(ao buscar qualquer informação no Google, descobri, por acaso, que um fã havia copiado e colocado nas Geocities este artigo da minha fase como crítico de rock -- 1980/84 --, assinado a quatro mãos por mim e pelo Valdir Montanari, com nossos pseudônimos de então, André Mauro e Breno Ninini)
O rock n’roll, coroamento de uma longa evolução musical na terra de Tio Sam, dificilmente poderia gerar desdobramentos criativos no continente europeu.No inicio dos '60, entretanto, os jovens músicos ingleses perceberam que havia grande identidade entre o protesto candente do rhythm’ blues e a angústia que eles próprios sentiam. Assim, mergulhando na raiz negra do rock, os Beatles, Stones, Animals, etc., começaram a sua aclimatação na Europa.
A Alemanha não participou sequer dessa evolução. Só foi tocada, mesmo, com a eclosão do rock progressivo. Por quê? Ora, devemos lembrar, antes de mais nada, que a Alemanha e o Japão foram os grandes derrotados da 2ª Guerra Mundial. As feridas custaram a cicatrizar. Ambos se atiraram compulsivamente ao trabalho - os japoneses para exorcizarem os horrores atômicos, os boches para esquecerem os genocídios nazistas - afinal, em seu caso, a humilhação do fracasso somou-se à vergonha pelos crimes contra a humanidade.
Além disso, a Alemanha emergiu do conflito dividida, como um dos palcos principais da Guerra Fria. Nena (cantora pop), em "99 Luftballons", dá uma idéia do que significava o muro de Berlim para os germânicos - símbolo tangível da derrota, obstáculo ao congraçamento de irmãos e, pior, farol que iluminava os temores/presságios de uma nova e definitiva contenda entre as potências nucleares (pois é lá que capitalismo e comunismo se encontravam frente a frente; é lá que os riscos eram mais evidentes e que por várias vezes já se pensou estar iniciando o duelo apocalíptico).
Que tal ser jovem num país que vive em ritmo de usina e se assemelha a um paiol, onde o fósforo aceso descuidadosamente pode mandar tudo pelos ares? Os alemães respondem com sua arte: discos e filmes, o que mais nos chega,têm como ponto comum uma frieza de enregelar. A sociedade que se adivinha por trás deles é extremamente tecnológica, espantosamente robotizada e miseravelmente desumana. Neles nâo há piadas. Há uma total falta de perspectivas, mitigada pelas drogas e por remotos sonhos de evasão. A estrada é um símbolo primordial - escapar para longe, onde não existem fronteiras nem muros (vide os filmes de Wim Wenders; vide o LP Autobahn, que popularizou o Kraftwerk).
Vias de escape
Entende-se então porque os alemães só curtiram o rock dos anos 70, o rock da raiva e do desencanto. Antes havia alegria demais, e todos aqueles projetos de mudança do "flower power". Se o psicodelismo assumiu nos EUA e Inglaterra as feições risonhas do "paz e amor", na Alemanha tudo foram bad trips. A distância entre ambos é a que vai de Woodstock a Christiane F. E, não por acaso, a primeira leva de expoentes mais notórios do rock alemão veio na esteira dos LPs de 1969 do Pink Floyd e King Crimson ("Ummagumma" e "In The Court of The Crimson King"), discos-manifestos do rock espacial.
Seus atrativos: ofereciam também via de escape, já não através das prosaicas estradas de asfalto, mas sim pelas lisérgicas rotas do firmamento: e começavam a desvelar o mundo moderno como palco de dominação tecnológica (enfoque familiar aos germânicos, que já haviam vivenciado o sutil totalitarismo da sociedade regida pelo deus computador).
Um dos traços mais característicos do rock progressivo alemão seria exatamente a denúncia da tecnologia. E, bons estrategistas, eles voltariam contra o inimigo as armas do mesmo: abusariam ao extremo da parafernália eletrônica, como a enfatizar a artificialidade do ambiente transfigurado pela tecnologia. Nunca se ouviu tanto sintetizador, mas também nunca os sintetizadores foram acionados para produzir sons tão desagradáveis: estática, goteiras, serrotes, o diabo. Herdeiros de grandes experimentadores como Stockhausen e Kagel, os alemães criariam uma música destinada quase que exclusivamente ao cérebro, e que na melhor das hipóteses servia para embalar viagens por paisagens etéreas,- na maioria dos casos, parece trilha sonora de pesadelos ou de bizarros filmes undergrounds.
Os boches estão chegando
No Brasil, o rock alemão despontou em meados da década de 70 e obteve considerável impacto, apesar de distribuido por pequenas gravadoras (a "One Way", através do selo "Sábado Som" e a "Basf") ou por uma companhia sem tradição roqueira (a "Copacabana"). Com recursos e experiência superiores, a EMI-Odeon alçou ao sucesso três grupos que lançou: Triumvirat, Eloy e Kraftwerk.
A invasão foi repentina e maciça. Com pouquíssima informação prévia, foram chegando o Omega, Emergency, Thirsty Moon, Kollektiv, Wolfgang Douner Group, Harmonia, Cluster, Yatha Sidhra, Neu, Nine Days Wonder, Gila, Embryo e
tantos outros, obrigando os curtidores da "head music" a verdadeiras maratonas de avaliação.
Um esporte praticado à época era identificar o conjunto norte-americano ou britânico que cada grupo alemão copiava. Além de tardia, a aclimatação do rock na Alemanha foi meio precária, dando ensejo à existência de muitas bandas-xerox: a Jane era o Procol Harum sem tirar nem pôr; o Amon Dull II lembrava demais o Jefferson Airplane e o Starship; o Triumvirat tinha tudo
do Emerson, Lake & Palmer.
(seguiam-se tópicos sobre o Nektar, Triumvirtat, Guru-Guru, Amon Düll I e II, Can, Tangerine Dream, Eloy e Kraftwerk, detalhando suas trajetórias e características musicais, que não vêm ao caso neste contexto)
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27.2.07
RETROSPECTIVA: ROCK GERMÂNICO NO BRASIL
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