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21.3.07

...E A BARBÁRIE CONTINUA NOS RONDANDO

Há quatro semanas, expus no artigo “A Barbárie Que Nos Ronda” algumas considerações sobre o banditismo e, principalmente, sobre sua demonização, orquestrada pelos inocentes úteis da mídia e pelos culpados inúteis da extrema-direita – estes, sempre à procura de bandeiras demagógicas para sua cruzada regressiva, tentando levar-nos de volta às trevas medievais.

As discussões que esse texto suscitou em comunidades do Orkut e outros espaços virtuais comprovaram que se trata de um dos temas mais polêmicos da atualidade. Eu já avaliava a conveniência de voltar a ele, quando duas mensagens me convenceram de vez.

Uma foi o spam com que um advogado panfleteou a Internet, derramando lágrimas hipócritas sobre o sofrimento de mais uma vítima dos monstros que o capitalismo engendrou e atribuindo a responsabilidade por esse crime aos defensores dos direitos humanos, com destaque para D. Paulo Evaristo Arns, alvo principal de sua sórdida catilinária.

Tendo renunciado ao posto de arcebispo de São Paulo em 1996, ao atingir a idade-limite de 75 anos, por que D. Paulo desperta até hoje sentimentos tão exacerbados nesses direitistas fanáticos?

Seria ingenuidade supor que sua postura cristã em defesa dos excluídos tenha motivado tamanho rancor. Na verdade, a direita troglodita tenta colocar D. Paulo na berlinda porque foi um dos maiores nomes da resistência à ditadura militar, salvando dezenas de presos políticos da morte e da tortura.

Vilificar D. Paulo e outros defensores dos direitos humanos atende a um objetivo propagandístico maior da direita troglodita: fazer uma ponte entre os opositores da ditadura e a escalada do banditismo.

Os neo-integralistas cansam, p. ex., de acusar a esquerda armada de haver ensinado técnicas guerrilheiras ao Comando Vermelho, o que a faria responsável pelo estágio ora atingido pelo crime organizado.

Esquecem de mencionar que foi um abuso cometido pela ditadura militar contra os presos políticos o motivo da aproximação de dois universos que deveriam ser mantidos estanques.

Pretendendo humilhar e denegrir os militantes revolucionários, os tribunais de exceção passaram a condenar também presos comuns com base na Lei de Segurança Nacional. Queriam passar à opinião pública a imagem de que todos os assaltantes de bancos não passavam de meros bandidos, independentemente de suas motivações.

Para sustentar essa falácia, não hesitaram em colocar os condenados todos juntos na galeria B do presídio da Ilha Grande, entre 1969 e 1975. Depois de alguns conflitos, os dois contingentes acabaram chegando a um modus vivendi.

E os presos comuns, admirados com a organização, disciplina e companheirismo dos revolucionários, começaram a seguir seu exemplo, unindo-se para reagir aos abusos das autoridades carcerárias e implantando normas de convivência (como a proibição de ataques, roubos ou violência física e sexual entre os presos).

Não se podem culpar os presos políticos por servirem de modelo, nem os presos comuns por imitarem-nos, trocando a lei do cão pelos rudimentos do respeito mútuo, a violência cega pelo planejamento.

A ditadura é que criou esse monstro, ao deixar que os objetivos propagandísticos falassem mais alto do que o bom senso e as lições de episódios passados (presos políticos já haviam liderado os comuns numa fuga do Presídio Frei Caneca).

E a propaganda direitista continua enganosa, contando essa história pela metade e omitindo que os principais vilões foram exatamente os tiranos e verdugos por ela cultuados.

APOLOGIA DO EXTERMÍNIO - A outra mensagem marcante foi a de um admirador de Carlos Lamarca e Che Guevara, que numa comunidade do Orkut defendeu o fuzilamento dos marginais como única forma de erradicar a violência. Sem perceber, adota uma postura que convém a seus piores “inimigos de classe”.

É triste e inquietante ver o sonho de uma sociedade igualitária e justa desembocar em pregações tão brutais e primitivas.

O capitalismo condena desnecessariamente parcela substancial da população economicamente ativa ao desemprego e ao subemprego. Depois, demoniza os excluídos que se tornam bandidos, utilizando-os como espantalhos para assustar a classe média e fazê-la ansiar por soluções autoritárias.

É claro que, depois de transporem alguns dos limites que nos separam da horda primitiva, esses indivíduos se tornam mesmo irrecuperáveis, nocivos para si próprios e para a sociedade. No entanto, de que adianta encarcerá-los ou executá-los, se as condições degradantes a que nosso povo é submetido proverão imediatamente seus substitutos? O circulo vicioso será eterno.

Então, piores criminosos do que essas bestas-feras são os cidadãos educados e bem vestidos que zelam pela manutenção do status quo. Pois foram suas decisões e suas omissões que levaram esses outros seres humanos à desumanização extrema, como almas penadas que só existem para sofrer e para causar sofrimento aos demais. Na Ópera dos Três Vinténs, de Brecht, há uma frase lapidar: "O que é o roubo de um banco comparado com a fundação de um banco?".

A repressão jamais eliminará o banditismo, que é intrínseco ao capitalismo. Mas, certamente, vai fazer secar o que há de mais belo e digno em nós.

Temos de voltar a pensar em soluções estruturais, em vez de cedermos à tentação do mero revide, que nada deixa como saldo, se não motivos para novas retaliações, gerando uma espiral de violência que tornará tudo cada vez pior para todos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Li os dois textos.Perfeitos.

neide.

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