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27.2.09

A DIREITIZAÇÃO DA IMPRENSA EM MARCHA

Os últimos acontecimentos arrancaram a máscara de dois veículos da grande imprensa que, até há pouco, eram tidos como exceções no quadro desolador da mídia patronal: a Folha de S. Paulo, reputada como neutra por ora sintonizar-se com posições de esquerda, ora com as de direita, aparentemente querendo mesmo é provocar polêmicas que se travassem em suas páginas, para despertar interesse e vender um punhado de jornais a mais; e a ex-CartaCapital, agora CartaPenaCapital, cujo esquerdismo light parece não ter sido rentável, tanto que acaba de ser trocado pelo reacionarismo exacerbado.

A Folha de S. Paulo, cúmplice da ditadura militar de 1964/85, não só sintonizava seu conteúdo com os interesses do regime totalitário, como chegava a ceder suas viaturas para a repressão e a facilitar a prisão dos profissionais da casa, que eram chamados à portaria para atender visitantes e encontravam à sua espera as equipes do Deops ou do DOI-Codi.

Uma atitude diametralmente oposta à do Grupo Estado, cuja família proprietária, embora participante civil do complô para usurpação do poder em 1964, preservava, pelo menos, sua dignidade pessoal. Ninguém esquece a frase de um dos Mesquitas, após ordenar à segurança que impedisse a entrada da repressão no saudoso prédio da rua Major Quedinho: "Ele pode ser subversivo lá fora, mas aqui dentro é meu jornalista".

Dizimados os efetivos da luta armada, Ernesto Geisel assumiu o poder em março/1974 e começou a implementar sua abertura lenta, gradual e progressiva, desmantelando aos poucos a engrenagem de terrorismo de estado que se tornara dispensável.

Foi quando Golbery do Couto e Silva, eminência parda do governo que se iniciava, cochichou ao dono da Folha: como Geisel, qual um déspota esclarecido, pretendia flexibilizar aos poucos a censura, até extingui-la, Golbery sugeriu a Frias que a Folha assumisse uma postura mais crítica, não deixando O Estado de S. Paulo ocupar sozinho o espaço de oposição jornalística ao regime.

Assim, foi por orientação do próprio feiticeiro da ditadura que um grupo de imprensa servil e submisso se travestiu de independente. Mas, claro, isto só se tornou conhecido muito tempo depois.

Perspicazes, os Frias perceberam que, surfando nessa onda, poderiam não só limpar sua barra pelo colaboracionismo anterior, como tornar a Folha de S. Paulo um jornal atraente para a classe média cada vez mais insatisfeita com o regime militar. Um ovo de Colombo que lhe garantiria, a médio prazo, a liderança do mercado brasileiro.

Deram carta branca para o grande Cláudio Abramo, diretor de redação, recrutar alguns dos maiores talentos do jornalismo brasileiro, oferecendo-lhes um porto seguro numa época em que tantos veículos temiam acolhê-los ou impunham-lhes restrições castradoras.

Então, os textos da Folha passaram a ostentar assinaturas vistosas como as de Alberto Dines, Gerardo Mello Mourão, Glauber Rocha, João Batista Natali, Lourenço Diaféria, Luiz Alberto Bahia, Newton Rodrigues, Osvaldo Peralva, Paulo Francis, Perseu Abramo, Plínio Marcos, Tarso de Castro, etc., todos escolhendo suas abordagens sem restrições editoriais (apenas não podiam ir além do que a ditadura conseguia digerir) e desfrutando de espaços generosos.

Além disto, formou uma valorosa equipe de repórteres especiais, com destaque para Ricardo Kotscho, passando a desenvolver um apreciável jornalismo investigativo.

Em setembro de 1977, uma crônica descuidada de Diaféria ( http://www1.folha.uol.com.br/folha/80anos/tempos_cruciais-02a.shtml ) serviu como pretexto para o II Exército exigir a destituição de Cláudio Abramo, pondo um fim à primavera da Folha. Parte da equipe se dispersou, parte permaneceu fazendo textos mais comedidos. De qualquer forma, o jornal já dera a arrancada decisiva, conquistando uma imagem de originalidade e independência que conseguiu manter mais ou menos até meados da década atual.

A partir do desgaste sofrido por alguns expoentes da esquerda do PT no escândalo do mensalão e da exploração exaustiva e tendenciosa desses acontecimentos por parte da extrema-direita (tentando fazer crer que o envolvimento de uns poucos ex-militantes da luta armada em episódios ocorridos 30 anos depois seria suficiente para desqualificar todos os resistentes que pegaram em armas contra a ditadura), a Folha deu nova guinada, desta vez reacionária.

Como pano de fundo há uma classe média insatisfeita com o Governo Lula, de quem esperava benefícios que não recebeu, ao contrário dos pobres e dos paupérrimos.

Míope, essa classe média não percebe que caiu em desgraça muito mais devido ao aviltamento de suas profissões sob o capitalismo putrefato da atualidade do que à ação governamental. E a Folha, em vez de esclarecê-la, prefere oferecer catarse para seu rancor destrambelhado.

Assim, todas as questões envolvendo a memória da luta armada e dos resistentes dela participantes passaram a ter tratamento odioso na Folha, como se verificou, p. ex., quando dos ataques histéricos à decisão da Comissão de Anistia do MJ beneficiando os herdeiros de Carlos Lamarca; da ridícula polêmica algoz-e-vítima, durante a qual Élio Gaspari avalizou como informação histórica aceitável o que não passava do lixo ensanguentado da ditadura (as conclusões de IPM's contaminados pela prática generalizada da tortura); e, agora, do caso do perseguido político Cesare Battisti, vítima de noticiário adverso, editoriais com viés negativo e da descabida adjetivação de "terrorista" até em títulos de matéria, como se não estivesse levando desde 1981 uma existência resumida a trabalho honesto e fugas da caçada implacável que lhe movem os fascistas italianos.

A página de Opinião da Folha se abriu para personagens altamente questionáveis como Jarbas Passarinho, Reinaldo Azevedo, Ali Kamel e Wálter Fanganniello Maierovitch. Só está faltando o Brilhante Ustra...

Finalmente, na tentativa de defender o inqualificável editorial no qual se referiu ao extinto regime militar como uma "ditabranda", a Folha chegou ao cúmulo de publicar o seguinte (Painel do Leitor, 20/02), ao comentar as mensagens de protesto por ela recebidas: "Quanto aos professores [Fábio Konder] Comparato e [Maria Vitória] Benevides, figuras públicas que até hoje não expressaram repúdio a ditaduras de esquerda, como aquela ainda vigente em Cuba, sua 'indignação' é obviamente cínica e mentirosa".

Declarou guerra à inteligentsia, fazendo-me lembrar uma frase célebre de Oscar Wilde: "A aversão do século XIX pelo realismo é a cólera de Calibã por ver seu rosto num espelho". A Folha agora reage com argumentos paupérrimos e beligerância de trogloditas a quem lhe mostra seu horrível rosto num espelho.

Cidadão Mino - Quanto à CartaPenaCapital, tornou-se um samba de uma nota só: a sua única bandeira neste início de 2009 é atirar Cesare Battisti numa masmorra italiana pelo resto da vida.

Editoriais, colunas e notícias têm ido todos na mesma direção, sem dar espaço ao "outro lado" ou sepultando-o sob uma avalanche de textos contrários (caso de uma carta do ministro Tarso Genro que se tornou, absurdamente, matéria-de-capa).

Martelar o mesmo assunto, com o mesmo enfoque, em várias edições consecutivas, nada mais é do que uma campanha midiática para influenciar acontecimentos e decisões. A CartaPenaCapital segue fielmente os passos da Veja, que utilizou o mesmíssimo expediente quando tentava derrubar o presidente Lula.

A pergunta que não quer calar é: por que uma revista que até então enganava bem, expôs-se a tamanho desgaste num episódio secundário?

Apesar de ciente dos métodos e recursos utilizados pela Itália para fazer a França renegar a Doutrina Miterrand, que garantia abrigo eterno aos perseguidos políticos italianos, não disponho de evidências no sentido de que a sanha persecutória da CartaPenaCapital teria explicação semelhante.

Então, até prova em contrário, só me resta supor que o diretor de redação Mino Carta erige suas idiossincrasias em (im)posição editorial.

Simpatizante declarado do PCI, deve conviver muito mal com a traição às bandeiras históricas que o partido cometeu ao aliar-se à democracia-cristã (máfia e remanescentes do fascismo inclusos) para gerir o Estado burguês e "salvá-lo" da revolução.

O PCI avalizou as torturas, assassinatos e aberrações jurídicas com que a Itália sufocou a reação, desatinada mas compreensível, dos verdadeiros revolucionários, ultrajados por essa aliança insólita entre ditos comunistas e seus inimigos de sempre, bem como pela impunidade com que os extremistas de direita praticavam seus atentados.

É por estar, como escritor, trazendo à tona o passado que a Itália tenta esquecer, que Cesare Battisti sofre perseguição tão exagerada, encarniçada e onerosa.

E o cidadão Mino age exatamente como o magnata da imprensa William Randolph Hearst que, inconformado com aquilo que Cidadão Kane trazia à tona a seu respeito, pressionou fortemente os cinemas dos EUA a não exibirem o filme.

Da mesma forma, o cidadão Mino mobiliza todo seu poder de fogo para amordaçar Cesare Battisti, fazendo-o entregar à retaliação italiana, como Getúlio Vargas entregou Olga Benário aos carrascos nazistas.

Não conseguirá.

17.2.09

PT PROPÕE OFENSIVA CONTRA O NEOLIBERALISMO

Sai Lulinha Paz-e-Amor, entra Lula-lá.

O Diretório Nacional do PT aprovou na semana passada uma resolução política que representa, na prática, uma volta às posições defendidas pelo partido antes da eleição presidencial de 2002.
Como pano de fundo está a recessão que se aprofunda no mundo capitalista, com possibilidade de virar depressão e sem final previsível. O respeitado secretário-geral da Comunidade Iberoamericana Enrique Iglesias, p. ex., diz que a luz no fim do túnel só virá a partir de 2011.
Então, a guinada à esquerda que o PT está ensaiando pode advir de uma mudança na correlação de forças dentro do partido, com o crescimento de correntes como a Tendência Marxista, que pretende levar para o 4º Congresso petista (novembro/2009) a posição de que "é preciso romper a colaboração de classe com a burguesia e seus partidos, no governo e no Congresso, e começar a governar no interesse do povo trabalhador do campo e da cidade", mediante a implementação de um "programa operário e socialista capaz de abrir um caminho neste mundo de horror e dor que o capitalismo e sua sobrevivência impõem à maioria da humanidade".
Ou ser uma tentativa do Diretório Nacional no sentido de limitar o espaço para o crescimento de tais correntes, ao encampar algumas de suas bandeiras.
Ou, ainda, uma conveniência eleitoral, já que as bandeiras ideológicas são as mais adequadas à conjuntura em que transcorrerá a próxima eleição presidencial, assim definida na resolução política dos dirigentes petistas: "Estamos diante da maior crise econômica mundial desde a Grande Depressão originada em 1929 (...). A grave crise econômica atual, além de agravar a crise social e alimentar já antes dramática em várias partes do mundo, vem se somar à intensa crise ambiental para a qual o capitalismo não consegue dar resposta. Estamos diante de uma crise do sistema capitalista como um todo".

De qualquer forma, o Diretório Nacional do PT assumiu formalmente que "é o momento de ofensiva contra a ideologia dos senhores do capitalismo mundial".

Que passa, claro, por uma ofensiva contra o PSDB e o DEM na campanha presidencial: "A disputa que se travará em 2010 será entre dois projetos. De um lado, as forças progressistas e de esquerda, que querem dar continuidade à ação do governo Lula, reduzindo desigualdades sociais e regionais, ampliando o investimento público, fortalecendo o papel indutor e planejador do Estado, gerando empregos e distribuindo renda, fortalecendo a saúde, a previdência e o ensino público, exercendo uma política externa que fortalece a soberania e a integração continental. De outro lado, as forças neoliberais, conservadoras e de direita, que de 1990 até 2002 privatizaram, desempregaram e arrocharam o povo brasileiro, implementando em nosso país as mesmas políticas que estão na raiz da crise mundial".

Seja lá qual for o motivo (provavelmente, uma confluência dos três citados e de outros que desconhecemos), o certo é que o PT ensaia a retomada do seu projeto político da década passada, depois de surfar oportunisticamente nas ondas do neoliberalismo entre 2003 e 2008; e que, se as posições enunciadas nessa resolução política forem mantidas na campanha, a esquerda o acabará apoiando maciçamente no previsível 2º turno entre Dilma e Serra. Motivo? A alternativa é muito pior.
Ficará na nossa boca, entretanto, o gosto amargo da lembrança destes seis anos em que os bancos lucraram como nunca e o grande capital teve todos os seus interesses atendidos. Estar novamente com as posições certas não redimirá o PT da facilidade com que delas abdicou para obter o consentimento dos poderosos quando queria chegar ao Planalto.

Também soa meio ridículo este parágrafo da resolução política: "O PT se posiciona contra as propostas de flexibilização de direitos trabalhistas que estão sendo defendidas por parte do empresariado brasileiro, com apoio de setores da mídia. O PT repudia a postura de setores empresariais que lucraram muito nos últimos anos e, diante das primeiras dificuldades, recorrem às demissões como forma imediata de ajuste".

Em tese, corretíssimo. Só que Lula não tem agido com a diligência para evitar as demissões que tínhamos o direito de esperar de um ex-sindicalista alçado à Presidência da República. Se quiser tornar crível esse discurso, terá de melhorar sua performance.

Ressalvas à parte, o PT dá os passos certos para reassumir, pelo menos, a condição de mal menor -- o que não foi o caso da eleição de 2006, quando o 2º turno parecia estar sendo disputado entre irmãos siameses.

Vamos torcer para que se torne, isto sim, um bem maior. Ou seja, para que deixe de ser camaleônico e doravante mantenha sempre sua identidade, chova ou faça sol.

Era isto que esperávamos do partido formado pela esquerda que resistiu à ditadura, por sindicalistas que realmente enfrentavam o patronato e pelas alas progressistas da Igreja Católica, cujo crescimento se deu graças ao idealismo e aos esforços voluntários dos seus seguidores.

12.2.09

MINISTROS DO STF, DEIXEM CESARE BATTISTI FALAR!

O escritor e perseguido político italiano Cesare Battisti quer ser ouvido pelo Supremo Tribunal Federal na sessão em que se estará decidindo seu destino.

Foi o que afirmou o senador Eduardo Suplicy, ao entregar ao STF uma série de documentos comprovatórios de que Battisti é inocente dos crimes a ele imputados no julgamento de cartas marcadas em que o condenaram à revelia na Itália.

Suplicy usou um eufemismo para se referir aos atos dos tribunais italianos que aplicavam leis caracteristicamente de exceção e condenavam cidadãos a partir das delações premiadas dos oportunistas que queriam escapar das grades, transferindo suas culpas aos outros: disse que o processo jurídico foi "pouco democrático", além de Battisti não haver tido direito de defesa.

Surpreendente foi a reticência do relator do caso no STF face ao pedido de Battisti, apresentado por Suplicy, conforme este relatou: "Perguntei ao ministro Cezar Peluso se é possível o Battisti comparecer ao Tribunal para relatar os supostos crimes de que foi acusado. Ele me respondeu que os ministros irão ponderar a respeito".

Quando a Itália solicitou o direito de apresentar suas razões no caso, embora já o tivesse feito quando pediu a extradição de Battisti há dois anos, Peluso decidiu sozinho conceder-lhe esse privilégio descabido e inaceitável, de atuar como parte num processo brasileiro.

Com isto, retardou-se ainda mais a libertação de um homem que já deveria estar solto desde o reconhecimento do seu direito ao refúgio humanitário por parte do governo brasileiro. O mínimo que se esperava do STF é que, a partir da decisão do ministro da Justiça Tarso Genro, deixasse Battisti aguardar em liberdade o que deveria ser apenas uma providência de rotina: o Supremo reconhecer, como sempre fez, que a concessão do refúgio determina o arquivamento do processo de extradição.

Foram cinco dias desperdiçados à espera do desnecessário arrazoado italiano e outros dez (ora em curso) abertos para que o Ministério da Justiça e a defesa de Battisti sobre ele se manifestem.

Para equilibrar os pratos da balança, Peluso deveria aceitar imediatamente o pedido de Battisti, que está preso no Brasil desde março/2007 em razão de crimes que lhe são imputados alhures.

Depois de tanto tempo jogado no ralo para conceder à Itália um privilégio que exigiu da forma mais arrogante possível, é inconcebível que o STF não disponha de meia hora para escutar a palavra de um homem internacionalmente respeitado por seu brilho intelectual e defendido por cidadãos com espírito de justiça de vários países, a ele solidários por estar flagrantemente sofrendo uma perseguição mesquinha e odiosa da direita européia.

Em meu nome e no de tantos que, como eu, pagaram com sofrimentos inenarráveis e com as próprias vidas o preço da liberdade, para que o Supremo hoje possa decidir seus processos sem constrangimentos totalitários, eu conclamo: ministros do STF, deixem Cesare Battisti falar!

3.2.09

"PARECER BRILHANTE USTRA" - O RETORNO

Mais uma vez a Advocacia Geral da União elaborou parecer no qual considera os torturadores da ditadura militar inatingíveis pela Justiça, pois teriam sido beneficiados pela Lei da Anistia.

Foi a resposta dada ao Supremo Tribunal Federal, que está apreciando uma Arguição de Descumprimento de Princípio Fundamental proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil.

A OAB questiona o fato de estarem sendo abrangidos na anistia de 1979 também crimes comuns praticados pelos agentes da repressão, como torturas, estupros, atentados violentos ao pudor, homicídios e ocultação de cadáveres. A AGU, na contramão da ONU e do entendimento que já é consensual no mundo civilizado, opina que foi colocada uma pedra em cima das atrocidades perpetradas pela ditadura de 1964/85.

A AGU repetiu a posição tomada num processo movido por procuradores de Justiça contra os ex-comandantes do DOI-Codi/SP Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel, tentando responsabilizá-los pecuniariamente pelas indenizações que a União teve de desembolsar com os sobreviventes daquele centro de torturas e as famílias dos falecidos (os que foram ali assassinados, aqueles para cujas mortes concorreram as sequelas dos maus tratos e os que morreram por outros motivos nas longas décadas transcorridas até o reconhecimento dos seus direitos).

Em outubro/2008, o Parecer Brilhante Ustra recebeu críticas veementes do ministro da Justiça Tarso Genro, enquanto Paulo Vannuchi, titular da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, ameaçou deixar o governo.

É óbvio que o novo sapo não será digerido tão facilmente.

Os pareceres da AGU não determinam as sentenças dos juízes, mas as influenciam fortemente. Então, em cada processo que for movido contra os torturadores, seus advogados tendem doravante a requerer a manifestação da AGU, pois sabem que lhes será favorável. Daí o empenho de Genro e Vannuchi em evitar que o governo tomasse o partido dos carrascos.

Um passo atrás e dois adiante - Mas, como se dizia antigamente, não adianta chorarmos sobre o leite derramado.

Há outra batalha em curso, pela liberdade de um perseguido político e para que o instituto do refúgio humanitário não sofra uma limitação que o desfiguraria. Até que seja derrotada essa articulação das forças mais reacionárias da Itália e do Brasil, garantindo-se a Cesare Battisti o direito de residir e trabalhar em nosso país, não convém a abertura de uma nova crise no Governo Lula.

E, já se pensando no day after, cabe uma reflexão: vale a pena a esquerda continuar insistindo nessa guerrilha judicial ou terá chegado o momento de dar um passo atrás, para poder dar dois passos adiante?

O objetivo original de Genro e Vannuchi era a revogação da Lei da Anistia que os verdugos concederam a si próprios em 1979 e as vítimas foram obrigadas a engolir para que se abrissem as portas das prisões e fosse permitida a volta dos exilados.

Encontrando um obstáculo intransponível na ala conservadora do Governo Lula, capitaneada pelo ministro da Defesa Nelson Jobim, eles acreditaram que pudessem contorná-lo com um expediente engenhoso: transferir a refrega para os tribunais, com a abertura de ações incriminando os torturadores por crimes comuns.

Esta prática tinha, de cara, dois inconvenientes: só alcançaria os praticantes das atrocidades, não os seus mandantes; e os trâmites judiciais são tão lentos no Brasil, possibilitando tantas manobras protelatórias que, dificilmente, a sentença definitiva chegaria antes da morte dos réus, idosos e combalidos em sua maioria.

Agora há um terceiro: o posicionamento da União no sentido de que os torturadores foram anistiados.

Entulho autoritário - Então, como o atalho levou a um beco sem saída, o jeito é voltarmos à estrada principal: a revogação da anistia imposta pelos tiranos e a sua substituição por uma Lei de Anistia decidida em liberdade.

Isto só poderá ser conseguido se mobilizarmos a sociedade para pressionar Executivo, Legislativo e Judiciário, no sentido de que sejam corrigidos os erros do passado.

O Brasil ainda precisa ser passado a limpo, nem tanto para se perseguir culpados, mas sim para extirpar-se de uma vez por todas o entulho autoritário que impregna nossas instituições.

Provavelmente, continuará não existindo tempo hábil para ainda se punir os torturadores e os poderosos que lhes arrancaram as focinheiras e apontaram os alvos.

Mas, pelo menos, legar-se-ia às futuras gerações um conjunto de princípios que nortearia as ações do Estado brasileiro face a quaisquer ameaças de recaídas autoritárias.

Como o de que nada justifica, em hipótese nenhuma, a derrubada de um presidente legítimo, o fechamento do Congresso, a intimidação do Judiciário e a suspensão das garantias constitucionais. Não existem contragolpes preventivos. O que aconteceu (e poderá tornar a ocorrer, se não nos acautelarmos) foi, unica e simplesmente, usurpação do poder.

E o de que, face à instauração do arbítrio, todo cidadão tem o direito, e até o dever, de resistir à tirania, pelos meios que se fizerem necessários.

Estas são as verdades que deveriam estar traduzidas na anistia, de forma a deixar bem claro quem foi vítima e quem foi algoz. A de 1979, pelo contrário, igualou os algozes às suas vítimas.
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