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29.9.09

O COMPROMISSO DOS REVOLUCIONÁRIOS COM A CIVILIZAÇÃO

Ao surgirem, tanto o marxismo quanto o anarquismo prometiam conduzir a humanidade a um estágio superior de civilização.

A proposta de ambos era a de um melhor aproveitamento do potencial produtivo existente, direcionando-o para a promoção da felicidade coletiva, ao invés de desperdiçá-lo em desigualdade e parasitismo.

A hipótese anarquista nunca foi testada: não houve país em que cidadãos livres organizassem a economia e a sociedade sem a tutela do estado.

A hipótese marxista não foi testada da forma como seus enunciadores previam: em países cujas forças produtivas estivessem plenamente desenvolvidas.

Nas duas nações que realmente contam, a revolução teve de cumprir uma etapa anterior, qual seja a de acumulação primitiva do capital, já que se tratava de países ainda desprovidos da infra-estrutura básica para uma economia moderna.

Acabaram tendo de exigir esforços extremos dos trabalhadores; e, como eles não se dispunham livremente a isto, a URSS e a China, cedendo ao imperativo da sobrevivência, coagiram-nos a dar essa quota de sacrifício.

Ou seja, tornaram-se tiranias. Uma mais brutal e assassina, a stalinista. A outra mais messiânica e fanática, a maoísta.

Sobreviveram exatamente até cumprirem a função por elas assumida, de trazer países atrasados até o século XX. A partir daí, entretanto, passaram a emperrar as forças produtivas, ao invés de as deslanchar.

O socialismo real da União Soviética e satélites caiu de podre na década de 1980, com as nações voltando ao capitalismo.

O maoísmo tentou ainda resistir aos ventos de mudança com a revolução cultural, em vão. Depois de uma luta travada na cúpula, sobreveio o pior dos mundos possíveis, um amálgama de capitalismo de estado na economia e ditadura do partido único na política.

De 1989 para cá não surgiu uma proposta revolucionária alternativa, capaz de vingar nos países economicamente mais desenvolvidos - aqueles que, segundo Marx, traçam o caminho que depois é seguido por todos os outros.

Inexiste hoje uma estratégia que contemple a concretização simultânea das três bandeiras principais do marxismo e do anarquismo: a promoção da justiça social, o estabelecimento da liberdade plena e o incremento da civilização.

Unir essas três pontas soltas, na teoria e na prática, é nossa principal tarefa no século XXI.

FLERTANDO COM O APOCALÍPSE

Até lá, devemos esforçar-nos para, pelo menos, não nos tornarmos agentes da tirania e da barbárie.

O capitalismo globalizado é tão decadente, putrefato e destrutivo quanto a escravidão nos estertores do Império Romano. Já não oferece valor positivo nenhum à sociedade, só os negativos.

É mais um motivo para não nos comportarmos como a imagem invertida de nossos inimigos.

Se a indústria cultural deles se tornou totalmente parcial e tendenciosa, não é justificativa para substituirmos a reflexão pela propaganda em nossos meios de comunicação, endeusando líderes, exagerando acertos e minimizando/escondendo erros.

A imprensa burguesa se desacredita e desmoraliza a olhos vistos. Temos de ocupar esse espaço vazio, mostrando-nos capazes de cumprir melhor as três funções do jornalismo: informar, formar e opinar.

E não deixarmos que a função opinativa impregne tudo e determine o conteúdo das outras duas. Se eles nâo dispõem mais de credibilidade, só teremos a ganhar zelando religiosamente pela nossa.

E não é qualquer forma de luta que nos serve, como serve para eles.

Os EUA não hesitaram em fazer do povo japonês uma cobaia dos efeitos de petardos atômicos, detonando-os para, principalmente, servirem como efeito-demonstração: queriam intimidar Stalin. Para forçar a rendição japonesa, hoje está mais do que provado, os holocaustos de Hiroshima e Nagasaki não eram necessários.

Se houve uma verdadeira lição desses episódios terríveis, é a de que nunca mais as armas atômicas devem ser utilizadas, contra ninguém, absolutamente ninguém!

Então, por piores que sejam as atrocidades cometidas por Israel, ainda assim não há hipótese em que verdadeiros revolucionários possam defender projetos nucleares, mesmo estando direcionados contra o estado judeu.

Até porque, como será impossível evitar a retaliação, o que está em jogo é a destruição simultânea de dois países e seus povos, afora os efeitos devastadores sobre as nações vizinhas e seus povos.

Quanto ao equilíbrio do terror - a tese de que, se nações inimigas possuírem armas nucleares, nenhuma as ousará disparar -, foi exatamente a que quase levou à destruição da humanidade em 1962.

Pois, por nela acreditarem, os cientistas responsáveis pela bomba estadunidense vazaram o know-how para os soviéticos.

Como consequência, na crise dos mísseis cubanos estivemos a um passo de uma guerra atômica que, provavelmente, teria extinto a espécie humana. Fomos buscar a salvação na bacia das almas.

Nem meio século se passou e já admitimos flertar de novo com o apocalípse?!

Ao invés do equilíbrio do terror, a opção mais sensata é limitarmos o ingresso de nações instáveis no clube atômico.

Mesmo porque, quanto mais países dispuserem de armas nucleares, maiores as chances de que sejam utilizadas.

Pensadores como Norman O. Brown veem o capitalismo, em última análise, como um instrumento cego da destruição da humanidade. Isto se torna bem plausível se considerarmos, p. ex., as alterações climáticas e a devastação de recursos naturais essenciais à nossa sobrevivência.

Para nós, os empenhados na construção de um mundo melhor, o desafio é evitarmos que o enterro do capitalismo seja também o da espécie humana.

28.9.09

POLANSKI É VÍTIMA DO DESPEITO DOS LILIPUTIANOS

Continuo inconformado com a pequenez das autoridades estadunidenses e suíças, ao perseguirem o grande Roman Polanski por um caso que não era sólido e já se desmanchou no ar.

Ainda mais depois de ter sido informado, pelo ótimo Rui Martins, que a bizarra prisão foi autorizada pela ministra da Justiça suíça, por coincidência pertencente a um partido de extrema-direita; que o suposto crime, para a maioria dos juristas, já prescreveu; e que a suposta vítima, já quarentona, retirou há alguns anos as acusações lançadas por sua família contra Polanski.

Pior ainda é o que se lê neste parágrafo do artigo semanal do Rui no Direto da Redação, Polanski e a submissão suíça:
"...Roman Polanski tem um chalé em Gstaad há muitos anos e nunca foi incomodado. Sua prisão ocorre alguns dias depois da assinatura de uma convenção bilateral suíço-americana, na qual a Suíça para salvar seu banco UBS fraudulento decidiu, é o que deduz, se submeter a tudo, inclusive a fazer o papel mercenário da busca de pessoas procuradas por delitos mesmo prescritos nos EUA".
É tudo muito sórdido! Faz lembrar as perseguições macartistas, o despeito/rancor mal dissimulado contra os seres humanos mais idealistas e talentosos.

Penso na vida de Polanski, tão sofrida.

Ter passado a meninice fugindo e escondendo-se dos nazistas, enquanto a mãe morria num campo de concentração.

Haver sido privado, pelos psicopatas da Família Manson, não só da companheira com a qual formava um casal perfeito, Sharon Tate, como também da criança que ela gerava.

Sofrer campanhas difamatórias dos jecas e fanáticos religiosos em razão do seu O Bebê de Rosemary parecer celebrar o advento do reino de Satã (o que nunca foi sua intenção, nem a de Ira Levin, autor do livro que deu origem ao filme, A Semente do Diabo).

Ser obrigado a deixar para sempre os EUA, estigmatizado por uma acusação preconceituosa.

Daí minha admiração por ele ter sempre conseguido dar a volta por cima, assimilando e transcendendo os golpes do destino.

Sua resposta foi proporcionar a todos nós, generosamente, horas inesquecíveis de diversão e reflexão.

É um dos principais cineastas da melhor década do cinema mundial, a de 1960. Foi quando realizou os primorosos A Faca na Água, Repulsa ao Sexo e Armadilha do Destino, além do clássico de terror O Bebê de Rosemary e da comédia de terror A Dança dos Vampiros.

Continuou, como diretor, alternando filmes mais densos e/ou sombrios (MacBeth, Quê?, Chinatown, O Inquilino, Lua de Fel, A Morte e a Donzela, O Último Portal, O Pianista) com entretenimento de qualidade (Tess, Piratas, Oliver Twist).

Além de registrar desempenhos marcantes como ator, não só nos próprios filmes, como em Uma Simples Formalidade (de Giuseppe Tornatore, sua melhor atuação) e A Vingança (de Andrzej Wajda).

Que benefício à sociedade trará seu encarceramento? Por que infligir tal penar a um homem flagrantemente inofensivo, que, ademais, permanece produtivo e criativo aos 76 anos?

Tentando compreender o que leva esses liliputianos dos podres poderes a perseguirem de forma tão encarniçada os homens que lhes são imensamente superiores em tudo e por tudo, como Roman Polanski e Cesare Battisti, vêm-me à mente os versos de Geraldo Vandré em sua igualmente sofrida Canção da Despedida: "Um rei mal coroado/ Não queria/ O amor em seu reinado/ Pois sabia/ Não ia ser amado".

24.9.09

FRED VARGAS E CARLOS LUNGARZO REDUZEM RELATÓRIO DE PELUSO A PÓ

Quem defende a causa dos oprimidos é sempre alvo de falácias e injustiças

Uma luta pela liberdade é vitoriosa quando coloca os melhores seres humanos contra o que há de pior na sociedade. Pois, seja qual for o resultado imediato, ficará para a História e para os pósteros a certeza de que, de um lado estava a Justiça, do outro sua negação.

Sacco e Vanzetti foram condenados e executados. Hoje, ninguém mais duvida de que fossem dois bodes expiatórios imolados para servirem como exemplo a outros anarquistas, no arquirrepressivo EUA da década de 1920.

Dreyfus ficou de 1894 a 1906 sendo considerado um traidor, mas teve a felicidade de ser reabilitado em vida.

Igualmente já se sabe qual será o veredicto da História sobre o Caso Battisti, que de um lado mobilizou a direita mais execrável da Europa e do Brasil, secundada por comunistas italianos obcecados em esconder que seu partido acumpliciou-se com o inimigo na gestão do estado burguês e até na repressão da ultraesquerda durante os anos de chumbo; do outro, intelectuais libertários e cidadãos com espírito de justiça de dois continentes.

É alentador constatarmos como as manobras insidiosas dos serviçais da intolerância são reduzidas a pó pelos que têm a verdade ao seu lado.

Caso do patético relatório cometido pelo ministro Cezar Peluso para tentar tanger seus colegas do Supremo Tribunal Federal a uma infâmia comparável à mais negra página da história do STF: a decisão de entregar Olga Benário para os nazista.

Depois de assistir, perplexo, a esse verdadeiro exercício togado de militância direitista, dei pronta resposta no meu artigo do dia seguinte:
"O ministro Cezar Pelluzo produziu um relatório tão parcial e tendencioso que, fosse o STF um tribunal que se desse ao respeito, não poderia sequer ter sido aceito.

"Pois o que se espera de um relator é uma apreciação desapaixonada, que avalie com equilíbrio os argumentos de ambas as partes, não o alinhamento incondicional com uma parte (a Itália) contra a outra (Cesare Battisti e o governo brasileiro).

"Nas inacreditáveis e intermináveis três horas que o presidente do STF concedeu para sua arenga, Pelluzo recorreu a malabarismos jurídicos para propor a revogação, na prática, da Lei do Refúgio, que concede ao Governo a prerrogativa de conceder o dito cujo, como condutor das relações internacionais do País que é.

"Segundo ele, isto só teria validade se o ministro da Justiça Tarso Genro houvesse tomada uma decisão válida. Mas, servindo-se da argumentação italiana a que aderiu incondicionalmente, Pelluzo impugnou o ato de Genro. Daí, disse ele, o refúgio não seria aceitável, podendo ser concedida a extradição.

"Trata-se, é óbvio, de um mero subterfúgio para o STF, hoje com maioria direitista, usurpar uma prerrogativa do Executivo. O que tem a palavra final, pela Lei e pela jurisprudência, deixaria de a ter.

"(...) Totalmente kafkiano foi o entendimento do rolo compressor [direitista], de que os dois anos e meio de detenção de Battisti no Brasil não contam para fins de prescrição de sua pena italiana, cuja vigência, então, se estenderia até 2013.

"Filigranas jurídicas permitem dar aparência de legalidade a quaisquer absurdos, inclusive este. Mas, quando algo agride de tal forma nosso senso comum, é porque uma injustiça está sendo cometida."
Não sendo jurista nem profundo conhecedor dos processos italianos, confiei na minha percepção de revolucionário que viveu episódios semelhantes e de jornalista sempre empenhado em resgatar a verdade e disponibilizá-la para os leitores.

Foi com imensa satisfação que vi minha avaliação confirmada pelos que podem dar a última palavra sobre o assunto:
O relatório de Cézar Peluso tem, desde já, seu lugar assegurado na História: a lata de lixo. Como uma das peças mais indefensáveis que um ministro do STF perpetrou em todos os tempos.

22.9.09

INOCENTES ÚTEIS AJUDAM A DIREITA A SATANIZAR TOFFOLI

Que a direita e seus porta-vozes tudo façam para impedir a aprovação de José Antonio Dias Toffoli como novo ministro do Supremo Tribunal Federal é compreensível.

Afinal, existe a possibilidade de que ele dê o voto decisivo para a confirmação do refúgio concedido pelo Governo brasileiro ao escritor italiano Cesare Battisti, frustrando a cruzada rancorosa que se tornou verdadeira obsessão para reacionários de dois continentes. Foi Gilmar Mendes o primeiro a alertar sobre esse perigo, açulando a mídia conservadora contra Toffoli.

Inaceitável é que defensores dos direitos humanos entrem como inocentes úteis na campanha da grande imprensa para satanizar Toffoli, conforme se constata na Folha de S. Paulo de hoje :
"'Depois da defesa que Toffoli fez de Ustra, notório torturador e assassino, só posso lamentar a indicação', disse Suzana Lisboa, da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos.

"'A indicação é incoerente com a política de direitos humanos do governo', afirmou a secretária municipal de Direitos Humanos de Recife, Maria do Amparo Araújo.

"O Grupo Tortura Nunca Mais-RJ, diferentemente da AGU, não considera que a Lei da Anistia proteja torturadores. 'A indicação de Toffoli é lamentável', disse a presidente da entidade, Cecília Coimbra.

"Dirigente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos-RS, Jair Krischke apontou como 'grave' a escolha de Lula, que será submetida ao Senado".
A DECISÃO FOI DO GOVERNO E NÃO DA AGU

É de uma ingenuidade atroz atribuírem à Advocacia Geral da União a responsabilidade por uma decisão que foi tomada por Lula e pela maioria de seus ministros, como esclareci várias vezes desde que a punição dos torturadores foi trazida ao debate político com o lançamento do livro Direito à Memória e à Verdade, em agosto/2007.

Eis, p. ex., como avaliei um dos pareceres da AGU no sentido de que a Lei da Anistia impede o julgamento dos torturadores, em outubro/2008:
"Se ainda havia alguma dúvida quanto à posição do Governo Lula diante da ditadura de 1964/85 e as atrocidades por ela cometidas, está dirimida: coloca-se mesmo ao lado dos totalitários.

"A União tinha três caminhos a escolher: entrar no processo ao lado dos procuradores [que moveram uma ação para obrigar os ex-comandantes do DOI-Codi/SP a ressarcirem os cofres públicos pelo que foi gasto com indenizações às vítimas deste centro de torturas], permanecer neutra ou tomar a defesa dos carrascos. Fez uma escolha inconcebível e inaceitável, até porque contradiz frontalmente toda a legislação internacional subscrita pelo Brasil e as recomendações da ONU. O Governo Lula nos tornou párias da civilização.

"Esta evolução dos acontecimentos, entretanto, está longe de ser inesperada, vindo ao encontro do que escrevi quando Genro e Vannuchi promoveram uma audiência pública para discutir a punição dos torturadores, no final de julho [2008].

"Lula, por meio de Jobim, desautorizou qualquer iniciativa do Executivo no sentido da revogação da Lei da Anistia.

"E as tentativas de contornar-se a Lei da Anistia, doravante, terão como adversária a União, que oficializou sua posição de endosso à impunidade dos carrascos."
No mesmo sentido, o sempre bem informado Kennedy Alencar assim explicou como as coisas se passaram nos bastidores do poder:
"A entrada de Nelson Jobim no Ministério da Defesa teve (...) o demérito de levar para o centro do poder uma figura que tem sido muito conservadora, exercendo uma influência nesse sentido sobre Lula e colegas de ministério.

"Jobim é da turma dos que acham que questionar se a Lei de Anistia (1979) perdoou crimes de tortura geraria uma crise militar. (...) No fundo, é uma reação corporativa e conservadora. Pena que essa visão tenha sido aceita na cúpula do governo por ministros que participaram da luta armada e que foram perseguidos pela ditadura.

"Lula assumiu uma posição vexatória, algo acovardada. A AGU acha que a Lei de Anistia perdoou os crimes de tortura. O presidente poderia mudar essa opinião - um parecer jurídico, mas também político. No entanto, o presidente preferiu fingir que não é com ele, deixando a decisão para o STF.

"O fato de a decisão caber à Justiça não significa que Lula não possa ter opinião. Seu governo, representado pela AGU, poderia e deveria defender uma posição mais progressista".
O certo é que a AGU emitiu pareceres no sentido de que a anistia de 1979 impede o julgamento dos torturadores, mas só o fez depois de a posição de Jobim ter prevalecido sobre a de Tarso Genro/Paulo Vannucci na disputa travada no seio do Ministério e de Lula haver se colocado inequivocamente ao lado da corrente majoritária.

Aliás, foi como ele agiu desde o primeiro instante. No momento mesmo do lançamento do Direito à Memória e à Verdade, o Alto Comando do Exército tomou as dores dos torturadores lançando, em 31/08/2007, uma nota oficial intimidatória que governo nenhum deveria aceitar, pois, como eu destaquei na época, colocou os fardados "acima dos três Poderes da Nação", configurando insubmissão e quebra de hierarquia . Lula, no entanto, não só engoliu o sapo, como ordenou a seus ministros que também deglutissem o batráquio.

Fica difícil sabermos quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha. Mas, é indiscutível que a AGU expressa fielmente a posição oficial do Governo, daí a incongruência em responsabilizar-se Toffoli no lugar daqueles que detêm o poder: Lula, Jobim e demais ministros reacionários.

ESQUERDA CONFUSA x DIREITA UNIDA

Enquanto a esquerda dispersa o foco e não dá a devida importância à principal batalha aqui atualmente travada entre libertários e autoritários, cujo desfecho poderá desencadear em acentuado retrocesso na defesa dos direitos humanos em escala nacional e internacional, a direita cerra fileiras ao lado de Berlusconi e Gilmar Mendes.

Conforme denunciei, a simultaneidade da publicação da notícia sobre os processos em curso no Amapá contra o escritório de advocacia de Toffoli se deveu a uma ação orquestrada envolvendo os principais jornais e revistas brasileiros.

A Veja, house organ da pior direita brasileira, faz militância ostensiva em favor da rejeição de Toffoli, seja por meio do blogueiro Reinaldo Azevedo, seja na edição escrita:
"De todos os ministros indicados por Lula para o Supremo, Toffoli é o que tem mais proximidade política e ideológica com o presidente e o partido. Sua carreira confunde-se com a trajetória de militante petista – essa simbiose é, ao fundo e ao cabo, a única justificativa para encaminhá-lo ao Supremo. (...) Toffoli pode vir a ser o terceiro ministro mais jovem da história do STF. Dependendo do que os senadores considerem como reputação ilibada, pode, também, ser o primeiro a viver o constrangimento de ter sua indicação rejeitada".
Da mesma forma, textos contrários à confirmação de Toffoli (e nenhum a favor) pipocam nos sites de extrema-direita como o Ternuma, A Verdade Sufocada, Mídia Sem Máscara e Resistência Democrática. Até uma petição on line para pressionar os senadores é encontrada nas tribunas das viúvas da ditadura.

Então, os libertários perspicazes põem a barba de molho. Caso do ex-ministro dos Direitos Humanos Nilmário Miranda, para quem "foi uma boa indicação"; e do atual, Paulo Vannuchi, ao afirmar que não divergirá da escolha do presidente.

Quanto aos desatentos, minha esperança é de que afinal lhes caia a ficha, talvez até lendo e ponderando sobre este artigo.

20.9.09

DENÚNCIA CONTRA TÓFFOLI FOI AÇÃO CONCERTADA

A notícia de que o escritório de advocacia de José Antonio Dias Tóffoli já tinha sido condenado por irregularidades na prestação de serviços legais ao governo do Amapá foi publicada simultaneamente por jornalões como a Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo, e grandes revistas como a Veja e a Época.

Como jornalista veterano que sou, com longa atuação tanto nas redações como em assessoria de imprensa, não tenho dúvidas quanto ao que ocorreu: uma mão misteriosa fez chegar tal informação aos principais veículos da imprensa brasileira, mas impôs um embargo de publicação até sábado (19/09).

É uma prática muito adotada nos casos em que um assessor de imprensa tem uma informação quente para passar, mas quer extrair dela o máximo proveito. Embarga-a até uma data estratégica, quando todos os veículos a divulgam simultaneamente, para que nenhum deles seja furado pelo outro.

E por que sábado? Simples: porque é o dia em que vão para as bancas as revistas de maior circulação.

Então, o municiador oculto exigiu que os jornais esperassem tal dia para soltar suas matérias. E as revistas deram espaço mais generoso para esta notícia do que dariam se a estivessem soltando a reboque dos jornais.

Como se nota, principalmente, na Veja, a matéria foi trabalhada com muito empenho. Leva alguns dias para se produzir algo assim.

Então, é de supor-se que a plantação desta notícia desfavorável a Tóffoli ocorreu bem antes da 5ª feira (17/09), quando o presidente Lula assinou sua mensagem indicando-o para o STF.

Digamos, na 2ª feira (14/09), quando Tóffoli já era tido como o preferido do Planalto, foram feitos os contatos.

Os veículos receberam a informação, com um bom prazo para produzirem suas respectivas matérias, que deveriam ser todas publicadas no sábado, caso Lula formalizasse a indicação de Tóffoli até lá. E o acordo, como se pode constatar, foi respeitado por todas as partes.

Tendo sido Gilmar Mendes quem lançou a palavra de ordem "Toffóli não deve votar no julgamento de Battisti!", isto pode indicar que ele haja participado da tramóia e agora esteja tentando despistar, ao, aparentemente, defender o indicado por Lula.

Ou, apenas, viu aí uma boa oportunidade para alvejar o PT, acusando-o de ter, quando ainda estava na oposição, introduzido a prática de manchar a biografia dos adversários políticos escolhidos para o Supremo.

O certo é que houve uma ação concertada contra o Governo Lula, à qual a mídia deu prestimosa colaboração.

E quem foram os responsáveis pela armação?

Podem ter sido os partidos que querem desalojar o PT do Planalto.

Ou os reacionários mancomunados contra Battisti.

Ou ainda, o que é mais provável, uma ação entre amigos -- até porque esses dois conjuntos se confundem e complementam.

14.9.09

LINKS PARA 11 TEXTOS FUNDAMENTAIS SOBRE O CASO BATTISTI

De todos os lados nos chegam artigos denunciando a teia de falsidades que foi tecida para justificar a extradição de Cesare Battisti.

Então, vale a pena apresentar alguns deles, pedindo aos cidadãos com espírito de justiça e amor pela liberdade que os divulguem por todos os meios, numa corrente solidária para inviabilizarmos uma aberração jurídica de consequências imprevisíveis, já que atingiria em cheio a separação de Poderes no Brasil e a própria soberania nacional.

Caso Battisti: a falácia do "ergástolo virtual", do renomado jornalista italiano Tito Papo, mostra as artimanhas com que as autoridades italianas tentam iludir o Judiciário brasileiro, inclusive fazendo crer que a prisão perpétua seria automaticamente atenuada na Itália, embora não haja garantia nenhuma de que isto ocorrerá. Eis um trecho emblemático, em que fica totalmente evidenciada a farsa que nos está sendo impingida:
"O Ministro de Justiça Clemente Mastella [ministro dos governos de Berlusconi e Prodi, e membro de um pequeno partido de centro] já tinha utilizado este argumento em 2007. Confrontado pela reação enfurecida de alguns familiares das vítimas [da época dos anos de chumbo], Mastella recuou e disse que essas afirmações sobre o ergástolo eram apenas um truque para obter a extradição. Era um modo de ferrar os brasileiros lhes fazendo acreditar em coisas falsas".
* * *

Da mesma forma, a jornalista italiana Valentina Perniciaro, sempre engajada às causas justas, resgata episódios anteriores e afirma que Governo italiano só obtém extradições mediante fraudes. É chocante seu relato sobre como foi armada uma operação triangular, com a França expulsando para a Espanha três ultras requeridos pela Justiça italiana, para serem trocados por um militante basco acusado de pertencer à ETA.

* * *

Para se ter uma idéia de qual a realidade enfrentada por italianos que cumprem pena máxima, vale a pena lermos a mensagem por alguns deles enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, parabenizando-o pelo refúgio concedido a Cesare Battisti: Carta aberta ao presidente Lula de alguns condenados à prisão perpétua em luta pela vida. Eles mantêm uma digna e sofrida luta contra o chamado ergástolo, assim justificada:
"...em nosso país a Constituição prevé que a pena não deva ser contrária ao sentido de humanidade e deva tender à reeducação do condenado. Para muitos de nós, isto quer dizer que o ergástolo, filho jurídico da pena de morte, é incompatível com nossos princípios constitucionais".
* * *

Carlos Lungarzo, membro da Anistia Internacional dos EUA que produziu um relatório memorável sobre o Caso Battisti, antecipadamente pulverizando os argumentos tendenciosos ao extremo que o relator Cézar Peluso exporia no julgamento do STF, traz nova contribuição à compreensão desse festival de iniquidades a que assistimos estarrecidos: Decisão judicial ou indulto?. Eis um trecho antológico:
"O alto corpo [do STF] é chefiado por alguém que já foi publicamente acusado por colegas de chefiar capangas. Mendes já foi alvo de muitas denúncias (de arbitrariedade, de acobertamento de crimes financeiros, de vender serviços à própria justiça, de estimular a violência contra movimentos sociais, de incubar golpe institucional contra o governo) e foi o segundo caso no país de uma proposta de impeachment. Mais esperto que Collor, soube formar um escudo que o defendeu na hora certa. Defendido apenas pela direita e a grande mídia (que o qualifica de 'polêmico', um adjetivo inadequado para sua personalidade), sua presença num tribunal qualquer seria um sinal de alarma em qualquer país".
* * *

Vibrante jornalista brasileiro radicado na Suíça, com atuação incansável na defesa dos direitos humanos nos dois continentes, Rui Martins relembra a infamia em que o Brasil poderá novamente incorrer: O STF e Olga Benário. Recapitulando como o Supremo mandou extraditar Olga e Getúlio Vargas não lhe concedeu clemência, dois Poderes acumpliciando-se para enviá-la à morte nas masmorras nazistas, Rui desabafa:
"Chegamos na encruzilhada, temida mas que parecia impossível de tão absurda, porque além de driblar a lei é também um ato de submissão a um governo estrangeiro, ressurreição e cópia conforme de um momento de trevas na história recente da humanidade."
* * *

Lenda viva do jornalismo brasileiro, o veteraníssimo Hélio Fernandes continua confrontando de peito aberto as ignomínias da direita: Malabarismo pirotécnico do Supremo. Julgou abusivamente o presidente da República, acreditando que negava extradição ao italiano Battisti. Este ficou 12 anos na França, ninguém o incomodou. Ficará para sempre no Brasil . Ele afirma que, qualquer que seja a decisão do STF, Lula não será obrigado a cumpri-la, por seis motivos:
  1. O Supremo não poderia julgar o Presidente da República.
  2. O presidente já decidira conceder o asilo.
  3. Nessa questão, regida por Tratados internacionais, a COMPETÊNCIA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA É SOBERANA E INCONTESTÁVEL.
  4. Um governo internacional (no caso a Itália) não pode invadir a competência de outro país.
  5. A própria Itália reconheceu o fato, deixando Battisti 12 anos na França, sem pedir sua extradição.
  6. A Itália de Berlusconi (sem qualquer moral ou competência) contestou a decisão, visivelmente considerando o Brasil mais vulnerável e mais sujeito a pressões.
E enfatiza: "Se não houver a imposição ou adoção do bom senso, o Presidente da República (no caso Lula, mas fosse quem fosse) não poderia DIMINUIR SEUS PODERES E CONCEDER A EXTRADIÇÃO QUE JÁ NEGOU".

* * *

O sempre lúcido blogueiro Dedé Montalvão é taxativo: Crise institucional sim. E acusa:
"Não fosse o caráter golpista do julgamento do pedido de extradição formulado pelo Governo Italiano, a tutela pretendida seria indeferida de plano, em razão de cláusula pétrea do art. 5º, LII, da CF, que traz consigo: 'não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião'.”
* * *

O também veterano jornalista Laerte Braga, um dos mais ilustres articulistas de esquerda na internet, reage com ironia corrosiva ao que acertadamente qualificou de A festa italiana de Berlusconi na casa da Mãe Joana - o Brasil. Eis uma boa amostra do seu estilo contundente:
"O voto do ministro italiano César Peluzo foi um primor de um exercício de contorcionismo e pusilanimidade. Deve ter estado no gabinete de Gilmar Mendes, presidente da outrora chamada Suprema Corte, naturalmente pela porta dos fundos e visto os fundos necessários para cair de quatro e proclamar 'Ave Berlusconi'".
* * *

O conselheiro da OAB/RJ Sérgio Batalha Mendes reitera o que já havia percebido os cidadãos brasileiros dotados de espírito crítico, no artigo Julgamento de Battisti: "STF usurpa poderes do Presidente da República"). E lança uma séria advertência:
"Qual será o próximo passo? O STF irá decidir sobre a compra dos caças franceses ou sobre o modelo de partilha no pré-sal? Não há limite para o golpismo de uma parte de nossa elite e temos de reagir vigorosamente, exigindo o respeito pelo STF de suas competências constitucionais. O povo brasileiro não elegeu nenhum Ministro do STF para governar o país, muito menos para usurpar os poderes legitimamente conquistados nas urnas pelo Presidente Lula".
* * *

Por último, lembro que analisei o simulacro de julgamento da quarta-feira negra em Rolo compressor do STF infringe separação de Poderes ) e exortei o Governo a lutar até o fim, por todos os meios legais, contra uma eventual sentença entreguista (o termo cai como uma luva...) em Conivência com a extradição deixaria o Governo Lula sob fortes suspeitas.

Peço desde já desculpas pelos textos que possa ter omitido. Fiz o melhor que pude.

11.9.09

CONIVÊNCIA COM A EXTRADIÇÃO DEIXARIA GOVERNO LULA SOB FORTES SUSPEITAS

Estaremos vendo um jogo de cartas marcadas?

O ministro da Justiça Tarso Genro, embora critique incisivamente o relatório do ministro Cezar Pelluzo que está respaldando a tentativa do Supremo Tribunal Federal de usurpar a prerrogativa do Governo Federal de decidir a concessão ou não de refúgio humanitário, admitiu o acatamento pelo Executivo da aberração que está sendo engendrada pela direita togada:
"Seja qual for a decisão vai ser respeitada, mas é necessário dizer que abre um precedente extremamente grave no balanço, na relação equilibrada entre os Poderes da República".
Não, Sr. Ministro, essa decisão não pode ser respeitada sem que o Executivo esgote até o último cartucho legal para preservar o equilíbrio entre os Poderes.

Entre outros motivos, porque o cidadão comum ficará com a impressão de ter havido uma mera encenação, uma vez que o jornal O Estado de S. Paulo atribuiu ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na edição de 20/03/2009, a intenção de omitir-se desde que o Supremo arcasse sozinho com o opróbrio de uma decisão tão vil:
"O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez chegar um recado a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF): se ficar em suas mãos a decisão final sobre o caso do ex-ativista político Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua pela Justiça italiana, ele não o mandará de volta à Itália. Isso ocorrerá se o STF apenas autorizar a extradição de Battisti. Mas junto com o recado, encaminhado por emissários presidenciais, Lula deu a senha para evitar o confronto com o STF. Deixou claro que ficará de mãos atadas se o tribunal mudar sua jurisprudência e tornar obrigatório o cumprimento das decisões do Supremo nos processos de extradição. Hoje, o STF apenas autoriza a extradição, cabendo ao presidente da República viabilizá-la."
Quatro dias depois o presidente do STF foi sabatinado pela Folha de S. Paulo. E, indagado sobre a suposta vontade de Lula, no sentido de que o Supremo descascasse o abacaxi em seu lugar, Mendes levantou, pela primeira vez, a tese casuística que foi incorporada ao relatório do ministro Cezar Pelluzo:
"Se houver a extradição, se ela se confirmar, será compulsória, e o presidente, o Executivo, deverá simplesmente executá-la."
Então, a mínima vacilação do Governo Lula na defesa de suas prerrogativas, face à tentativa de invasão do STF, deixará a impressão de uma tabelinha entre Poderes, um jogo de cartas marcadas, sacrificando um perseguido político às razões de Estado.

E há outro forte motivo para o Governo adotar o caminho mais digno, ao invés do menos oneroso do ponto de vista de interesses comerciais e políticos: o de que foi o próprio Governo, por intermédio do próprio Tarso Genro, quem colocou o perseguido político Cesare Battisti à mercê dos algozes.

Quando ainda acreditava que sua decisão prevaleceria sem maiores problemas, S. Exa.. singelamente, fez uma espantosa revelação à Folha de S. Paulo, em 17/01/2009:
"Sobre ter contrariado a posição do Itamaraty e de seu ministério no Conare, onde a tese da extradição prevaleceu por 3 votos a 2, Tarso contou ter recomendado a um assessor, o secretário executivo Luiz Paulo Barreto, que votasse contra o refúgio em caso de empate.

"'O conselho tem uma função meramente consultiva. [Disse a Barreto] para decidir na direção de não conceder [o refúgio], porque não quero que pensem que eu não tenho coragem política e decência moral para decidir um assunto conflituoso como esse', declarou".
Ora, nem é papel do ministro encomendar votos no Conare, nem o secretário-geral deveria ter acatado ordem tão descabida.

Poder-se-ia pensar até em má interpretação ou transcrição imperfeita do repórter, se S. Exa. não tivesse contado a mesmíssima história quando se discutiu o Caso Battisti na Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, em maio último.

Sua demonstração "de coragem política e decência moral" desencadeou uma avalanche de pressões italianas sobre o governo brasileiro e o STF. Um argumento de muito peso propagandístico tem sido, exatamente, o de que S. Exa. teria decidido na contramão do Conare.

Isto foi alegado, p. ex., no relatório de Pelluzo. E como o STF está em vias de decidir que a decisão de S. Exa. é nula, conclui-se que tal jogada disparatada é a razão maior da ameaça ora enfrentada por Battisti: se tivesse deixado o Conare tomar a decisão correta, não daria brecha para a enxurrada de contestações que agora ameaça a liberdade de Battisti e a credibilidade do governo.

Então, havendo causado prejuízo tão grave para a causa do escritor italiano, S. Exa. tem agora a obrigação de demonstrar "coragem política e decência moral" na luta contra a escalada reacionária do STF. Não transigir com ela e ficar resmungando de longe, mas sim buscar caminhos legais para obstar essa flagrante deturpação da Justiça.

E esse compromisso é de todo o Governo Lula, que não pode assistir indiferente à imposição de uma tutela espúria sobre suas decisões legítimas.

Nós, os cidadãos, não concordamos com uma rendição sem luta. Tudo que puder ser feito dentro da Lei, deverá ser tentado.

Até preceitos constitucionais estarão sendo infringidos, se prevalecerem os casuísmos propostos pelo rolo compressor direitista do STF. E o Executivo tem a obrigação de zelar não só pela integridade dos poderes que o povo lhe outorgou, como também pela própria obediência à Constituição.

Se é o próprio STF quem ameaça a Constituição, cabe ao Executivo assumir sua defesa, por todos os caminhos legais existentes. A iniciativa de criar um conflito entre Poderes não está partindo do Governo. Mas, já que a situação lhe foi imposta, não pode debandar como coelho assustado.

Mesmo porque o pomo da discórdia é tão insustentável juridicamente que se pode pensar num mero blefe da maioria reacionária do STF, pronta para recuar se o Governo pagar para ver.

O certo é que a eventual atitude submissa do Executivo seria apenas uma repetição envergonhada da infame decisão de Getúlio Vargas, que entregou Olga Benário para a morte nos cárceres nazistas.

Vargas, pelo menos, teve a "coragem política" de assumir seu ato, por mais desprezível que fosse.

Se o Governo Lula alegar impotência, não fazendo tudo que estiver ao seu alcance para evitar um desfecho inaceitável, vai acrescentar a hipocrisia à infâmia.

Prefiro acreditar que Gilmar Mendes apenas acreditou num rumor e reagiu afoitamente a ele.

Que o ministro Tarso Genro tenha tão-somente repetido o que fala em outras ocasiões mas é absolutamente inadequado nesta.

E que o Governo Lula se manterá um fiel guardião não só da separação de Poderes, como da soberania nacional, pois é para isto que sindicalistas, católicos progressistas e defensores da justiça social constituíram o Partido dos Trabalhadores.

10.9.09

ROLO COMPRESSOR DO STF INFRINGE SEPARAÇÃO DE PODERES

Ride pagliacci! Nós riremos por último.

O refúgio concedido pelo governo brasileiro ao escritor e perseguido político Cesare Battisti será anulado pelo Supremo Tribunal Federal, invadindo a esfera de competência do Executivo para promover os interesses italianos, se não houver uma reação à altura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em defesa da soberania nacional e da separação de Poderes.

Este é o saldo de uma das jornadas mais desastrosas da história do STF, que o destino quis fosse realizada neste 9 de setembro, logo após a comemoração de mais um aniversário da Independência do Brasil.

Alheia à dignidade nacional, a direita encastelada no STF parecia repetir a palavra de ordem dos reacionários na imortal peça Arena Conta Zumbi: “Unamo-nos todos a serviço do rei de fora contra o inimigo de dentro!”.

O ministro Cezar Pelluzo produziu um relatório tão parcial e tendencioso que, fosse o STF um tribunal que se desse ao respeito, não poderia sequer ter sido aceito.

Pois o que se espera de um relator é uma apreciação desapaixonada, que avalie com equilíbrio os argumentos de ambas as partes, não o alinhamento incondicional com uma parte (a Itália) contra a outra (Cesare Battisti e o governo brasileiro).

Nas inacreditáveis e intermináveis três horas que o presidente do STF concedeu para sua arenga, Pelluzo recorreu a malabarismos jurídicos para propor a revogação, na prática, da Lei do Refúgio, que concede ao Governo a prerrogativa de conceder o dito cujo, como condutor das relações internacionais do País que é.

Segundo ele, isto só teria validade se o ministro da Justiça Tarso Genro houvesse tomada uma decisão válida. Mas, servindo-se da argumentação italiana a que aderiu incondicionalmente, Pelluzo impugnou o ato de Genro. Daí, disse ele, o refúgio não seria aceitável, podendo ser concedida a extradição.

Trata-se, é óbvio, de um mero subterfúgio para o STF, hoje com maioria direitista, usurpar uma prerrogativa do Executivo. O que tem a palavra final, pela Lei e pela jurisprudência, deixaria de a ter.

Algo que não importava quando se tratava de garantir direito de residência no Brasil a ditadores e carrascos que massacraram seus povos, passa a ter outro enfoque quando está em jogo o destino de um homem pacato e inofensivo, condenado em julgamentos farsescos por crimes cometidos há mais de 30 anos.

Por que? Porque Battisti cometeu dois pecados capitais: lutou contra o jugo do capital e, depois da militância, tornou-se um escritor que denuncia as arbitrariedades cometidas pela Itália durante os anos de chumbo. Daí o empenho de Silvio Berlusconi em exibir sua cabeça como o último troféu da guerra fria.

E, para o Partido Comunista Italiano e seus seguidores de lá e de cá, trata-se apenas de uma queima de arquivo: Battisti é a testemunha viva e eloqüente de que o PCI voltou as costas à revolução e aos revolucionários, acumpliciando-se à democracia cristã, às lojas maçônicas, à Máfia e aos remanescentes do fascismo, não só no exercício do poder, como também na condução das atividades repressivas contra a ultra-esquerda, tanto no âmbito policial quanto no judicial.

Battisti tem de ser silenciado. Pois, enquanto ele continuar falando, não será esquecido o papel infame que o PCI desempenhou nos anos de chumbo.

Daí a bizarra participação de Giorgio Napolitano na cruzada rancorosa de Berlusconi. Quando se começa a fazer pactos com os inimigos históricos, não há mais limites. As concessões exigidas são cada dia mais aberrantes e vexatórias. O diabo cobra caro de quem lhe vende a alma.

PRISÃO ILEGAL E FALÁCIAS JURÍDICAS

Voltando aos horrores da sessão do STF, aqui e ali aflorou o inconformismo dos justos contra o rolo compressor da direita.

O ministro Marco Aurélio Mello chegou a ironizar a desenvoltura com que atuava o advogado representante dos interesses italianos, sob as bênçãos de Gilmar Mendes. Dava apartes quando queria, pelo tempo que queria. Falava mais do que alguns ministros.

O ministro Joaquim Barbosa -- que compareceu combalido, lutou como um leão e teve de se retirar para cuidar da saúde tão logo proferiu seu voto -- fez questão de afirmar que Battisti está preso ilegalmente desde que o governo brasileiro lhe concedeu refúgio. [Ele é mesmo um prisioneiro político do STF, como alguns já assinaláramos.]

Mais: denunciou as gestões abusivas do embaixador italiano junto aos ministros do STF. O acesso livre e franco, ao gabinete do relator, de representantes de um governo estrangeiro (que, também lá foi dito, nem sequer poderia ser admitido como parte num processo brasileiro) é um dos muitos descalabros que vêm marcando esse processo.

Barbosa determinou à sua equipe que agendasse a reunião, sim, mas com a presença do advogado de Battisti. É o que outros ministros do Supremo e seu presidente deveriam também ter feito. Mas...

Foi também Marco Aurélio quem lembrou um princípio legal convenientemente esquecido pelo relator: o de que a Justiça brasileira faz ressalvas a depoimentos incriminatórios de co-réus, quando estes podem estar atribuindo suas culpas aos outros.

O processo italiano que condenou Battisti à prisão perpétua, já constataram eminentes juristas como Dalmo de Abreu Dallari, não se sustentaria sem os depoimentos interesseiros dos co-réus que buscavam favores da Justiça, mediante a delação premiada. Isto não foi levado em conta por Pelluzo e pelo rolo compressor da direita.

Pior ainda foram os contorcionismos para tentarem apresentar como comuns os delitos pelos quais Battisti foi condenado mediante o enquadramento em lei criada para combater a subversão contra o Estado.

Marco Aurélio, inclusive, lembrou o singelo detalhe de que a condenação de Battisti foi emitida pelo conjunto dos crimes que lhe atribuíam, os quatro homicídios nunca verdadeiramente provados e outros delitos eminentemente políticos.

Ora, se os crimes fossem considerados comuns, teriam sido julgados à parte, não num pacote único. Também isto, claro, foi convenientemente ignorado pelo rolo compressor direitista.

Fica, portanto, mais do que evidenciada a tramóia para maquilar uma sentença política de forma a torná-la compatível com nossa Lei do Refúgio, que impede a extradição de cidadãos condenados por motivos políticos.

Totalmente kafkiano foi o entendimento do rolo compressor, de que os dois anos e meio de detenção de Battisti no Brasil não contam para fins de prescrição de sua pena italiana, cuja vigência, então, se estenderia até 2013.

Filigranas jurídicas permitem dar aparência de legalidade a quaisquer absurdos, inclusive este. Mas, quando algo agride de tal forma nosso senso comum, é porque uma injustiça está sendo cometida.

Togas só são respeitadas se e quando se fazem respeitar. Caso contrário, serão vistas como capas de vampiros.

O pedido de vistas do ministro Marco Aurélio apenas impediu que, após o STF ter decidido por 5x4 invadir a competência do Executivo julgando um caso já decidido pelo governo, consumasse também por 5x4 o ato final de subserviência à Itália, ordenando a extradição de Battisti.

E é isto mesmo o que o STF pretende fazer, ordenar. Pois o rolo compressor defende a posição de que, por força de tratado de extradição existente entre o Brasil e a Itália, o presidente Lula não poderia sequer atender a um eventual pedido de clemência de Battisti.

Já o procurador-geral da República Roberto Gurgel entende ser do presidente da República a palavra final sobre a extradição de alguém.

Enfim, depois da quarta-feira negra, não se pode esperar a aceitação da tese do advogado Luís Roberto Barroso, que pede a consideração do caso como uma matéria criminal, a exemplo de um habeas corpus, em que o presidente do tribunal não vota e o empate de votos beneficia o réu.

Mesmo que correta, o rolo compressor a rechaçará.

Então, o fiel da balança da Justiça agora é o presidente Lula: se não posicionar-se firmemente contra a usurpação de atribuições do Executivo por parte do STF, entregará um homem inocente a seus algozes e vai ensejar outras iniciativas ainda mais ousadas do rolo compressor.

Todos sabemos que Gilmar Mendes tem um objetivo maior em vista, ao insistir tanto para que o Supremo avoque a decisão sobre quais crimes são políticos e quais são comuns: impingir-nos goela adentro a falácia da extrema-direita brasileira, que tenta descaracterizar o exercício do direito de resistência à tirania por parte de quem pegou em armas contra a ditadura de 1964/85.

Cada trincheira abandonada fortalece o inimigo e nos obriga a travar a batalha seguinte em piores condições. É hora de dizermos, como La Pasionária: "Não passarão!".

Repito: os fascistas não passarão!

3.9.09

CARTA AOS BRASILEIROS

Nesta 4ª feira, em plena Semana da Pátria, o Supremo Tribunal Federal apreciará a decisão do governo brasileiro que concedeu refúgio humanitário ao escritor e perseguido político italiano Cesare Battisti.

A coincidência talvez não seja fortuita. Homens de fé podem ver nela a expressão de um desígnio superior a nos apontar o caminho, quando o que está em jogo não é apenas o destino de um homem, mas a imagem que temos de nós mesmos como povo e como nação.

Construímos uma identidade nacional ao libertarmo-nos do jugo colonial e também ao optarmos por receber com braços abertos os imigrantes que buscassem abrigo entre nós, para contribuir na construção de um país livre, soberano e justo.

Foi assim que nos vimos e foi assim que nos apresentamos às demais nações:
  • como um povo cordial e solidário, que a todos oferece uma oportunidade para aqui trabalharem, prosperarem e serem felizes; e
  • como um país generoso e acolhedor, que se recusou a reproduzir a intolerância, o fanatismo e a mesquinhez do Velho Mundo, tanto quanto recusou os laços de subjugação política.
Esta nobre tradição tem expressão fiel em nossa Lei do Refúgio, de 1997, que orgulhosamente afirma: seus preceitos devem ser interpretados "em harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, com a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, com o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967 e com todo dispositivo pertinente de instrumento internacional de proteção de direitos humanos com o qual o Governo brasileiro estiver comprometido".

Foi obedecendo à letra e ao espírito da Lei do Refúgio que o ministro da Justiça Tarso Genro, como última instância, outorgou a Cesare Battisti o direito de viver em liberdade e dar sequência à sua carreira literária no Brasil.

É o que explica, de forma cristalina, o maior de nossos juristas, Dalmo de Abreu Dallari:
"De acordo com essa lei, cabe ao ministro da Justiça a decisão final sobre a concessão do refúgio, estando expresso no artigo 33 que 'o reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão do refúgio', decisão da qual, segundo a lei, não cabe recurso.

"Assim, pois, no desempenho de suas atribuições legais o ministro da Justiça proferiu uma decisão, criando uma situação jurídica nova, o que não ocorreria com um simples parecer. Lamentavelmente, a imprensa fez confusão e tratou a decisão definitiva do caso como se fosse apenas um parecer do ministro, contribuindo para criar a ilusão de que o caso ainda não foi decidido e que o Supremo Tribunal Federal poderá julgá-lo concedendo a extradição".
Ou seja, há uma lei e ela foi obedecida; há uma jurisprudência firmada em episódios anteriores, quando o STF arquivou os pedidos de extradição a partir da decisão do ministro da Justiça; e o Supremo chegou até mesmo a discutir em 2007 se era ou não constitucional o citado artigo 33 da Lei do Refúgio, concluindo pela afirmativa.

No entanto, inconformada com a decisão legítima e soberana do governo brasileiro, a Itália de Berlusconi move céus e terras para impingir sua pretensão.

Além das inaceitáveis manifestações de achincalhamento das autoridades, instituições e até das mulheres brasileiras, de que tomamos conhecimento pela imprensa, governantes italianos chegaram ao cúmulo de exortar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a rever a decisão do seu ministro da Justiça, desprestigiando-o de uma forma só concebível em repúblicas das bananas.

Dignamente rechaçados, passaram a apostar todas as suas fichas no STF, tentando tangê-lo a anular uma Lei, desconsiderar a jurisprudência, criar um conflito de Poderes e sepultar as tradições humanitárias do povo e da Nação brasileira.

Este é o fulcro da questão: honraremos o sacrifício de Tiradentes, o sofrimento de todos que lutaram pela liberdade e o grito altaneiro de D. Pedro ou vamos deixar que o Velho Mundo novamente nos subjugue às suas imposições e aos seus rancores?

Pois o Brasil não sentencia ninguém à prisão perpétua, muito menos com a inacreditável privação da luz solar, uma recaída nas práticas mais desumanas do passado europeu, como as da Santa Inquisição.

Pois o Brasil anistiou seus perseguidos políticos em 1946 e 1979, no máximo década e meia depois dos episódios que deram pretexto às condenações, enquanto a Itália insiste em manter vivas as feridas dos anos de chumbo e quer jogar um homem inofensivo numa masmorra pelo resto da vida em razão de episódios ocorridos há mais de 30 anos.

Pois o Brasil admitiu sua responsabilidade pelos excessos cometidos por governos totalitários contra seus cidadãos e civilizadamente lhes pediu desculpas e ofereceu reparações, enquanto a Itália continua negando até hoje as torturas praticadas contra prisioneiros da ultra-esquerda durante os anos de chumbo e defendendo os absurdos jurídicos nos quais incidiu, como a aceitação incondicional dos testemunhos de delatores premiados, a retroatividade da Lei e até a possibilidade de manter acusados em prisão preventiva por mais de 10 anos.

E é simplesmente ultrajante que a Itália nos considere tão ingênuos a ponto de acreditarmos que movimentos de contestação envolvendo cerca de 400 diferentes grupos de ultra-esquerda, ao longo da década de 1970, tenha se constituído em atividade criminal e não fenômeno político!

Pois é isto que a Itália passou a afirmar quando percebeu que, pela Lei do Refúgio, Battisti jamais poderá ser extraditado em razão de crimes porventura cometidos no curso de sua militância política (na verdade, falsas acusações contra as quais não pôde exercer seu direito de defesa).

Então, depois de emitir contra ele sentenças especificando claramente que se tratava de crimes políticos, capitulados em lei introduzida para o combate à subversão contra o Estado, recorre agora a tergiversações e malabarismos para tentar convencer-nos de que não foi bem assim, muito pelo contrário...

Por tudo isso, nós, brasileiros, esperamos que os ministros do STF sejam coerentes com a Lei, com a jurisprudência, com nossas tradições humanitárias e com nossa dignidade de nação soberana, reconhecendo o refúgio concedido a Cesare Battisti e determinando sua imediata libertação.

Setembro de 2009

CELSO LUNGARETTI
Jornalista, escritor e ex-preso político

2.9.09

BLOGUE DESBLOQUEADO!!!

Acabo de receber mensagem do Blogger reconhecendo ser falsa a acusação feita e apresentando desculpas pelo bloqueio do meu outro blogue, Náufrago da Utopia, na manhã de hoje.

Como se tratou de mais uma tentativa de cerceamento da minha atuação, reagi imediatamente com a divulgação de uma mensagem para minha (extensa) rede de e-mails, denunciando a escalada de intimidações que venho sofrendo.

Esta acabou não vingando, felizmente.

Mas, não me arrependo de ter lançado o alerta. É sempre bom mantermos os companheiros cientes do que está ocorrendo, pois tornarmos públicas as ameaças inibe um pouco a ação dos que as fazem.

Eis o alerta que lancei e agora mantenho aqui apenas como registro, já que a crise foi superada:
Companheiros, amigos e internautas em geral,

há muito eu vinha sofrendo pressões ostensivas ou veladas que preferi ignorar, para não conferir demasiada importância a covardes que agem nas sombras.

Era uma verdadeira enxurrada de armadilhas de hackers que me chegava diariamente, tentando penetrar no meu computador (a desproporção entre a quantidade recebida por mim e pelos outros internautas era suspeita, mas deixei pra lá).

Depois, houve mensagens ameaçadoras postadas como comentários nos meus dois blogues. Deletei-as.

E existia quem se desse ao trabalho de postar diariamente até 20 "comentários" no blogue Celso Lungaretti - O Rebate, com apenas uma enorme série de hieroglifos. Deletei-os.

As ameaças de morte pipocaram até no CMI, a maioria sendo tirada do ar pelos administradores.

Finalmente, hoje o meu blogue Náufrago da Utopia amanheceu bloqueado para novas postagens "devido a possíveis violações dos termos de serviço do Blogger". A acusação seria de se tratar de um blogue de spams (!).

Já requeri o desbloqueio, mas não sei quando ocorrerá. Se alguém conhecer forma de agilizar o trâmite, agradeço. Eu não encontrei o caminho para tanto.

É sintomático que isto ocorra às vésperas do julgamento do Caso Battisti no STF, quando precisarei como nunca do meu blogue para centralizar a disponibilização de artigos relativos à batalha que estarei travando.

Por enquanto, informo que os meus textos diários agora estão sendo disponibilizados no blogue Celso Lungaretti - O Rebate.

E, ao contrário do que vinha fazendo, passarei a enviar TODOS pela rede de e-mails, não apenas os por mim considerados mais significativos.

É o caso do que está abaixo. Eu pretendia disponibilizá-lo só no blogue e mandar para entidades de direitos humanos. Mas, se está havendo interesse em me tirar do ar, é o momento de me manter tão no ar quanto possível.

A luta continua.

CELSO LUNGARETTI

PASTA DE VANNUCHI DENUNCIA PRÁTICAS HEDIONDAS DA POLÍCIA GAÚCHA

Uma amiga virtual gaúcha, estudante de jornalismo, há muito me cobra uma condenação dos desmandos e arbitrariedades da governadora Yeda Crusius.

Eu vinha lhe pedindo paciência, pois detesto entrar em tiroteios entre os dois esquemas políticos que disputam a hegemonia no Brasil: o do PT e o do PSDB/DEM. [Quanto aos gelatinosos partidos mercenários, quanto menos falarmos neles, menos poluiremos o espaço virtual.]

Não vejo os esquemas lulista e tucano/demoníaco como solução para nada. Eles são, isto sim, o problema. Disputam a gerência do estado burguês, para fazerem cumprir os objetivos capitalistas. Nada mais.

Pouco se me dá se os banqueiros têm como representante de seus interesses no Palácio do Planalto, envergando a faixa presidenciual, um petista, um tucano ou um capeta. A política econômica neoliberal introduzida por Fernando Henrique Cardoso quando era ministro de Itamar Franco, atravessou inalterada os dois governos de FHC, o primeiro do Lula e o segundo também, até agora.

Então, se presidentes da República se prestam a iludir os cidadãos, fingindo tudo decidir quando só decidem o secundário e obedecem ao poder econômico no fundamental, não sou eu que vou coonestar essa farsa.

Quem não tem autonomia para contrariar o grande capital e os banqueiros não é, a bem dizer, um presidente. Está mais para rainha da Inglaterra.

E eu, plebeu convicto, nada tenho a ver com as intrigas da Corte, pois dela não participo nem quero participar. Ponto final.

Já as violações dos direitos humanos são outro departamento. Estas eu condeno sempre, seja quem for que as cometa.

Há quem me acuse de favorecer o PT, quando protesto contra o sinal verde que Serra deu para trogloditas fardados barbarizarem a USP.

Há quem me acuse de favorecer o PSDB, quando protesto contra o sinal verde que Lula deu para trogloditas fardados barbarizarem o morro da Providência.

Pouco me importa. Sou revolucionário: defendo princípios. Sempre.

Então, repudio com máxima indignação a tortura de crianças e o uso de choque elétrico na ação dos policiais militares do RS durante a reintegração de posse da fazenda Southall, no mês passado.

Mais: se Crusius não punir severamente os responsáveis, considero que este seja motivo suficiente para sua destituição do cargo.

Governante que compactua com práticas hediondas tem de ser remetido de volta às cavernas. Não serve para governar civilizados.

Faço minhas as conclusões da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, que colheu depoimentos na semana passada em São Gabriel e constatou ter havido "emprego desproporcional e inadequado da força policial letal", com o uso ostensivo de cachorros e da cavalaria contra as famílias do MST e o lançamento de bombas a esmo, tanto que atingiram até crianças com seus estilhaços (um bebê foi ferido no rosto).

Quanto ao assassinato do sem-terra Elton Brum da Silva, baleado pelas costas, foi uma recaída na barbárie da qual pensávamos nos ter livrado em 1985, quando o Brasil saiu das trevas.

É simplesmente ultrajante que até o nome do carrasco esteja sendo sonegado da opinião pública pelo governo gaúcho. Quem comete um ato desses não merece privilégio nenhum, mas sim a execração da coletividade.

O relatório da Pasta de Paulo Vannuchi será encaminhado ao Ministério Público Federal e Estadual, à Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal e da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, ao Ministério da Justiça e à Corregedoria Geral da Brigada Militar.

Espera-se que, desta vez, haja apurações isentas e punições compatíveis com a gravidade dos crimes.

Pois o acobertamento dos maiores culpados e as punições insuficientes de outras recaídas na barbárie (o massacre da Casa de Detenção à frente) contribuíram para a situação a que chegamos, em que nossas instituições estão absolutamente desacreditadas aos olhos do homem comum.

Se não começarmos a reverter esse quadro, mais dia, menos dia, as consequências serão funestas.

Ou a democracia brasileira consegue manter a aparência de que funciona a contento, passando a punir pelo menos os crimes flagrados, ou algum homem providencial acabará se oferecendo para restabelecer a moralidade pública com a imposição da ordem unida.

É simples assim.
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