Serão ouvidas hoje (27/07) as testemunhas arroladas pela Família Merlino na ação por danos morais que move contra o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, acusando-o de responsável pelo assassinato do jornalista Luiz Eduardo Merlino nas dependências do DOI-Codi/SP, que ele comandava, há exatas quatro décadas.
A audiência terá lugar no Fórum João Mendes, no centro velho de São Paulo, a partir das 14h30. Vão depor Eleonora Menicucci de Oliveira, Laurindo Junqueira Filho, Leane de Almeida, Otacílio Cecchini e Ricardo Prata Soares, que foram companheiros de militância de Merlino no Partido Operário Comunista; o ex-ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo de Tarso Vanucchi; e o historiador e escritor Joel Rufino dos Santos.
Eis um bom relato do Coletivo Merlino sobre os motivos e antecedentes dessa batalha judicial:
"Inconformada [com a impunidade dos torturadores dos anos de chumbo, sacramentada pelo STF], a família do jornalista Luiz Eduardo Merlino, assassinado em 19 julho de 1971 nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo, retomando a digna luta de sua mãe, D. Iracema, moveu, em 2008, uma ação declaratória na área cível contra o coronel reformado do Exército Brasileiro, Carlos Alberto Brilhante Ustra.
A ação, subscrita pelos advogados Fábio Konder Comparato e Anibal Castro de Sousa, não pretendia nenhuma indenização pecuniária. Angela Mendes de Almeida, ex-companheira do jornalista, e Regina Merlino Dias de Almeida, sua irmã, pretendiam apenas o reconhecimento moral de que ele foi morto em decorrência das terríveis torturas que sofreu nas dependências do DOI-Codi de São Paulo. O coronel Ustra foi comandante daquele destacamento de outubro de 1969 a dezembro de 1973.
Durante esse período estiveram presas nessa unidade cerca de 2 mil pessoas. Entre elas, 502 denunciaram torturas e pelo menos 40 foram assassinadas.
Luiz Eduardo Merlino tinha 23 anos e era um rapaz bonito e talentoso. Ainda que jovem já havia construído uma brilhante trajetória profissional como jornalista no Jornal da Tarde, na Folha da Tarde e no Jornal do Bairro, bem como no jornal alternativo Amanhã.
Merlino: torturado até a morte. |
Era um militante admirado e combativo do POC (Partido Operário Comunista) e acabava de voltar de uma viagem à França, feita para estreitar contatos com a IV Internacional.
Foi preso em casa de sua mãe, em Santos, dia 15 de julho de 1971, levado para o DOI-CODI de São Paulo, na Rua Tutóia, onde, conforme o livro Direito à Memória e à Verdade, editado pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos do Ministério da Justiça, 'foi torturado por cerca de 24 horas ininterruptas e abandonado numa solitária, a chamada cela-forte, ou x-zero’.
Em 19 de julho a família recebeu a notícia de que ele tinha se suicidado, jogando-se embaixo de um carro na BR-116, na altura de Jacupiranga, quando estaria sendo conduzido ao Rio Grande do Sul para 'reconhecer' companheiros. O laudo necroscópico atestando esta versão foi assinado pelos médicos legistas Isaac Abramovitc e Abeylard de Queiroz Orsini.
Porém o corpo não aparecia. Apesar disso familiares localizaram o corpo de Merlino no IML de São Paulo, com marcas de tortura, numa gaveta, sem nome. Depois disso o caixão foi entregue à família fechado.
Diversos militantes denunciaram, na Justiça Militar e em várias ocasiões, sua tortura e seu abandono, particularmente Guido Rocha, que esteve com ele na cela-forte...
A ação declaratória para o caso Merlino, proposta em 22 de outubro de 2007 e acolhida em 8 de abril de 2008 pelo juiz Carlos Abrão, corria na 42ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo... Mas o Tribunal de Justiça de São Paulo acatou um agravo de instrumento do advogado do torturador Ustra, suspendendo o processo.
Em seguida, (...) três desembargadores manifestaram-se sobre o agravo interposto pelo advogado de Ustra. Por dois votos contra um aceitaram tal ponto de vista e o processo foi extinto. Através de seus advogados, os familiares de Merlino recorreram então ao Superior Tribunal de Justiça, mas o relator do caso não considerou o recurso, que foi então arquivado em março de 2010.
A ação declaratória na área cível tem sido o recurso que familiares de mortos e desaparecidos têm utilizado para que o Estado brasileiro seja considerado responsável por estes crimes, já que a via penal está bloqueada. Boa parte das decisões foi favorável a este reconhecimento.
A primeira ação declaratória que, para além do Estado, apontava como responsável por torturas o coronel Ustra foi movida pela família Teles (Amelinha, César e Criméia) e teve decisão favorável no julgamento em primeira instância, em 2008.
No entanto, o processo do mesmo tipo no caso da morte de Merlino foi extinto na primeira instância, não chegando sequer a ser julgado em seu mérito. A decisão já relatada do Tribunal de Justiça de São Paulo, posteriormente encampada pelo STF, baseou-se em um argumento técnico, o de que uma ação declaratória não era propícia para estabelecer 'uma relação jurídica' entre o réu, Ustra, e as proponentes, pois o que se pretendia era, na verdade, 'a declaração da existência de um fato'.
A Justiça o declarou 'torturador'. E poderá acrescentar 'assassino' |
Haveria 'falta de interesse de agir' das proponentes da ação, já que não pretenderiam extrair da sentença nenhuma consequência, como por exemplo, uma indenização.
Os dois votos pela extinção deixaram claro seu aspecto técnico, não implicando nenhum juízo de valor sobre qualquer ato supostamente praticado pelo réu.
Por isso, em 2010, os advogados dos familiares de Merlino (Fábio Comparato, Claudineu de Melo e Anibal Castro de Sousa) entraram com uma nova ação, ainda na área cível, contra o coronel Ustra, que implica em um ressarcimento por danos morais.
Esses são os meandros da Justiça brasileira e os caminhos técnicos na área jurídica que se impõem para que seja possível conhecer a verdade. Esses são os limites colocados pela Lei de Anistia e pela decisão do STF.
Nenhum ressarcimento ou reparação paga uma vida ceifada. Memória, verdade e justiça são os objetivos que devem ser fixados no horizonte para um Brasil livre da impunidade para com o terrorismo de Estado".
Um comentário:
Torço para que os indivíduos covardes que protegidos pelo estado golpista torturaram, assassinaram, estupraram prisioneiros indefesos, sejam castigados pela pena máxima. Isso não trará de volta os que foram assassinados nem sanará as cicatrizes que os sobreviventes carregam, mas ao menos trará um mínimo sentimento de justiça, ainda que muito tardia.
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