PESQUISAR ESTE BLOGUE

10.5.13

USTRA NA COMISSÃO DA VERDADE: O PITI ANUNCIADO


Reduzir a pó de  traque a racionália falaciosa e performance colérica do torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra é tão fácil que, no meu caso, equivale a bater em bêbado. 

Então, não perderei muito tempo escrevendo uma  crônica do piti anunciado, que só serviria para dar destaque imerecido ao mafuá armado na Comissão da Verdade. 

Prefiro liquidar o assunto sucintamente:
  • Que a convocação do Ustra não lançaria luz nenhuma sobre assunto nenhum eram favas contadas. Como a presidente Dilma Rousseff, há alguns meses, cobrou da Comissão iniciativas que repercutissem mais na mídia, certamente o que se viu nesta 6ª feira (10/05) não passou de uma óbvia tentativa de atender a tal exigência de espetacularização --tanto que se tratou da primeira sessão do colegiado aberta ao público. Só que os crimes perpetrados por Ustra e seus cúmplices foram hediondos demais para que uma  tempestade de som e fúria significando nada  alivie minimamente nossa dor. Se não nos deram justiça, ao menos poupem-nos de farsas. 
  • Em meio à enxurrada de mentiras e asneiras, Ustra disse algo aproveitável: o Exército brasileiro e os generais ditadores foram mesmo os maiores culpados pelo festival de horrores para o qual ele concorreu como vil e servil instrumento. Considerada a correlação de forças do poder de então, um Delfim Netto, ao dar carta branca para o aparato repressivo (como signatário que foi do AI-5), teve responsabilidade muito maior nas carnificinas e atrocidades do que paus mandados como o Ustra, o Fleury e o Curió.
  • Foi pitoresco o Ustra negar a prática de torturas e, ao mesmo tempo, esquivar-se de responder se no DOI-Codi paulista, por ele comandado, existiam a  cadeira do dragão  e o  pau-de-arara. É claro que existiam! Ambos, aliás, me foram apresentados pelo tenente-coronel Waldyr Coelho, seu antecessor, quando por lá passei em abril de 1970. Como eu estivera muito próximo de um enfarte no dia anterior, cheguei do RJ com a recomendação de que não me torturassem em SP. Então, o frustrado comandante se limitou a me conduzir numa  turnê educativa  pelas dependências de sua filial do inferno, mostrando-me aquilo de que eu me safara por ser prisioneiro dos co-irmãos cariocas. Depois, sempre que pernoitava no DOI-Codi/SP após uma audiência nas auditorias do Exército, os gritos dos supliciados não me deixavam pregar o olho. Daí eu já ter comentado que só seria crível  a afirmação do Ustra, de desconhecer as torturas praticadas sob seu nariz, se ele apresentasse um atestado de surdez...
  • Há várias testemunhas, como o companheiro Ivan Seixas, de que o Ustra punha, sim, a mão na massa, participando pessoalmente das sevícias. Mas, no fundo, isto é secundário, em se tratando do comandante de um órgão sobre o qual pesam (durante sua gestão) mais de 500 denúncias de torturas e no qual pelo menos 50 prisioneiros indefesos foram covardemente executados. Os comandantes de Auschwitz e Buchenwald, tendo ou não assassinado eles próprios os presos, foram responsáveis por cada um dos exterminados nos respectivos campos de concentração. Eram bestas-feras; e o Ustra também.
  • A mais acachapante avaliação que alguém já fez de Ustra é a do ex-ministro da Justiça José Carlos Dias: "emporcalhou com o sangue de suas vítimas a farda que devera honrar". Ambos estiveram frente a frente na audiência da Comissão da Verdade e, como sempre, o  torturador símbolo do Brasil  foi incapaz de dar uma  resposta à altura, apesar das bravatas que vomita em livros e sites. Ele berra "lutei, lutei e lutei", mas vale muito pouco quando se trata de confrontar um homem em igualdade de condições.

2 comentários:

Anônimo disse...

Excelente texto!
Sou estudante, tenho 17 anos e, apesar da pouca idade, me interesso muito por essa época repugnante vivida em nosso país. É triste olhar o índice de vitimas das torturas físicas e psicológicas que estes "seres humanos" faziam, e pior ainda, ver a anistia aos torturadores e o contrário aos torturados e combatentes.
Admiro seu trabalho e valentia!

celsolungaretti disse...

Meu jovem,

foi uma luta muito trágica. Como não conhecíamos os nomes reais dos companheiros, ignoro o número exato dos que eu conheci pessoalmente e foram mortos, mas estaria ao redor de 20, incluindo um amigo de infância e uma moça que só não namorei porque a colocaria em risco (eu era muito procurado e ela, àquela altura, ainda não).

Então, encaro como um dever para com os companheiros assassinados (e também os destruídos, aqueles que sobreviveram mas nunca mais foram os mesmos) deixar estes registros do que vivi e do que tomei conhecimento. Se depender de mim, a memória não morrerá.

É o mínimo que posso fazer por aqueles que sacrificaram tudo.

Um forte abraço!

Related Posts with Thumbnails

Arquivo do blog