PESQUISAR ESTE BLOGUE

27.2.10

VIÚVAS DA DITADURA CONTAM UM CONTO E ACRESCENTAM MIL PONTOS


Há vários anos o Ternuma e demais sites fascistas mantém no ar um artigo propagandístico e falacioso intitulado O Fracassado Sequestro do Cônsul dos EUA, transcrição provavelmente literal de um daqueles famigerados Inquéritos Policiais Militares da ditadura de 1964/85, que hoje são considerados mero entulho autoritário: por estarem contaminados pela prática generalizada da tortura, não têm valor nem em termos legais, nem como documentação histórica.

A Secretaria Especial dos Direitos Humanos e o Ministério Público Federal têm sido extremamente omissos ao não tomarem providências para evitar que a memória dos resistentes mortos e a dignidade dos vivos continuem sendo atingidas pelas calúnias, injúrias e difamações assacadas pelas viúvas da ditadura.

A internet tem esse poder de concretizar o sonho de Goebbels: martelar tanto uma mentira que ela acaba passando por verdade.

Assim, p. ex., um dos ícones da extrema-direita, Olavo de Carvalho, atacou-me em 2007 com uma catalinária ridícula, não só na argumentação, como na informação.

Incompetente até para colher dados nas buscas virtuais, ele supôs que eu fosse ex-prefeito de Jacupiranga (!) e proprietário da Geração Editorial (!!). Veiculou amplamente seu samba do olavo doido, que pipocou em toda a mídia fascista.

Minha réplica foi tão contundente que ele, assustado, deu continuidade à polêmica unicamente no Diário do Comércio (SP). Nem no seu próprio site postou mais.

Resultado: houve três artigos de cada lado e, como eu resumi no título do texto final, o OC entrou como leão e saiu como cão, inapelavelmente derrotado. Se alguém duvidar, pode ler todas as peças aqui.

Pois bem, até hoje os fascistinhas aprendizes escrevem que o OC detonou o ex-prefeito de Jacupiranga, ignorando totalmente a existência dos cinco outros artigos desse debate.

Noutro arremedo de ataque, um milico de pijamas me qualificou de "capanga do Lamarca". Quem conhece os fatos da minha militância sabe que nada estaria mais distante da realidade, mas o rótulo continua sendo utilizado pela maioria dos direitistas que tentam depreciar meu trabalho. E por aí vai.

A VERSÃO E O FATO

Voltando ao panfleto sobre o sequestro fracassado, um desses fascistinhas virtuais o colou há duas semanas, na íntegra, numa comunidade de esquerda do Orkut, a Ditadura Militar. Acabei participando da discussão, até para deixar registrada a enorme diferença que há entre o fato e a versão.

Eis a versão:
"Confiantes no sucesso do seqüestro, a UC solicitou ao CN que elaborasse, antecipadamente, um comunicado que seria entregue às autoridades logo após a ação. Juarez Guimarães de Brito (...) incumbiu o responsável pelo Setor de Inteligência, Celso Lungaretti (...), de redigir o 'Comunicado Número Um', documento que veio a se tornar um libelo irretorquível contra as sandices comunistas:

"'O Cônsul norte-americano em Porto Alegre (Curtis Cutter) foi seqüestrado às ... horas do dia ... de Março pelo Comando 'Carlos Marighella' da Vanguarda Popular Revolucionária. Esse indivíduo, ao ser interrogado, confessou suas ligações com a CIA, Agência Central de Inteligência, órgão de espionagem internacional dos Estados Unidos e revelou vários dados sobre a atuação da CIA no território nacional e sobre as relações dessa agência com os órgãos de repressão da ditadura militar. Ficamos sabendo, entre outras coisas, que a CIA trabalha em estreita ligação com o CENIMAR, fornecendo inclusive orientação a esse último órgão, sobre os métodos de tortura mais eficazes a serem aplicados nos prisioneiros. A CIA e o CENIMAR sofrem a concorrência do SNI, sendo que essa rivalidade é tão acentuada que em certa data um agente da CIA foi assassinado na Guanabara por elementos do SNI. Esse informe foi cuidadosamente abafado pela ditadura, mas o depoimento do Agente Cutter, nosso atual prisioneiro, permitiu que o trouxéssemos a público'."
Eis o fato, conforme o relatei no Orkut:
"Minha única participação nesse caso foi ter escrito, a pedido do Juarez Guimarães de Brito, o texto de um comunicado que a VPR deixaria no local do sequestro, explicando que precisava recorrer a esse expediente para libertar militantes que estavam sendo barbaramente torturados e corriam sério risco de ser assassinados nos cárceres da ditadura.

"Nunca soube quem era o alvo, nem o estado em que se daria a ação. Apenas me informaram que abortou, porque um dos comandantes operacionais não conseguira organizar corretamente a apropriação de um veículo que seria necessário.

"O Ladislau Dowbor e a Maria do Carmo Brito se queixaram de que mais valia ter comprado o veículo e realizado a ação..."
FOLHETINS MALUCOS

E completei:
"Este é um dos muitos casos em que os inquéritos militares distorceram totalmente a verdade. Quem é torturado tende a falar aquilo que os torturadores mostram estar querendo ouvir. Então, os IPMs da ditadura parecem ficção barata. Em ações realizadas por cinco companheiros, eles inculpam dez, e assim por diante.

"Outra falácia a meu respeito é que eu teria sido jurado de um tribunal revolucionário. Nunca participei de nenhum, nem soube que a VPR houvesse realizado algum durante meu tempo efetivo de militância (de abril/1969 a abril/1970, quando fui preso).

"Ou seja, em cima desses IPMs fantasiosos, os sites fascistas produzem verdadeiros folhetins malucos.

"Fica claro, ainda, que eles estão de posse de muitos arquivos da repressão que deveriam ter sido entregues ao Estado brasileiro."
Companheiros da comunidade Ditadura Militar chegaram a colocar em dúvida a própria existência do plano de sequestro, por só terem ouvido falar nele a partir de relatos do inimigo.

Discordei, mesmo porque não considero o plano, em si, algo de que devamos nos envergonhar, muito pelo contrário, nas circunstâncias de um regime de exceção como o que havia no Brasil em 1970:
"Tínhamos companheiros para libertar e eu jamais deixarei de defender que, para salvar a vida e preservar a integridade física de revolucionários, era/é aceitável sequestrarem-se diplomatas.

"Mas, o problema são as informações inconfiáveis dos inquéritos militares, (...) que serviam como instrumento de guerra psicológica para o regime.

"Caso do tal comunicado sobre o interrogatório do cônsul. Afirmo enfaticamente que, não só não foi redigido por mim, como tenho a absoluta certeza de que não foi redigido por companheiro nenhum.

"A VPR jamais emitia comunicados falseando a realidade. Não fazia parte da nossa cultura e de nossos valores. Acreditávamos em conquistar o respeito das massas exatamente falando a verdade, enquanto os inimigos mentiam."
E não seria mais simples negar a existência de factóides como esse, já que não passou de um sequestro-que-não-houve, igual ao do Delfim Netto pela VAR-Palmares?
"...a minha posição é de que a verdade, ainda mais depois de tanto tempo (quatro décadas!), deva ser inteiramente revelada. Sou a favor da absoluta transparência. Revolucionário não esconde o que faz, nem faz o que depois não pode assumir.

"Se o que fizemos era justificável (como neste caso), devemos assumir e justificar.

"Se erramos, devemos fazer autocrítica, ainda que tardia.

"Mas não ocultarmos episódios debaixo do tapete. Quem procede assim é a direita. Nós temos obrigação de sermos mais honestos e dignos do que eles".

25.2.10

O HOMEM MORDEU O CACHORRO

Uma velha máxima do jornalismo diz que notícia não é quando um cachorro morde um homem, mas sim se um homem morder o cachorro.

Foi o que aconteceu num hospital público de Ivinhema, no Mato Grosso do Sul.

Nunca ouvi falar nesse município. Abrigará o Rancho Fundo, bem pra lá do fim do mundo?

O certo é que uma mulher de 32 anos estava para dar à luz, os pré-natais não indicavam problemas e ela entrou saudável na sala cirúrgica.

O médico que fizera todo o acompanhamento prévio já havia aplicado o medicamento para induzir contrações e dilatação, pois o parto seria normal.

Chegou o plantonista e reivindicou a primazia. Disse que cabia a ele conduzir os procedimentos.

O outro médico não se conformou e os dois saíram na porrada, chegando a rolar no chão.

A parturiente ficou histérica, além de exposta, nua, aos olhares da turma do deixa disso.

Depois do bafafá, um terceiro médico fez cesárea, mas o bebê nasceu morto.

Médicos existem para salvar nenês, mas causaram a morte deste. O homem mordeu o cachorro.

Correndo o risco de ser tido pelos leitores como um velho saudosista, vou confessar que sonho com um mundo bem diferente, solidário e justo, mas não deixo de sentir uma ponta de nostalgia dos meus tempos de criança, quando os médicos eram fiéis ao juramento de Hipócrates.

Quando os professores sentiam-se responsáveis não só pela instrução de seus alunos, mas por prepará-los para serem bons cidadãos.

Quando os juízes não se deixavam subornar pelos poderosos e eram respeitados pela comunidade.

Quando o vendeiro era amigo da clientela e não a induzia a más compras.

Quando os farmacêuticos indicavam o remédio correto para quem não podia pagar ou não tinha tempo para ir ao médico.

Quando os policiais eram bem educados e cumpriam civilizadamente a lei...

Aí veio o capitalismo pleno e a afabilidade foi detonada pela ganância, os brasileiros cordiais substituídos pelos brasileiros canibais.

Não aguento mais percorrer lojas enormes sem nenhum vendedor para assessorar a compra, tendo de caçar funcionário que dê informações (e quase sempre ele chama outro, que nada sabe também, aí se descobre que o item em questão não está mesmo nas prateleiras, mas pode ser que exista no depósito, etc., de forma que a compra leva uma eternidade porque os estabelecimentos hoje operam com um terço do pessoal que seria necessário para atender dignamente os clientes...).

Não aguento mais ver policiais militares revistando jovens malvestidos aos berros e pescoções, apenas por suspeitarem deles. Fico me lembrando da distinta e respeitável Guarda Civil dos anos 50, que tratava a todos como cidadãos e não como inimigos. Aí militarizaram o policiamento urbano e a truculência virou norma.

Não aguento mais percorrer os bairros pobres e constatar que, na principal cidade brasileira, continuam existindo córregos a céu aberto que passam no meio da rua, onde as crianças caem para ser contaminadas pelo esgoto; onde os coitadezas vão acrescentando um novo andar a seus casebres cada vez que a família aumenta, até que aquela construção irregular e insensata desaba como pedras de dominó.

Não aguento mais ver os veículos de comunicação, com os repulsivos BBB's, emburrecendo suas vítimas a um ponto que nem mesmo Sérgio Porto acreditaria ser possível, quando apelidou a TV de "máquina de fazer doido".

Não aguento mais viver no inferno pamonha do capitalismo agonizante, que esgotou o que tinha de positivo para oferecer e agora sobrevive parasitariamente, destruindo tudo que há de saudável, nobre e belo na existência humana.

24.2.10

DILMA ROUSSEFF x LUTA ARMADA

Farsa jornalística que tentou associar a imagem de Dilma a um sequestro inexistente

Companheira Vanda,

Glauber Rocha colocou na boca de um personagem de Terra em Transe a alusão à "baixa linguagem dos interesses políticos".

Jean-Paul Sartre cunhou a frase célebre de que fazer política é "enfiar as mãos no sangue e na merda".

Uma poesia de Bertold Brecht diz que, para transformar o mundo, precisamos chafurdar na sujeira e abraçar o cariniceiro.

Então, companheira Vanda, eu compreendo muito bem os seus motivos, ao protestar inocência face às calúnias imundas que os direitistas lhe lançam.

Várias vezes já tentaram, até forjando uma falsa ficha policial, atribuir-lhe participação pessoal nas ações armadas contra a ditadura militar. Utilizando técnicas propagandisticas goebbelianas, querem fazer crer que você apertava gatilhos e acendia pavios, pois estes clichês impactam mais nos brasileiros que ignoram os horrores da Era Médici [Aliás, fui o primeiro a denunciar tal farsa, lembra?]

Mas, nem mesmo quatro décadas depois e sob o rolo compressor da propaganda enganosa dos fascistas, devemos deixar de proclamar que, ao pegarmos em armas contra o arbítrio, nada mais fizemos do que exercer nosso direito de resistir à tirania.

Você e eu sabemos muito bem que, a partir da assinatura do Ato Institucional nº 5, só havia esse caminho para quem tomasse a digna decisão de continuar na luta contra o despotismo, apesar dos riscos pessoais terem se tornado imensos da noite para o dia.

Não foi outro o motivo de apenas uns poucos milhares terem levado às últimas consequências suas convicções, enquanto, meses antes, uma única passeata era capaz de reunir 100 mil manifestantes. Só os imprescindíveis travam lutas suicidas, quando é a isto que a dignidade obriga.

Os que ainda tentavam atuar de peito aberto junto às massas, eram sequestrados (nenhuma captura daquele tempo respeitava as normas do Direito...) em questão de semanas, levados aos porões, barbarizados, assassinados.

Optando pela clandestinidade; mudando a aparência e montando fachadas com identidades falsas; expropriando bancos para nos mantermos (já que não havia mais como arrancarmos o sustento no mercado de trabalho) e manter nossa luta; sequestrando diplomatas para trocá-los pelos companheiros presos, salvando-os de terríveis torturas e das execuções sumárias; realizando ações de propaganda armada já que eram a única forma de levarmos nossas mensagens ao povo brasileiro; dessa forma conseguíamos permanecer atuantes... durante meses. Míseros meses!

Lembro-me de que, em 1970, prestes a completar um ano nessa luta desigual, já era considerado um veterano. Poucos dos ingressados depois do AI-5 atingiam tal marca. E, mal a completei, fui sequestrado pelo DOI-Codi, iniciando minha temporada no inferno.

Enfim, companheira Vanda, você e eu sabemos muito bem que tinhamos pleno direito de resistir pelas armas aos que haviam conspirado durante anos para usurpar o poder, fracassando numa tentativa golpista em 1961 e obtendo êxito na de 1964, para em seguida imporem o terrorismo de estado, generalizando as torturas, as arbitrariedades e as atrocidades.

Então, por mero acaso, você e eu deixamos de ser designados para para a ação direta, permanecendo como organizadores. Mas, isto só pesou mesmo nas condenações menores que recebemos, pelos critérios da ditadura.

Pelos nossos próprios critérios, que eram e são os que importam para nós, em nada nos diferenciávamos dos gloriosos companheiros incumbidos dessas missões. Mesmo porque jamais teríamos recusado a mesma incumbência, se para tanto fôssemos escolhidos.

Lembrei-lhe tudo isso porque, inadvertidamente, você foi um tanto inábil com as palavras, ao apontar a falácia cometida pelos que a acusam de ações armadas que não praticou.

Ao dizer que nunca foi "julgada ou condenada por nenhuma ação armada", tendo recebido uma pena de dois anos apenas por sua militância, parece colocar-se num plano diferenciado dos seus companheiros do Colina e da VAR-Palmares que cumpriam tais tarefas. É como alguns poderão interpretar uma frase como esta:
"Não tenho conhecimento de nenhuma pessoa que praticou ação armada e que tenha sido condenada a dois anos".
Eu prefiro acreditar que suas verdadeiras convicções estejam expressas noutro trecho da entrevista que você concedeu em Cuiabá, aquele no qual declarou ter orgulho de sua história na resistência.

Pois, embora só a tenha conhecido fugazmente no Congresso de Teresópolis da VAR-Palmares, à distância acompanhei sua trajetória e sei que você sempre honrou seu passado e sua luta.

Então, entenda esta mensagem apenas como um toque de quem, depois daquele passado comum, passou o resto da vida atuando na área de comunicação: há muitos Gasparis por aí tentando criar um fosso entre os militantes que apenas sofreram nas mãos dos algozes e aqueles que ousaram responder ao fogo inimigo. Uns seriam mártires como Vladimir Herzog e Rubens Paiva, outros meros terroristas.

Tome cuidado para, na sua justificada rejeição de acusações falaciosas, não ser confundida com os que, em última análise, repudiam a opção que você e eu fizemos.

Pois não é por termos deixado de expropriar bancos ou sequestrar diplomatas que nunca fomos terroristas. Mas porque, no curso de uma luta contra o despotismo, ações desse tipo não têm caracterização criminal, e sim política. São e sempre foram atos de resistência à tirania.

Terroristas eram os outros, os que se ocultavam sob o capuz do Estado: aqueles que intimidavam, censuravam, perseguiam, sequestravam, torturavam, maltratavam crianças, estupravam, matavam e ocultavam cadáveres, como agentes de um poder ilegítimo.

Respeitosamente,

Júlio da VPR

21.2.10

"FOLHA". NÃO DÁ PRA NÃO VOMITAR

Assim um jornal do Grupo Folha coonestou a farsa com que a repressão encobriu a execução do "Bacuri", após terrível calvário.

Durante as trevas ditatoriais no Brasil, um oficial de alto escalão certa vez se queixou de que um jornal carioca estaria movendo guerra psicológica adversa contra o regime.

Motivo? É que o matutino montara uma página só com tragédias e catástrofes ocorridas no mundo inteiro, tendo no centro a notícia e foto de uma entrega de espadins aos calouros de uma academia militar.

O gorila avaliou que a imagem de fardados sorridentes, cercada de sofrimento por todos os lados, seria uma maneira subliminar de colocar os leitores contra os milicos, burlando a censura.

Nas minhas (posteriores) décadas de atuação jornalística, perceberia que, si non è vero, è bene trovato: o mero maquiavelismo é muito mais frequente na imprensa do que a mera coincidência.

Um exemplo conspícuo é a capa da Folha de S. Paulo deste domingo (21), tendo como manchete "Dilma faz defesa do estado forte e prega estabilidade" e destacando, na chamada de uma retranca secundária, que "Ministra diz ter feito no exterior treinos militares".

Gato escaldado, o jornal evita sugerir outra vez que um eventual governo de Dilma Rousseff criaria uma infinidade de novas estatais. Sua credibilidade cairá ainda mais se continuar recebendo cala-bocas irrefutáveis.

Mas, não desistiu de insinuar que Dilma é uma estatizante compulsiva, ao colocar em primeiríssimo lugar um tema que, na própria notícia a que a manchete remete, só aparece na metade final:
"Dilma, porém, reafirmou a proposta de fortalecimento do Estado, citada por Lula em sua fala, quando disse à ministra: 'Isso é bom Dilma, não é ruim', ao lembrar que a oposição a acusa de ser estatizante. 'Continuaremos a valorizar o servidor e o serviço público, reconstituindo o Estado, recompondo sua capacidade de planejar, gerir e induzir o desenvolvimento do país', afirmou ela.

"Ao defender o Estado, Dilma disse que o desastre da crise econômica mundial não foi maior no Brasil porque os 'brasileiros resistiram a esse desmonte e conseguiram impedir a privatização da Petrobras, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica ou de Furnas', momento em que foi aplaudida".
Percebe-se, claro, que Dilma escolhe cuidadosamente as palavras, para não indispor-se nem com os estatizantes encontrados em suas fileiras, nem com os devotos do deus-mercado existentes fora delas. Políticos são assim mesmo, navegam nas águas da ambiguidade.

Mas, a insistência da Folha em afixar-lhe tal etiqueta já beira o ridículo. Onde cabem pelo menos duas interpretações, trombeteia sempre aquela que maior prejuízo causará à campanha presidencial de Dilma.

Idem, a obsessão em apresentá-la como uma sanguinária ex-guerrilheira, o que verdadeiramente não foi.

Militou na resistência à ditadura de 1964/85, mas como organizadora e dirigente, não como integrante das unidades de ação armada. Por mais que tente, a direita ainda não conseguiu prova nenhuma de que Dilma haja participado pessoalmente de sequestros, expropriações, etc.

Ademais, em nações submetidas a governos despóticos, todo cidadão tem o direito de resistir à tirania, pelos meios possíveis. A partir do AI-5, o único meio possível no Brasil ficou sendo a luta armada.

Assim como nos países europeus submetidos ao jugo nazista. O que poderia fazer a Resistência Francesa, além do que fez? Entregar flores aos carrascos de Hitler?

Canso de afirmar que a ninguém ocorre, na França, apresentar os heróis e mártires da Resistência como autores de crimes comuns, embora suas ações tenham sido indiscutivelmente mais violentas do que as praticadas pelo Colina, VPR e VAR-Palmares (as organizações nas quais Dilma militou).

O jornal, entretanto, faz questão de sintonizar-se com a pregação totalitária das viúvas da ditadura.

Como se fosse um Ternuma qualquer, falseia a História para, panfletariamente, associar a Dilma uma imagem de violência. Chegou ao cúmulo de tentar envolvê-la, forçando a barra ao extremo, com um plano de sequestro que nunca saiu do papel nem era atribuição dela.

E, da mesma forma que os sites fascistas, a Folha apresenta esses episódios sem contextualização. P. ex., para quem conhece o festival de horrores desencadeado pela assinatura do AI-5, que deu sinal verde para a repressão política barbarizar e assassinar à vontade, não causa surpresa nenhuma que os movimentos de resistência pretendessem sequestrar o ministro Delfim Netto.

Como signatário do nefando ato, Delfim escolheu ser alvo das ações dos resistentes. Que, no caso, estavam longe de ser drásticas. Pretendia-se apenas trocá-lo por presos políticos que sofriam torturas terríveis nos porões da ditadura, podendo ser executados a qualquer momento.

Dilma, dignamente, jamais negou sua responsabilidade política pelo que fizeram ou planejaram as organizações em que militava.

Mas, isto é pouco para a propaganda enganosa da extrema-direita. Esta quer porque quer plantar a imagem de que Dilma apertava gatilhos e acendia pavios. Daí inundar a internet com fichas policiais falsas, como a que a Folha entusiasticamente reproduziu, num dos maiores vexames jornalísticos de seus 89 anos de história.

Agora, do enorme perfil que o jornal apresenta de Dilma, repleto de trechos mais interessantes, o que destaca na primeira página é o fato de ela ter feito um treinamento militar básico no Uruguai.

Novamente, cabe a pergunta: o que deveríamos fazer, nós que enfrentávamos os efetivos altamente treinados da repressão política e seu poder de fogo infinitamente superior? Nem aprendermos a nos defender com um mínimo de competência nós podíamos? É como sacos de pancada que o Grupo Folha nos queria?

Na verdade, sim. Tanto que, no momento dos acontecimentos, disponibilizava veículos para o DOI-Codi, enquanto lhe dava sustentação política em seus jornais.

20.2.10

CASO BATTISTI: MÍDIA AJUDA VÍTIMA PROFISSIONAL A SE PROMOVER

O lobby de Alberto Torregiani contra o escritor e perseguido político Cesare Battisti prosseguiu nesta 6ª feira (19), com mais uma irrelevância distribuída pela agência noticiosa italiana Ansa a seus assinantes.

Os colonizados jornais on-line brasileiros aproveitaram-na literalmente, como sempre o fazem, sem nenhuma checagem ou aprofundamento.

Não dá para sabermos se compactuam com a desinformação por preguiça ou por opção ideológica.
Afora a encheção de linguiça [quero dizer, a contextualização...], o despacho da Ansa só traz duas novidades.

Uma não passa de bravata pueril do Torregiani:
"Vamos ver se Battisti tem coragem de vir diante de mim e dizer: 'eu sou inocente'".
A outra é seu mero palpite de que Battisti não teria certeza de uma decisão favorável do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
"Se Battisti está tão tranquilo [de] que o presidente Lula concederá a ele a imunidade, não entendo por que continua a falar. Isto demonstra que não tem esta grande segurança e que continua a fazer grandes pressões", disse Alberto.
"E daí? - perguntarão os leitores. Ninguém que fique prisioneiro por tanto tempo deixa de sentir nervosismo às vésperas de sua libertação. Mesmo tendo 99,9% de certeza de que tudo correrá bem, o 0,1% o inquieta. Ainda mais sendo um homem sensível e tendente à depressão, como Battisti.

Então é normal e humanamente compreensível que fale demais, para espantar seus fantasmas. [E também porque não se é italiano impunemente...]

O texto esclarece que Alberto é "filho de uma das vítimas de crimes atribuídos a Cesare Battisti", o que dará aos incautos a impressão de tratamento respeitoso e civilizado.

Nada disto. Na verdade, a Ansa é obrigada a ser reticente porque esclareceu, em matéria anterior, que Battisti não estava presente no atentado em que o joalheiro Pierluigi Torregiani foi morto e seu filho se tornou hemiplégico:
"...Battisti sempre afirmou sua inocência e sustenta que o disparo que deixou Torregiani numa cadeira de rodas partiu da arma de seu próprio pai.

"'E o que isso tem a ver?', replica Torregiani. 'Battisti não fazia parte do comando [grifo meu], mas é uma questão de responsabilidade. Ele foi condenado por ter participado da tomada de decisão, por ter sido o mandante do crime, e o que importa são as intenções'".
Falastrão como ele diz ser Battisti, viu-se Alberto obrigado a tentar justificar à Ansa suas afirmações um tanto contraditórias [fica difícil entender-se o motivo de tão extremada sanha vingativa contra quem, afinal, nem matou seu pai nem lhe causou a hemiplegia...]. E o fez de forma canhestra:
"Torregiani revelou que Battisti não participou da ação que culminou no assassinato de seu pai porque havia ido à localidade de Mestre, onde teria matado o açougueiro Lino Sabbadin. 'Está tudo nos autos do processo', explicou".
[A notícia distribuída no Brasil em 30/01/2009 pela Ansa já foi retirada do ar, mas a original italiana, mais resumida, ainda pode ser acessada.]

MEMÓRIA SELETIVA

Houve duas omissões significativas. Torregiani esqueceu de dizer que:
  • segundo "os autos do processo", os dois assassinatos foram planejados na casa do dirigente máximo do grupo Proletários Armados para o Comunismo, Pietro Mutti, em reunião na qual é atribuída a Battisti (que, na verdade, não estava presente) apenas a omissão, ou seja, não teria objetado; e
  • muitos anos depois e já como delator premiado, Mutti imputou mentirosamente a Battisti a autoria direta dos dois assassinatos, tendo a acusação engolido suas lorotas interesseiras como se fossem a tábua dos 10 mandamentos.
Aí a defesa levantou um pequeno e singelo detalhe: a distância entre as duas localidades (500 quilômetros) não podia ser transposta no intervalo de tempo transcorrido entre as ações (duas horas).

A derrubada de uma das mentiras de Mutti foi um embaraço? Longe disso. Os procuradores apenas remendaram a peça acusatória, colocando Battisti como assassino de Lino Sabbadin e autor intelectual da morte do joalheiro Pierluigi Torregiani...

Quanto a Mutti, a própria Corte de Milão assim se pronunciaria sobre sua teia de falsidades, em 31/03/1993:
"Este arrependido é afeito a jogos de prestidigitação entre os seus diferentes cúmplices, como quando implica Battisti no assalto de Viale Fulvio Testi para salvar Falcone, ou Battisti e Sebastiano Masala em lugar de Bitti e Marco Masala no assalto à loja de armas 'Tuttosport', ou ainda Lavazza ou Bergamin em lugar de Marco Masala em dois assaltos em Verona".
VÍTIMA PROFISSIONAL

Finalmente, cabe acrescentar revelação interessante que surgiu em notícia de O Estado de S. Paulo:
"Autor do livro Já Estava na Guerra, Mas Não Sabia, em que contou sua experiência, Torregiani entrou há pouco tempo na política. É responsável pelo Departamento de Justiça do Movimento pela Itália, liderado por Daniela Santanchè...".
Para quem não sabe, trata-se de um agrupamento reacionário cuja líder é coproprietária de um night-club para ricaços da Sardenha, uma senhora assumidamente neofascista e que rompeu com Berlusconi por considerá-lo demasiado tímido na defesa dos ideais direitistas...

Então, a verdadeira motivação de Alberto Torregiani se evidencia até na cadeira de rodas que ocupa espaço tão destacado na capa do seu livro: é uma vítima profissional querendo aparecer o máximo possível no noticiário, já que engata uma carreira política e literária nas fileiras da extrema-direita italiana.

19.2.10

"FOLHA" DISTORCE TUDO CONTRA DILMA. DE NOVO!!!

O jornal já publicou até ficha policial falsa de Dilma Rousseff

Em plena 3ª feira de carnaval, a manchete da Folha de S. Paulo foi "Para Dilma, Estado deve ser também 'empresário'", com direito ao subtítulo "Pré-candidata quer que União não só induza, mas toque obras" e a quatro parágrafos introduzindo o assunto.

Depois, no caderno Brasil, vem o restante, tendo como título "Dilma faz defesa de Estado presente e tocador de obras".

O texto da repórter Marta Salomon, da sucursal de Brasília, desde o início causa estranheza. Primeiramente, porque não se refere a uma entrevista concedida por Dilma Rousseff ao jornal, mas sim de uma que foi editada em livro, para lançamento durante o congresso do PT.

Depois, porque confunde grotescamente o Estado empresário, que faz brotarem empresas estatais como cogumelos, com o Estado que cumpre sua missão de disponibilizar serviços essenciais à população. Se não, vejamos:
"...a pré-candidata ao Planalto Dilma Rousseff defendeu a presença mais forte do Estado na economia, não só para induzir investimentos mas também para tocar obras. 'O Estado terá, inexoravelmente, de reforçar seu segmento executor', disse a ministra ao apresentar proposta que chamou de 'bem-estar social à moda brasileira'.

"A presença mais forte do Estado na economia será necessária, defende Dilma, para universalizar serviços de saneamento, melhorar a segurança pública, ampliar o número de unidades de atendimento na saúde e a oferta de habitação a partir de 2011. Mais de quarta parte da população (26,6%) ainda não dispõe de serviços de esgoto, de acordo com os dados oficiais mais recentes."
Nesta 6ª feira (19), a Folha de S. Paulo dá a mão à palmatória, admitindo implicitamente que sua principal matéria de três dias atrás estava bem no espírito do Carnaval: era um samba do crioulo doido, só que carente do talento e espirituosidade do imortal Sérgio Porto.

O jornal publica no Painel do Leitor a refutação de Oswaldo Buarim Jr., assessor especial da Casa Civil, sem nada contestar. Isto, em jornalismo, significa que a réplica é inquestionável e não deixou espaço para tréplica. A Folha de S. Paulo não encontrou uma única palavra para dizer, que pudesse justificar a leviandade informativa por ela cometida.

Eis, portanto, o que evidenciou-se como a verdade cabal neste episódio:
"Na entrevista (...) não há uma só linha que ampare a manchete da Folha de 16/2... O título distorce o enunciado da reportagem interna, que, por sua vez, é uma distorção da entrevista.

"Para correta informação dos leitores, reproduzimos a declaração da ministra com seu sentido completo: 'O Estado terá, inexoravelmente, que reforçar seu segmento executor, para universalizar o saneamento. Melhorar a segurança pública, a habitação, as condições de vida da população etc. Teremos que adotar novos e modernos mecanismos de gestão interna, que instituam o monitoramento, a verificação, relatórios e mecanismos adequados de controle'.

"Nada a ver com 'presença mais forte do Estado na economia', como diz a reportagem. Tudo a ver com capacitação do Estado para atender as necessidades da população de maneira eficaz.

"Também foi distorcido o sentido de outra afirmação da ministra: 'Muitos diziam que só havia um jeito de as pessoas melhorarem sua situação: através do mercado. E que, se acreditássemos nisso, no final todos seríamos salvos'. Nesse ponto da entrevista, ela se refere a programas como o Minha Casa Minha Vida, conforme está claro na continuação do raciocínio, sonegada aos leitores do jornal: 'Era simplesmente impossível fazer política de habitação, porque não se podia subsidiar. Como construir casas para a população com renda de até três salários mínimos se o custo da casa não é compatível com a renda? A equação simplesmente não fecha. O mercado jamais resolveria esse problema'.

"Nada a ver com 'presença mais forte do Estado na economia'. Tudo a ver com política de subsídios para habitação popular."
O pior é que não se trata de um erro aleatório e inofensivo, mas sim de um que sugere ao leitor a criação de empresas que possam ser instrumentalizadas politicamente de diversas maneiras, inclusive como cabides de empregos.

Era a conclusão óbvia a que os perspicazes chegariam. E foi o que um leitor mineiro da Folha deduziu, em mensagem que o jornal alegremente publicou no dia seguinte:
"Se me faltassem motivos para não votar na candidata Dilma Rousseff, a manchete de ontem já teria sido suficiente: 'Para Dilma, Estado deve ser também "empresário'.

"Não consigo deixar de imaginar a fila de petistas e peemedebistas, de inquestionável integridade, em busca de vagas na diretoria das novas estatais, com o firme propósito de promover 'bem-estar social à moda brasileira'.

"O altruísmo desse pessoal eu conheço de outros carnavais."
Cabe à sucursal de Brasília informar os leitores da Folha sobre os acontecimentos políticos, não ela própria fazer política, fornecendo armas propagandísticas para os opositores de qualquer candidatura presidencial.

O jornal está devendo um pedido de desculpas a Dilma, sua vítima habitual, de quem publica até ficha policial falsa; e a seu público, por mais esta manipulação explícita e desmascarada.

16.2.10

ROTA CONTINUA LOUVANDO ARBÍTRIO DITATORIAL. E O SERRA NEM LIGA

José Serra: nada mais nos UNE.

Faço minhas as palavras dos universitários que ocuparam a reitoria da Universidade de São Paulo em meados de 2008 para protestarem contra quatro decretos autoritários do governador José Serra, o qual acabou alterando-os sob vara da comunidade acadêmica e da opinião pública.

Se já então o movimento estudantil estava certo em repudiar o ex-presidente da União Nacional dos Estudantes, seus motivos para justa indignação aumentariam em muito quando Serra cometeu o sacrilegio de ordenar o aquartelamento das tropas mais truculentas da Polícia Militar na Cidade Universitária, em junho/2009, daí resultando a Batalha da USP.

Soltar os gorilas e os brutamontes no campus era o que a ditadura fazia e era o que jamais esperaríamos de quem um dia lutou pela liberdade e justiça social.

E, se nada mais me une a Serra enquanto veteranos que somos do movimento estudantil, também nada mais restou do comum repúdio à ditadura militar que o levou ao exílio e me levou aos cárceres.

Pois hoje ele quer mais é que todos esqueçamos os valores que professou no passado, tanto que continua ignorando olimpicamente as sucessivas advertências que venho lançando sobre o alinhamento com a retórica falaciosa da ditadura militar que uma unidade do seu aparato policial mantém impune e impudicamente no ar.

Foi em outubro/2008 que, alertado pelo incansável Ismar C. de Souza, enderecei a Serra uma carta aberta, protestando contra os elogios que a Rota (ex-Rondas Extensivas Tobias de Aguiar) fazia, em sua página virtual, à atuação por si desenvolvida durante o regime de exceção, contribuindo com o arbítrio.

Historiei a atuação dessa unidade da Polícia Militar, criada para enfrentar a guerrilha urbana e que, depois de massacrados os combatentes da resistência à ditadura, passou a aplicar os mesmos métodos de torturas e assassinatos contra criminosos comuns.

Lembrei que o excelente livro Rota 66, do colega jornalista Caco Barcellos, documentara "4.200 casos de assassinatos cometidos pela Rota nas décadas de 1970 e 1980, tendo como vítimas, quase sempre, jovens pobres, pardos e negros (muitas vezes sem antecedentes criminais)".

E cheguei ao fulcro da questão: a Rota continuava destacando, com indisfarçável orgulho, os atentados que cometeu contra a democracia (ver, aqui, os itens História do Batalhão e Os Boinas Pretas).

Reproduzi vários trechos da página virtual, como este:

"Mais uma vez dentro da história, o Primeiro Batalhão Policial Militar 'Tobias de Aguiar', sob o comando do Ten Cel Salvador D’Aquino, é chamado a dar seqüência no seu passado heróico, desta vez no combate à Guerrilha Urbana que atormentava o povo paulista".

Aliás, tal batalhão, antes mesmo de dar origem à Rota, já cumprira papel deplorável na quartelada de 1964, atuando como força auxiliar dos golpistas das Forças Armadas. E isto também era objeto de louvação virtual:

"Marcando, desde a sua criação, a história desta nação, este Batalhão teve seu efetivo presente em inúmeras operações militares, sempre com participação decisiva e influente, demonstrando a galhardia e lealdade de seus homens, podendo ser citadas, dentre outras, as seguintes campanhas de Guerra: (...) - Revolução de 1964, quando participou da derrubada do então Presidente da República João Goulart, dando início à ditadura militar com o Presidente Castelo Branco".

[Este último trecho atualmente tem um acréscimo, o de que a Rota foi coadjuvante do golpe contra Goulart "apoiando a sociedade e as Forças Armadas"! Ou seja, ainda fazem revisões para tentarem justificar o injustificável...]

Era, comentei, "a voz do passado que continua ecoando no presente, à custa dos impostos pagos pelos contribuintes paulistas".

E conclui assim a carta ao Serra:

"...em nome do seu passado de exilado e em consideração ao passado de todos nós que permanecemos aqui e fomos barbarizados, peço-lhe que, pelo menos, determine que as peças de comunicação do seu Governo passem a ser as aceitáveis numa democracia. Isto se não lhe apetecer tomar a atitude mais pertinente, que já está atrasada em um quarto de século: desativar a Rota!".

Comprovando que, na contramão do exemplo inesquecível do companheiro-presidente Salvador Allende, Serra agora trata os ex-companheiros com empáfia de governador, ele nem sequer se dignou a responder!

Recebi uma enxurrada de mensagens de defensores da Rota, incluindo ameaças ostensivas ou veladas, enviadas tanto ao meu e-mail quanto aos meus dois blogues.

Minha resposta a essa campanha articulada foi o artigo Não desviarei da Rota, de dezembro/2008. Reafirmei tudo que anteriormente dissera e acrescentei:

"...aconselho a Rota a apagar do seu site as loas a operações por ela desenvolvidas durante a ditadura, as quais, em todo o mundo civilizado, hoje têm uma imagem tão negativa quanto as chacinas da Gestapo".

Em janeiro/2009, o portal Brasil de Fato fez uma reportagem na esteira de minhas denúncias, ouvindo o oficial de Planejamento e Operações da Rota, 1º Tenente Gerson Pelegatti, que qualificou as exaltações à ditadura militar como "um grande equívoco" e prometeu tirar a página do ar para que fosse feita "uma limpeza geral".

Disse que a identificação com a ditadura não correspondia mais ao pensamento dos policiais. E garantiu que as correções seriam feitas com a máxima rapidez possível.

Pois bem, um ano depois continua tudo na mesma, com a página da Rota carecendo ainda de "uma limpeza geral" para removerem-se as imundícies denunciadas por mim e pelo Brasil de Fato.

O tenente Pelegatti faltou com a palavra, não cumprindo sua promessa de corrigir o "grande equívoco". Aonde foi parar a honra militar?

Quanto a José Serra, não se mostrou à altura nem da sua posição atual de governador numa democracia, nem do seu passado de presidente da UNE e de perseguido político. Quer mesmo é se mostrar confiável ao grande empresariado.

Uma Presidência da República compensará a completa descaracterização de Serra (que parece seguir sofregamente os passos de Carlos Lacerda, com grande chance de também nunca alcançar a prenda almejada...)?

Prefiro ficar com o Evangelho:

"Pois, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma?" (Mateus, 16:26)

15.2.10

STF: MARCO AURÉLIO DÁ PUXÃO DE ORELHA NO GILMAR MENDES

Depois de um ministro guerreiro (Joaquim Barbosa), foi a vez de um sofisticado (Marco Aurélio Mello) colocar o dedo na ferida do Supremo Tribunal Federal, chamando às falas o inacreditável presidente Gilmar Mendes.

Fê-lo no final de sua histórica decisão de negar o habeas corpus ao governador afastado do Distrito Federal, José Roberto Arruda:
"Outrora houve dias natalinos. Hoje avizinha-se a festa pagã do carnaval. Que não se repita a autofagia".
A alusão foi ao indecoroso desfecho do caso Sean Goldman.

Marco Aurélio havia determinado que, antes da entrega do garoto de 9 anos ao pai estadunidense, fosse-lhe dada a oportunidade de manifestar seus sentimentos aos ministros do STF, até então sonegada pelo Judiciário brasileiro. Afinal, estava se decidindo o destino de um ser humano consciente como se fosse o de uma coisa.

Um senador dos EUA estalou o chicote, iniciando chantagem explícita contra o Brasil: até que a mercadoria fosse despachada, ele iria embargar a extensão para 2010 de um programa de isenção tarifária que beneficia as exportações brasileiras.

Aproveitando o recesso do Supremo, o plantonista Gilmar Mendes correu a capitular diante do ultimato do parlamentar da Nova Jersey. Que importam a felicidade de um garoto e a dignidade nacional, quando os exportadores poderiam ter um prejuízo de US$ 3 bilhões?

[De quebra, ele também utilizou o período em que podia decidir sozinho para colocar na rua o estuprador serial Roger Abdelmassih, após quatro míseros meses de prisão preventiva...]

Então, Marco Aurélio tem justificado temor de que Mendes atropele de novo o colegiado e dê um jeito de atender ao anseio quase unânime dos políticos profissionais, temerosos de que a desgraça do Arruda abra caminho para a detenção de outros contraventores chapa branca.

Em entrevista publicada nesta 2ª feira (15) pela Folha de S. Paulo, ele assim explica o recado que mandou a Mendes:
"...foi mais um alerta, para compreendermos que ombreando nós não podemos estar cassando, sob pena de descrédito para o Judiciário, a decisão do colega. Temos um órgão acima de nós próprios, que é o colegiado.

Até hoje, eu não compreendi aquela cassação, muito menos mediante mandado de segurança impetrado contra liminar concedida em habeas corpus, apenas para preservar o quadro existente à época até o julgamento pelo colegiado. Então, quis realmente alertar para a impossibilidade de tornarmos uma prática a autofagia".
Uma notícia ruim e uma boa para o Marco Aurélio.

A ruim é que a desmoralização do STF vai prosseguir enquanto estiver sob a batuta do pior presidente de sua História.

A boa, para ele e para todos os brasileiros com espírito de justiça, é que tal pesadelo terminará daqui a dois meses.

12.2.10

BOTARAM FANTASIA DE PRESO NO ARRUDA

“Parece que uma das características do carnaval é dar aos escravos de qualquer época o direito de criticar e zombar de seus senhores”, avaliou a pesquisadora Eneida, em sua História do Carnaval Carioca.

Bem dentro desse espírito, o Superior Tribunal de Justiça colocou o (des)governador do Distrito Federal José Roberto Arruda atrás de grades -- apenas simbólicas, já que passou a noite de 5ª para 6ª feira confortavelmente instalado no gabinete da diretoria do Instituto Nacional de Criminalística.

E ninguém duvida de que o Supremo Tribunal Federal acabará soltando Arruda, cujo azar foi seu pedido de habeas corpus ter caído nas mãos do ministro Marco Aurélio Mello, um dos que honram a toga.

Ele adiou a decisão por faltarem alguns elementos para análise liminar da ação... e, provavelmente, para que Arruda recebesse ao menos uma punição moral.

Em último caso, entretanto, o presidente Gilmar Mendes dará um jeito de restabelecer a ordem natural das coisas.

Até nosso bom Lula teria lamentado, segundo um assessor próximo, que os acontecimentos houvessem chegado ao ponto de ser pedida a prisão de um governador.

Cá com meus botões, apostaria que a possibilidade de Arruda ser finalmente expelido do governo é muito maior do que a de passar uma temporada preso.

Fico me lembrando de como os militantes revolucionários dos anos 60 encarávamos tais casos de corrupção: nós os víamos como intrínsecos ao capitalismo, e não meramente circunstanciais.

Ou seja, só teriam fim a partir de uma mudança profunda da organização econômica, política e social do País.

Para quem considera que a propriedade é o roubo (anarquistas) ou que o capitalismo se alicerça sobre a usurpação individual de parte do produto do trabalho coletivo (marxistas), é esta a distorção suprema de nossa sociedade, não a corrupção dos políticos -- os quais devem ser tidos como meros ladrões de galinhas, na comparação com os banqueiros e os grandes empresários.

Os tão alardeados prejuízos que os políticos causam aos pagadores de impostos são irrisórios, insignificantes ao extremo, em relação à rapinagem legalizada que o capital pratica contra a totalidade dos brasileiros.

Mas, claro, interessa ao sistema, por meio de sua indústria cultural, manter a plebe ignara sempre mesmerizada pela árvore e incapaz de perceber a floresta por trás dela.

O combate à corrupção fornece catarse para as massas e, em momentos de crise, enseja mobilizações golpistas. Não por acaso, foi um dos principais motes da quartelada de 1964, apelidada de redentora porque se propunha a moralizar os costumes políticos brasileiros.

Daí a amarga crítica feita pelos revolucionários mais consequentes aos agrupamentos de esquerda que, embarcando nos desvarios populistas, ajudaram a minar o governo João Goulart, ao fazerem coro às acusações lançadas pela direita. No fundo, só serviram para colocar azeitona na empada dos golpistas.

O "HOMEM DA VASSOURA" E O "ROUBA-MAS-FAZ"

As desventuras momentâneas do Arruda lembram episódios do populismo pré-1964, como a acusação feita a Adhemar de Barros (o rouba-mas-faz anterior a Paulo Maluf), de que em 1949 abusara de seu poder como governador paulista para obter um empréstimo irregular do Banco do Estado de São Paulo, visando à aquisição de dez automóveis Chevrolet.

A denúncia foi exumada em 1956 por Jânio Quadros, que se definia politicamente como o anti-Adhemar.

Jânio tinha como símbolo a vassoura, que serviria para varrer a roubalheira do rato Adhemar. E, na esperança de liquidar politicamente o rival, arrancou do Tribunal de Justiça de São Paulo sua tardia condenação a dois anos de reclusão, por peculato.

Acabaram sendo apenas dois meses de exílio na Bolívia, para onde fugiu.

Beneficiado por habeas corpus do STF (Gilmar Mendes teve predecessores...), Adhemar de Barros voltou em triunfo, elegeu-se prefeito da capital e, em seguida, governador do Estado, posição a partir da qual apoiou fortemente o esquema golpista de 1964.

Já Jânio Quadros, o caçador de roedores que inspiraria o caçador de marajás, alcançou a Presidência em 1960, com a maior votação até então obtida por um candidato ao posto máximo da República, vencendo de forma esmagadora o marechal Henrique Lott.

Fez um governo anedótico, entre 31/01/1961 e 25/08/1961, ocupando-se de ninharias como a proibição das rinhas de galo, do lança-perfume nos bailes de carnaval e do televisionamento de concursos de miss nos quais as ditas cujas trajassem biquinis.

Ao renunciar na esperança de que o povo o reconduzisse ao poder com poderes ampliados, abriu, isto sim, as portas para as duas tentativas dos conspiradores militares: a que fracassou em 1961 e a que resultou em 1964.

Invertendo a frase célebre de Hegel, as farsas do populismo criaram condições para a tragédia que se abateu por 21 anos sobre o Brasil.

IMPUNIDADE APÓS A REDEMOCRATIZAÇÃO

É claro que a atual impunidade dos poderosos -- de Pimenta Neves até José Sarney, passando por banqueiros como Dantas e mensaleiros como Palocci -- ofende profundamente o espírito de justiça de que todos nós somos dotados, segundo Platão.

O Brasil consegue ser o pior dos mundos possíveis, com a inclemência capitalista elevada ao máximo e nem sombra da igualdade de todos perante a lei que é erigida em valor importante nos países capitalistas avançados (muito deixa de vir à tona, claro, mas quando figurões são flagrados, dificilmente escapam da punição).

Vai daí que que o opróbrio de um Arruda nos lava a alma, depois de tantos episódios que tiveram desfechos pífios.

Mas, é pouco e por aí não chegaremos a lugar nenhum: o verdadeiro desafio continua sendo o de mudarmos as estruturas.

P.S.: no início da tarde, saiu a decisão do ministro Marco Aurélio, negando o habeas corpus a Arruda, que permanecerá preso pelo menos até a 4ª feira de cinzas, quando o STF vai apreciar seu caso. Aí, a tendência é de que poderes mais altos se alevantem, como diria Camões...

11.2.10

GENERAL PROVOCADOR É AFASTADO COM REPRIMENDA PÚBLICA

O tiro disparado pelo general Maynard Marques de Santa Rosa contra a Comissão da Verdade saiu pela culatra: não atingiu o alvo e só vitimou o atirador inepto, que mirava alto e acabou acertando o próprio pé.

O noticiário desta 5ª feira (11) nos permite entender melhor o porquê da escolha deste momento para a provocação do militar linha dura -- ao qual, exatamente por suas trapalhadas, referi-me num texto anterior como o incrível general Brancaleone, fazendo blague com o filme clássico do diretor italiano Mario Monicelli, O Incrível Exército Brancaleone.

É que o Gen. Maynard está prestes a passar à reserva. Em data emblemática, o próximo dia 31 de março, ele vai concluir 12 anos de generalato e terá de trocar a farda pelo pijama.

Vai daí que ele vislumbrou a oportunidade para uma última bravata, depois de haver irritado seus superiores com as críticas à posição do governo no caso da reserva indigena Raposa/Serra do Sol; e a contestação da Estratégia Nacional de Defesa, bem como do novo organograma das Forças Armadas (motivo de uma primeira punição que havia sofrido, o afastamento do Ministério da Defesa).

Também pegaram mal suas acusações às Organizações Não Governamentais que atuam na Amazônia, imputando-lhes crimes que vão do tráfico de drogas e de armas até a espionagem.

Se, conforme os números que ele próprio apresentou, é de 100 mil o número dessas ONGs, vamos supor que 10 delas ajam com propósitos desvirtuados. Seriam 0,0001% as infratoras e 99,9999% as idôneas, sem nenhuma contradição com as afirmações do Gen. Maynard.

Ou seja, foi o tipo da acusação vaga e irresponsável, proferida apenas para atiçar os militares e a opinião pública contra as ONGs, além de constranger o Governo Federal e os estaduais (que estariam fechando os olhos a tais crimes).

Então, não por pertencer à extrema-direita ou por constar das listas de antigos torturadores, mas sim como encrenqueiro exibido, ele estava na alça de mira do ministro da Defesa.

Aí a Folha de S. Paulo informou que o Gen. Maynard redigira uma nota extremamente ofensiva à Comissão da Verdade e a seus integrantes -- a qual, na verdade, estava circulando na caserna há duas semanas e havia sido efusivamente reproduzida em sites militares e espaços virtuais da extrema-direita.

Era um desafio óbvio à autoridade do comandante supremo das Forças Armadas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, responsável último pela instituição do colegiado a que o Gen. Maynard se referiu pejorativamente como Comissão da Calúnia.

É provável que o militar insubmisso almejasse mesmo ser enquadrado como infrator do Regulamento Disciplinar do Exército, o que implicaria a realização de um longo e controverso julgamento. Que melhor canto do cisne para ele do que tornar-se o símbolo (um Capitão Dreyfus às avessas...) em torno do qual se uniriam os reacionários e golpistas de sempre?

Nelson Jobim, entretanto, mostrou perspicácia, ao propor sua exoneração, imediatamente aceita pelo comandante do Exército e pelo presidente Lula.

Não se trata de um real castigo, pois o Gen. Maynard está, como a colunista Eliane Cantanhêde escreveu, "indo fazer nada no gabinete do comandante até 31 de março, quando cai na reserva".

Não houve prejuízo formal, sua pensão não será cortada ou reduzida, nada disso. Então, inexistem motivos fortes para outros militares solidarizarem-se a ele, salvo os que compartilham suas posições ultradireitistas.

E estes, eu já afirmei várias vezes, são em número bem menor do que os estritamente profissionais, que só querem cuidar de sua vida e de sua carreira.

Mas, a decisão superior foi anunciada de forma extremamente vexatória para o Brancaleone brasileiro. O comunicado à imprensa diz que o afastamento "foi motivado por declarações feitas pelo general, e disseminadas publicamente, contra a Comissão da Verdade, criada por decreto presidencial após negociação entre vários ministérios, e com participação do Ministério da Defesa".

Ou seja, recebeu um puxão de orelhas público e foi devolvido à sua nada épica condição de veterano em contagem regressiva para a aposentadoria.

10.2.10

A EXONERAÇÃO DO INCRÍVEL GENERAL BRANCALEONE

Apesar dos comentários lisonjeiros dos amigos, não fui eu quem derrubou o general Maynard Marques de Santa Rosa.

Como prezo muito a verdade, nem sequer talharei uma marca no PC: não foi meu fogo inimigo que o abateu, mas sim o fogo amigo do ministro Nelson Jobim. Ironias do destino.

Muita seda a direita rasgará para o exonerado; aliás, já existem alguns desagravos demagógicos e golpistas circulando na internet.

No entanto, é bom que se saiba que, ao invés de ter agido em nome dos interesses superiores da Nação ou, pelo menos, na defesa da honra da corporação, tudo leva a crer que a motivação principal do gen. Maynard fosse bem mais prosaica: estaria apreensivo quanto ao que a Comissão da Verdade poderia revelar a seu respeito.

Numa lista de torturadores que o Blog do Cappacete recentemente publicou, eis a parte que lhe cabe:
MAYNARD MARQUES DE SANTA ROSA Segundo Tenente da Infantaria do Exército; integrava Equipe de Buscas do DOI-CODI-RJ; era da 2A. Seção do 1O.RO-105-RJ em 1971-1972
É claro que tudo se completa: os esqueletos no armário e as convicções ideológicas ultradireitistas de Maynard Marques, aquele general encrenqueiro que apareceu no noticiário contestando a ação do Exército na Reserva Raposa Serra do Sol e acusando ONGs da região amazônica de estarem "envolvidas com o tráfico de drogas, armas, lavagem de dinheiro e espionagem".

Azar dele que, em estratégia, é zéro à esquerda. Deve ter cabulado as aulas.

Quando li a nota do General Maynard contra a Comissão da Verdade, fiquei perplexo com sua incontinência verbal. É óbvio que um militar na ativa não pode impunemente referir-se a um colegiado instituído pelo Governo Federal como "Comissão da Calúnia".

Pior ainda foi ter-se deixado levar pelo exibicionismo pseudo-erudito, aludindo ao pior personagem da História que poderia invocar na defesa da sua causa: Torquemada. Levantou a bola para marcarmos o ponto.

Asnática também foi a escolha do momento para sua provocação.

Depois de ter feito uma concessão indigesta à pressão dos militares, retirando da terceira versão do Programa Nacional dos Direitos Humanos a correta especificação dos crimes a serem investigados, era igualmente óbvio que o Governo não engoliria outro sapo -- ainda mais se viesse na bandeija de um general que está longe de ser uma unanimidade na caserna.

Pelo contrário, o que Maynard Marques ofereceu ao governo foi uma excelente e não desperdiçada oportunidade para mostrar autoridade, apagando a má impressão deixada no episódio anterior.

"Quem é burro, pede a Deus que o mate e ao diabo que o carregue" - costumava citar o Paulo Francis.

ATAQUE DO GEN. MAYNARD À COMISSÃO DA VERDADE FOI TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR

Figurinha carimbada da extrema-direita militar, o chefe do Departamento Geral do Pessoal do Exército, general Maynard Marques, lançou uma catalinária contra a Comissão da Verdade que o Governo Federal está instituindo para, principalmente, apurar as atrocidades perpetradas pela ditadura de 1964/85.

Sua nota A Comissão da "Verdade"? está amplamente disponibilizado nos sites fascistóides e demais espaços virtuais das viúvas da ditadura, como o Coturno Noturno.

Depois de manifestar sua convicção autoritária na prevalência de uma verdade "absoluta, [que] transcende opiniões e consensos, e não admite incertezas", desanda a atirar na fogueira os que ousam expressar o outro lado, cujo direito a existir e manifestar-se é a própria essência da democracia.

Segundo ele, "a 'Comissão da Verdade' (...), certamente, será composta dos mesmos fanáticos que, no passado recente, adotaram o terrorismo, o seqüestro de inocentes e o assalto a bancos, como meio de combate ao regime, para alcançar o poder".

No seu entender, seriam fanáticos os que combateram o regime, exercendo seu legítimo direito de resistência à tirania, mas nenhuma crítica faz àqueles que conspiravam há mais de uma década para usurpar o poder e, aprimorando seus métodos de tentativa em tentativa, acabaram por obter êxito, o que foi ponto de partida para assassinatos, torturas, estupros, detenções ao arrepio da Lei (sequestros, portanto), ocultação de restos mortais, cassação de mandatos legítimos, extinção arbitrária de entidades e partidos políticos, demissão ilícita de funcionários, censura aos meios de comunicação e, enfim, de todo tipo de perseguições, intimidações e pressões truculentas.

Incidindo em humor involuntário, o gen. Maynard Marques finge não perceber que, ao barbarizar dezenas de milhares de brasileiros em seus famigerados porões, a ditadura militar se definiu como legítima sucessora da Santa Inquisição. Ele tenta penosamente enfiar na cabeça dos adversários a carapuça que Deus e o mundo sabem repousar melhor sobre quepes:
"A História da inquisição espanhola espelha o perigo do poder concedido a fanáticos. Quando os sicários de Tomás de Torquemada viram-se livres para investigar a vida alheia, a sanha persecutória conseguiu flagelar trinta mil vítimas por ano no reino da Espanha".
Que palpite infeliz! Não escapará a nenhum cidadão civilizado que as realizações de Torquemada e seus sicários têm tudo a ver com as de Médici e seus Ustras...

Com sua nota insubmissa -- em que chega a qualificar a Comissão da Verdade de "excêntrica", comparando-a a uma "Comissão da Calúnia" --, o gen. Maynard Marques desrespeitou pelo menos duas proibições do Regulamento Disciplinar do Exército:
  • "manifestar-se, publicamente, sem que seja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária"; e
  • "censurar ato de superior hierárquico ou procurar desconsiderá-lo, seja entre militares, seja entre civis".
Devemos, portanto, EXIGIR do general Enzo Martins Peri (comandante do Exército) e de Nelson Jobim (ministro da Defesa) que façam cumprir o Regulamento Disciplinar, aplicando as punições cabíveis ao general boquirroto.

Quanto aos seis integrantes da Comissão da Verdade, designados pela ministra Dilma Rousseff, têm motivos de sobra para levar aos tribunais quem os qualificou de fanáticos, terroristas, sequestradores e assaltantes, antes mesmo de conhecer os nomes dos indicados para a função.

Obs: desta vez agiu correta e rapidamente o Governo, cortando o mal pela raiz. Exonerou o General Maynard Marques pouco depois que lancei este artigo e pelos motivos nele alinhavados, conforme pode ser constatado na notícia da "Folha On Line" Jobim anuncia exoneração de general após declaração sobre plano de direitos humanos.

8.2.10

LINCHADOR FRUSTRADO, MINO CARTA VOMITA SUA BILE NA ESQUERDA E EM LULA

"Eu assisti de camarote
O teu fracasso,

Palhaço, palhaço


(...) No livro de registro desta vida
Numa página perdida o teu nome há de ficar

Registram-se os fracassos, esquecem-se os palhaços

E o mundo continua a gargalhar"

(Benedito Lacerda/Herivelto Martins)
Nos círculos do poder, não há a mais remota dúvida de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmará a decisão que o Governo brasileiro tomou há 13 meses, de garantir ao perseguido político italiano Cesare Battisti o direito de residir e trabalhar em paz no nosso país.

Eliane Cantanhêde já revelou que as gestões italianas atualmente são apenas no sentido de que Lula doure a pílula, alegando razões humanitárias para sua decisão; e que o desfecho do caso não ocorra nos períodos imediatamente anterior e posterior à visita do premiê Silvio Berlusconi ao Brasil, para poupar-lhe constrangimentos.

Este quadro motivou nova diatribe de Mino Carta, Onde está a esquerda?: trata-se de mera retaliação pela derrota humilhante que está em vias de sofrer, como o principal linchador de Battisti na imprensa brasileira.

Mino escreveu dezenas de artigos para pressionar nossas autoridades a passarem por cima das tradições humanitárias brasileiras e das consistentes dúvidas a respeito da lisura do processo em que Battisti foi condenado sem ter podido exercer seu direito de defesa, graças a uma fraude hoje totalmente desmascarada, envolvendo falsificação de procurações, conluio de defensores com acusadores e conivência da Justiça italiana.

Para que servem agora esses artigos, editoriais e notícias editorializadas?

Só para uma coisa: são a pior nódoa nas muitas décadas de carreira de Mino Carta. Ele vai ser sempre lembrado como o jornalista que tentou impor aos brasileiros a capitulação diante das mais descabidas pressões e dos mais arrogantes ultimatos italianos.

Afora os textos que assinou, outros atribuídos à Redação da CartaCapital têm conteúdo e forma idênticos aos seus. E o ex-juiz Walter Maierovitch, colunista fixo que faz as vezes de fiel escudeiro do Mino Carta, também contribuiu assiduamente com o lobby para o linchamento de Battisti, produzindo dezenas de peças tendenciosas e rancorosas.

No início de 2009, a CartaCapital certamente bateu um duvidoso recorde na imprensa brasileira, como a revista de circulação nacional que por mais semanas consecutivas abordou um único assunto, e sempre com o mesmo viés (linchador).

O outro lado e o direito de resposta simplesmente deixaram de existir para esse veículo, que se comportou como mero house organ da Fabbrica Italiana di Buffonatas.

Nem os leitores aguentavam mais este samba de uma nota só, tanto que passaram a contestar veementemente não só a fixação obsessiva de Mino no tema, quanto a posição por ele adotada.

Pateticamente, ele reagiu retirando-se do seu próprio blogue, o que não impediu o público da revista de continuar manifestando sua discordância nos comentários das notícias e editoriais sobre o Caso Battisti, os quais continuaram sendo sistematicamente expelidos (é o termo apropriado...).

Agora, confrontado com a inutilidade de sua caça à bruxa, o grande inquisidor se vinga retoricamente dos que impediram-no de acender a fogueira:
"...José Eduardo Cardozo, fervoroso defensor da permanência de Battisti no Brasil e titular de um currículo em que figuram contatos importantes, quem sabe decisivos, com Daniel Dantas, o banqueiro do Opportunity. Dele Cardozo foi advogado, soldado a mais de um exército infindo, antes de se eleger em 2002..." [Ser advogado de alguém nunca constituiu crime ou opróbrio. Mino semeia suspeitas porque não tem acusações para apresentar.]

"A revista Veja acabava de publicar um dossiê que dizia ter-lhe sido entregue por Dantas, a revelar contas de um pessoal graúdo, a começar pelo presidente Lula, em paraísos fiscais. Mais um episódio para enrubescer o arco-da-velha e que em outro país provocaria, no mínimo, investigações profundas e algumas prisões." [Depois de tanto criticar a revista que já dirigiu, Mino Carta recorre a suas antigas acusações para atingir Lula, o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos e o deputado Cardozo.]

"Um ministro de Estado soletrou nos ouvidos de CartaCapital: 'É que o PT tem medo de Dantas'." [É simplesmente grotesco Mino lastrear acusação tão grave numa fonte incógnita. O despeito o faz esquecer o bê-a-bá do jornalismo.]

"Ah, sim, a famosa esquerda... Sempre pergunto aos meus perplexos botões qual teria sido a razão que moveu o ministro Genro ao decidir-se pelo refúgio a Battisti. Há quem diga, nos próprios corredores de diversos ministérios, que foi para agradar à esquerda na perspectiva da eleição gaúcha. [Novamente insinua o que não tem evidências nem coragem para afirmar, evitando assumir responsabilidades legais.]

"...de que esquerda se trata? Daquela que descobriu os prazeres da vida e decidiu apostar no poder pelo poder? Ou daquela que virou tucana, ou seja, herdeira do udenismo velho de guerra?" [Noves fora, resta nada. Já que Battisti vai ser libertado, ninguém mais presta, todos chafurdam na podridão. O linchador está à beira de um ataque de nervos.]

"Resta o fato de que esta tal de esquerda parece não ter entendido a diferença entre quem luta contra a ditadura e quem contra um Estado Democrático de Direito. Atingimos, assim, a encruzilhada: de um lado a ignorância, do outro a hipocrisia. De um lado o QI baixo, do outro a desfaçatez. De um lado a parvoíce, do outro a cega, granítica, eterna confiança na credulidade alheia." [Retórica embolorada e oportunística à parte, Mino parece esquecer a desmoralização que Berlusconi granjeou para o tal "Estado Democrático de Direito", começando pelas leis casuísticas que Executivo e Legislativo têm introduzido/tentam introduzir para evitar que o premiê receba a justa punição por seus numerosos delitos.]

7.2.10

DISSECANDO A ALGARAVIA DO LAERTE BRAGA (final)

Um problema das polêmicas virtuais é que são intermináveis.

A imprensa, mesmo nos tempos em que não estava tão desvirtuada, sempre permitiu que seguissem até os contendores não terem trunfos novos a apresentar, ou até a derrota de um deles se tornar inequívoca. Afinal, nela o espaço tem preço, que não é desperdiçado com meros exercícios do direito de espernear.

Já na Web, alguém pode ter sua argumentação destruída por completo e continuar nela insistindo, indefinidamente.

É como se um enxadrista, após levar xeque-mate, seguisse movimentando as peças no tabuleiro.

Então, só resta ao vencedor anotar as jogadas na papeleta e levantar-se da mesa, deixando o patético vencido a encenar a farsa de que o jogo continua.

É o que farei agora.

Na linha grosseira e falaciosa que adotou quando acabaram seus argumentos, Laerte escreveu DO A DE ALGARAVIA AO T DE TRAIDOR - OU O "O" DE OPORTUNISTA, assim mesmo, como um foquinha que ignora o bê-a-bá do jornalismo (se colocou o "o" entre aspas, deveria tê-lo feito também com o "a" e o "t").

Para quem atuou um dia na profissão, isto evidencia que está transtornado a ponto de esquecer o que há de mais elementar -- será que ainda se lembra de vestir as calças antes de sair na rua?

E o texto todo é um tijolaço caótico e errático, sem parágrafos nem nexo, pulando de assunto a assunto (Obama, o Mossad, o aquífero guarani, Ortega, a sucessão brasileira, o Jornal Nacional, a Amazônia, o Haiti, o MST, Mirian Leitão, José Serra -- panfletariamente comparado a Fernando Collor, quando poderia sê-lo, p. ex., com Carlos Lacerda, que começou na esquerda e depois endireitou -- etc., etc.), sem nada aprofundar nem nada provar.

Mais um motivo para lamentarmos a perda irreparável do grande Sérgio Porto, o Stasnislaw Ponte Preta: se estivesse vivo, encontraria nesse texto a matéria-prima para criar uma versão várias vezes aprimorada do seu "Samba do Crioulo Doido".

Tão irritado o Laerte Braga ficou quando constatei que seus textos não passam de algaravias que acaba de cometer sua pior algaravia dos últimos anos...

Ataca a Anistia Internacional como se não tivesse sido ela a exigir providências de Porfirio Lobo para a punição dos crimes praticados pela quadrilha de Roberto Micheletti, enquanto o presidente deposto Manuel Zelaya, com a boca dava declaração elogiosa à "reconciliação nacional"; e com a mão, apanhava o salvo-conduto que barganhou com Lobo.

Juntamente com um comitê hondurenho de vítimas, Laerte Braga profetiza que a Comissão da Verdade instituída por Lobo só servirá para salvar as aparências.

Não parece ocorrer ao Nostradamus de Juiz de Fora que isto significa apenas desperdiçar uma tribuna em que as mortes, torturas, estupros e intimidações do pós-golpe poderão ser veementemente denunciados, ganhando destaque na imprensa mundial.

Se, no final, a montanha parir um rato, aí sim caberão as denúncias contundentes de que Lobo, no fundo, é um continuador de Micheletti.

Fazê-las desde já só serve para desqualificar-se aos olhos dos neutros. É falar para os já convertidos (que foram insuficientes para conseguir que esta crise tivesse o desfecho correto) e esquecer a necessidade de ampliar fileiras, para obter a vitória no(s) confronto(s) seguintes(s).

Em suma, trata-se da miopia política habitual dos colecionadores de derrotas, que parecem importar-se mais com a manutenção de sua imagem junto ao próprio público do que com o resultado concreto das lutas que travam.

Quanto a depreciar o papel da Anistia Internacional com a afirmação de que ela só atua após a porta arrombada, é mais uma falácia dentre tantas. Em situações como os bombardeios israelenses na Faixa de Gaza, sua resposta foi imediata e dramática.

O que ela não faz é posicionar-se a partir de relatos não comprovados, como aquele em que o Laerte Braga acreditou, ao trombetear por aqui que, num único domingo, os capangas de Micheletti teriam assassinado "pelo menos" 50 manifestantes contrários ao golpe.

A AI não tem tropas para impor sua vontade a governos, seu único trunfo é a autoridade moral, INDISCUTÍVEL AOS OLHOS DOS CIVILIZADOS, que ela perderá se encampar versões exageradas de militantes.

Já o Laerte Braga não tem escrúpulo nenhum em repassar essas versões o tempo todo, como se fossem a tábua dos 10 mandamentos.

É um mero propagandista, que se norteia antes por Joseph Goebbels do que por Rosa Luxemburgo: para ele, a verdade não é revolucionária, longe disto, daí preferir martelar ad nauseam as versões convenientes, na esperança de que acabem passando por verdadeiras.

É o que continuará fazendo em relação a mim, com a equação "Celso Lungaretti = traidor". Escreverá isto a torto e a direito, doravante.

Prosseguirá citando o documentário Tempo de Resistência como "prova", indiferente ao fato de que nem mesmo o Darcy Rodrigues, que aparece no filmeco fazendo tal afirmação, ainda a sustenta. Hoje ele reconhece que eu nem sequer conhecia a localização da segunda área de treinamento guerrilheiro, onde estava Carlos Lamarca.

Fingirá ignorar que, mesmo antes de eu desmistificar as versões convenientes sobre a quase destruição da VPR em abril/1970, provando que responsabilidades alheias estavam sendo atiradas nas minhas costas para que outros posassem de heróis impolutos, nunca se cogitou traição da minha parte, mas sim que não houvesse resistido às torturas que me causaram uma lesão permanente.

Tanto isto é verdade que, já em 1974, a esquerda organizada se dispôs a me reabilitar, desde que eu me apresentasse apenas como massacrado pela repressão, omitindo que fora igualmente injustiçado e jogado às feras pela VPR. E não é afirmação sem comprovação, como os blefes ridículos do Laerte Braga; o companheiro Luiz Aparecido está aí, firme e forte, para confirmar.

E seguirá espalhando calúnias, como fez com o Raymundo Araujo, a quem acusou -- igualmente sem provas -- de ser um infiltrado, deixando depois o dito por não dito.

É como sempre reagem os stalinistas contra quem os contesta -- vide as falácias que utilizaram para justificar o massacre de trotskistas, anarquistas, mencheviques, sociais-revolucionários e até mesmo da Velha Guarda bolchevique.

Embora lhe caiba apenas o papel de repetir a História como farsa, já que não tem estatura para protagonizar tragédias, Laerte Braga mostra ser exatamente da mesma estirpe daqueles que obrigavam revolucionários de uma vida inteira a comparecerem balbuciantes aos julgamentos de Moscou, para confessarem que, a serviço dos EUA ou da Inglaterra, haviam tentado envenenar os reservatórios de água do estado socialista.

Para ele o que importa é satanizar o adversário, fazendo dele um espantalho, como se fosse o pior dos inimigos.

Mas, nem desta vez seguirei o conselho de amigos e companheiros, que me exortam a recorrer à Justiça burguesa. Sigo meus princípios, sempre.

Minha força para sobreviver a terríveis injustiças e vencer batalhas desiguais sempre adveio de manter-me coerente com minhas convicções. Sabendo que sustento a posição correta, não me importa ter o mundo circunstancialmente contra mim.

Não será o liliputiano Laerte Braga que vai me fazer mudar a postura. Mesmo porque o julgamento dele já ocorreu, tendo como jurados os internautas.

E as atas permanecerão disponíveis na Web, de forma que, ao colocar "Laerte Braga" na busca, toda e qualquer pessoa ficará sabendo quão baixo ele desceu um dia.

Para mim, é o que basta.

6.2.10

LAERTE BRAGA, CALUNIADOR STALINISTA, PERDE DE VEZ AS ESTRIBEIRAS

Quanto mais se desmoraliza na guerra dos argumentos, mais Laerte Braga parte para as agressões mentirosas, delirantes e destrambelhadas, como remanescente emblemático do stalinismo que ele é.

Não vou acompanhá-lo nessa guerra de lama. Apenas, transcreverei seu comentário de ontem (05/02) no blogue Apesar de Vc... 1964/1985 e o artigo em que relatei o episódio do documentário Tempo de Resistência, ao qual ele se refere.

É o suficiente para os leitores chegarem a uma conclusão sobre quem é quem.

Tudo que eu tinha para dizer sobre os eventos de 1970, já disse no meu livro Náufrago da Utopia. Não vou passar a vida inteira restabelecendo a verdade, cada vez que algum caluniador vier me atacar, aludindo a acordos que jamais foram firmados e dos quais não pode apresentar prova nenhuma, porque inexistem.

Nem recorrerei à Justiça burguesa pois, como afirmei no artigo abaixo, não é assim que resolvo minhas pendências com a esquerda (mesmo com essa excrescência autoritária e putrefata a que se filia o Laerte).

Prefiro sempre o jogo franco, expondo aos cidadãos civilizados a mediocridade intelectual e a pequenez moral de quem encabeça campanhas de satanização de adversários políticos em pleno século XXI.

A FALÁCIA

"Eu não vou perder tempo com Celso Lungaretti. Poderia transcrever aqui um mail que atestaria o seu mau caratismo e sua pusilanimidade.

"Vou só relatar um fato - há uns meses atrás cheguei à minha casa e resolvi ver o que estava passando em alguns canais de tevê.

"Num deles, Canal Brasil, estava sendo exibido um documentário sobre o período da repressão.

"Num dado momento, ao falar sobre o grupo de Lamarca, um dos integrantes do mesmo, gente séria, referiu-se à queda do grupo por conta de um "TRAIDOR". O nome? Celso Lungaretti.

"A diferença entre "ex-jornalista" que ele me rotula, mau caráter, é traidor e que TRAIDOR não existe ex é sempre traidor.

"Além de ter entregue os companheiros, fez um acordo com os militares e ele aceitava, como parte do acordo, aplicar choques em companheiros presos além de ter ido à tevê dizer-se arrependido.

"Só isso."

Laerte Braga

A VERDADE

Há um mês recebi esta mensagem do valoroso companheiro Luiz Aparecido ("ex-preso politico e até hoje militante do glorioso PCdoB", como faz questão de ressaltar):
"Acabei de assistir hoje, domingo, dia 21 de junho de 2009, no Canal Brasil da SKY e repetido por outros canais de assinatura, o documentario, 'Tempo de Resistencia', onde inumeros revolucionarios dão seu depoimento sobre a resistencia dos combatentes brasileiros à Ditadura. Entre os depoimentos sinceros e emocionantes (...) há tambem o de Darci Rodrigues. Este ultimo me chocou ao repetir a cantilena mentirosa e falsa, de que o campo de treinamento da guerrilha da VPR, no Vale do Ribeira no inicio dos anos 70, no interior de São Paulo, foi entregue pelo quem ele chama de traidor, Celso Lungaretti.

"É mais que a hora, de exigir dos produtores e diretores do documentario que façam, em nome da verdade histórica, o esclarecimento que historiadores como Jacob Gorender e a própria vida ja fizeram: Celso Lungaretti não foi o delator que entregou o local do treinamento para a repressão. Como esta informação se tornou publica e abrange, atraves do documentario exibido no 'Canal Brasil' e outros veiculos, fórum de seriedade histórica, é necessário mais uma vez isentar o Lungaretti desta perfidia e se for o caso, até entrevistarem o Celso e outros companheiros da época, para apontar o verdadeiro delator daquele fato.

"As torturas barbaras e humilhantes que nós revolucionarios fomos submetidos nos porões da ditadura, devem ser denunciadas sempre, assim como a verdade dos fatos que elas originaram. Se alguns e não foram poucos, fraquejaram e abriram companheiros e ações, os fatos devem ser esclarecidos. Mas uma mentira não pode destruir a reputação, a honra, a vida e a coragem de quem teve a audacia e o desprendimento humano de enfrentar, armados ou não, o aparato selvagem da ditadura.

"Dou meu depoimento publico da honestidade e coragem histórica de Celso Lungaretti...".
Passei exato um mês esperando que os responsáveis pela acusação, a partir dos e-mails que lhes enviei, dessem uma solução digna ao episódio. Como nada fizeram, só me resta tornar público o que houve, deixando aos leitores as conclusões.

Preso em instalações militares e impossibilitado de me defender, fui em 1970 acusado pela Vanguarda Popular Revolucionária de haver delatado a área na região de Registro (SP) em que Carlos Lamarca e outros militantes treinavam guerrilha. A repressão deslocou milhares de soldados para lá, mas alguns companheiros escaparam como civis, outros embrenhando-se nas matas. A fuga destes últimos, comandada por Lamarca, foi, indiscutivelmente, uma das maiores proezas militares da História brasileira.

Quando fui libertado, nada havia mais a fazer. A falsidade passava por verdade e eu não tinha como conseguir provas para sustentar minha versão, nem tribunas para apresentá-la, em meio à censura e à intimidação reinantes.

Quando a engrenagem de terrorismo de estado começava a ser desmontada, fui entrevistado por veículos como a revista IstoÉ e o jornal Zero Hora (RS), relatando, então, as torturas sofridas durante os dois meses e meio que passei incomunicável nos cárceres da ditadura e que me causaram uma lesão permanente.

Mas, o foco dessas reportagens não era o episódio de Registro e, como eu ainda não conseguira nenhuma prova de minha inocência, não insisti para que delas constasse minha refutação.

Em 1994, no entanto, Marcelo Paiva fez-me tal acusação nas páginas da Folha de S. Paulo e eu não poderia deixar de exigir direito de resposta. Travamos polêmica e eu expus pormenorizadamente o que eu realmente fizera e os fatos de que tinha conhecimento.

Ainda sem provas, era minha versão bem sincera do que se passara:
  • participei da equipe precursora que foi implantar uma escola de guerrilhas à altura do km. 254 da BR-116;
  • a área foi considerada inadequada e abandonada em dezembro/1969;
  • voltei para o trabalho urbano exatamente por desconhecer a localização da área seguinte, na qual o trabalho prosseguiu (caso contrário, por motivos de segurança, não poderia ter saído de lá);
  • ao contrário do que o Lamarca me fez crer, a área 2 não se localizava a centenas de quilômetros de distância, mas apenas a 16;
  • em abril/1970, ao ser preso e muito torturado, revelei a localização da área 1, por avaliar que seria informação inútil para a repressão, mas serviria para eu me recompor e ganhar tempo, enquanto preserva informações realmente importantes;
  • talvez, como Marcelo Paiva sustentou, a partir dessa área 1 tivessem descoberto alguma ligação com a área 2, mas a responsabilidade, aí, seria de erro cometido pela própria VPR na instalação dos campos.
Em 2004, a prova que tanto me fazia falta finalmente caiu nas minhas mãos, quando Ivan Seixas, em seu site Resgate Histórico, publicou um relatório secreto de operações do II Exército, cuja existência eu desconhecia.

Dele constava, explicitamente, a informação de que duas equipes do DOI-Codi foram deslocadas para Registro a fim de apurar minha informação sobre a área 1 e voltaram relatando que não havia mais atividades no local; enquanto isso, novas informações, decorrentes de prisões posteriores, forneceram à repressão a localização exata da área 2.

Estava tudo lá, preto no branco. Meu próprio temor de haver contribuído indiretamente para a descoberta da área 2 era infundado. A coisa se passara de outra maneira, felizmente para mim.

Enviei os textos de minha polêmica com Marcelo Paiva e a cópia desse relatório para alguns historiadores. Jacob Gorender, com sua dignidade exemplar, assumiu a responsabilidade de esclarecer o episódio, a partir desse material e de outros documentos sigilosos que informou possuir.

Duas semanas depois, enviou carta à Folha de S. Paulo e a O Estado de S. Paulo, comunicando:
"Na primeira edição do meu livro 'Combate nas Trevas' (...) escrevi (...) que Celso Lungaretti forneceu ao Exército a primeira informação sobre um campo de treinamento de guerrilheiros da VPR em Jacupiranga, no vale do Ribeira. (...) Não obstante, no mês corrente, Celso Lungaretti contatou-me, por via telefônica, para chamar a minha atenção para o fato de que dera a aludida informação sob tortura e sabendo que o campo de treinamento onde estivera se encontrava desativado havia dois meses. O relatório do comandante do 2º Exército na época, general José Canavarro Pereira, co-assinado pelo general Ernani Ayrosa da Silva, sobre a Operação Registro (localidade do vale do Ribeira), confirma que, efetivamente, aquele campo de treinamento fora desativado. Sucede, no entanto, que, quase simultaneamente, chegaram ao 2º Exército informações procedentes do 1º Exército, com sede no Rio de Janeiro, de que um novo campo de treinamento de guerrilheiros, adjacente ao anterior, se encontrava em atividade. (...) A respeito dessa segunda área, nenhuma responsabilidade cabe a Celso Lungaretti, que ignorava a sua existência. Sua vinculação com o episódio restringiu-se, por conseguinte, à informação sobre a área que sabia desativada, fornecida, segundo afirma, sob tortura irresistível."
A publicação desta carta do Gorender na Folha de S. Paulo (ver aqui) abriu caminho para o lançamento do meu livro Náufrago da Utopia (ver aqui). Eu considerei acertadas minhas contas com a História e passei priorizar as lutas presentes, ao invés de ficar remoendo o passado.

Aí foi lançado o documentário Tempo de Resistência, com a insólita acusação do ex-companheiro Darcy Rodrigues. Em meados da década atual, ninguém sequer cogitava traição da minha parte. Torturado com relatórios médicos e lesão para apresentar não pode ser confundido com os cabos Anselmos da vida.

Mandei mensagem ao autor do livro que serviu de base para o filme, Leopoldo Paulino ( leopoldo@leopoldopaulino.com.br ), esclarecendo não só que a acusação era infundada, como que Darcy Rodrigues tinha um motivo pessoal, não político, para fazê-la, sendo que a desavença entre nós dois era conhecida e constava até de livro de um jornalista sobre o período.

Leopoldo Paulino nada respondeu. E, como o documentário teve pouca repercussão nos cinemas, acabei deixando pra lá.

Sua exibição na TV a cabo, entretanto, está atingindo público mais amplo. Então, voltei a protestar, pedindo-lhe que fizesse algum tipo de retificação ou esclarecimento.

Também contatei o cineasta André Ristum ( andreristum@yahoo.com ), diretor do filme, que respondeu:
"Para a realização deste documentário eu e minha empresa fomos contratados pelo Leopoldo Paulino, para executar a obra baseada em seu livro.

"Assim, conforme contrato assinado entre nós, o responsável pelo conteúdo, seja do ponto de vista das informações passadas seja do ponto de vista legal, é o próprio Leopoldo Paulino.

"Eu, até pela minha pouca idade, não poderia jamais me responsabilizar por informações a respeito de uma época que não vivi e pouco conheço.

"Peço então que se comunique diretamente com o Leopoldo, ou com o Darcy...".
Mas, em entrevista posterior à que concedeu para o filme (ver aqui), o próprio Darcy deixou de sustentar a antiga acusação:
"[Darcy] Discorre também sobre o erro de haver levado para o campo pessoas, que não estavam totalmente convencidas dessa necessidade e de outras, que não tinham conhecimento completo da organização. Cita um caso: 'Celso Lungaretti foi para a primeira área, não se deu bem, voltou para a cidade e nem conheceu a segunda' [grifo meu]."
Em respeito à trajetória de luta do Darcy, optei por considerar suficiente este seu reconhecimento da minha inocência. Melhor passarmos uma borracha em acontecimentos tão distantes quanto deprimentes.

Quanto a Paulino, falhou como revolucionário, pois foi duas vezes alertado de que cometia uma injustiça contra outro revolucionário e em ambas se omitiu: nem corrigiu seu erro, nem sustentou sua posição. Apenas calou.

E falhou como escritor que pretende historiar a resistência, já que não teve a mínima preocupação prévia de ouvir quem sofria grave acusação, nem se dispôs a apresentar o outro lado quando isto lhe foi depois formalmente solicitado.

Segundo um jurista que me-é solidário, caberiam três providências legais neste caso, que poderiam até ser tomadas simultaneamente:
  1. "a formalização de um pedido de direito de resposta ao Canal Brasil, que foi o veículo pelo qual esta afronta à sua imagem foi desferida";
  2. "o pedido judicial para que este documentário seja editado, sob pena de sua execução em território nacional ser proibida, com cominação de multa caso a ordem venha a ser descumprida";
  3. "o pedido de reparação por danos morais, contra os produtores do documentário e o próprio difamador, já que tal veiculação já está lhe causando problemas e constrangimentos".
Mas, depois de haver lutado tanto por uma noção mais elevada de Justiça, estaria faltando com meus princípios se recorresse a uma instância do Estado que execro, contra outro ex-militante da resistência.

É no tribunal das consciências que tais atitudes devem ser julgadas. Então, preferi apenas expor os fatos, para que cada leitor tire suas conclusões e, se quiser, tome alguma atitude.
Related Posts with Thumbnails

Arquivo do blog