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20.9.07

O RESCALDO DO RENANGATE

Celso Lungaretti (*)

O desfecho pífio do Renangate serve, pelo menos, como estímulo à reflexão e busca de novos caminhos. Na imprensa e na Internet, discute-se intensamente como redimir as instituições que, hoje, abdicam do cumprimento de sua missão e, até, do imperativo de manterem um mínimo de compostura.

Estão certos os que apontam o episódio como a comprovação de que o Partido dos Trabalhadores hoje é algo bem diferente daquela agremiação fundada em 1980 com o nobre objetivo de se tornar a alternativa à podridão da política burguesa.

Ninguém melhor do que Luiz Inácio Lula da Silva para simbolizar essa transição do idealismo para o amoralismo. Numa canhestra tentativa de justificação da atual defesa encarniçada da CPMF, depois de tanto tê-la atacado outrora, Lula implicitamente admitiu que ele e o partido cometeram estelionato eleitoral: “Você não governa com principismo. Principismo você faz no partido, quando pensa que não vai ganhar nunca as eleições. Quando vira governo, governa em função da realidade que tem”.

Seria simplista, no entanto, a mera desqualificação do PT, sem levarmos em conta os outros partidos que cumpriram idêntica trajetória nas últimas décadas, levantando belas bandeiras antes de chegarem ao poder e, depois, governando em função da realidade que tinham: o PMDB e o PSDB.

Se quisermos ir além da ladainha demagógica contra a esquerda e da retórica pessimista sobre a corrupção inerente ao ser humano, vale a pena lembrarmos que a redemocratização brasileira coincidiu com a globalização dos mercados capitalistas e o fim do socialismo real.

Na década de 1980 foi concluído o processo de transição para o que Lênin já em 1916 antevia como a “fase superior do capitalismo”: a concentração da produção, os monopólios, o predomínio do capital financeiro e a partilha do mundo entre as associações de capitalistas.

A II Guerra Mundial marcara o encerramento da era da franca competição entre nações capitalistas. A partir daí, o conceito de nação foi sendo esvaziado pela interligação e complementaridade dos negócios, inicialmente no bloco capitalista e, de 1989 em diante, em todo o planeta.

Falou-se em fim da História, na substituição das nações pelas corporações e na redução dos governos a funções secundárias ou decorativas, mas essas reflexões passaram longe do cidadão comum.

Poucos se dão conta da magnitude da transformação ocorrida, com a existência de um modelo econômico único, que nenhum governo, isoladamente, consegue alterar e do qual é suicídio apartar-se, só lhe restando a opção de adequar-se-lhe da melhor forma possível.

Como boa parte das decisões administrativas se resume a garantir as condições para o funcionamento desse modelo econômico, pouco resta para um governo resolver por si mesmo. A diferenciação entre os vários governos passou a se dar mais nos detalhes cosméticos.

Assim, um partido como o PT pode até chegar ao poder imbuído das melhores intenções, mas logo acaba governando “em função da realidade que tem”.

O que acontece com seus quadros?

Alguns se consolam com as melhoras insignificantes em relação às administrações anteriores, como a maior quantidade de migalhas distribuídas aos miseráveis, tentando fanaticamente convencerem a si próprios de que se trata da materialização do sonho antigo.

Outros, com mais clareza de visão e menos qualidade moral, assumem sua impotência em mudar verdadeiramente o Brasil e passam a priorizar a si próprios – e, conseqüentemente, a perpetuação do partido no poder, por que meio$ forem e com quais aliados forem, inclusive antigos inimigos como Fernando Collor, Renan Calheiros, Paulo Maluf, José Sarney e o finado ACM.

O certo é que, após personificar durante muito tempo a esperança de dias melhores para o Brasil, o PT deixou órfãos muitos idealistas que agora juntam os cacos e procuram reacender a antiga chama, com iniciativas díspares:

· a tentativa de construírem um partido nos moldes do PT original, mas que depois não se desvirtue;

· reforma política, fim das votações secretas no Congresso, unicameralismo, voto distrital, parlamentarismo e outras propostas de mudança das regras do jogo político;

· mobilizações populares para pressionar a mídia, para que não seja renovada a concessão da TV Globo, para se reestatizarem empresas, etc.

Para além do mérito ou relevância de cada uma dessas opções, salta aos olhos que passam longe do fulcro da questão: os Poderes do Estado nacional não respondem convenientemente às situações criadas pela economia transnacional, daí estarem sofrendo acentuado desgaste no Brasil.

A prática sem teoria é cega, diziam os pensadores marxistas. Mais do que nunca, há necessidade de pensarmos esta nova realidade, para que possamos interferir sobre ela de forma conseqüente.

* Celso Lungaretti é jornalista e escritor. Mais artigos em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/

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