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4.6.08

TRIBUTO A UM IMPRESCINDÍVEL: D. PAULO EVARISTO ARNS

"Há homens que lutam um dia, e são bons;
há outros que lutam um ano, e são melhores;
há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons.
Porém há os que lutam toda a vida, esses são os imprescindíveis."
(“Os Que Lutam”, Bertold Brecht)

A grande imprensa só destaca os personagens quando eles estão realizando coisas, completando décadas disso e daquilo ou morrendo. Vai daí que um homem como D. Paulo Evaristo Arns está há 10 anos longe dos holofotes e é quase desconhecido das novas gerações.

Pior: alguns jovens formam seu conceito sobre ele a partir do que lêem nos textos repulsivos da propaganda neo-integralista, apontando-o como principal inspirador da política de direitos humanos “que só protege os bandidos”...

Então, em vez de esperar que surja o que os jornalistas chamamos de gancho, uma justificativa qualquer para falar de D. Paulo, vou fazê-lo unicamente porque se trata de um daqueles imprescindíveis a que se referiu Brecht. Neste Brasil da ganância e da competição que o capitalismo globalizado está engendrando, é fundamental evocarmos exemplos como este, até como antídoto.

Cardeal e arcebispo emérito de São Paulo, D. Paulo está com 87 anos, é um homem combalido e tem problemas de audição – decorrentes, esclarece, de ferimentos sofridos quando de uma tentativa de seqüestro num país latino-americano (pretendiam obter, em troca, a liberdade de um chefão do narcotráfico).

A entrevista que fiz há algum tempo com D. Paulo permanece atual, daí eu estar reproduzindo aqui seus principais trechos Não quis privar os leitores da oportunidade de conhecer-lhe a história a partir de suas próprias palavras, que tive o privilégio de escutar numa ensolarada tarde de dia útil, no convento franciscano que fica ao lado da tradicional Faculdade de Direito do Largo São Francisco.

No final, apesar de sua dificuldade de locomoção, fez questão de percorrer comigo o longo caminho até o corredor. E se despediu com uma frase marcante: "Precisamos contar essas histórias [do que aconteceu neste país durante a ditadura militar] às novas gerações. É importante que elas saibam de tudo isso!"

A missão do educador – Muitos programas pioneiros, na linha da inserção social, foram introduzidos na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) entre novembro/1970 e maio/1998, período em que, como arcebispo metropolitano de São Paulo, D. Paulo foi Grão Chanceler da instituição.
Logo que se tornou o principal responsável pelos rumos dessa universidade, D. Paulo fez primeira visita ao Conselho da PUC. E disse: "Não quero uma escola de 2º grau melhorada. O que me interessa é que vocês façam uma pós que dê bons professores para todos os lugares do Brasil; e que todas as teses e tudo o que vocês discutirem além da escola se refira ao povo e ajude o povo. Que isso seja a norma daqui para a frente".

Os resultados não tardaram, diz D. Paulo. "A Arquidiocese se organizou em pastorais diferentes – p. ex., a Operária, a da Terra, a do Trabalhador –, então eu consegui que a Faculdade de Direito se interessasse em ir, durante a semana ou no sábado, à periferia e ver como se poderia ajudar essa população e quais os problemas reais da periferia. A mesma coisa aconteceu com a assistência social, que, aliás, está trabalhando nessa linha até hoje, com métodos sempre novos e recebendo apoio da Europa e de outros lugares, com uma eficiência muito grande."

Hoje, essas iniciativas pioneiras da PUC/SP encontraram muitos seguidores e há um sem-número de empresas e instituições esforçando-se para dar uma contribuição positiva à sociedade.

Ofícios para vítimas da ditadura – "Os estudantes da USP me procuraram em 1973 quando um colega [Alexandre Vannucchi Leme] foi assassinado pelos órgãos de segurança. Os estudantes se reuniram, uns 10 mil, e mandarem representantes à minha casa, à noite, para que eu fosse lá falar aos alunos. Eu disse que era melhor reunir os estudantes, mas não dava para fazer no campus da universidade, porque ele estava cercado por policiais e oficiais do Exército.

"Então, decidi fazer na catedral. Eu disse: 'Na catedral, nós falamos o que queremos, e nós falaremos aos estudantes. Encham a catedral de estudantes e de povo, que nós diremos a verdade'. E foi o que eles fizeram. Às 15h, eu fui lá, fiz aquele ato solene em favor do estudante e celebrei a missa para o falecido. Fiz o sermão sobre o 'não matarás!', o mandamento central dos 10 mandamentos. Foi sobre isso que eu falei para eles, e eles participaram, vivamente, da missa e de toda manifestação religiosa posterior.

"Depois, em 75, foi a vez do Herzog; em 76, a do Manuel Fiel Filho; e em 79, a do Santo Dias, quando recebemos de 150 mil a 200 mil pessoas, que andaram desde a igreja de Nossa Sra. da Consolação. A multidão foi engrossando. Ao chegar na Catedral da Sé, não cabia nem na igreja nem na praça, então nós fizemos uma cerimônia mais curta, mas muito mais participada por todos os operários."

Missa de 7º dia de Vladimir Herzog – Foi celebrada na Catedral da Sé, simultaneamente, por religiosos de três confissões: a católica (D. Paulo), a judaica (rabino Henry Sobel) e a protestante (reverendo James Wright).

"Quando o Herzog foi assassinado – lembra D. Paulo –, em 1975, os jornalistas me pediram que houvesse um ato ecumênico na catedral. Os judeus fazendo o ato deles em hebraico, portanto, não na língua que compreendêssemos. Foi impressionante e muito bonito."

[Modesto, D. Paulo evitou comentar que sua decisão foi um ato de enorme coragem. Primeiramente, porque a alta hierarquia católica não viu com simpatia sua iniciativa de oficiar missa ao lado de um rabino e de um reverendo. Depois, por ser um desafio frontal à ditadura militar, que o presidente Geisel engoliu, pedindo apenas a D. Paulo que segurasse seus radicais, “enquanto eu seguro os meus”. Finalmente, por ter, em nome de ideal de justiça e solidariedade cristãs, corrido o risco da ocorrência de tumultos e mortes que teriam um peso devastador em sua consciência de religioso. Graças a ele, foi viabilizado o ato que acabou se tornando um divisor de águas: a partir dessa vitória sobre a intimidação, a ditadura começou sua lenta, mas irreversível, marcha para o fim.]

Invasão da PUC em 1977 – "Eu estava em Roma quando o Erasmo Dias, então secretário da Segurança do estado de São Paulo, invadiu a PUC sem dizer ou ter motivo nenhum. Os estudantes estavam em exame e os policiais destruíram mais de 2 mil cópias de documentos, estragaram o refeitório, danificaram os instrumentos musicais e até derrubaram um professor no chão.

"Eu fui chamado às pressas de Roma e, na manhã seguinte, já dei uma declaração ao desembarcar no aeroporto, dizendo que 'na PUC só se entra prestando exame vestibular, e só se entra na PUC para ajudar o povo e não para destruir as coisas'. Depois, nós fizemos toda uma reação contra eles e toda uma manifestação junto aos estudantes."

Eleição direta para reitor da PUC – "No início dos anos 80, nós queríamos nos opor ao regime totalitário que estava vigorando no Brasil e provar que funcionários, professores e alunos são igualmente capazes de escolher o diretor, o reitor ou o presidente da instituição.

"Antes eu reunia o conselho de cada classe, para ter uma certa democracia entre os professores, e pedia que me indicassem o nome. Achei que era pouca democracia. Então, pedi à reitora e aos três vice para haver uma escolha entre todos os alunos, que eu aceitaria o resultado e mandaria para a aprovação de Roma.

"E Roma aprovou imediatamente. Então, foi a primeira eleição dentro de uma universidade pontifícia católica e, também, foi a primeira vez que se escolheu um reitor entre todos os funcionários, alunos e professores."

Contratação de professores perseguidos – "O minstro da Justiça ordenou a expulsão de vários professores da Universidade de São Paulo. Então a reitora da PUC me telefonou perguntando se podia admiti-los entre nós. Eu disse: 'Não só pode como deve, porque são excelentes professores e patriotas'.
"O Florestan Fernandes até escreveu um artigo me agradecendo. Ele ficou satisfeito porque pôde dirigir os estudantes da pós-graduação na PUC da maneira mais livre possível.

"Quanto ao Paulo Freire, eu fui a Genebra para convencê-lo a voltar ao Brasil, depois de 10 anos de exílio. Garanti que eu iria cuidar da chegada dele aqui. E mandei toda a nossa Comissão de Justiça e Paz, que eram mais de 40 pessoas, junto com amigos, para recebê-lo em Campinas.

"De fato a polícia o prendeu, mas, depois de duas horas de interrogatório, eles viram que todos estavam contra eles e soltaram o Paulo Freire, que ficou conosco, com uma grande amizade comigo, até o momento da sua partida."

Convicções e esperanças – Sobre o Governo Lula, antes mesmo da crise do mensalão, D. Paulo já mostrava uma ponta de apreensão, ao se dizer esperançoso de que “o Brasil não perca esta ocasião e não afunde o barco em vez de conduzi-lo a uma margem da terra onde haja outra terra e outro céu, como diria a Sagrada Escritura; onde haja outra possibilidade de sonhar e outra possibilidade de viver com dignidade, mas para todas as pessoas e não só para uma parte".

E, inquirido sobre o menor engajamento atual da Igreja às causas sociais, ele finalizou com uma mensagem de esperança: "A Igreja é o povo. Se o povo se mobiliza bem, a Igreja também se mobiliza. Então, é preciso unir esses dois conceitos, o povo de Deus e o povo, simplesmente. Nós precisamos caminhar para a fraternidade, para uma possibilidade de todos serem respeitados como filhos de Deus e irmãos uns dos outros".

Não há como retratar a grandeza de um D. Paulo Evaristo Arns numa única entrevista. Faltou dizer, p. ex., que ele criou a Comissão de Justiça e Paz de São Paulo e foi o grande artífice do projeto Brasil: Nunca Mais (livro sobre as violações de direitos humanos durante o regime militar), integrando também o movimento Tortura Nunca Mais, dele decorrente.

O principal, no entanto, é que suas gestões junto às autoridades salvaram a vida e evitaram a tortura de resistentes, no pior momento da ditadura.

Fiel ao espírito da igreja das catacumbas, foi o pastor que tudo fez para que seu rebanho sobrevivesse a um tempo de lobos. Um imprescindível.

4 comentários:

Fernando Claro Dias disse...

Caríssimo Celso Lungaretti,
Tudo bem?

Não quero saber, no momento, o que você fez para merecer tanto ódio de algumas pessoas, as quis, também, não conheço nada de seus passados.

Como advogado e cristão não tenho o direito nem o de ver de fazer julgamentos sumários nem acepção de pessoas.

Foi assim que aprendi nos bancos escolares da gloriosa FND/UFRJ/CACO, e lendo a Bíblia, e aprendendo com meu vizinho, no Rio de Janeiro, Dom Helder Câmara, que culminou com minha Crisma.

Posteriormente com Dom Mauro Morelli, os irmãos Lorcheiter, Dom Pedro Casaldáliga, Dom Hypólito, e, também, com Dom Eugenio Sales. E mais, Dom Lorcheider, Frei Betto, Leonardo Boff, Bruno Trombetta e tantos mais que não caberiam aqui.

Falar bem de Dom Evaristo Arns é tarefa singela e fácil.
Difícil, ou talvez impossível, é falar mal, é depreciá-lo, atingi-lo em sua honra. Somente por um esforço sobrenatural se conseguiria tal empreitada. Ou de forma deliróide ou alucinada. Algumas pessoas que falam mal de ti e dele, parecem estar possuídas ou tomadas por surtos ideológicos e/ou até, psicóticos.
Normalmente atacamos até pessoas que dizem o que gostaríamos de dizer e não temos coragem.

O psiquismo humano é rico, fértil e ainda é uma caixa preta, muitas vezes hermética.

Posso e devo dizer, com meus 53 anos bem vividos - por terem sido bem e mal vividos, em razão do passado sombrio por que passamos durante duas décadas, onde os Militares dominavam e muitos CIVIS, também, eram quadros de comando e de "inteligentsia" do regime, respondendo por Ministérios Estratégicos. É necessário dizer-se, também, que muitos servis CIVIS e às vezes não tão servis, mas convictos, infligiram maus tratos e outras atrocidades no físico, na mente, e na alma do Povo brasileiro.

Estavam lá muitos CIVIS fazendo coro com MILITARES.

Por outro lado havia outros militares que, também, não toleraram tal período e foram punidos. Não é a farda que os fazem ter vocação para torturar. Civis o fazem e com muita mestria. Fizeram até "alunos" na “desARTE” desastrosa, cruel e covarde da tortura.

Aliás, crueldade e canalhice não é monopólio de uma raça ou etnia!

Porém, veio a Anistia e a vida segue seu curso e precisamos virar a página.

Celso, eu tive o prazer de me deslocar do Rio para Sampa, objetivando conversar, minutos que fossem com Dom Evaristo. Fiquei muito grato em ter ficado próximo dele e das massas em comunhão com Deus e de propósitos, como o de praticar - hoje, tão raras - as Artes da Benignidade, da Dignidade, da Compaixão, da Solidariedade, do Amor, da Esperança, do Combater o bom Combate pela via democrática, ou até - no extremo necessário - da forma Agostiniana e Aquiniana.
Não tenho conhecimento de quantos "terroristas", "subversivos" Dom Evaristo, formou.

É de conhecimento público que ele tenha ensinado, formado ou orientado verdadeiros cidadãos e cristãos para a práxis da Solidariedade, da Doação, do bem servir o próximo como a nós mesmos!

Se, tanto ele quanto você, estimado, são homens livres, protegidos pela Constituição Federal, não estou cometendo nenhum ilícito, nenhum crime ao consignar minha manifestação de apoio neste relevante e acolhedor espaço democrático.

Você fez a coisa certa!

Perdemos muitos irmãos como Stuart Angel, e Frei Tito. Vandré e outros ficaram muito mal.

A lista crescerá se formos nos deter em números. Para mim basta que se morra um. Já é MUITO!

Seguir o rumo da vida, ou até falta de rumo da vida, é viver sem permissão a quem quer que seja.

Viver, e porque não, ser felizes, até porque sabemos que quando formos estaremos ao lado deles. E se deles falarmos aqui, estaremos com eles também, e eles conosco!

Entendo que não podemos parar por aí. A Juventude merece saber por que estão onde estão, e vivem nos espaços em que vivem conquistados na luta sem ódio, mas altiva e disciplinada que combatemos cada qual à sua maneira.

A Juventude precisa ter pelo menos chance de conhecer as artérias e veias da História Viva e Vivida por que passamos e fizemos. Fomos sujeitos deste processo.

Se fizermos a Lista de Chamada, um por um, dirão: PRESENTE !

Vivam Dom Evaristo Arns e outros irmãos para todo o sempre!

Saudações fraternais,

Fernando Claro

Anônimo disse...

Lungaretti.
O Integralismo nada tem de repulsivo. Se você quer escrever sobre um assunto, então, estude-o primeiro, não saia dizendo tolices.
Pelo Bem do Brasil!
Anauê!
Sérgio de Vasconcellos.

João disse...

Parabéns, pelo texto. Dom Paulo merece todo nosso respeito e admiração Posso apontar seu texto em nosso Blog?

João Alberto

celsolungaretti disse...

Claro, João Alberto!

A admiração por ele é recíproca.

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