No caso do aborto, p. ex., podemos pinçar informações interessantes na sua edição dominical.
Mais precisamente, estas, no editorial:
"Cerca de 1,1 milhão de abortos clandestinos são feitos anualmente no país. Em condições muitas vezes precaríssimas, constituem a terceira ou quarta causa de mortalidade materna no Brasil. Em 56 países, que representam 40% da população mundial, o aborto é permitido sem restrições até a 12ª semana de gravidez - limite máximo que se poderia admitir.
"Com certeza, políticas públicas de esclarecimento e garantia de acesso a meios anticoncepcionais, como a pílula do dia seguinte, poderiam, se amplas, intensivas e duradouras, prevenir a gravidez indesejada e reduzir de maneira drástica o número de mulheres que se valem, numa situação extrema, do traumático recurso".
E estas, na coluna do Elio Gaspari:
"A forma mais comum de aborto se dá com o uso da droga Cytotec. Em tese, sua comercialização é proibida. Na prática, custa em torno de R$ 400 e pode ser comprada pela internet. Estima-se que, de cada dez abortos, sete sejam feitos com Cytotec".
Seria interessante, antes de mais nada, perguntarem às mulheres quais os efeitos colaterais da pílula do dia seguinte e da droga Cytotec.
Já ouvi relatos assustadores sobre a primeira e, evidentemente, a segunda deve causar danos físicos e psicológicos bem maiores.
Também não é difícil de imaginarmos quantos riscos causam essas ingestões de produtos químicos sem acompanhamento médico. Vão na contramão de todas as advertências que as autoridades nos martelam há décadas, de que não devemos nos medicar por conta própria.
Gaspari desdenha a velha agulha de tricô, mas eu apostaria que sua estimativa passa longe da realidade: uma droga que custa R$ 400 dificilmente será a principal opção para as mulheres que decidem abortar por sua conta e risco, num país em que a maioria da população continua bem pobre.
No fundo, só há duas certezas neste assunto:
- a de que não se consegue provar cientificamente que o aborto até a 12ª semana de gestação seja um crime;
- a de que as mulheres continuarão abortando a despeito de quaisquer proibições.
A convicção dos opositores do aborto é de origem religiosa. São também contrários aos anticoncepcionais e preservativos, porque Deus é quem decide se devemos crescer e nos multiplicar num planeta em que a natalidade desenfreada levará à destruição da vida.
É isto mesmo: enquanto não conseguirmos alcançar o tal desenvolvimento sustentável -- e as alterações climáticas estão aí para nos mostrar quão distantes dele nos encontramos --, o crescimento descontrolado da população só fará aumentarem os riscos de extinção da espécie humana.
O tal direito à vida dos carolas mais me parece flerte com a morte.
Então, lamento profundamente que o tema esteja sendo tratado de forma tão leviana e oportunista no momento decisivo da campanha presidencial.
Até por seu passado de militantes que enfrentaram o obscurantismo, Dilma Rousseff e José Serra sabem muito bem a magnitude do desserviço que prestam ao povo brasileiro cedendo à chantagem fundamentalista.
Vale para o Brasil o mesmo que os mais lúcidos afirmam sobre o Irã: estado teocrático no século 21 não passa de uma excrescência ridícula.
Então, senhores, é inaceitável que ambos estejam admitindo essa imposição de interdições religiosas à totalidade dos brasileiros apenas porque creem que pagar tal mico aumente suas chances de vitória nesta eleição.
Quando se começa a descer a ladeira, o impulso leva cada vez mais para baixo. E se os marqueteiros se tocarem de que apoiar a pena de morte e a tortura de traficantes também renderia muitos votos?
Retrocessos históricos têm sempre consequências catastróficas. No fundo, o que esses fanáticos religiosos almejam é cancelar a renascença, o iluminismo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem avanços científicos marcantes dos últimos séculos, etc., devolvendo-nos às trevas medievais. Não conseguirão, mas podem provocar terríveis estragos tentando.
Os Antônios Conselheiros invariavelmente deixam um legado de destruição; o sertão vira mar... de sangue.
Aqueles a quem os deuses querem perder, primeiramente enlouquecem.
2 comentários:
A propaganda do Serra soa assim na rádio e TV, "ele é o candidato do Dem". Bem que eu desconfiava. O PSDB já o abandonou.
A ciência para muitos é um deus. O aborto - há casos onde infelizmente é justificável (meninas novas (crianças), risco da mãe) - porém pela mera falta de controle moral das pessoas ou por ideais meramente humanistas - é crime. Pois em nosso vasto conhecimento, dizemos que somos seres desenvolvidos, pois a melhor solução para o mundo caótico é o aborto: optamos pela morte e não pela vida. Realmente nos tornamos extremamente evoluídos. A desculpa que são os religiosos "cabeças duras" é muito simplória.
A história sempre se repete, desculpas fracas - o mundo se esfacela pela ganância humana, pelos carros possantes, pelas hidrelétricas que construímos, pela devastação da Amazônia, ânsia pelo consumo, pelo Estado que é omisso em suas responsabilidades, a quebra de valores morais - mas não crianças que nem nasceram - que são declaradas pelo deus ciência: não são ainda vidas. No futuro essa concepção evoluída do homem trará sua consequências: Ele decide quem deve existir ou não.
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