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5.6.07

AOS QUE VIERAM DEPOIS DE NÓS

(carta aberta aos universitários que estão reerguendo o movimento estudantil, livremente inspirada na poesia “Aos Que Virão Depois de Nós”, de Bertold Brecht)

Jovens companheiros,

recebam o abraço de um náufrago da utopia de 1968, quando os melhores brasileiros, muitos deles tão novos como vocês, percorreram esses mesmos caminhos de idealismo e esperança, sem conseguirem levar a bom termo a jornada.

Eram tempos sem sol, em que só tinham testas sem rugas os indiferentes e só se davam ao luxo de rir aqueles que ainda não haviam recebido a terrível notícia.

Num país de tão gritante desigualdade social, eu e meus amigos chegávamos a ser tidos como privilegiados. E, tanto quanto a vocês, os reacionários empedernidos e os eternos conformistas nos diziam: “Come e bebe! Fica feliz por teres o que tens!”.

Da mesma forma que vocês agora, um dia percebemos que nada do que fazíamos nos dava o direito de comer quando tínhamos fome. Por acaso, estávamos sendo poupados – ao preço de silenciarmos sobre tanta injustiça.

E cada um de nós se perguntou: “Como é que eu posso comer e beber, se a comida que eu como, eu tiro a quem tem fome? Se o copo de água que eu bebo, faz falta a quem tem sede?”.

Escolhemos o caminho árduo dos que têm espírito solidário e senso de justiça.

Poderíamos, é claro, nos manter afastados dos problemas do mundo e sem medo passarmos o tempo que se tem para viver na terra. Mas, não conseguíamos agir assim. Viéramos para o convívio dos homens no tempo da revolta e nos revoltamos ao lado deles.

Foi uma luta desigual e trágica. Muitos daqueles com quem contávamos preferiram a “sabedoria” de seguir seu caminho sem violência, não satisfazendo seus melhores anseios, mas esquecendo-os. E se tornaram inacessíveis aos amigos que se encontravam necessitados.

No final, desesperados, trocávamos mais de refúgios do que de sapatos, pois só havia injustiça e não havia mais revolta.

Os que sobrevivemos, ainda amargamos a incompreensão dos que se puseram a falar sobre nossas fraquezas, sem pensarem nos tempos sem sol de que tiveram a sorte de escapar.

E assim transcorreram anos e décadas. Só nos restava confiar em que o ódio contra a vilania acabaria endurecendo novos rostos e que a cólera contra a injustiça um dia ainda faria outras vozes ficarem roucas.

A espera chegou ao fim. Saudamos esse movimento que vocês iniciaram e estão sustentando contra todas as incompreensões e calúnias, como o renascer da nossa utopia.

Nós, que tentamos e não conseguimos preparar o terreno para a amizade, temos agora a certeza de que a luta prosseguirá. E a esperança de que vocês vejam chegar o tempo em que o homem será, para sempre, amigo do homem.

CELSO LUNGARETTI

17 comentários:

Anônimo disse...

"Muitos daqueles com quem contávamos preferiram a “sabedoria” de seguir seu caminho sem violência, não satisfazendo seus melhores anseios, mas esquecendo-os."

Licança poética ou apologia à violência?

Daniel Dias disse...

Lungaretti, delator?

Anônimo disse...

comunista tem mais e que ser torturado e morto

celsolungaretti disse...

Nunca fui, nem serei, contra o direito do oprimido de utilizar a violência para se defender dos opressores.

Na época da ditadura militar isso estava bem claro: de um lado, bestas-feras praticando torturas, assassinatos e todos os tipos de abusos e atrocidades, em larga escala, para intimidar o povo brasileiro; do outro, resistentes que ousaram lutar pela liberdade, apesar da terrível disparidade de forças.

Quanto aos dois outros comentários, não merecem resposta.

Unknown disse...

Os comentários não poderiam ser diferentes vindo de um covarde, ops, anônimo. Mostrou bem o respectivo perfil.
Para os que não conhecem o Celso Lungaretti, posso dizer que foi um dos poucos que acreditava realmente em seu ideal. Merece o nosso respeito, pois lutou pela liberdade de todos os cidadãos brasileiros na época daquela repugnante ditadura, inclusive até dos mais covardes que não se identificam ao fazer comentários.
Acorda anônimo!

Anônimo disse...

Eu nascí na época errada...
Em 1969 eu não era nem projeto de esperma, purtroppo.
O que afirmo é que a sociedade que se cala, não é sociedade, é rebanho.
Só quem viveu viu,sentiu...
Eu nasci em 1987, sou uma criança.Mas por Deus, analisemos os fatos!Havia muito mais do que chavões e complôs na resistência!
Alí havia um propósito maior, uma causa, uma "Quest", um ato de nobreza e, muitas vezes, e martírio.
Hoje o que são os jovens? Criaturas regadas à Orkut, MSN, cyberortografia e adjacências.
Anestesiados, conformados, vivendo suas vidas e aceitando o país como se não fizessem parte dele.

Os jovens da USP não são vândalos, são as ovelhas negras desse rebanho.São ofendidos, oprimidos, caluniados.Fazem com que a sociedade os rejeitem, ignorem suas causas.
"Ah! Um mundo sem Lungaretti rebatendo, sem jovens acampando e sem comentários como esse se formando!Quer mundo melhor?!"
Assim é mais fácil bater o cajado e guiar o gado.

Anônimo disse...

É... talvez vocês estejam certos. Os estudantes da USP, na realidade, estão cuidando do seu futuro. Quem sabe daqui uns 30 anos eles não buscam uma indenização pelas borrachadas que tomaram hoje e enconstam o "burro na sombra". Aí todos nós, que nos esfalfamos de trabalhar a semana toda para garantir um sustento honesto às nossas famílias, iremos bancar financeiramente - com o dinheiro dos nossos impostos - o prêmio pago pelas sandices desses jovens de hoje. O autor deste blog sabe muito bem o que é isso.
Todo ato tem consequencias e a coragem do homem não se verifica ao optar por uma alternativa difícil. A coragem do homem se observa quando ele convive com as consequencias das opções que tomou na vida.
Ingressar pelo caminho da violência, receber a reação natural de um regime de força e depois jogar a conta para o povo inteiro pagar não qualifica o autor deste blog como alguém que tenha porte para falar "aos que vieram depois de nós"

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Sr. Luciano
Peço-lhe um favor, procure saber o que o governo vem fazendo com as
universidades estaduais. Em poucas palavras, o governo está sucateando-as. O antigo reitor da UNESP- Sr. Trindad - disse que abriu sete campi, na verdade ele abriu sete "galpões", passando por cima de tudo e todos. Não prestou conta do dinheiro e com o apoio do Sr. Alckimin que liberou a verba.
Veja, também, a situação que se encontra a USP! Alguém tem que fazer alguma coisa! Espero que os que se rebelam não sejam executados como acontecia em outros tempos.
Viva a liberdade!

celsolungaretti disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
celsolungaretti disse...

Luciano,

gente como você morre de inveja das reparações concedidas às vítimas da ditadura porque adoraria receber uma. Acontece que aqueles militantes da minha geração eram as pessoas mais brilhantes de sua faixa etária. Se o seu objetivo fosse vencer na vida, quase todos o conseguiriam com a maior facilidade. Mas, preferiram um ideal.

Você, que diz esfalfar-se para garantir o mínimo necessário à sua família, não suporta o fato de que outros sejam mais inteligentes, criativos e competentes. Azar seu. E não deixa de ser irônico que os Mozarts de 1968 lutaram por melhoras que beneficiariam a todos, até aos Salieris da vida...

Nenhum de nós tinha uma bola de cristal para prever os acontecimentos futuros, como a redemocratização e o ressarcimento dos danos físicos, psicológicos, morais e profissionais que nós sofremos. Isso jamais passou pela nossa cabeça.

Tanto que centenas dos "privilegiados" não permaneceram vivos para receber as "magnânimas" indenizações que você financia com seus impostos. Só de mortos eu conhecia uns 20. E vi as condições lastimáveis em que ficaram tantos outros, depois de passarem pelos porões da ditadura -- essa que arbitariamente usurpou os direitos mais elementares de todos os brasileiros e, mesmo assim, tem sua benevolência. Não adianta espernear, pobre tolo. Carrascos são carrascos e mártires são mártires. Nenhuma retórica mudará isso.

Quanto a eu ter ou não estatura moral para escrever o que escrevo, quem pode me julgar são meus iguais. Não você.

Unknown disse...

É uma honra para mim, aos 70 anos vendo chegar e saber que tenho como meu editorialista e amigo o Celso Longaretti. Minha geração, em sua maioria, está ao sentada nos bancos das praças discutindo dores e contando os aumentos que nunca chegam.
Dizia a Elis Regina: "Quem me deu a idéia está em casa guardado por Deus contando o vil metal"...
Continue Celso abs de seu editor e admirador Milbs

celsolungaretti disse...

Sou pouco dado a fazer elogios públicos, pois há gente demais por aí jogando confete de olho em algum retorno que espera obter.

Mas, quero deixar registrada aqui uma coincidência curiosa. Minha companheira lê cartas de tarô e há muito tempo vinha augurando que um homem mais velho me ajudaria muito a alcançar meus objetivos.

Um dia, o Ciro Campello leu uma entrevista on-line que dei a uma comunidade do Orkut e me propôs fazermos outra, para aproveitamento n'O Rebate (que eu nem conhecia).

Publicada a entrevista, o Milbs me contatou e convidou para ser colunista. Comecei a mandar um ou outro texto.

Em seguida, ele me ofereceu a posição de editorialista. Aceitei e tive de me disciplinar, passando a escrever pelo menos um texto a cada semana.

Aí o Rebate criou blogs para os colunistas e nos ofereceu ajuda de uma web designer. Eu nunca fizera um blog exatamente por falta dessa assessoria.

Resultado: a repercussão dos meus textos aumentou meteoricamente. Devo muito, muito mesmo, ao Milbs.

E, quando algo vai mal e me causa desânimo, lembro-me de que existem Milbs por aí, produzindo trabalhos de qualidade e lutando por uma sociedade mais justa, sem jamais se deixarem abater, seja pelos inimigos, pela indiferença dos egoístas (a maioria) ou, sequer, pela idade inexorável.

Isto me revigora para voltar à luta.

josué duarte disse...

Fui reporter pela Folha no movimento estudantil de são paulo, em 68. Estive presente nos momentos decisivos, inclusive nas preparações do movimento, nos bastidores da fac. de filosofia.
Cruzei com muita gente, Zédirceu, Travassos, Vladimir Palmeira, só para citar. Foi um momento de poesia, que aqui chamam de utopia, aqueles milhares de estudantes tomarem a praça da republica, no centro, às 6 hs. da tarde, e mostrar o maior coral do mundo, numa só palavra de ordem:"o povo organizado derruba a ditadura!"
Fizemos o que tinhamos de fazer!

Anônimo disse...

comunista escroto

Anônimo disse...

Ué???? Apagaste minha resposta aos vossos comentários??? Não entendi... era essa a "democracia" pela qual o sr. lutava? A democracia do elogio e das láureas, onde qualquer crítica é sumariamente apagada? interessante...

Anônimo disse...

Sr. Celso:

O sr. tem razão. Eu morro de inveja de quem recebeu tais indenizações. Gostaria realmente de ter o desprendimento para poder estipular valor pecuniário para um ideal que - independentemente de certo ou errado - defendi com tanto fervor, e ainda deitar a cabeça no travesseiro e conseguir dormir.
Se tais pessoas "brilhantes" como o sr mencionou (não sei porque me veio à mente o "brilhante" Zé Dirceu/Daniel), decidiram "lutar por um ideal" ao invés de vencerem na vida, deveriam manter tal decisão até o final - inclusive em relação às consequencias desta decisão - e não buscarem agora que todos os brasileiros que tentaram vencer na vida (alguns conseguindo e outros não) arquem com o preço das decisões tomadas por estes jovens "brilhantes".
Quanto ao meu nível de inteligencia, criatividade e competência, não posso discutir o primeiro, afinal, teria que me submeter a algum tipo de comparação técnica que não vem ao caso. Competência e criatividade, no entando, admito minha inferioridade. Realmente os senhores foram extremamente competentes em convencer a opinião pública de que lutavam contra a ditadura e pelo retorno da democracia, quando a realidade, o sr sabe bem, não é bem essa. Queriam instituir um regime cubano por aqui. Criatividade também não lhes faltou para criar uma forma de se locupletarem do suado dinheiro do povo brasileiro.
Se os srs. lutaram por Mozarts e Salieris, aproveitem a prática e lutem hoje pelos Lamarcas e Kozels da vida e não só pelo primeiro.
Não se trata de esperneio caro Lunganetti (não lhe devolvo o "tolo" porque de tolo o sr. não tem nada), mas trata-se, isso sim, de estudar algo mais do que os repetitivos compêndios das eternas "viúvas de 64". Se tiranos são tiranos e martires são martires, ao menos tenham a honestidade intelectual de afirmar com todas as letras aquilo que os srs. pretendiam com a luta armada, sem tergiversar.
Em relação à questão da "estatura moral", não esperava outra resposta do sr. Afinal de contas, esquerdista que se preza só se permite ser julgado e "justiçado" pelos seus "iguais".
Por fim, devo afirmar que li seu livro "Naufrago da Utopia" e acho que, como revolucionário, o sr. é um ótimo escritor. Muito bem escrita a obra.

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