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28.11.13

UM É CISNE PARA A ESQUERDA. O OUTRO, PATINHO FEIO. POR QUÊ?

Não faz sentido solidarizarmo-nos ao Genoíno...
José Genoíno pode, mas não deve, ser mantido numa prisão, ainda que somente à noite. Afinal, as sentenças emanadas de juízes nunca são piores do que a morte. E, sem desmerecer as conclusões das tais juntas médicas, prefiro apostar no senso comum, que indica estar no fim a jornada do velho guerreiro. 

Que passe essa quadra derradeira em paz, junto aos entes queridos. Afinal, foram bem poucos os que assumiram os riscos que ele assumiu durante a ditadura; e não havia nenhum ministro do STF dentre eles. Fez jus a ser tratado com alguma consideração, sim!

José Dirceu quer ser gerente de hotel. Se a lei lhe faculta isto, por que não? Não cometeu nenhum ato brutal, que o tornasse uma ameaça para os hóspedes. E ele é que foi condenado, não a família; deverão vir em boa hora para seus dependentes os R$ 20 mil mensais que ele pode ganhar, mas não vai ter como gastar.

A Justiça draconiana e retaliativa não passa de um anacronismo medieval, claro! Mas, muitos petistas estão nos devendo uma severa autocrítica por estarem afirmando isto com tanto atraso, e só quando os calos lhes doem.

Torço para que o Joaquim Barbosa tenha percebido a inconveniência de continuar mantendo a postura rancorosa de um anjo vingador. Mesmo que um fique em casa e o outro passe o dia gerenciando um hotel, continuarão tendo o condenado estampado na testa, além de estarem sendo expostos ao opróbrio há oito longos anos. Suas carreiras políticas despencaram. Parecer-me-ia mesquinho,  além disto, impor rigores a um Genoíno combalido e/ou impedir Dirceu de trabalhar.

TRATAMENTO DIGNO PARA OS PRESOS NÃO 
PODE FICAR RESTRITO A UM CASO CÉLEBRE

...e ignorarmos a via crucis de Norambuena.
Há, contudo, um preço a pagarmos, se a enxurrada de exortações solidárias surtir efeito: as também generalizadas reprovações dos reacionários, segundo os quais eles estariam recebendo privilégios vedados à quase totalidade dos presos.

Espero que seus partidários tenham o bom senso de, em tais circunstâncias, não negarem o que até as pedras sabem ser verdade. Deverão, isto sim, afirmar que os demais presos merecem tratamento igualmente humanitário, digno e respeitador das leis vigentes, cabendo à cidadania mobilizar-se para que tal aconteça. Está na hora de sairmos da Idade Média em termos de aplicação da Justiça.

E, se Genoíno e Dirceu conseguirem tornar-se as exceções de regras odiosas, espero que ambos tenham o discernimento de perceberem que esta brecha precisará ser alargada, para beneficiar a muitos outros injustiçados, humilhados e ofendidos pela Justiça brasileira. Caberia a eles portar-se com um mínimo de discrição, de forma a não darem pretexto para reconsiderações e recuos por parte do STF.

Miruna, filha de Genoíno, erra ao recriminar a junta médica por tê-lo considerado apto para a Papuda. Parece ignorar que aos doutores não compete avaliar presídios; e não dá importância ao fato de terem eles especificado claramente os cuidados especiais que a condição de saúde do seu pai impõe. É a Barbosa, não à junta, que cabe decidir se tais prescrições podem ser seguidas à risca na Papuda, em alguma outra penitenciária, ou se é melhor conceder-lhe prisão domiciliar.

Mas, vale a pena refletirmos sobre este trecho do seu desabafo virtual:
"Agora eu me pergunto: srs. médicos, os srs. estiveram na Papuda? Com que autoridade os srs. sentem-se no direito de dizer que meu pai pode voltar para lá? Viram as condições oferecidas? Comeram a comida de lá? Foram ao banheiro de lá? Viram o ambulatório? Equipamentos de lá?".
INFINITAMENTE PIOR É O RDD: TRATA-SE DE UM SISTEMA DE TORTURA SEM AÇÃO DIRETA SOBRE O CORPO DA VÍTIMA.

Estive duas vezes na Papuda visitando o Cesare Battisti e não discordo. Mas, se lá as condições são inadequadas para um enfermo, o tratamento que recebem os presos colocados sob o Regime Disciplinar Diferenciado, em penitenciárias como a de Presidente Bernardes, é infinitamente pior, até mesmo homicida, como bem ressaltou o professor Carlos Lungarzo, que há mais de três décadas atua na defesa dos direitos humanos em nosso continente:
"O RDD é um simples sistema de tortura, que se diferencia do clássico por não haver utilização de ação direta sobre o corpo da vítima, mas cujos efeitos são comparáveis. (...) Os efeitos dolorosos que são procurados pelo torturador estão todos presentes no RDD: isolamento de som, ausência de luz natural ou hiperluminosidade, bloqueio de funções motrizes com a mecanização de todos os movimentos do preso (como portas que são abertas de fora, e que impedem o detento girar uma maçaneta, contribuindo para a atrofia muscular), perda da noção de tempo e obliteração da memória em curto e médio prazos, o que acaba mergulhando a pessoa numa autismo irreversível".
Outro antigo guerrilheiro que, a exemplo de Genoíno, atualmente cumpre pena por delitos comuns, o chileno Maurício Hernandez Norambuena, sequestrador de Washington Olivetto, está submetido ao RDD há quase 10 anos ininterruptos, embora tratamento tão cruel e destrutivo só pudesse ser aplicado, segundo a própria lei que o instituiu, por períodos escalonados de 360 dias, totalizando, no máximo, 1/6 (cinco anos) da condenação recebida (trinta anos). Quem interessar-se, encontrará mais detalhes aqui e aqui.

Quando a formidável rede de apoio aos réus petistas se mobilizar, um pouquinho que seja, para exigir também a extinção do fascistóide RDD e para proteger outros condenados sob risco de morte, como Norambuena (que já teria se suicidado se sua personalidade não fosse tão forte), será bem mais respeitada pelo homem das ruas.

Os melhores seres humanos assumem, antes de tudo, princípios; e depois defendem a causa de pessoas em função de tais princípios e coerentemente com eles.

Neste sentido, não há motivo nenhum que justifique estarem diferenciando as agruras do Genoíno da via crucis do Norambuena; assim como a atitude de tanto apelarem por um enquanto ignoram olimpicamente o outro.

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24.11.13

SE FAZER POLÍTICA É ENFIAR A MÃO NA M..., HADDAD TEM FUTURO

O que vem após as mãozinhas dadas? O noivado?
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, segue aplicadamente os passos do seu padrinho. 

Quando foram juntos beijar a mão do Paulo Maluf na campanha eleitoral paulistana, captou o recado: ao sabor das conveniências políticas, deveria ele também abanar alegremente o rabo para os personagens mais execrados pelo PT de outrora. 

Gente como Fernando Collor, José Sarney, Jader Barbalho, Renan Calheiros, Maluf e o finado ACM se tornaram amigos do Lula desde criancinhas. As chances de Haddad ser adiante ungido para dar continuidade ao reinado petista passam por bisar nos mínimos detalhes a postura (amoralidade inclusa!) dos monarcas anteriores.

Vai daí que no último mês de junho, quando ele e o governador Geraldo Opus Dei Alckmin estiveram na França fazendo lobby para que a Expo 2020 escolha a capital paulista como sede, Haddad não viu mal nenhum em ir muito além daquilo a que era obrigado pelo dever de burgomestre: confraternizou com o carrasco do Pinheirinho num momento de folga!!!
Depois de perdida a virgindade, liberou geral...

Num dia, eles estavam cantando juntos o "Trem das onze", do grande Adoniran Barbosa, que deve continuar até agora se revirando na cova. 

Emblematicamente, nem 24 horas depois começavam as grandes manifestações contra a parceria Alckmin-Haddad no aumento das tarifas do transporte coletivo.

Aí, como diria o velho boêmio, a imagem dos dois ficou igual a "tábua de tiro ao álvaro/ não tem mais onde furar"...

Vídeo inédito da dupla desafinada e desatinada será uma das atrações do TV Folha deste domingo (24), que a TV Cultura exibe às 19h30 e reprisa às 23h30.

Sartre dizia que fazer política é enfiar a mão no sangue e na merda. Isto não desestimula Haddad. Ele desde já está fazendo tudo que julga ser necessário para não perder esse trem que não passa agora às onze horas, mas só em 2018.  

O jeito é nunca esquecermos de segurar um lenço perfumado no nariz quando ele estiver por perto.

15.11.13

O QUE O DIRCEU E O GENOÍNO AINDA PODEM SALVAR DO INCÊNDIO

A prisão sempre foi um acontecimento normal na vida de um revolucionário. Nunca nos envergonhamos de ser presos por tentarmos abolir a exploração do homem pelo homem. Nem deveríamos: só os melhores seres humanos assumem os riscos de empunhar tal bandeira.

O constrangedor, no caso do Zé Dirceu e do José Genoíno, é estarem prestes a cumprir penas em função de um episódio de corrupção. 

Nunca concordei com a decisão de alegarem inocência, que é a mesma de quase todos os criminosos comuns. O homem das ruas imediatamente conclui que são culpados.

Deveriam ter dito a verdade: que é praticamente impossível governar o Brasil sem comprar o apoio da ralé parlamentar, seja com Pastas e cargos, seja com grana. 

Que, bem vistas as coisas, era melhor fazê-lo com dinheiro do que colocando raposas para cuidarem de galinheiros. As maracutaias se multiplicariam como cogumelos.

Finalmente, deveriam ter atirado na cara das vestais do sistema que estavam sendo colocados na berlinda em função do que a grande maioria dos políticos faz e sempre fez com ultrajante impunidade. Salta aos olhos que foram utilizados dois pesos e duas medidas.

E agora, Josés?

Não adianta continuarem insistindo em que o mensalão não existiu e que os dois são angelicais. Só a militância vai acreditar.

Eu sugeriria a ambos que assumissem suas responsabilidades, tratando, em seguida, de levar ao conhecimento do povo o MAIS IMPORTANTE NISSO TUDO: o fato de jamais terem levado ou pretendido levar vantagem pessoal.

Cometeram um grave erro político, ao cederem à chantagem dos podres, incorrendo em ilicitudes para terem com que pagar a eles. Mas, não foram movidos pela ganância nem podem ser considerados os estereótipos dos corruptos, como tenta fazer crer, p. ex., a nauseabunda Veja (vide a capa abaixo).

Disto tenho certeza. E isto os diferencia dos ratos de esgoto que buscam na política apenas um atalho para o enriquecimento pessoal. 

Se conseguirem convencer o povo de que, embora hajam cometido um erro pelo qual pagarão agora um alto preço, seu objetivo final não era o de locupletarem-se, jamais tendo descido tão baixo como os políticos profissionais, salvarão algo do incêndio. Caso contrário, a burguesia e sua indústria cultural terão feito barba, cabelo e bigode de ambos. 

Contando com a amadoresca ingenuidade do PT e suas redes, que tanto tentaram influir no resultado do julgamento no STF por meio de tortuosas discussões jurídicas, quando muito mais importante era o julgamento da opinião pública, que só poderia ser conquistada por argumentos políticos. Salvar a imagem da esquerda vinha na frente de salvar pessoas do presídio. Por terem esquecido que a conquista dos corações e mentes deve estar sempre em primeiro lugar, os petistas acabaram derrotados nas duas frentes.

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11.11.13

IMPORTANTÍSSIMO: VIA CRUCIS DE BATTISTI AINDA NÃO TERMINOU

O escritor italiano Cesare Battisti desistiu de participar de uma jornada sobre liberdade de expressão na Universidade Federal de Santa Catarina, para a qual fora convidado há mais de um ano, em função de duas advertências transmitidas pelo senador Eduardo Suplicy: 
  • a de que o assessor internacional de Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, considerava que a propaganda da palestra tinha componentes políticos e não apenas literários, e Battisti, por sua condição de refugiado, não deveria se manifestar sobre temas políticos; e
  • a de que, se fizesse sua palestra, "estaria dificultando a obtenção de sua cédula de estrangeiro".
A informação é do professor aposentado da Unicamp e biógrafo de Battisti, Carlos Lungarzo, neste artigo aqui.

O assunto foi tratado numa longa conversa telefônica entre Lungarzo e Suplicy. Indagado sobre se Battisti estaria sendo ameaçado ("se Battisti insiste em defender seu direito de expressão, o governo negará a ele o RNE?"), este último esclareceu que se tratava apenas de uma "recomendação". 

O professor, que participou ativamente da campanha contra a extradição de Battisti, pondera, em primeiro lugar, que a condição atual do Cesare é de imigrante, não de refugiado:
"Tarso Genro deu refúgio a Battisti em 13/01/2009, mas esse refúgio foi anulado pelo STF na oitiva de 09/09/2009. A anulação foi ilegal [à luz da Constituição Federal, da Lei Brasileira, e da Lei Internacional assinada pelo Brasil], mas esta decisão ficou vigente. Battisti deixou de ser refugiado".
Quanto à entrega da cédula do RNE a Battisti, a situação é, no mínimo, bizarra. Prossegue Lungarzo: 
"Após sua soltura, Battisti pediu sua condição de residente permanente (que é o nome técnico no Brasil para o imigrado ou imigrante). 
Na quarta-feira, 22 de junho de 2011, o Conselho Nacional de migração concedeu a Battisti a autorização para ficar e trabalhar no país... 
Battisti está registrado oficialmente no Registro Nacional de Estrangeiros e obteve, também legalmente, a CNH que lhe permite dirigir e para quase todos os fins também serve de documento de identidade.
...Existe também um documento plástico portável para estrangeiros, equivalente à RG que têm os brasileiros. A diferença é que esse RG não é estadual, mas federal.
Ele nunca foi dado a Battisti, apesar das reclamações da rede de apoio tanto na América Latina quanto na Europa. Aliás, essa cédula não é apenas um direito, é uma obrigação do imigrado, sem a qual ele poderia ser expulso do país.
Foi isto mesmo que aconteceu, ou era só ilusão?
...Quero fazer saber, a esta altura dos acontecimentos, que o 'RG' de estrangeiro de Cesare tem um atraso de 2 anos e meio. O máximo que esse documento demora atualmente é 6 meses. Nem a Polícia Federal, nem o Judiciário, nem os parlamentares, nem o Ministério da Justiça deram nenhuma explicação crível, cada um passando a responsabilidade aos outros".
Além de questionar a proibição velada da fala de um escritor num encontro sobre a liberdade de expressão, temática que lhe é obviamente afim e no qual não teria motivo nenhum para se referir à (criticar a) Itália, Lungarzo avalia o ocorrido como a ponta de um iceberg:
"O RG é negado para criar um clima de insegurança, e é uma manobra típica em vários países usada com os estrangeiros, quando o Estado quer que eles se sintam acuados. Cesare não é um refugiado, mas é tratado como se estivesse num regime aberto de prisão; alguém com uma situação precária, que nunca deve se sentir seguro, para que nunca possa se enraizar no país, sempre vigiado, com pessoas que entram em seu domicílio quando ele não está, com todo o seu sistema de comunicações grampeado".
Compartilho da sua indignação e de suas preocupações. Estou inteiramente solidário ao Cesare e faço coro ao protesto do Lungarzo.

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7.11.13

OS JOVENS LUTAM NAS RUAS. OS VELHOS RESMUNGAM NOS PALÁCIOS.

Ao qualificar estridentemente os black blocs de "fascistas" (o que não são), a presidenta Dilma Rousseff tenta justificar a postura autoritária do seu governo, de estimular enrijecimentos repressivos e penais. Omite, contudo, que eles estão ocupando
um espaço aberto pela domesticação da esquerda tradicional, que hoje nem sequer pronuncia mais a palavra revolução -tão cooptada está pelo capitalismo e tamanha é sua obsessão em se mostrar inofensiva para os inimigos de outrora, visando manter e aumentar cada vez mais suas boquinhas na democracia burguesa.

Para quem aspira apenas a gerenciar o capitalismo pelo máximo possível de mandatos, os black blocs não passam de um empecilho, e como tal são tratados. Chama a polícia!

Para quem não abdicou dos ideais revolucionários em troca de um poder ilusório e subalterno, eles se constituem, isto sim, numa dura acusação: suas ações, algumas das quais desatinadas, são consequência de nossa incapacidade de engajar os jovens num combate mais consequente à desigualdade, injustiças e crimes que caracterizam a dominação burguesa. Nostra maxima culpa!

Faz um bom tempo que a esquerda brasileira alterna fases de legalismo exagerado com acessos, geralmente curtos, de radicalismo. 

Em 1935, Moscou ordenou um putsch contra a ditadura de Getúlio Vargas e o PCB, obedientemente, lançou-se à Intentona, de péssimas consequências. Aí, como gato escaldado, tornou-se refratário a ações mais extremadas ao longo das décadas seguintes.

Sua tibieza face ao golpe de 1964, contudo, mexeu com os brios dos comunistas. Houve luta interna, um sem-número de cisões e o PCB burocratizado deixou de ser a força hegemônica da esquerda. Como consequência, a decretação do AI-5 levou muitos agrupamentos resultantes da pulverização do partidão a aderirem à luta armada, que se tornou a principal (praticamente única)  forma de resistência à ditadura.

A trágica derrota dos guerrilheiros devolveu a bola para o campo da luta pacífica. E, com a chegada de Lula à Presidência da República, a revolução praticamente foi excluída dos planos e até dos discursos da esquerda chapa branca, cada vez mais inflada por oportunistas atraídos pela migalhas do poder.

Restava a esperança de que algum pequeno partido de esquerda repetisse a trajetória do PT, mas sem descaracterizar-se no meio do caminho. Era o sonho do PSOL, do PSTU, do PCO...

No más! Salta aos olhos que tal brecha histórica deixou de existir, não só em função do formidável aparato de comunicação de que hoje a burguesia dispõe, como também porque o PT conseguiu dilapidar o patrimônio moral acumulado pela esquerda durante a resistência à ditadura.

Na redemocratização de 1985, éramos respeitados por nosso heroísmo e tidos como uma reserva moral, uma alternativa à podridão capitalista; foi o que alavancou o crescimento petista. Os 11 anos do PT  no poder, contudo, corroeram tal conceito, favorecendo a disseminação da descrença na política e nos políticos (os quais voltaram a ser encarados, indistintamente, como farinha do mesmo saco).

Pouco importa o quanto se consigam mudar as sentenças do mensalão, o mal já está feito. Os petistas e seus aliados se preocuparam demais em salvar pessoas, quando o que importava mesmo era salvar a imagem dos revolucionários, não deixando que o cidadão comum passasse a desprezá-los como despreza os políticos convencionais.

Faltou a percepção de que a sanha reacionária não visava destruir o Zé Dirceu e o José Genoíno atuais, mas sim o símbolo do movimento estudantil de 1968 e o símbolo da guerrilha do Araguaia, pouco importando que um e outro já não fossem mais os homens que eram naquele passado distante. 

Tratava-se de um daqueles episódios nos quais as individualidades (até por terem cometido erros bisonhos) deveriam ser sacrificadas em nome da causa. Não o foram, e a indústria cultural deitou e rolou com a oportunidade única, concedida de mão beijada, de ficar desmoralizando a esquerda e seus mitos por oito anos a fio. Sabe-se lá até quando continuará capitalizando esta incrível lambança... O certo é que, quanto mais os condenados espernearem, mais ibope assegurarão para o espetáculo. O show nunca termina.

Por essa e outras, hoje praticamente inexiste o voto idealista; as eleições voltaram a ser decididas pelo voto interesseiro (que amiúde chega a ser mendicante)  e pelo voto útil. São os trunfos com que o PT conta para tentar quebrar o recorde do PRI: sete décadas de permanência estéril no poder, findos os quais os trabalhadores mexicanos continuavam tão explorados, humilhados e ofendidos como antes.

OS MASCARADOS JAMAIS CONSEGUIRÃO
IGUALAR A TRUCULÊNCIA DOS FARDADOS

Dilma mostra muita insensibilidade política ao acusar os black blocs de não serem "democráticos", exatamente num momento em que o desencanto com a democracia brasileira é generalizado e os três Poderes parecem estar numa competição de quem se desmoraliza mais no menor espaço de tempo.

Quem ainda conserva um mínimo de capacidade crítica, constata a cada momento ser o econômico o único poder que realmente conta: em torno dele gravitam os satelizados Executivo, Legislativo e Judiciário, arrotando independência em relação às miudezas mas submetendo-se caninamente à voz do dono nas questões que afetam os interesses maiores do grande capital.

Então, com a esquerda palaciana se distanciando cada vez mais do campo revolucionário e alguns partidos bem intencionados desperdiçando esforços em eleições nas quais patinam sem saírem do lugar, a esperança que resta (como augurava há meio século o fundamental Herbert Marcuse) são os contingentes à margem do jogo de cartas marcadas do sistema: os indignados que se mobilizam por meio das redes sociais e vêm sacudindo a pasmaceira da política brasileira.

Alguns já mostram uma surpreendente maturidade política, elegendo objetivos e alvos com muito discernimento, conscientes de que lhes cabe conquistarem corações e mentes, sem fornecerem pretextos para que a imprensa canalha os difame. É o caso, p. ex., do Movimento Passe Livre e dos organizadores de escrachos contra os monstros impunes da ditadura militar.

Os black blocs partem para o confronto físico com os efetivos policiais e para ações que a nossa excelentíssima presidenta coloca todas no mesmo saco de "vandalismo", como se destruir instalações bancárias fosse algo tão negativo quanto a atividade que nelas se desenvolve. Dilma deveria reler Brecht: "O que importa o roubo de um banco, comparado à fundação de um banco?".

No entanto, os mascarados jamais conseguirão igualar a truculência dos fardados. E -lição que aprendemos amargamente nos anos de chumbo!- os jagunços do sistema eram descartáveis e facilmente substituíveis, enquanto nós nos enfraquecíamos a cada baixa sofrida, perdendo companheiros de valor inestimável.

Enfim, as batalhas campais com a repressão tendem a terminar mal para o lado dos black blocs, além de conduzi-los à prisão. Devem ser evitadas tanto quanto possível, o que não implica cruzarem os braços diante das agressões bestiais que os PMs amiúde desfecham sobre os manifestantes. Quando os agentes do Estado se comportam como hordas de linchadores, é lícito, sim, defender-se deles. 

Quanto à destruição de bens, mesmo que justificada, nunca vai transparecer como tal para o grande público, já que a imprensa burguesa a apresentará da pior forma possível, fazendo a cabeça dos videotas. Com mais humor e menos furor, o recado poderia ser passado sem chocar o homem comum, nem facilitar tanto a vilificação por parte da mídia.

A atuação dos black blocs, no seu todo, deveria ser melhor dosada, pois os excessos só favorecem o inimigo. Confio em que eles saberão extrair as lições dos últimos episódios, efetuando as correções táticas que se impõem.

E respeito a determinação com que combatem o capitalismo, exibindo um espírito de luta há muito inexistente em tantos esquerdistas que os vituperam, preocupados apenas com os transtornos que poderão trazer à Copa das maracutaias e à próxima temporada de caça aos votos.

Dos primeiros, podemos esperar que amadureçam. Os segundos, em sua maioria, já apodreceram.

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