totalidade dos movimentos negros, tais sofismas são: Cotas ‘raciais’, discriminação positiva (sic), reparação, indenização e estatuto que pode ser de ‘igualdade civil’ ou de ‘igualdade racial’. Entretanto, não há unidade, sequer consenso entre eles para apelidar tudo como Ações Afirmativas (AAs). No entanto, para os dois jornalistas de O Globo AAs é que são o paradigma para conciliação entre capitalismo e racismo. Considero AAs novas roupagens da burguesa doutrina do filósofo estadunidense Charles Sanders Pierce (1839-1914) criadas durante a III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação (étnico) Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas cujo evento foi realizado em 2001, na cidade de Durban, atual Azânia, ex África do Sul.

Denominado Plano Durban, esse suntuoso evento foi bancado pela Organização das Nações Unidas (ONU). No evento ocorreu um grande acordo entre a quase totalidade dos movimentos negros e variadas entidades que praticam a opressão imperialista, ainda que disfarçada de multilateralismo como a ONU, para fugir da inexorável luta de classes antiimperialista. Haja vista, a já mencionada célebre frase ensinada por Steve Biko, que é o nome dele mais conhecido na História. Para tanto, surgiu o que chamo de tumbeiro (antigo navio negreiro) do século XXI, onde embarcou a quase totalidade dos movimentos negros que vem a ser as já mencionadas políticas racialistas.

Concluindo, nós do MNS, propugnamos a otimização permanente de escolas e universidades públicas, gratuitas e de excelência na qualidade para todos e todas. Paralela e permanentemente o combate ao racismo deve ocorrer através da complementação da Lei 7716/1989 (Lei Caó) por tipificar racismo como crime inafiançável e imprescritível, prevendo cadeia para pessoa racista de até cinco anos. O que significa que as delegacias da polícia civil, quiçá da Polícia Federal, deve ser obrigatoriamente equipadas de um setor especializado no qual, os plantões diários, no mínimo e também obrigatoriamente tenham advogado, antropólogo e sociólogo para os registros das ocorrências.

SECTARISMO E DIVISIONISMO ATRAPALHAM
MOVIMENTO NEGRO NUM MOMENTO DECISIVO

Celso Lungaretti

Curtas e grossas, já que as tentativas de refutação a meu editorial Cotas Raciais têm bons resultados, frustrando os reacionários agourentos foram confusas e inconsistentes, eis minhas considerações sobre o texto Ex-guerrilheiro esquerdista, jornalista agora defende políticas compensatórias 'raciais'!:

1) "O militante que outrora se proclamava marxista-leninista" (isto é, eu) já quando participante da resistência à ditadura militar era um ferrenho anti-stalinista, tendo sido responsável pela caracterização da URSS como potência que priorizava os próprios interesses em detrimento dos da revolução mundial, no programa da Vanguarda Popular Revolucionária aprovado no congresso de Mongaguá (abril/1969).

Como redator do capítulo de Política Internacional, eu avaliei que a revolução brasileira nenhuma ajuda poderia esperar da União Soviética, exatamente por causa do seu desvirtuamento stalinista. Cheguei a tal conclusão lendo Isaac Deutscher, principalmente a trilogia dos Profetas e A Rússia Depois de Stalin. Além, é claro, da evidência factual fornecida pela repressão da Primavera de Praga.

Isso está relatado no meu livro Náufrago da Utopia (Geração Editorial, 2005), para quem quiser conferir. Foi um posicionamento sem similar na esquerda da época -- e que, à luz dos acontecimentos posteriores, revelou-se correto.

2) A simples releitura do meu artigo é suficiente para derrubar as afirmações inverídicas e sem nenhum fundamento sobre eu estar pregando a conciliação entre capitalismo e racismo. Parece que o Sr. Almir da Silva Lima não entendeu direito o que leu, mas os leitores de O Rebate certamente entenderão:

"...meu ponto-de-vista continua sendo o de que AS COTAS, mesmo significando um avanço (e devendo, portanto, ser defendidas e mantidas), NUNCA PASSARÃO DE UM PALIATIVO, POIS A VERDADEIRA SOLUÇÃO PASSA também pela igualdade de oportunidades no mercado de trabalho e na sociedade, bem como PELO MELHOR DIRECIONAMENTO DOS ESFORÇOS DE TODOS, NEGROS E BRANCOS.

"Entre os partidários da competição insensível entre seres humanos movidos pela ganância e os cidadãos decentes que procuram minorar as mazelas do capitalismo, eu me alinharei sempre com estes últimos. Mas, sem ilusões: AS INJUSTIÇAS SÓ SERÃO REALMENTE ERRADICADAS QUANDO O BEM COMUM PREVALECER SOBRE OS INTERESSES INDIVIDUAIS, NUMA NOVA FORMA DE ORGANIZAÇÃO SOCIAL.

3) Quando abordo uma questão em artigo, é porque já estou suficientemente esclarecido sobre ela. Então, minha participação no tal encontro para o qual o Sr. Almir me convidou seria inútil e, provavelmente, conflituosa.

4) O manifesto dos 113 tolos pomposos se baseia claramente na argumentação do livro Não Somos Racistas, de Ali Kamel. E foi para não ficarem antipatizados com o Kamel, diretor de jornalismo da Rede Globo, que alguns cidadãos com passado respeitável se colocaram, provavelmente a contragosto, na companhia do arquirreacionário Reinaldo Azevedo, como signatários do papelucho elitista.

5) Com todo esse blablablá sectário, o Sr. Almir não percebe o óbvio ululante, então vou explicar-lhe tintim por tintim.

Outros negros (que não os da corrente minoritária à qual ele pertence), após uma luta de décadas, conseguiram arrancar uma pequena concessão do capitalismo: o ingresso em cursos universitários aos quais não chegariam unica e tão-somente por não poderem bancar os melhores cursinhos. No entanto, uma vez conquistada a vaga, estão mostrando desempenho equivalente ao dos estudantes brancos.

A presença dos negros nas universidades públicas certamente reforçará o contingente dos estudantes que, por sua própria vivência, serão mais sensíveis às agruras do povo brasileiro e mais propensos a lutarem para erradicá-las, daí a sanha furibunda com que os reacionários estão combatendo esta pequena conquista.

Ao invés de juntar-se aos direitistas para fechar essa brecha, o tal Movimento Negro Socialista deveria é lutar para que ela fosse alargada, de forma que pudessem entrar nas universidades públicas outros estudantes pobres (inclusive os brancos), independentemente de vestibulares distorcidos pela máfia dos cursinhos e seus artifícios para desequilibrar a disputa em favor dos que podem pagar as caríssimas mensalidades por ela cobradas.

É pena que uma pirraça entre tendências do movimento negro esteja atrapalhando a luta para preservar essa conquista obtida a duras penas.

Vale também lembrarmos que uma nova derrota dos movimentos sociais só servirá para reforçar a ofensiva reacionária que hoje se articula em torno do Supremo Tribunal Federal de Gilmar Mendes.

E é exatamente por estarmos próximos do julgamento, no STF, das duas ações de inconstitucionalidade das cotas raciais em favor das quais os 113 tolos pomposos fazem seu repulsivo lobby, que o divisionismo deve ser mais enfaticamente repudiado.

Já que o Sr. Almir fez tanta questão de citar o Trotsky, é oportuno recordarmos o tratamento que o grande revolucionário russo deu a Zinoviev e Kamenev, quando estes, por discordarem da decisão do Partido Bolchevique de tomar o poder em outubro/1917, foram denunciá-la na imprensa burguesa, com o risco de alertar o inimigo sobre o que se planejava: mandou-os para a lata de lixo da História, qualificando-os de "fura-greves da revolução".

2 comentários:

RLocatelli Digital disse...

Realmente, Celso, divisionismo agora é facilitar a vida do coroné Gilmar Dantas ao julgar as ações de inconstitucionalidade.
O Movimento Negro Socialista chegou a participar da delegação que entregou ao coroné Gilmar o tal documento contra as cotas.
Ah, o divisionismo, é sempre uma tentação para a esquerda.

Tiago Cisneiros disse...

Caro Celso Lungaretti,



Li o seu livro "Náufrago da Utopia" e gostaria de lhe dar os parabéns pela história de luta e pelo próprio livro, muito bem escrito.

Embora nossas semelhanças não sejam nos campos de luta ou envolvimento político (afinal, tenho 19 anos), identifiquei-me em três pontos principais: sou poeta, estudante e estagiário de jornalismo e simpatizo com as posições de esquerda - a esquerda verdadeira, os princípios humanitários, e não a ditadura ou o modelo maquiado praticado no Brasil.

Se quiser me responder, favor enviar um e-mail para tiagoaraujo_ti@hotmail.com

Parabéns novamente.

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