Numa entrevista coletiva dos dissidentes recém libertados, a colaboradora da Folha em Madri recebeu a tarefa de indagar qual a sua opinião sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O jornal apostou em que ainda estariam indignados com a posição de Lula face à greve de fome que culminou na morte de Orlando Zapata. Não deu outra.
"Em Madri, [os dissidentes libertados] chamaram o presidente de populista e afirmaram que ele podia ter salvado a vida do preso político Orlando Zapata, que morreu por greve de fome no dia em que Lula visitava Cuba.
'Só que o Lula se aliou ao crime e não à justiça', declarou o dissidente cubano Omar Rodríguez.
"As críticas, feitas ontem em entrevista coletiva..."
A forma como a Folha apresentou o assunto me levou a comentar, num artigo que redigi de batepronto ainda na madrugada do dia 16, que os ex-presos tinham se deixado levar pela emoção, incorrendo num desabafo compreensível, mas também num exagero: não havia como, honestamente, responsabilizar Lula por uma morte ocorrida no próprio dia de sua visita.
Ele e todos os outros presidentes e premiês do mundo, além do Papa, deixaram de intervir em tempo hábil, apelando por Zapata enquanto sua salvação ainda era possível; na enésima hora não adiantaria fazer mais nada. E também não era Lula o único governante estrangeiro capaz de influenciar decisões dos irmãos Castro.
Ele e todos os outros presidentes e premiês do mundo, além do Papa, deixaram de intervir em tempo hábil, apelando por Zapata enquanto sua salvação ainda era possível; na enésima hora não adiantaria fazer mais nada. E também não era Lula o único governante estrangeiro capaz de influenciar decisões dos irmãos Castro.
Depois, entretanto, fiquei sabendo que não era bem isso que Omar Rodrigues Saludes havia dito, mas sim:
“[Lula] aliou-se ao crime e não à Justiça. Orlando Zapata podia ter tido, mesmo que remotas [grifo meu], possibilidades de sobreviver se Lula tivesse intercedido pessoal e publicamente por ele”.
Ou seja, a Folha fez parecer que Saludes e os outros opositores de consciência haviam responsabilizado integralmente Lula pelo desfecho trágico da greve de fome de Zapata, quando, na verdade, o dissidente reconheceu sensatamente que, fosse qual fosse a atitude do nosso presidente, as chances de sobrevivência eram ínfimas -- conforme eu destaquei no meu artigo.
É de se supor que os demais tenham igualmente feito ressalvas, não incorporadas na notícia da Folha; e que não tenham sido todos que qualificaram Lula de "populista", mas apenas um deles.
Na verdade, a greve de fome de Zapata não chamava atenção até o desfecho fatal, mesmo porque vem sendo um recurso utilizado em demasia pelos opositores de consciência cubanos. Deveriam preservá-lo para situações extremas.
Então, o mais provável é que Lula nem sequer soubesse de sua existência.
O grande pecado do nosso presidente foi, ao ser surpreendido por um acontecimento imprevisto, deitar falação sobre o que não lhe dizia respeito:
É de se supor que os demais tenham igualmente feito ressalvas, não incorporadas na notícia da Folha; e que não tenham sido todos que qualificaram Lula de "populista", mas apenas um deles.
COMPARAÇÃO INDEFENSÁVEL
Na verdade, a greve de fome de Zapata não chamava atenção até o desfecho fatal, mesmo porque vem sendo um recurso utilizado em demasia pelos opositores de consciência cubanos. Deveriam preservá-lo para situações extremas.
Então, o mais provável é que Lula nem sequer soubesse de sua existência.
O grande pecado do nosso presidente foi, ao ser surpreendido por um acontecimento imprevisto, deitar falação sobre o que não lhe dizia respeito:
"A greve de fome não pode ser utilizada como pretexto de direitos humanos para libertar pessoas. Imagina se todos os bandidos que estão presos em São Paulo entrarem em greve de fome e pedirem liberdade!"
Deveria, simplesmente, alegar que se tratava de assunto interno cubano, sobre o qual não lhe cabia se manifestar.
"Pessoalmente, admiro Lula e sua trajetória. Mas foi infeliz na comparação com os detentos de São Paulo e nos deve desculpas", disse outro dissidente, Pablo Pacheco. Corretíssimo.
A Folha também foi à caça, por telefone, de um desabafo do Guilherme Fariñas, que deve ser o recordista mundial em quantidade e duração de greves de fome (nunca imaginei que cubanos se igualassem em determinação aos militantes do IRA...).
Com todo respeito que sua luta merece, ele também deu exemplo de incontinência verbal:
"Pessoalmente, admiro Lula e sua trajetória. Mas foi infeliz na comparação com os detentos de São Paulo e nos deve desculpas", disse outro dissidente, Pablo Pacheco. Corretíssimo.
A Folha também foi à caça, por telefone, de um desabafo do Guilherme Fariñas, que deve ser o recordista mundial em quantidade e duração de greves de fome (nunca imaginei que cubanos se igualassem em determinação aos militantes do IRA...).
Com todo respeito que sua luta merece, ele também deu exemplo de incontinência verbal:
"O Lula é um mal-agradecido. Esqueceu-se de sua essência humana. Sorte para o povo brasileiro que já não pode mais ser eleito".
São palavras ofensivas para o "povo brasileiro", pois dão a entender que este faria a escolha errada se não tivesse a "sorte" de Lula não poder mais ser reeleito.
É outro que deitou falação sobre o que não lhe diz respeito.
É outro que deitou falação sobre o que não lhe diz respeito.
O OUTRO LADO
Por último, os leitores devem ter estranhado o parágrafo final:
"Ouvido pela Folha, o Palácio do Planalto afirmou que não irá se manifestar sobre as declarações dos ex-presos".
Dá impressão de falta, ou de profissionalismo, ou de argumentos para responder às acusações. Mas, omitiu-se um detalhe importante: o Planalto foi "ouvido" quando e como?
No tempo em que eu trabalhava na Coordenadoria de Imprensa do Governo paulista, o serviço propriamente dito acabava por volta das 21h, mas sempre um de nós ficava de plantão até mais tarde, para qualquer eventualidade.
Acontecia de jornalistas ligarem no fim da noite, querendo saber a posição do governador face a qualquer notícia ou declaração adversa, para publicação na edição que estava fechando.
Era pura má fé: sabiam que não havia a menor chance de obtermos um retorno do governador em tempo hábil.
Meus colegas de trabalho respondiam que era impossível atender a essa solicitação e o repórter, satisfeito, colocava na matéria que o Palácio dos Bandeirantes não tinha se manifestado.
Eu era mais ousado: de tanto processar entrevistas do governador, estava careca de saber qual seria sua reação face ao que estava sendo perguntado.
Então, não só transmitia ao repórter a posição "do Palácio dos Bandeirantes", como o fazia, vingativamente, da forma mais vagarosa possível, saboreando a aflição do jornalista do outro lado da linha, ansioso por entregar o quanto antes sua matéria...
No tempo em que eu trabalhava na Coordenadoria de Imprensa do Governo paulista, o serviço propriamente dito acabava por volta das 21h, mas sempre um de nós ficava de plantão até mais tarde, para qualquer eventualidade.
Acontecia de jornalistas ligarem no fim da noite, querendo saber a posição do governador face a qualquer notícia ou declaração adversa, para publicação na edição que estava fechando.
Era pura má fé: sabiam que não havia a menor chance de obtermos um retorno do governador em tempo hábil.
Meus colegas de trabalho respondiam que era impossível atender a essa solicitação e o repórter, satisfeito, colocava na matéria que o Palácio dos Bandeirantes não tinha se manifestado.
Eu era mais ousado: de tanto processar entrevistas do governador, estava careca de saber qual seria sua reação face ao que estava sendo perguntado.
Então, não só transmitia ao repórter a posição "do Palácio dos Bandeirantes", como o fazia, vingativamente, da forma mais vagarosa possível, saboreando a aflição do jornalista do outro lado da linha, ansioso por entregar o quanto antes sua matéria...
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