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27.4.10

CRÔNICA DA DESUMANIDADE

Hugo Alfredo Tale-Yax era seu nome.

Para os novaiorquinos ele era ninguém. Nada.

Guatemalteco, ou seja, só um cucaracha. Barata que qualquer um pode pisotear.

Como sem-teto, um corpo estranho na metrópole da opulência, da modernidade e do glamour.

Como imigrante ilegal, um indesejável a ser removido pelas autoridades às quais compete manter os empesteados longe do castelo de Próspero (1).

Como desempregado e pedinte, a imagem viva do fracasso numa cidade que só respeita vencedores.

Hugo tinha 31 anos.

Seus sonhos o levaram aonde lhe diziam ser o centro do mundo.

Não sabia que era só o centro da desumanidade capitalista; de um mundo regido pela ganância, pela competição e pela insensibilidade.

Não sabia que o tratariam como pária, talvez pior do que na Índia.

E, finalmente, que nem sequer o veriam mais, pois os olhos deles só miram o que cobiçam.

Então, ninguém viu quando Hugo foi socorrer uma mulher ameaçada por um brutamontes. [E como poderiam vê-lo, se faziam questão de ignorar a briga, para que ninguém pudesse depois arrolá-los como testemunhas?!]

Não viram Hugo arriscar sua vida por uma desconhecida.

Não o viram ser esfaqueado várias vezes.

Não prestaram atenção na mulher que fugia apavorada, nem no assassino se afastando tranquilamente.

Ignoraram que Hugo esvaía-se em sangue, numa lenta agonia.

As câmaras de segurança de um edifício registraram a cena. Mas, trata-se de um dispositivo para resguardar os bens dos ricaços que moram no condomínio de luxo. Não serve para salvar seres humanos que estrebucham na calçada.

As imagens mostram umas 25 pessoas passando ao lado do moribundo e se desviando.

Houve, sim, uma que o tentou ajudar. Mas, ao perceber o sangue encharcando suas roupas puídas, afastou-se, para evitar complicações.

Assim se desperdiçou hora e meia. Assim a vida foi escorrendo de Hugo durante hora e meia.

Se alguém pensou em chamar a polícia, desistiu. A moeda ou o tempo gasto poderia fazer falta. Mendigos não fazem falta.

Finalmente, alguém ligou. Tarde demais.

Nova York não queria Hugo Alfredo Tale-Yax.

E também não o merecia.

Heróis são anacrônicos na cidade onde vegetam os zumbis do capitalismo.

1) Príncipe que deu refúgio aos nobres para aguardarem, em infindáveis orgias, o fim da peste que dizimava os aldeães, escorraçando-os quando lhe imploravam abrigo (em "A Máscara da Morte Rubra", de Edgar Allan Pöe).

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