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19.4.07

EX-TORTURADOR É CHEFÃO DA MÁFIA DO BINGO

Celso Lungaretti (*)

Mais uma vez o ex-capitão do Exército Ailton Guimarães Jorge freqüenta o noticiário policial, agora como um dos 25 contraventores cuja prisão foi pedida pela Polícia Federal, sob a acusação de explorarem jogos de azar no País, inclusive subornando membros do Executivo, Legislativo e Judiciário.

O presidente da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro já havia sido condenado em 1993 por envolvimento com o jogo-do-bicho, ao lado de outros 13 banqueiros, pela juíza Denise Frossard. Sabia-se que eles todos eram responsáveis por, pelo menos, 53 mortes.

Pegaram seis anos de prisão cada, a pena máxima por formação de quadrilha. Mas, em dezembro de 1996 estavam todos de volta às ruas, beneficiados por liberdade condicional ou indultos.

Mas, não são só os crimes atuais que fazem do Capitão Guimarães um personagem emblemático do que há de pior neste país. Ele é o mais notório exemplo vivo do banditismo inerente aos órgãos de repressão da ditadura militar.

A outra celebridade capaz de rivalizar com ele nesse quesito já morreu, ao que tudo indica como um arquivo apagado pelos próprios cúmplices: o delegado Sérgio Paranhos Fleury, em cujo benefício os militares chegaram até a criar uma lei, com o único objetivo de mantê-lo fora das grades.

O Capitão Guimarães atuava na II seção (Inteligência) da PE da Vila Militar, que, como todas as equipes de torturadores da ditadura, auferia ganhos substanciais ao capturar ou matar militantes revolucionários.

Tudo que era apreendido com os resistentes e tivesse algum valor, virava butim a ser rateado entre aqueles rapinantes. Jamais cogitavam, p. ex., devolver o dinheiro aos bancos que haviam sido expropriados pelos guerrilheiros urbanos. Numerário, veículos, armas e até objetos de uso pessoal iam sempre para a caixinha do bando. De mim, até os óculos roubaram.

Havia também as recompensas oferecidas pelos empresários direitistas, bem expressivas. Eles definiram inclusive uma tabela com os órgãos de repressão: dirigente revolucionário preso valia tanto; integrante de grupo de fogo, um pouco menos, e assim por diante.

Ocorre que, em novembro de 1969, morreu como conseqüência das torturas aplicadas por Ailton Guimarães Jorge e seus comparsas o estudante Chael Charles Schreier. O episódio repercutiu pessimamente no mundo inteiro e no próprio Brasil, onde a revista Veja fez uma matéria-de-capa histórica sobre a tortura.

As Forças Armadas decidiram, então, proibir que cada unidade de Inteligência de cada Arma fosse à caça por sua própria conta. Unificaram o combate à luta armada no quartel da PE da rua Barão de Mesquita (Tijuca), que passou a ser a sede do DOI-Codi, integrado por oficiais da II Seção do Exército, do Serviço de Informações da Aeronáutica (Sisa) e do Centro de Informações da Marinha (Cenimar), mais investigadores da polícia civil.

A equipe do Ailton Guimarães Jorge, até como punição pela morte do Schreier, foi alijada desse vantajoso esquema. Então, quando cheguei preso lá, em junho de 1970, aqueles rapinantes estavam desesperados com a falta de grana.

Tinham se habituado a um padrão de vida mais elevado e já não conseguiam subsistir apenas com o soldo. Tentavam de todas as maneiras convencer seus superiores de que mereciam ser readmitidos no combate à luta armada, em vão.

Foi por isso que, em 1974, a equipe de torturadores da PE da Vila Militar envolveu-se com contrabandistas, para obter a renda adicional que tanto lhe fazia falta. O Exército acabou descobrindo e instaurando um Inquérito Policial-Militar contra soldados, cabos, sargentos e quatro oficiais, inclusive o tenente Ailton Joaquim (um dos 10 piores torturadores do período, segundo o Tortura Nunca Mais) e o capitão Aílton Guimarães Jorge.

Justiça poética – As investigações foram conduzidas com o método que o Exército invariavelmente utilizava. Então, aqueles notórios torturadores acabaram conhecendo na própria pele a tortura. Houve até caso de assédio sexual à esposa de um dos acusados, por parte dos seus próprios colegas de farda...

Como o Élio Gaspari relata em A Ditadura Escancarada, o caso acabou, entretanto, em pizza:

– Todos os indiciados disseram em juízo que o coronel do 1PM lhes extorquira as confissões. A maioria deles sustentou que, surrados, assinaram os papéis sem lê-los. Num procedimento inédito, os oficiais do Conselho de Justiça decidiram que o processo tramitaria em segredo. Durante o julgamento a promotoria jogou a toalha, e, em maio de 1979, os 21 acusados foram absolvidos. O caso voltou ao STM, cinco ministros recusaram-se a relatá-lo, e, por unanimidade, confirmou-se a absolvição. A sentença baseou-se num só argumento: ‘Tudo o que se apurou nestes autos, o foi, exclusivamente, através de confissões, declarações e depoimentos extrajudiciais, retratados e desmentidos posteriormente em juízo, sob a alegação de violências e ameaças praticadas durante o IPM”.

Ora, todos os IPMs instaurados contra os resistentes poderiam ser anulados pelos mesmíssimos motivos. Dois pesos, duas medidas.

A carreira militar do Capitão Guimarães, ficou, entretanto, comprometida. Nos quartéis, ele seria sempre visto como ovelha negra e tratado com má vontade. Então, pediu baixa e foi capitanear o jogo-do-bicho, conforme narra o Gaspari:

– Coube ao bicheiro Tio Patinhas consertar a vida de Ailton Guimarães Jorge. (...) O processo do contrabando ainda tramitava (...) quando ele se transferiu formalmente para a contravenção, levando a patente por apelido e diversos colegas como colaboradores. Começou como gerente do banqueiro Guto, sob cujo controle estavam quatro municípios fluminenses. Um dia três visitantes misteriosos tiraram Guto de casa e sumiram com ele. (...) Tio Patinhas passou-lhe a banca. Em três anos o Capitão Guimarães foi de tenente a general, sentando-se no conselho dos sete grandes do bicho, redigindo as atas das reuniões, delimitando as zonas dos pequenos banqueiros. Seu território estendeu-se de Niterói ao Espírito Santo. Seguindo a etiqueta de legitimação social de seus pares, apadrinhou a escola de samba Unidos de Vila Isabel e virou a maior autoridade do Carnaval, presidindo a liga das escolas do Rio de Janeiro. Rico e famoso, adquiriu uma aparência de árvore de Natal pelas cores de suas roupas e pelo ouro de seus cordões. Tornou-se um dos mais conhecidos comandantes da contravenção carioca. Do seu tempo da PE ficou-lhe o guarda-costas, um imenso ex-cabo que, como ele, começara no crime organizado da repressão política.

Esse cabo, Polvarelli, pesava 140 quilos e lutava judô. No final de 1969, ao tentar prender meu companheiro Eremias Delizoicov, que tinha apenas 18 anos, foi por ele atingido com um disparo no braço. Polvarelli e os outros torturadores/meliantes retalharam então o Eremias com 35 tiros, tornando impossível até sua identificação (só souberam quem era pelas digitais).

Depois, em junho de 1970, unicamente por ter sabido que eu era amigo do Eremias desde a infância, ele fez questão de vingar-se em mim pelo final prematuro de sua carreira de judoca: estourou meu tímpano com um fortíssimo tapa de mão aberta. Nunca mais tive audição normal, apesar das três cirurgias por que passei.

Eram essas as pessoas de quem a ditadura servia-se para combater os heróis e mártires da resistência.

* jornalista, escritor e ex-preso político. Outros artigos: http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/

2 comentários:

Lilian Migliorini Villamar disse...

Celso, que texto!

Espero que mais gente tenha acesso a ele.
Nos que somos jovens vivemos dos momentos da repressao como um fato historico, e nao como memoria, no seu caso.

Que os futuros jornalistas, como eu, possamos denunciar, usar nossa expressao a favor de quem merece ser ouvido.

Grande abraço!

Anônimo disse...

Para quem nasceu no Rio de Janeiro e morou no suburbio e acompanha o noticiário em geral a figura deste tal "Capitão" e de outros comparsas é figura conhecida até na história oral popular. Quantos crimes impunes pesam nas mãos destas pessoas. Chegou a hora de sacudir a poeira no Judiciário.

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