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24.8.13

ASSOCIAÇÕES MÉDICAS SEGUEM À RISCA O JURAMENTO DE HIPÓCRITA

ano é 1930. As tropas insurgentes de Getúlio Vargas vêm do RS para tentarem tomar a capital federal (Rio de Janeiro). Os efetivos leais ao presidente que elas querem depor, Washington Luiz, esperam-nas na cidade de Itararé, divisa entre SP e PR. Canta-se em prosa e verso aquela que será a mais formidável e sangrenta das batalhas.

Mas, nem um único tiro é disparado: antes, o presidente bate em retirada, entregando o poder a uma junta governativa.

Ironizando, o grande humorista Aparício Torelly escreve que, como nada lhe reservaram no rateio de cargos governamentais entre os vencedores, ele próprio se outorgaria a recompensa:
"O Bergamini pulou em cima da prefeitura do Rio, outro companheiro que nem revolucionário era ficou com os Correios e Telégrafos, outros patriotas menores foram exercer o seu patriotismo a tantos por mês em cargos de mando e desmando… e eu fiquei chupando o dedo. Foi então que resolvi conceder a mim mesmo uma carta de nobreza. Se eu fosse esperar que alguém me reconhecesse o mérito, não arranjava nada. Então passei a Barão de Itararé, em homenagem à batalha que não houve".
Uma  batalha que não houve  é o desfecho para o qual se encaminha a pendenga entre associações médicas e o Governo Federal, pois inexiste qualquer base legal para elas se queixarem à Justiça ou chamarem a polícia, numa retaliação corporativa à importação de profissionais cubanos. É tudo blefe, dos mais patéticos.

Se algum energúmeno tentar, vai perder e se desmoralizar. Ponto final.

Quanto ao  presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, João Batista Gomes Soares, que prometeu orientar os médicos do Estado a não corrigirem eventuais erros dos cubanos, está simplesmente aconselhando-os a incorrerem no crime de  omissão de socorro

Merece não só perder a  boquinha, como ser excluído da profissão e até processado criminalmente. Ao invés do juramento de Hipócrates, segue o juramento de hipócrita, colocando as suas pirraças acima da integridade física e até da vida dos pacientes. 

No que tange ao xis do problema, o Ministério da Saúde deveria ter encaminhado o assunto de uma forma mais perspicaz, exortando as entidades médicas a assumirem o compromisso de garantir o atendimento dos coitadezas dos grotões, dentro das disponibilidades orçamentárias da Pasta.

Se prometessem e cumprissem, maravilha.

Se alegassem ser-lhes impossível fornecer tal garantia, então não teriam moral para criar empecilhos à solução alternativa que as autoridades resolvessem adotar. Simples assim.

Sendo leigo em medicina, não me porei a discutir se os cubanos estão ou não suficientemente qualificados para cuidar de cidadãos brasileiros. 

Mas, pragmaticamente, as pessoas sem antolhos ideológicos decerto concluirão que a presença de quaisquer médicos nas comunidades carentes é melhor do que deixá-las em completo abandono. Se os doutores caribenhos se dispõem a trabalhar nas mesmas condições que os mercenários brasileiros recusam, então temos mais é de ser-lhes gratos. Simples assim... de novo!

Além da  batalha de Itararé, este vergonhoso episódio e o destaque desmesurado que lhe é dado pela imprensa canalha me fez lembrar Shakespeare: trata-se de muito barulho por nada elevado à enésima potência...

P.S.: depois de escrito este artigo, veio à tona o estranho esquema de pagamentos adotado no programa Mais Médicos. O dinheiro vai para as autoridades cubanas, que repassam só uma parte para os doutores, confiscando mais da metade. A colunista que aludiu a  condição análoga à escravidão  exagera, mas não deixa de ter certa razão. E, com isto, passaram a existir fundamentos legais para o questionamento do programa nos tribunais. Os responsáveis pela lambança deram, de mão beijada, a munição que faltava para os anticomunistas e/ou corporativistas extremados. Afora isto, o advogado geral da União, Luís Inácio Adams, declarou  parecer  a ele que os médicos caribenhos não têm direito a asilo político, se o solicitarem. Mas, como não cabe à AGU alterar a Constituição, tal direito continua existindo e o asilo tem de ser assegurado, não questionado, independentemente do que pareça ou deixe de parecer para o Adams.

2 comentários:

Unknown disse...

Querido amigo, boa noite. Tudo bem?
Gostei do seu post. Como você deve saber, sou médica recém formada, com o juramento de Hipócrates (ainda, mas espero que para sempre) pulsando forte em meu coração. Jamais deixaria um paciente sofrer consequências de erro, seja de quem for.
Sou sevidora pública e trabalho no SUS, bem como durante todo o período de faculdade.
A minha revolta e, acredito, da maioria dos meus colegas, não é pela vinda de estrangeiros. Primeiramente, você sabe que em outros países há atuação médica estrangeira, com rigorosos programas de avaliação, adaptação e supervisão, que pode durar anos até a conquista do cargo.
Segundo, as condições de trabalho são precárias. Há médicos brasileiros mercenários? Sem dúvida, assim como há advogados, engenheiros, arquitetos, jornalistas... Mas nem todos o são e não se trata disso. Uma amiga minha trabalha no interior do país por um salário que é o triplo do que paga aqui em Blumenau, que já considero bom. Mas ela sofre. Sofre por ver seus pacientes morrerem por falta de uma simples máquina de raio x, por falta de vaga para atendimento com especialistas, estes, que têm uma fila de milhares de pacientes para atender. Sexta feira encaminhei um paciente com urgência para uma tomografia de crânio pelo SUS (paciente com tumor cerebral), vc sabe quanto tempo ele vai esperar? Um ano, no mínimo. Na cidade que trabalhei, não tem neurologista, então, o SUS paga para ser atendido em outra cidade. Sabe quantas vagas por mês? UMA. Sabe quantos na fila?? Milhares. E, ao que diz respeito de médicos mercenários, você sabe quanto o SUS paga por atendimento ao pediatra, por expemlo? 30 reais (bruto). E a mensalidade da faculdade de medicina, período integral, ou seja, não tem como trabalhar, gira em torno de 4 mil reais,. Mesmo nas universidades públicas tem que ter apoio dos pais ou de alguém, pois material e livros são caríssimos. Um médico residente ganha (bruto) uma bolsa de 2.000,00 mensais e sua residência dura por volta de 5 anos.
A revolta, meu amigo, é gigantesca em cima de uma medida provisória descabida e populista, pois serão mais médicos (não especialistas) pedindo mais exames, mais encaminhamentos. Vivencio na pele a falta de recursos e gente morrendo por causa disso. Isso está longe de investimento em saúde. Gosto muito na analogia: "Vamos acabar com a fome no Brasil contratando mais cozinheiros". Não me entenda mal, só quis expor um pouquinho do que é estar do lado de cá. Sabe que sou grande admiradora do seu trabalho e te considero como alguém que pensa e não simplesmente vive e deixa que a massa tome partido.
Um grande abraço.

celsolungaretti disse...

Minha cara Sílvia,

o descaso com a Saúde é mais do que conhecido e, evidentemente, condenável. Há um mundo de outras providências a serem tomadas.

No entanto, se os médicos brasileiros não se dispõem a assistir os pacientes de lugarejos distantes pela remuneração que o Ministério da Saúde ofereça, nada há de errado na convocação de profissionais estrangeiros.

ESTE É O XIS DO PROBLEMA: OU UNS OU OUTROS, ALGUÉM TEM DE IR LÁ. O QUE NÃO PODE É OS COITADEZAS FICAREM DESASSISTIDOS.

Concordo inteiramente quanto à necessidade de muitas outras medidas. Mas esta se justifica, sim, e vem sendo combatida apenas por motivos CORPORATIVOS e IDEOLÓGICOS: está servindo como cavalo de batalha para a pior direita brasileira, começando pela revista Veja. O que essa gente quer, em última análise, é uma volta às trevas ditatoriais.

Você me conhece e sabe que não morro de amores nem pelo regime cubano, nem pelo PT. Mas, sei distinguir a preocupação legítima com a Saúde da utilização oportunística da Saúde como bandeira política reacionária.

Você, claro, pertence à primeira categoria. E as associações médicas, EVIDENTEMENTE, à segunda. São lobos em pele de cordeiro, hipócritas posando de Hipócrates.

Um abração, amiga!

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