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31.10.07

O SAMBA DO OLAVO DOIDO

Celso Lungaretti (*)

Em 1968, o grande Sérgio Porto não suportava mais os sambas-enredos sobre figuras históricas, que passaram a predominar a partir da turistização do carnaval carioca. Tratava-se de uma opção esperta para se agradar aos gringos e evitar atritos com a ditadura, mas que resultou catastrófica do ponto-de-vista artístico: os episódios eram narrados de forma simplista, oficialesca e, muitas vezes, equivocada.

A resposta de Sérgio Porto foi o genial Samba do Crioulo Doido, que, dizia a introdução, “tinha sido criado” por um compositor de escola-de-samba cuja cuca fundira de tanto lidar com os eventos da História, levando-o a fazer uma salada de épocas, fatos e personagens: “Joaquim José,/ que também é/ da Silva Xavier,/ queria ser dono do mundo/ e se elegeu Pedro II./ Das estradas de Minas,/ seguiu para São Paulo/ e falou com Anchieta./ O vigário dos índios/ aliou-se a D. Pedro/ e acabou com a falseta./ Da união deles dois/ ficou resolvida a questão/ e foi proclamada a escravidão...”

Olavo de Carvalho, que se apresenta como “jornalista, ensaísta e professor de filosofia”, também compõe seus sambas do crioulo doido. E o pior é que não se trata de sátira: ele acredita nas bobagens que escreve.

Assim, pretendendo me agredir (artigo “Inutilidade Confessa”, Diário do Comércio, 24/10/2007), ele já começa viajando na maionese: “Celso Lungaretti, que entrou para os anais da História Universal como prefeito de Pariquera-Açu, SP...”

Repetindo a mesma ladainha num programa radiofônico, ele deixou ainda mais evidenciado seu desprezo por esse município, ao acrescentar que sua população se limitava a três pessoas: eu, meu pai e minha mãe.

Mas, da mesma forma que o Tiradentes nunca falou com Anchieta, eu também jamais fui prefeito de Pariquera-Açu ou de qualquer outra cidade. Nunca disputei eleições para o Executivo ou o Legislativo. Sou paulistano e – com exceção do período em que participei da resistência à ditadura militar – sempre residi na Capital.

Parece que o rigor factual anda meio ausente das aulas do professor OC.

O festival de besteiras não pára

OC, em seguida, se refere a mim como “dono da Geração Editorial”. E diz que eu tenho “prosperado muito no ramo da propaganda comunista, a indústria mais pujante deste país”.

Uma passada de olhos pelo site da Geração seria suficiente para ele ficar sabendo que o dono da editora é o respeitado jornalista e escritor Fernando Emediato. E que eu sou apenas um entre dezenas de autores que compõem o cast da Geração.

Será que as aulas de filosofia de OC incluem o ensino da responsabilidade ética? Dificilmente. Afinal, ele me acusa de infidelidade aos princípios da democracia e da livre-expressão por exigir o fechamento judicial “dos sites conservadores na internet”.

E qual foi, realmente, minha proposta? “Reunir provas dos delitos que estão sendo cometidos (exortação à rebelião contra os Poderes da Nação, calúnia e difamação, principalmente), encaminhando-as às autoridades (a equipe que o Ministério Público Federal criou para combater os crimes virtuais ou, nas cidades menores, a Polícia Federal), à imprensa e às entidades de defesa dos direitos humanos”.

Ou seja, defendi e defendo a tomada de providências judiciais contra os sites extremistas de direita (não os meramente conservadores) que estejam pregando a derrubada do governo constitucionalmente eleito ou cometendo os crimes de calúnia e difamação, entre outros.

O que há de errado em pedir que as autoridades apurem crimes virtuais? O que as pregações golpistas e o uso de mentiras para satanizar-se cidadãos respeitáveis têm a ver com a democracia e a liberdade de expressão?

Moscou Contra 007 ou O Rato Que Ruge?

O principal motivo desse tiro que OC tentou dar em mim (e saiu pela culatra) foi a crítica que eu fiz, no meu artigo Goebbels Inspira Direita e Esquerda na Internet, à seguinte afirmação dele, OC, referindo-se ao Foro de São Paulo, em artigo de 15/01/2007: “...a entidade que já domina os governos de nove países não admite, não suporta, não tolera que parcela alguma de poder, por mais mínima que seja, esteja fora de suas mãos… o Foro de São Paulo, com a aprovação risonha do nosso partido governante, reivindica o poder ditatorial sobre todo o continente”.

Eu esclareci que o Foro se trata “apenas de um encontro bianual de partidos políticos e organizações sociais contrárias às políticas neoliberais”. E comentei que OC, com suas teorias conspiratórias, mais parecia “Ian Fleming introduzindo a Spectre numa novela de James Bond”.

A isso responde agora OC: “Fique pois o leitor sabendo que os partidos de Lula, Kirschner, Chávez, Morales e tutti quanti não governam nada ou então não pertencem ao Foro de São Paulo, embora eles próprios digam o contrário em ambos os casos”.

Qualquer cidadão sensato percebe quão delirante é a hipótese de que Brasil e Argentina, juntamente com cinco nações não especificadas, a Venezuela e a Bolívia, participem de uma tramóia para implantar ditaduras de esquerda em todo o continente americano (o que incluiria os Estados Unidos).

Quem crê ou tenta fazer os outros crerem que o populismo autoritário de Chávez determinará o destino de grandes nações como o Brasil e a Argentina, já foi além até das fantasias de 007. Isso está mais para O Rato Que Ruge, aquela ótima comédia com Peter Sellers...

Como o rigor geográfico também passa longe do pomposo professor de filosofia, ficamos sem saber exatamente quais os países em risco de se tornarem ditaduras. Mas, com toda certeza, a verdadeira ameaça é representada por quem já transformou a América Latina numa constelação de ditaduras e generalizou a prática de assassinatos e torturas nas décadas de 1960 e 1970: os companheiros de ideais de OC.

Grosserias e baixo calão: a linguagem dos becos

De resto, ele também nada tem a ensinar em termos de comportamento. No texto escrito, diz que “o que quer que um tipo como Lungaretti diga ou faça é inócuo como um pum de mosquito”. No falado, apela para grosserias ainda mais explícitas e palavras de baixo calão, atingindo inclusive minha mãe octogenária. A isso darei a resposta cabível de um homem civilizado, não a dos becos em que se originaram o nazismo e o fascismo.

Como não reconheço a mínima autoridade moral de OC para julgar meu comportamento, não perderei muito tempo com seus devaneios sobre episódios já esclarecidos.

Acusa-me de oportunista por, após 65 dias de incomunicabilidade e torturas, logo depois de sofrer uma lesão permanente e sob ameaça de morte, haver aceitado participar de uma farsa de arrependimento forçado, articulada pela Inteligência do Exército.

Quem pode avaliar uma atitude tomada em situação tão extrema são os outros combatentes, que também assumiram o risco de enfrentar a tirania, apesar da enorme disparidade de forças. Os iguais podem me julgar. Os carrascos, seus defensores e seus discípulos, não.

OC falta novamente com a verdade ao dizer que mudei de posição agora, por ser mais vantajoso para mim. Desde a primeira vez que fui procurado pela imprensa – entrevista concedida à IstoÉ em 1978 – sempre relatei as torturas sofridas e as circunstâncias dramáticas em que se deu aquele episódio.

Reiterei isso, na década seguinte, em entrevistas ao jornal Zero Hora e à revista Veja. E voltei a falar sobre as torturas durante a polêmica com Marcelo Paiva, em 1994. Além de haver travado uma luta dramática para salvar da morte quatro militantes que faziam greve de fome em 1986.

Felizmente, minhas palavras e atitudes estão registradas de diversas formas, tornando inócuas essas tentativas de desmerecer uma vida inteira dedicada à defesa da liberdade e da justiça social. Os leitores poderão facilmente encontrar elementos para decidirem de que lado está a verdade.

Finalizando: o samba do crioulo doido de OC toma ao pé da letra uma afirmação que o saudoso Lalau fez como blague. Quer que seja proclamada a escravidão e voltemos todos a viver debaixo das botas. Mas, o amadurecimento do povo brasileiro é bem maior do que supõe sua vã filosofia.

Ditaduras – todas as ditaduras – foram para a lata de lixo da História. E dela não sairão, por mais que suas viúvas esperneiem.

* Celso Lungaretti é jornalista e escritor. Mais artigos em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com

8 comentários:

Paulo Renato disse...

"A verdadeira ameaça é representada por quem já transformou a América Latina numa constelação de ditaduras e generalizou a prática de assassinatos e torturas nas décadas de 1960 e 1970: os companheiros de ideais de Olavo de Carvalho."

Perfeito!

Anônimo disse...

Caro Lungaretti,

Gostaria de ler o artigo "Inutilidade Confessa", mas infelizmente nõ o encontro no site do Diário do Comércio. Gostaria de lê-lo para poder, enfim, entender o que foi dito e como foi dito, exercitando a interpretação, o pensar, e a capacidade de construir uma opinião; exercícios estes quase extintos no Brasil...

Camila Zemuner
cazemuner@hotmail.com

Cássio Augusto disse...

Belo texto!!! Aliás... ninguém merece o Olavo de Carvalho né!!!

Anônimo disse...

Pois é Celso, é facil para o dito filósofo Olavo de Carvalho ficar na frente do computador lá nas terras distantes da Vírginia e descer a lenha em tudo e em todos.
Mas se você percebesse que ele não é filósofo, mas apenas um pobre senhor tentando chamar atenção, não perderia tempo escrevemndo uma réplica para ele. Olavo esta mais para comediante que para intelectual...

Anônimo disse...

Seria interessante, meu caro Lungaretti, que você fosse até o site da Wikipedia em português, no artigo "Foro de São Paulo" , que está sendo mantido bloqueado porque um dos administradores, admirador do sr. Carvalho, quer manter uma redação do verbete que preserve a fantasia do Foro como agência conspiratória...

celsolungaretti disse...

Cecília, os artigos escritos pelos Olavos de Carvalho da vida você sempre encontra nos sites fascistas, como o Ternuma: http://www.ternuma.com.br/olavo0748.htm

Anônimo, por incrível que pareça, os golpistas de direita continuam apelando para as mesmíssimas fórmulas que deram certo há quatro décadas.

Então, em 1964 alegaram que estavam acabando com a democracia para evitar que a conspiração comunista urdida em Moscou e Pequim acabasse com a democracia.

Hoje, como já não existe um bicho-papão remotamente crível, são obrigados a exagerar a importância (na verdade, mínima) do Foro de São Paulo a tal ponto que fica mesmo parecendo um vilão de fantasia cinematográfica.

Como eles adorariam ter um espantalho melhor para exibirem! Esse não assusta nem passarinho...

Unknown disse...

graaaande C.L. - evoè!

01) sou olavo, mas não sou o herr Carvalho, nem a pau!

02) adoro Pariquera-Açu (e 2 vezes por mês tô praqueles lados, em Registro, visitando meu caçula).

Fico ainda mais feliz em saber que vc já apitou por lá;

03) tomo a liberdade de convidá-lo a ver meu novo clipe -SONHO IMPOSSÍVEL- (uma homenagem ao meu tio torto Guarnieri)

http://youtube.com/watch?v=fIG5t05Q954

04) e a visitar meu blog, CORDEL CAIÇARA

www.cordelcaicara.zip.net

05) agradeço toda a divulgação que vc puder fazer

forte abraço
saúde & paz

abraço fraterno do admirador,

olavo dáda
corinthians (antiga vila de santos)_sp

William Wollinger Brenuvida disse...

Li "Náufrago da utopia"; sou companheiro de coluna de O Rebate; e tive a alegria de conhecer pessoalmente Celso Lungaretti. Olavo teve a primazia de mudar o título daquele seriado americano para "OC - um idiota no paraíso". O paraíso dele é esse capitalismo feroz e sanguinário em que somos submetidos. O erro de OC é escrever sobre uma pessoa como Celso sem ao menos, conhecê-lo pessoalmente, sem ter acesso a sua bagagem cultural, política e histórica. Celso sofreu horrores nas catacumbas da ditadura e depois por lhe serem atribuídas inverdades... OC não esperava que Celso fosse se defender, e que tivesse amigos e admiradores que estariam em sua defesa.

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