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20.5.14

APOLLO NATALI PERGUNTA: "CADÊ O BIXIGA?"

CADÊ O BIXIGA?
                                                                                                                
Por Apollo Natali
"a pia que salvou a minha alma"
Grande como um continente, o Brasil tem 8 milhões e 542 mil quilômetros quadrados de território. O litoral brasileiro, 7 mil e 367 quilômetros de extensão. Quem se aventura a percorrer o País pelo litoral, desde o arroio Chui, no Rio Grande do Sul, fronteira com o Uruguai, até o arroio Oyapoque, no alto do estado do Amapá, este lá em cima da América do Sul, já para os lados da América Central, contempla, entre esses dois pontos limites do chão brasileiro, uma sequência sem fim de nomes italianos em fachadas de indústrias, comércio, hospedarias,  fazendas.

Nós, brasileiros, quando queremos expressar o tamanho do nosso país dizemos: do Oyapoque ao Chui. No percurso pelo litoral entre esses dois distantes riachos limites, o aventureiro vê das janelas dos ônibus, do carro, da canoa, do lombo do jegue, artísticos recortes e contornos de deslumbrantes praias cheias de dizeres italianos.
   
Imigrantes de várias origens e etnias se espalharam pelo país e deixaram sua marca de trabalho e de progresso em cada canto do Brasil. Mas a religiosidade católica, a sensibilidade, as boas comidas, a participação em vários esportes, o modo de se mostrarem sempre felizes mesmo tendo sofrido muito ao tempo da imigração em  massa, estão entre as maiores influencias deixadas pela enorme colônia de italianos. A expansividade e o jeito alegre desses imigrantes modificaram até o próprio modo de falar de muitos dos brasileiros. Mesmo a mais comum xingação do mundo os brasileiros falam em italiano.

Convivi com a italianada de um punhado de cortiços na fronteira entre o Brás e a Mooca, em São Paulo, nas ruas Coronel Cintra, rua da Mooca, Caetano Pinto, Carneiro Leão.  Eu mesmo vivi 33 anos, desde bebê, num cortiço na Mooca, na rua Coronel Cintra, 129, habitado por 20 famílias de ruidosos italianos e suas briguentas crianças. Minha meninice lá foi marcada pela música "Marechiare", pelo rádio de Tzi Terê e vozerio de Gino Bechi. Eu sabia cantar essa canção em italiano: quem diz que as estrelas são luzentes não conhecem os olhos que você tem na fronte.
A tradicionalíssima escadaria do Bixiga

Realizando um sonho de criança, aos 46 anos fui a Manaus, capital do Amazonas, e naveguei pelos rios daquele Estado: o Amazonas, o Madeira, o Mamoré, o  Negro. Sabem o que eu via enquanto meu barco deslizava pelos igarapés, esses rios quietos e caudalosos que passeiam por entre a selva inundada? Via índios com camisas do Milan, remando suas canoas em meio ao mistério da floresta. E sabem qual o pano de fundo, ao longe? Placas com o nomes de propriedades e fazendas, em italiano. 

Um dos marcos dessa emocionante saga da italianada em nosso país, é que, em meio à massa de oriundi que invadiu o Brasil desde o final do século 19, uma mítica aglomeração deles emergiu em São Paulo: o bairro do Bixiga. Na capital paulista os imigrantes que chegavam se hospedavam na Hospedaria dos Imigrantes, no bairro do Brás, hoje tornada Museu da Imigração. Em São Paulo, as principais regiões onde eles mais se concentraram foram nos bairros do Bixiga, Brás, Mooca, Água Branca, Lapa, Ipiranga e no chamado ABC paulista, formado pelas cidades de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul.

São uns privilegiados os milhões de leitores brasileiros deste blogue do meu velho amigo ítalo-brasileiro Celso Lungaretti. Privilegiados são também os outros milhões de leitores que o acessam na América do Sul, Estados Unidos, Canadá, Rússia, Alemanha, Portugal, China, França, Índia, Austrália, Malásia. Privilegiados porque podem viver agora a emoção intitulada bairro italiano do Bixiga, que no meu tempo de criança  - estou com 78 -  era habitado predominantemente por italianos e negros.  Os negros e pardos correspondem hoje praticamente à metade da população do país. Pesquisa de 2005 contava 92 milhões de brancos e 91 milhões negros e pardos. No Brasil apenas não há negros nas reservas indígenas.
O passado sucumbe à degradação urbana

Ainda hoje está viva lá no Bixiga, pertinho da casa que foi da minha nona, no fim da rua São Vicente, uma escola de samba que desfila no Carnaval, chamada Vai-Vai. No coração do Bixiga, o samba italiano. Brasileiro de sangue italiano, a maior frustração da minha vida, além de não ter voz para cantar canções napolitanas como "Parlami d’amore Mariu" na voz potente e dramática de Mário Lanza, é não ter aprendido a dançar como os negros, é invejar sua dança, que está no seu sangue, nos nervos, na pele, nos pés, nos olhos. Considero perdido o dia em que não se dançou o samba nenhuma vez. Até os cachorros do Bixiga latem no ritmo do samba, dizia Osvaldinho da Cuíca, integrante da ala italiana do samba paulista no Bixiga. Confesso, eram escurinhas as 4 moças por quem este brasileiro branquelo de sangue italiano se apaixonou  no decorrer de sua longa vida.

E foi da seguinte maneira que os italianos fundaram o bairro do Bixiga, na região central de São Paulo: em 1º de outubro de 1878 o imperador do Brasil D.Pedro II inaugurou o loteamento da Chácara Bexiga – falava-se Bexiga – que pertencia a Antonio José Leite Braga. Os lotes eram baratos e foram comprados por imigrantes italianos, que acabaram batizando o bairro. A Chácara Bexiga ficava no centro de um bairro chamado até hoje de Bela Vista. O nome Bexiga vem de um problema de saúde, a varíola, que atacou os imigrantes. Eles tinham seus rostos marcados por bechigas.

Pasmem: os vereadores de São Paulo não aprovaram até hoje, 136 anos desde o seu nascimento, um projeto de oficialização do bairro do Bixiga, proclamando sua independência e evitando o seu desaparecimento.

Desde os antigos italianos que o habitavam, o Bixiga veio ganhando o status de bairro cultural, por suas cantinas, gastronomia, teatros, variadas atividades culturais. No entanto, de tudo, resta hoje apenas uma única festa, concentrada na igreja Nossa Senhora Achiropita, onde ainda se rezam missas em italiano. 
A famosa festa de N. Sra. da Achiropita

De vez em quando, padres, sacerdotes, mães de santo, pais de santo, misturam ingredientes africanos na missa afro, rezada na paróquia. É uma leitura africana com olhos cristãos da religião católica. Rituais católicos se misturam às tradições afro-brasileiras. Pode-se agendar casamento afro nessa histórica igreja.

Atualmente há apenas três ambientes nas festividades para gostos variados: a rua 13 de Maio, onde eu nasci de parteira em 1936 no antigo número 29, a igreja onde fui batizado aos 7 anos de idade em 1943, em plena II Guerra  e a cantina Madona Achiropita.

Na Igreja, até hoje bênçãos são dadas a cada hora. No meu batismo, o padre italiano grandão todo vestido de preto enfiou o dedo cheio de sal na minha boca e eu cuspi pecaminosamente na pia batismal. O padre deu um cascudo na minha cabeça e disse: "Onde se viu ser batizado aos 7 anos?". Fui carregado para o batismo por duas tias italianíssimas, corpulentas, catolicíssimas, tia Bianca e tia Líbera.  Elas me erguiam decididamente pela rua 13 de Maio e meus pés nem alcançavam o chão. Outro dia, já nos meus 78 anos, voltei á Igreja Nossa Senhora de Achiropita, para matar saudades da pia que salvou a minha alma.

Na minha infância os vidros coloridos das antigas janelas de madeira do velho palacete da nona na rua São Vicente pintavam de verde, amarelo, vermelho, azul, os pratos quentinhos de macarrão e rizzoto.  O vozeirão harmonioso de Beniamino Gigli acariciava nossos corações nos almoços e jantares. Meus avós maternos são de Nápoles, no sul. Os paternos são de Pescia, no norte. Minha avó paterna engravidou 24 vezes, a materna 17 vezes, minha mãe 7.

No ano de 2013 viviam no Brasil cerca de 30 milhões de descendentes de imigrantes italianos, a metade da população da Itália. Que fantástica capacidade de proliferação dessas gentes que pisaram no Brasil vindas do Vêneto, Campânia, Calábria, Lombardia, Abruzzo-Molise, Toscana, Emília-Romagna, Basilicata, Trento, Sicília, Piemonte, Puglia, Marche, Lácio, Úmbria, Ligúria, Sardenha!

Quando um brasileiro quer definir algo muito bom, fala uma palavra um pouco forte: é do cacete!  Então, o título de um jornal que criei sobre o Bixiga, também é forte: DO BIXIGA! Em formato de sanfona, logotipo em posição vertical, dobrável, cabe no bolso. Não foi além do primeiro número. O meu editorial desse jornal conta como está hoje o Bixiga.

Muita festa, pouco bairro  

"Aconchego dos artistas e dos teatros. Das cantinas italianas. Da escola de samba Vai-Vai. Da festa de Nossa Senhora Achiropita. Diversidade étnica. Tradições, práticas, costumes, símbolos. Muitas e belas histórias de vida.  Pois saibam todos quantos possam se interessar, essa riqueza cultural do Bixiga respira com o balão de oxigênio da mídia. Cadê o Bixiga? Vai morrer? Já morreu? O dia em que rádio, TV, jornais, se calarem, podem encomendar o ofício dos mortos para o bairro.

O problema é que esse estado de espírito, como é definido o Bixiga, anda muito mal acomodado nesse bairro que nem é bairro oficialmente. O precioso acervo leva má qualidade de vida. É cercado por arquitetura descaracterizada pelo chamado progresso, leia-se especulação imobiliária. Calçadas, deterioradas. O leito das ruas, devastado pela invasão dos vikings do asfalto, os automóveis. Mas que terra barulhenta e poluída de fumaça é hoje o Bixiga!

Três mil saudosas residências de outrora, desesperançadas, sobreviventes da terra urbana arrasada que deu passagem a viadutos e avenidas, imploram tombamento para não acabarem virando garagens decoradas com graxa. Mas os apaixonados pela causa, trabalham. Os grandes problemas têm soluções simples. Que o diga o também italiano, como os bixiguenses, Cristóvão Colombo, a espantar o mundo com a sua solução para equilibrar um ovo."

Pronto, o editorial acaba por aqui.

Continuando, uma providência simples e prática repetidamente sugerida é a construção de uma garagem subterrânea para mil carros, a oferecer dignidade e segurança a um número sem fim de turistas, brasileiros e estrangeiros, atraídos pela mágica do lugar. O estacionamento, aprovado por dois falecidos prefeitos, Reinaldo de Barros e Jânio Quadros, se um dia sair do papel irá para o subsolo da praça D.Orioni.

A proposta é de Walter Taverna, feitor, há décadas, de grandes eventos que, junto com o favor da mídia, vêm dando sobrevida à aura do bairro. Entre outras festas, Taverna criou o maior pão do mundo e o maior bolo do mundo, este para comemorar o aniversário de São Paulo, em 25 de janeiro. Cada bolo tem o tamanho do número de aniversários da cidade. O último tinha 460 metros e foi devorado em cinco segundos pela população. A prefeitura de São Paulo não o deixou fazer a maior pizza do mundo. O dia em que Taverna morrer, podem contratar a cerimônia fúnebre do Bixiga. Eu já disse isso a ele.

Para avivar o magnetismo do bairro, Taverna tem um belo sino dourado na porta de sua cantina, a Concheta. Ao tocarem o sino, os seus clientes participam de uma simpatia italiana: quem tocar o sino uma vez, consegue conquistar a pessoa amada. Duas vezes, consegue trabalho. Três vezes, saúde para ele e toda a família. Quatro vezes para ganhar bastante dinheiro.

Taverna lança o brado: o Bixiga precisa dessa referência, o estacionamento.

Ele quer também a rua 13 de Maio transformada em um calçadão e em shopping a céu aberto. E a reestruturação do comércio da área. E sonha acordado com investidores para realizar esses seus sonhos, contados nas nossas páginas do DO BIXIGA!

E quem somos nós, do DO BIXIGA!, para vir aqui contar vantagem? Mostramos a decadência do bairro, mas também somos apaixonados por ele. Chegamos para defender essa causa. Como? De duas maneiras: dar sempre mais e mais divulgação e visibilidade às festas, ações sociais e tradições do bairro; e, em busca de soluções, mostrar continuadamente às autoridades e interessados em geral os problemas do monumento a céu aberto que é esse bairro afamado. Há muito a fazer.

(O I Guia Turístico do Bixiga, uma iniciativa do Site do Bixiga, com apoio de ONGs e comerciantes locais, e realização do Studio Maria Ribeiro, apresenta o bairro com detalhes: mapa de localização, calendário de festas e eventos, informações e roteiros dos pontos turísticos, museus, teatros, as famosas cantinas, restaurantes e padarias, a feira de antiguidades e os antiquários, os personagens e lugares históricos. A valorização e resgate da cultura dos imigrantes que ajudaram a construir a São Paulo de hoje, é a tônica desse roteiro, que apresenta espaços culturais e de lazer, desconhecidos muitas vezes pelos próprios moradores da cidade).

Manchete: O Bixiga vai morrer? 
Os belos arcos que o prefeito Jânio Quadros recuperou

Caminhe hoje alguém pelas ruas estreitas e íngremes do Bixiga. Vê um bairro agonizante, sufocado pelo gás carbônico de verdadeiros estouros de boiadas de automóveis, esses furiosos e barulhentos perseguidores dos humanos pelo asfalto. Calçadas deterioradas. Um verde esfarrapado, um pouquinho cá, um pouquinho lá. Casas, umas e outras, relíquias residenciais sem cor, se desfazendo, abandonadas.

As entranhas desse bairro feito de história, cultura, religião, sentimento, estão rasgadas por viadutos e vias expressas ocupando o lugar de outrora mil casas, de emocionantes histórias, que foram demolidas. O comércio, descaracterizado, de pequenos empórios de dia, bares e restaurantes à noite. Vai morrer? Já morreu? Cadê o Bixiga?

O homem que há meio século promove eventos e defende o Bixiga, Walter Taverna, diz que não, se ao doente forem ministrados alguns remédios, como criar alguns pontos de referência – um portal, um estacionamento subterrâneo para a dignidade e segurança dos turistas, a transformação da rua principal, a 13 de maio, em calçadão, reestruturar o comércio transformando o bairro em shopping a céu aberto abastecido de produtos característicos da região e o tombamento urgente de 3 mil casas, todas prestes a se transformarem de um momento para outro em estacionamentos e garagens.

Na ultima página do DO BIXIGA!,  Walter Taverna, considerado o eterno protetor do bairro que não é bairro oficialmente, conta a história de sua vida e dá a receita para não deixar o Bixiga morrer:
                            
Três mil saudosas residências de outrora, desesperançadas, sobreviventes da terra urbana arrasada que deu passagem a viadutos e avenidas, imploram tombamento para não acabarem virando garagens decoradas com graxa. Mas os apaixonados pela causa, trabalham. Os grandes problemas têm soluções simples. Que o diga o também italiano, como os bixiguenses, Cristóvão Colombo, a espantar o mundo com a sua solução para equilibrar um ovo.

O defensor perpétuo do Bixiga
(a história de Walter Taverna e sua receita para 
salvar o bairro, contada por ele mesmo, em 
depoimento  concedido a Apóllo Natali)


“Nasci há 77 anos, nos fundos de uma cocheira que ficava na rua 13 de maio, número 703. Uma discussão besta em família na véspera de Natal, meus avós nos puseram fora da cocheira, meus pais e sete filhos. Para fora de casa a família toda, de madrugada. Eu tinha 6 anos.  Fiquei morando na rua, dormindo nas escadarias do Morro dos Ingleses. Perambulava por aí, à procura de parentes. Fui menino de rua. Fiz uma caixa de engraxate. Roubaram. Fiz outra, roubaram.

A tradição do Bixiga só vai se mantendo pela força dada por alguns da mídia. Faço eventos há 40 anos, de nível internacional. A vida ensina. Em 1978, levei para a rua a festa da Igreja Nossa Senhora Achiropita. Era dentro. 

Hoje só restam descendentes de italianos e suas propriedades deterioradas à venda. Em 1987, o patrimônio tombou 906 casas. Mais de 3 mil estão em processo de tombamento. Se tombaram quase mil, poderão tombar as restantes e o bairro não morre. Mas ninguém se interessa. Estado, Prefeitura, centros culturais, não fazem nada.

O bairro precisa de uma referência. Um estacionamento que estou sonhando faz tempo, 678 vagas, na praça Dom Orione, já foi aprovado duas vezes, uma pelo prefeito Reinaldo de Barros, outra pelo Jânio Quadros. O turista merece estacionar com dignidade e segurança. Vem visitante de todas as partes do Brasil, estrangeiros também. Transformar a rua 13 de maio em calçadão. Reestruturar o comércio, transformar o bairro em um shopping a céu aberto com estoques de produtos característicos.  Construir um portal, na rua Manoel Dutra com Rui Barbosa. Fazer a limpeza pública sempre. Colocar placas em todo o perímetro do bairro: Sorria, você está no Bixiga. 

O bairro deve ser conhecido com palavras e visuais bonitos.  Se os investidores aparecerem, dou um jeito em tudo isso. Viver sem apoio de ninguém é horrível. Preciso de investidores. Fundei a Sociedade de Proteção ao Bairro, a Sodepro, só família, se não for familiar não funciona.

Uma tia me levou para a Vila Mariana. Me tratou mais do que um filho. Desculpe, sempre que falo nela eu choro. Vivi dois anos lá. Ela veio morar no Bixiga.

(Para a mulher que pede para instalar um pula-pula para adultos e crianças na rua Rui Barbosa durante a festa do maior pão: eu autorizo. Eu mando nesta droga, aqui). 

Aos 11 anos fui aprender a ser barbeiro. Comprei a barbearia a prestação. O Minhocão desapropriou. Fui para a Conselheiro Carrão. Aos 11 anos já era barbeiro. Aos 13 me transformei num grande barbeiro. Na Conselheiro Carrão era a barbearia. Levei toda a minha família para lá. Sustentava a família toda. Fiz barba e cabelo de defunto, cobrava mais caro e, com isso, ganhava dinheiro. Sem poder manter o equipamento e mais minha família toda no salãozinho alugado, meus pais, 3 irmãos, 3 irmãs, e eu, livrei-me do equipamento, ficou todo mundo morando lá e fui trabalhar em domicílio. Antigamente velório saia das casas.

Em 1958 meu pai alugou um carro para ir à festa do vinho de São Roque. Nunca tinha levado minha mãe para passear a lugar nenhum. Ele tinha tirado minha mãe do hospital psiquiátrico do Juqueri. Morreram todos num acidente, pai, mãe, três irmãs, duas sobrinhas.  Foi tudo para o brejo.

Casei depois. Meu filho foi sequestrado com 15 anos. Ficou 7 dias preso em Avaré. Conseguiu fugir do cativeiro, uma casa. Em 1978 esse meu filho mexia numa arma. Ela disparou e ele morreu. Me derrubou. Dormia na porta da minha casa, não conseguia entrar. A mãe dele faleceu de desgosto. Em 1980 casei outra vez. Depois de 2 anos, ela morreu. 

O médico agora me dá uma terapia: muito trabalho.

Os varais do Bixiga, que criei. Quis mostrar o valor do varal. É de grande importância histórica e social o varal de roupas. Eram 4 mil roupas penduradas na rua. Costurava dia e noite, sem parar. Sou costureiro. A prefeitura veio e tirou tudo. Um mendigo viu que eu conseguira montar outro varal pequeno, com poucas roupas, me deu de presente o seu paletó. Nessa noite chorei, virei poeta e compus a poesia 'História dos Varais'.



Fiz o Hino do Bixiga com Gilson de Souza, cantor e compositor.

Não tenho nem o primário. Fiquei 6 anos no primeiro ano. Passei de ano por antiguidade.

Via as pessoas pegar comida no lixo da minha cantina. Não era para pegar, eu daria a comida. Quando fechava a cantina, fazia as marmitas e distribuía. As pessoas chegaram a 150. A polícia bateu num mendigo. Chorei. Às 3 da madrugada fiz uma poesia de protesto, que começa assim: por favor meu Deus, mande Jesus Cristo para a terra, quero a paz, não a guerra, para o mundo se acalmar.

Quem não tem dinheiro, conta história. 

Tenho mais de dez mil fotos em casa, papéis, documentos, cartas, reportagens.

Vivi até hoje defendendo o bairro tradicional que é o Bixiga.

Moro sozinho num casarão.”

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