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24.8.07

O RESCALDO DO "CANSEI"

Celso Lungaretti (*)

Tenham sido 2 mil ou 5 mil os cidadãos presentes ao ato público do Cansei na Praça da Sé, o certo é que, para uma metrópole como São Paulo, isto equivale a uma gota d’água no oceano.

Na verdade, as próprias lideranças do movimento não esperavam grande coisa depois que a OAB Nacional pulou fora, deixando a decisão de apoiá-lo ou ignorá-lo às seccionais. E o que se viu não deu nem para salvar as aparências. Outros enterros já tiveram participação mais expressiva.

O fracasso teve muitas causas.

João Doria Jr. tentou transpor para a política as fórmulas publicitárias que costumam dar certo nas campanhas eleitorais. Então, face à comoção provocada pela tragédia de Congonhas, supôs mecanicamente que se tratasse da gota d’água para a classe média passar dos resmungos virtuais ao protesto aberto. A virulência dos posts na Internet deixava exatamente essa impressão.

E foi com visão de publicitário que ele estruturou seu projeto, desde o título mais próximo dos slogans propagandísticos do que das palavras-de-ordem políticas (e que acabou se revelando extremamente inadequado, pois propiciava piadas dos adversários) até o foco demasiadamente difuso: querendo atingir o máximo de consumidores, Doria pretendeu enfeixar num único movimento todas as insatisfações por mazelas de responsabilidade do Executivo, Legislativo e Judiciário, em âmbito federal, estadual e municipal.

Para piorar, a idéia foi prontamente apoiada pela extrema-direita golpista que faz proselitismo na Internet e pelas correntes que até hoje não se conformam com o fato de Lula haver escapado do impeachment. Com Brilhante Ustra, Olavo de Carvalho, o Partido Vergonha na Cara e o Fora Lula apoiando o Cansei, ficou fácil para os governistas apontarem-no como uma nova Marcha da Família, com Deus, Pela Liberdade.

Afinal, além de ter essas ligações perigosas, o Cansei se voltava contra muitas iniqüidades e não propunha solução para nenhuma delas. O que resolveria tantos problemas de uma só vez? Fazia sentido supor-se que sua verdadeira meta fosse, como em 1964, um golpe de estado contra a subversão e a corrupção.

De quebra, o apoio da Fiesp, da Febraban e da Associação Comercial de São Paulo reforçou a suspeita de que se tratasse de uma conspiração dos endinheirados contra o presidente metalúrgico. E a OAB, respeitada por sua atuação exemplar durante os anos de chumbo, não acompanhou o presidente da seccional paulista em sua aventura.

Os erros crassos cometidos pelos que se propuseram a representá-la não devem, entretanto, fazer crer que a classe média esteja indiferente em relação a um governo que prioriza os muito ricos e os muito pobres, pouquíssimo oferecendo a quem está no meio, exagerando na carga tributária e descurando de serviços essenciais.

Bem farão os lulistas se encararem o Cansei como um alerta e iniciarem algumas correções de rumo. Nem todos os movimentos de classe média serão tão trapalhões.

João Goulart também sentia-se perfeitamente seguro depois da estrondosa vitória obtida no plebiscito que lhe restituiu poderes presidenciais plenos. Um ano e meio depois, era derrubado.

* Celso Lungaretti é jornalista e escritor. Mais artigos em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/

2 comentários:

Anônimo disse...

"Outros enterros já tiveram participação mais expressiva."
O enterro da ditadura foi um desles.
Esse enterro da democracia revela que temos mais assasinos do que vítmas.

Anônimo disse...

Caro Lungaretti:

Na minha opinião o fato de movimentos como o Cansei darem em nada é que no fundo todo cidadão de bem com um mínimo de conhecimento acadêmico sabe que não são as reviravoltas políticas de um país que vão mudar sua realidade individual e sim, estudo e trabalho.

O sonho de um Papai Noel ou de um messias salvador é mais comum em classes sociais mais pobres e desesperadas pois ainda não sentiram o gostinho de mudarem suas realidades com suas próprias mãos.

Quem como eu, através do estudo e do trabalho, conseguiu sair de uma condição miserável de vida para uma situação melhor sabe que não são palavras ou retórica política que muda sua realidade e sim, o seu próprio esforço num projeto pessoal de vida.

Por esse motivo, pessoas de classe média dificilmente se iludem com a falácia das mudanças políticas e econômicas oriundas de ondas de protesto.

A revolução que ocorre hoje é interior em cada indivíduo.

Essa revolução não precisa mais ser externalizada e chama-se popularmente de "TOMAR VERGONHA NA CARA E FAZER ALGO POR SI MESMO".

O problema do FAZER ALGO POR SI MESMO está atrelado ao conceito de luta.

Talvez seja por isso que nas classes sociais desesperadas haja essa confusão de FAZER ALGO POR SI MESMO com o conceito de violência, ou seja, de LUTAR CONTRA O MUNDO POR UM LUGAR AO SOL.

Na classe média esse conceito de lutar e de fazer algo são distintos e não se confundem pois os mesmos são oriundos de experiências vividas e não teorizadas.

Hoje, superada a luta contra mim mesmo a fim de domar minha natureza animal para uma natureza mais humana e hoje estar colhendo os frutos disso, percebo que também fiz muita confusão no passado com esses termos.

Ainda bem que o medo era superior à minha revolta contra a vida senão eu teria feito besteira.

Através do medo consegui pautar a minha conduta num caminho estreito de ascensão pessoal mas que resultou em mudanças sustentáveis em minha condição de vida original.

Agora me digam, por que os filósofos do bem-estar social não enxergam essa falácia de raciocínio e lógica nas pessoas e não as desmontam racional, dialética e retoricamente?

Porque lhes interessa que o povo continue acreditando em Papai Noel e salvadores da Pátria desde, é claro, que o povo veja neles esses mesmos Papais Noéis e salvadores da Pátria e não os veja em outros.

Abraços.

João da Rocha Labrego

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