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13.9.13

A COMISSÃO VAI RESGATAR AS VERDADES QUE FALTAM OU REPISAR AS JÁ SABIDAS?

Durante 33 anos o jornalismo foi o meu ganha pão. Poderia sê-lo até hoje, caso eu não tivesse sido vítima de dois preconceitos: contra os idosos e contra os homens de esquerda.

Vontade e pique não me faltam, mas a grande imprensa fechou suas portas para mim. O macartismo vive. 

Por força do hábito, os textos que coloco nos blogues e espalho na web têm, quase todos, jeitão jornalístico. 

Hoje optei por um caminho diferente, o de usar este espaço como um  querido diário. Sem intenção de suscitar polêmicas, mas apenas para deixar registrado meu lado da questão, tornando-o conhecido dos leitores mais próximos e constantes, vou colocar, exclusivamente nos meus blogues pessoais, o que realmente penso sobre as Comissões da Verdade.

Sempre me senti como um pai da criança que realmente conta, a Comissão Nacional da Verdade (CNV). 

Há exatos cinco anos, no dia 11/08/2008, fui dos primeiros a escrever (vide aqui) que, com a inapetência ou falta de coragem do Executivo e do Legislativo para fazerem a parte que lhes cabia, os torturadores da ditadura militar escapariam incólumes da merecida punição, estando fadada ao fracasso a tentativa de desatar o nó na Justiça. Acertei na mosca.

Então, propus que trocássemos o foco, da exigência de uma punição penal para a de uma punição moral:
  • "o reconhecimento oficial, por parte do Estado brasileiro, de que houve usurpação do poder em 1964, tendo os governos ilegítimos que se sucederam até 1985 cometido crimes generalizados e de extrema gravidade;
  • que, portanto, todos aqueles que ordenaram, autorizaram, cometeram, concorreram para ou foram coniventes com esses crimes, são criminosos aos olhos da História e da Nação brasileira".
O Estado, que só se lembrou de suas obrigações 23 anos após a redemocratização, deixaria de encarcerar ou impor penas pecuniárias a tais criminosos, primeiramente por ter sido omisso no cumprimento do dever; depois, por não fazer sentido infernizar a vida de velhos com o pé na cova. Foram monstruosos, mas jamais deveríamos tornarmo-nos menores do que somos, desumanos como não somos, só para dar-lhes o troco.

A CNV foi mais ou menos isto: o Estado abdicou da punição, mas passou a produzir uma versão oficial dos terríveis episódios dos anos de chumbo, para que as novas gerações pudessem saber, inequivocamente, o que ocorreu e por culpa de quem.    

Quais seriam suas tarefas? Basicamente duas:
  • investigar o que se passou e continuava sendo encoberto pelos criminosos, seus cúmplices e seus discípulos;
  • sistematizar tal conhecimento --o que a própria Comissão apurasse e o que já se sabia--, disponibilizando-o num relatório exemplar e eloquente.
Macaco velho, logo percebi que precisaria haver alguém com vontade de ferro no colegiado, para peitar os militares quando estes tentassem enredar a CNV num cipoal burocrático ou lográ-la com manobras dispersivas, a fim de que os esqueletos jamais saíssem dos armários; caso do Araguaia, onde, sempre que necessário, encenam belos espetáculos de busca daquilo que não querem encontrar.

Infelizmente, bravos guerreiros da sociedade civil como o D. Paulo Evaristo Arns são raros hoje em dia; e o próprio já consumiu todas as suas energias nas lutas passadas.

Então, avaliei que só ex-resistentes estariam à altura do desafio, até por conhecerem muito bem o inimigo com o qual estariam pelejando e já terem ousado enfrentá-lo uma vez. 

Foi o que me levou a apresentar minha anticandidatura à CNV, sabendo antecipadamente que não resultaria, mas apostando na possibilidade de que servisse para alavancar uma opção com verdadeira chance de tornar-se consensual: o Ivan Seixas, o companheiro que lutou como um leão para que as ossadas de Perus fossem resgatadas (cumprindo o papel de uma ponta de iceberg que levou o cidadão comum a inteirar-se de duas das práticas mais hediondas da ditadura, as execuções a sangue-frio de prisioneiros indefesos e o ocultamento de seus cadáveres).

A presidenta Dilma Rousseff, contudo, honrou a promessa que fizera às bancadas evangélicas, de não indicar antigos combatentes da luta armada para a CNV  Foi uma opção pragmática --esses novos reacionários, se sua chantagem fosse rechaçada, atrapalhariam mesmo a aprovação da lei que instituía o colegiado--, mas magoou profundamente os que lutaram contra a tirania mais bestial que o Brasil conheceu.

Vínhamos há uma eternidade combatendo a falácia dos devotos da ditadura que, não podendo negar as atrocidades perpetradas pelo regime militar, saíam pela tangente, alegando que os resistentes também incorreram em excessos. Ao excluir da CNV tanto militares quanto ex-guerrilheiros, Dilma, inadvertidamente, avalizou tal falácia.

Senti-me oficialmente colocado sob suspeição, como se fosse incapaz de realizar um trabalho desses serenamente, sem revanchismo; e como se fosse tacanho a ponto de fornecer ao outro lado trunfos para nos desqualificarem a todos. Pelo contrário, certamente seria o membro mais escrupuloso da CNV, excluindo tudo que não tivesse como provar cabalmente.

HOLOFOTES E COGUMELOS

Fiquei tão desencantado que pouco tenho escrito sobre a CNV desde a sua instalação.

No entanto, o que se pode depreender do noticiário tem sido tão deprimente que resolvi fazer, pelo menos aqui no blogue, uma avaliação sincera. Torcendo para que, de alguma forma, ajude na correção de rumos.

Como eu previa, ficou mesmo faltando um membro com vontade de ferro e com a autoridade moral de quem arriscou a vida no bom combate. Se lá estivesse alguém com tal perfil, talvez as disputas de egos não se desencadeassem com tamanha virulência, comprometendo uma missão muitíssimo maior do que as pessoas dela incumbidas.

E, claro, provavelmente haveria reação à altura quando os militares desafiassem a CNV, como fizeram no último mês de fevereiro, quando da morte do coronel Júlio Miguel Molinas, ex-chefe do DOI-Codi do Rio de Janeiro: INVADIRAM sua residência e SEQUESTRARAM seus arquivos secretos, só entregando ao colegiado, posteriormente, aquilo que bem entenderam!!!

Nunca foi tão necessário o chamado  murro na mesa, para afirmar a autoridade da CNV. Mas não havia ninguém para o dar.

Ao aparente fracasso em trazer à tona algo além do que já se sabia e de entregar às famílias os restos mortais dos seus entes queridos, soma-se, segundo uma reportagem do jornal da  ditabranda (vide aqui), uma perspectiva pouco animadora com relação ao impacto do relatório final.

É que Comissões da Verdade estão brotando como cogumelos, já tendo sido instituídas, pelo menos, 75, "em Assembleias Legislativas, Câmaras Municipais, universidades e até institutos ambientais".

O risco é repetir-se o que aconteceu com os grandes festivais da Música Popular Brasileira dos anos 60: quando, aos que realmente contavam (o da Record e o FIC da Globo), somaram-se dezenas de outros, desde o de música carnavalesca até o de presidiários, a saturação levou ao esvaziamento e ao desinteresse do público.

Essas dezenas de comissões menores deveriam apenas subsidiar a CNV, deixando a divulgação de seus relatórios específicos para depois que a dita cuja já tivesse lançado o ÚNICO com reais chances de repercutir intensamente.

No fundo, a finalidade mais nobre do trabalho ora desenvolvido é a de fazer novos e significativos contingentes se interessarem pelos acontecimentos dos anos de chumbo --primeiro passo para conscientizarem-se de que é imperativo precavermo-nos contra as recaídas na barbárie.

Mas, como a renúncia às satisfações de ego é pouco frequente nesta melancólica sociedade do espetáculo, na qual todos creem ser merecedores de alguns minutinhos de fama, temo que haverá, isto sim, uma competição incessante pelos holofotes.

Daí a importância de que o relatório final da CNV tenha uma redação exemplar: essencializada e capaz de informar com rigor, mas também com emoção. Se for um volume de mil páginas em tipo miúdo, escrito no linguajar árido e distanciado dos scholars, com uma infinidade de minúcias desnecessárias, só será lido por historiadores e pelos familiarizados com o assunto.

Tive boas experiências, no sentido de tornar agradável a leitura de peças de comunicação governamental, quando trabalhava na Imprensa do Palácio dos Bandeirantes. Coordenava a confecção do balanço anual de atividades do Governo paulista, desde a coleta das informações em cada Secretaria e órgão até sua consolidação num todo homogêneo. E valorizava os textos mais importantes, redigindo-os eu mesmo ou os copidescando.

Consegui convencer meus superiores que palavras demais significavam leitores de menos; os relatórios feitos no meu esquema foram os mais sintéticos até então produzidos; e, não por acaso, os mais notados e apreciados.

É algo assim que deveria ser feito pela CNV: encarar a publicação principal como uma peça de comunicação que não deve -- jamais!-- enfadar e afugentar os leitores.

Já que a massa de informações coletadas deverá ser enorme, talvez caiba detalhá-las em publicações secundárias, direcionadas a historiadores, estudiosos, pesquisadores, etc. E/ou disponibilizá-las na web, seguindo o exemplo do projeto Brasil: Nunca Mais.

Aliás, o livro-síntese daquele magnífico projeto poderá servir como paradigma para o relatório final da CNV. Inclusive quanto ao volume de informações que suas 312 páginas continham: só 5% de tudo que os grupos de trabalho reuniram.

O interesse despertado foi tão grande que até hoje existem leitores se inteirando dos 95% restantes.

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