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30.10.09

LULA SE COMPARA À IGREJA UNIVERSAL: DIZ QUE AMBOS SÃO VÍTIMAS DE PRECONCEITOS


Para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quem continua esquerdista ao se tornar sexagenário tem um parafuso solto na cabeça.

Foi só uma frase infeliz? Não. Tratou-se, à sua maneira rústica, de uma declaração de princípios.

Pois, semana após semana, dia após dia, ele vai renegando todos os valores que dizia professar, e em nome dos quais os abnegados voluntários do Partido dos Trabalhadores fizeram campanha por ele, nas eleições perdidas para presidente da República (1989, 1994 e 1998) e governador (1982), bem como na que ganhou para a Câmara Federal (1996).

Em 2002 entendeu-se com o grande capital, para que lhe fosse permitido conquistar o ambicionado troféu que três vezes lhe escapara.

Este compromisso, ao contrário dos que firmou com os idealistas, ele cumpriu integralmente: os bancos registraram, ao longo de seus quase sete anos de governo, lucros estratosféricos. Estão entre os mais rentáveis do planeta.

Antes da última crise global do capitalismo, festejavam a cada mês novas quebras dos seus recordes de faturamento.

Durante a crise, receberam verdadeiras doações do Governo Federal, para que não estrangulassem o crédito aos que trabalham e produzem.

Em vão: usaram os recursos para precaverem-se contra as inadimplências, tratando apenas da salvação de si próprios.

Não por causa deles, o País se salvou. E os bancos continuam rapinantes, recebendo brandas admoestações de Lula pelos juros escorchantes dos cheques especiais e outros produtos.

Ao lado do puxão de orelhas de pai para filho, vem o conselho ao cidadão comum: administre melhor seus gastos!

Já tratou os retrógrados usineiros como "heróis" do nosso sofrido país.

Já colocou os interesses do agronegócio acima da própria vida do bispo Luiz Flávio Cappio.

Já renegou o uso do termo "burguesia" para qualificar os que antes ele designava como vis "exploradores".

Já fez as alianças políticas mais esdrúxulas, com desmoralizadíssimos partidos fisiológicos.

Já proibiu seus ministros Tarso Genro e Paulo Vannuchi de encaminharem, no âmbito do Executivo, a revogação da anistia autoconcedida pela ditadura a seus esbirros, obrigando-os a deslocar essa luta para a esfera do Judiciário.

Já salvou a cabeça de um dos símbolos do coronelismo brasileiro, José Sarney, além de haver aceitado e agradecido o apoio de outro, Antonio Carlos Magalhães.

Já apareceu aos abraços com figuras execradas da política brasileira, inclusive Fernando Collor, que tornou público seu adultério, sua filha ilegítima e sua tentativa de convencer a amante a abortar.

Já deu contribuição destacada para que o Brasil continuasse o país da impunidade, no qual políticos e seus corruptores nunca têm punição à altura dos seus delitos.

E, last but not least, já colocou o Exército a serviço da campanha eleitoral de um figurão da Igreja Universal do Reino de Deus, daí resultando quatro mortes estúpidas, além do péssimo precedente de trazer de novo as Forças Armadas para cuidar de questões sociais (da última vez, levamos 21 anos para reconduzi-las aos quartéis!).

Agora, necessitando dos votos da Igreja Universal para eleger Dilma Rousseff, não se vexou de equiparar a IURD a si próprio, como "vítima de preconceito"!

Prestigiando a inauguração de dois estúdios da TV Record em Vargem Grande (RJ), lembrou que a atriz Cristina Pereira, pertencente ao cast da emissora, fez campanha por ele: "Cristina saía para bater bumbo com um metalúrgico, vítima de preconceito, como a Record é vítima de preconceito".

Adiante, voltou a bater nessa tecla: "Acompanho os meios de comunicação no Brasil e sei o quanto a Record e o povo da Record foram vítimas de preconceito".

Só esqueceu um síngelo detalhe: ele próprio era vítima de preconceito por sua origem humilde, enquanto os outros são tidos e havidos como responsáveis por práticas financeiras ilícitas, lavagem de dinheiro (por meio da própria TV Record!), estelionato, curandeirismo e lavagem cerebral.

Constituíram bancadas, adquiriram influência política e têm conseguido sobreviver às muitas tentativas dos promotores de colocá-los atrás das grades.

Pior: arrancam até o último centavo de seres humanos fragilizados, que em seu desespero abrem mão dos bens materiais na esperança de obter retribuição divina.

E, como os nazistas faziam com os judeus, imantam seu rebanho unindo-o contra um inimigo comum, os cultos afrobrasileiros, alvos de uma perseguição religiosa que amiúde descamba para o vandalismo (outra reminiscência do nazismo e seus ferrabrazes).

Além dos dóceis eleitores da Igreja Universal, Lula também aprecia o tipo de jornalismo que a TV Record desenvolve, bem de acordo com sua noção de que o papel da imprensa é informar e não fiscalizar.

Assim, elogiou o investimento que a emissora está fazendo para a produção de novelas como uma "demonstração extraordinária de que acreditam no Brasil".

Acrescentou que a concorrência entre as emissoras de TV elevaria o nível do jornalismo e da cultura nacional, permitindo "que o povo brasileiro não seja vítima de alguns formadores de opinião que querem conduzi-la para formar um pensamento único".

Também aí esqueceu um singelo detalhe: a indústria cultural é mesmo altamente manipulatória, mas ainda se direciona a leitores e espectadores capazes de formar juízo próprio, enquanto a TV Record tem como objetivo último ampliar a legião de pobres coitados que atribuem qualquer evento adverso às maquinações do Capeta.

No auge das denúncias na imprensa, e mesmo quando apareceu na TV o registro chocante da divisão do butim, o rebanho fechou olhos e ouvidos à realidade escancarada, preferindo acreditar que era outra provação para testar sua fé.

E é isso que os poderosos sempre quiseram: transformar eleitores em zumbis. O que a IURD está aos poucos forjando é uma versão modernizada (e ainda mais nociva) dos currais eleitorais nordestinos, que Lula conhece tão bem.

O último dos singelos detalhes esquecidos é o de que essa máquina político-religiosa trabalha sempre ao lado dos que estão no poder... e ele, Lula, não durará para sempre.

Então, o seu legado poderá ser o de ter montado a engrenagem perfeita para evitar que, no futuro, algum sindicalista atrevido abra caminho na política, driblando todos os preconceitos, até chegar à Presidência da República.

27.10.09

ANISTIA INTERNACIONAL ACUSA: ISRAEL MONOPOLIZA ÁGUA POTÁVEL EM GAZA


A denúncia da respeitadíssima ONG Anista Internacional vem, mais uma vez, comprovar que Israel hoje incide nas mesmas práticas que tanto condenou nos nazistas.

Com a diferença de que Hollywood não faz um mísero filme sobre essas barbaridades, enquanto o Holocausto já rendeu, seguramente, milhares de produções.

E não adianta me imputarem antissetismo cada vez que um fato novo corrobora essa lamentável regressão e eu o registro.

Os judeus conscientes têm mais é de pressionar o governo de Israel para que volte à civilização, passando a respeitar as leis, os tratados e os tribunais internacionais.

Hoje, não dá mais para tapar o sol com a peneira. As notícias circulam e as pessoas tiram as conclusões que se impõem. Quem quiser ficar com boa imagem, que trate de mudar as práticas. Já passou o tempo em que bastava desqualificar as testemunhas.

Eis os principais trechos do horror nosso deste dia:
"A organização de direitos humanos Anistia Internacional (AI) acusou o governo de Israel de negar aos palestinos o acesso livre à água potável, ao manter um controle total sobre os recursos hídricos compartilhados e seguir políticas discriminatórias.

"Em um relatório divulgado nesta terça-feira, a AI afirma que Israel restringe sem razão a disponibilidade de água nos territórios ocupados da Cisjordânia. No caso da Faixa de Gaza, o bloqueio israelense teria levado o sistema de fornecimento de água e esgoto a um 'ponto crítico'.

"No documento, de 112 páginas, a Anistia sugere que Israel utiliza mais de 80% da água procedente do Aquífero da Montanha, um aquífero subterrâneo partilhado com os palestinos, que, por sua vez, só têm acesso a 20% do total.

"Segundo a organização, por essa razão, o consumo médio de água entre os palestinos é de 70 litros por dia, comparados com 300 litros entre os israelenses. A organização ressalta que há casos em que palestinos consomem apenas 20 litros de água por dia – a quantidade mínima recomendada em casos de emergências humanitárias.

"Além disso, o documento sugere ainda que cerca de 180 mil palestinos que vivem em áreas rurais não têm acesso à água corrente e o Exército israelense proibiria com frequência a coleta de água da chuva. Em contraste, o relatório destaca que os israelenses que vivem na Cisjordânia possuem grandes fazendas de irrigação, jardins luxuosos e grandes piscinas.

"'Israel só permite aos palestinos o acesso a uma parte dos recursos hídricos compartilhados, que se encontraem sua maioria na Cisjordânia ocupada, enquanto os assentamentos israelenses ilegais recebem praticamente provisão ilimitada', explica Donatela Rovera, investigadora sobre Israel da AI."

"CLAUDIO LOUCO", O GUERRILHEIRO QUE TODOS PREFEREM ESQUECER

Assembléia de marinheiros e fuzileiros navais, 5 dias antes da quartelada de 1964.

Como seria reconstituir, à maneira dos quebra-cabeças, encaixando peça por peça, uma das mais trágicas e bizarras trajetórias de militantes da resistência à ditadura de 1964/85?

Foi mais ou menos como Bram Stocker procedeu no seu clássico Drácula, só que usando registros inventados.

Vou tentar fazer essa montagem a partir dos registros verídicos de dois livros sobre trajetórias de militantes da luta armada: A Trilha do Labirinto (Inojosa Editores, 1993, relançado no ano passado pela Editora Bagaço), do companheiro Chico de Assis, ex-PCB e PCBR; e o meu Náufrago da Utopia (Geração Editorial, 2005).

Vamos, pois, à história de Cláudio de Souza Ribeiro, personagem secundário mas marcante em ambas as obras, referido pelo Chico como "Caio" e por mim como "Matos".

DA INFÂNCIA DIFÍCIL À
LUTA ARMADA
(em A Trilha do Labirinto)

"...uma infância pobre, muito pobre, moleque num subúrbio do Recife, o pai alcoólatra, degradado,diariamente no boteco, o rosto, os olhos vermelhos, inchados, a fala pastosa.

"...a mãe altiva, ainda bonita, arrimo de família com suas costuras, disfarça cada vez menos a irritação que lhe causa ver os pingos do seu suor transformados na pinga do marido cachaceiro.

"(um dia eu largo tudo e me mando com você pelo mundo)

"ameaça que acabou cumprindo, para o mal ou para o bem, Caio não sabe, sabendo apenas que se viu acompanhando a mãe, na terceira classe de um navio, rumo a Belém do Pará, quando viveu talvez seu primeiro grande trauma, o envolvimento da mãe com um companheiro de tripulação.

"...outros fatos também presentes na formação de uma personalidade visivelmente psicopática (são) a entrada na Marinha, a percepção de zombaria por parte dos outros marinheiros nos banhos coletivos, sobre o tamanho do seu pênis.

"...rejeitava agressivo a provocação, mas não conseguia com a mesma facilidade expulsá-la de dentro de si, quando sozinho se depara com o pênis, de fato pequeno, começando a acumular complexos e frustrações que teriam de explodir como explodiram, sobre a cama, na cama, na primeira tentativa de relação sexual que fizera.

"(puxa, bem, pra levantar esse aí - disse a puta - só com guindaste) não esperando a violenta bofetada que se seguiu e a cena histérica de Caio segurando-a pelos braços em constantes safanões.

"...comportamento de que se arrependia depois, mas que se foi repetindo a cada novo insucesso, até que se decidiu pelo outro extremo, o de evitar o problema evitando as mulheres e sublimando tudo na política, que começara a fazer, ainda antes de 64, no movimento sindical dos marinheiros, quando conviveu com o cabo Anselmo.

"Caio se ligou a ele sem pestanejar, transformando-se num de seus homens mais próximos, tanto que os dois foram cassados juntos, logo depois de 64, viajando então para Cuba, onde fizeram o mesmo curso de guerrilhas e fabricação de explosivos, separando-se apenas na volta, quando Caio se ligou diretamente ao comando do capitão Lamarca (...) o lider maior da Vanguarda Popular Revolucionária - VPR, (...) onde Caio ocupa posição de destaque, sobressaindo-se em ações cada vez mais espetaculares, que vão aos poucos criando, entre os dirigentes e intermediários da organização, a mística de revolucionário de novo tipo, compensatória da decepção que experimentam quando se deparam com Caio no dia-a-dia, porque aí ele era uma personalidade dificílima de conviver, como se estivesse permanentemente em guarda contra tudo e contra todos."

COMO MILITANTE
DA VPR
(em Náufrago da Utopia)

"O Congresso de Abril da VPR tem lugar em Mongaguá, no litoral sul paulista [abril/69]. Júlio [ou seja, eu mesmo, CL] viaja junto com Cláudio de Souza Ribeiro (Matos), um dos remanescentes dos movimentos de marinheiros que foram um dos estopins do golpe de 1964.

O ex-marujo é uma figura impressionante, com sua calça cinza e paletó azul-marinho. Gagueja um pouco e tem um jeitão meio insano. Mesmo quando calmo e amistoso como agora, deixa perceber que é um homem explosivo. Refere-se aos adversários na Organização — a derrotada corrente do professor Quartim — como se fossem inimigos. Dá impressão de que seria capaz de matá-los a porradas.

Ao mesmo tempo, tem um passado revolucionário dos mais ricos. No ônibus, conta episódios fascinantes como o do primeiro roubo de banco executado pela VPR:
— Nós, os ex-militares, estávamos todos sendo procurados, era difícil arrumar emprego. Chegou um ponto em que não havia mais como conseguir dinheiro para o dia a dia. Então, resolvemos expropriar um banco. Naquele momento foi por necessidade mesmo, não como uma opção política. Levamos duas ou três semanas preparando tudo, vigiando a agência, estudando cada detalhe. Adiamos várias vezes, sempre surgia algum imprevisto. Um dia não tínhamos dinheiro mais nem pra comer, então decidimos: é hoje! Lá dentro deu tudo certo. Mas o pessoal estava tão afobado que quase foi embora me deixando pra trás. Tive de correr atrás do veículo...
"Segundo ele, foi alguns assaltos depois que a VPR, após muitas discussões internas, decidiu assumir essas expropriações, espalhando panfletos nos locais. E assim, meio sem querer, a vanguarda passou a desenvolver ações armadas, com o exemplo da VPR logo inspirando a ALN e outras organizações.

"Do passado mais remoto, Matos diz que o plano de Che Guevara na Bolívia era criar um eixo guerrilheiro cortando a América do Sul de lado a lado. No Brasil, cabia a Leonel Brizola ativar uma guerrilha no Mato Grosso:
— Ele embolsou o dinheiro dos companheiros cubanos e fez aquela palhaçada em Caparaó só pra disfarçar. Da forma como ele armou aquilo, só podia cair mesmo. Então, todos nós rompemos com o Brizola. E os cubanos botaram nele o apelido de el ratón...
"[durante o Congresso de Mongaguá] os quadros mais duros são os que exibem descontrole. Lamarca e o marinheiro Matos (...) desabafam em meio ao Congresso. Queixam-se das circunstâncias terríveis em que vivem, como feras acuadas; da solidão; das traições dos companheiros que estariam sabotando a revolução etc. Problemas políticos e pessoais misturados.

"[em junho/69] a VPR está finalizando os entendimentos com o Colina — Comando de Libertação Nacional, organização surgida em Minas Gerais e que tem atuação marcante também no Rio de Janeiro.

"Logo em seguida, a confirmação: ambos os comandos decidiram somar forças, constituindo a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares. Adiante,essa fusão será homologada por um congresso em que todos os militantes estarão representados.

"O novo Comando Nacional tem seis membros, três de cada origem. Incumbidos da luta principal, a implantação de uma coluna móvel estratégica, estão Lamarca e Matos (VPR), mais o casal Juarez Guimarães e Maria do Carmo Brito (Colina).

"[durante o Congresso de Teresópolis, no qual a fusão seria homologada] as posições massistas vencem em toda linha. Há algumas discussões acaloradas, Matos se descontrola, mas não consegue deter o avanço da direita. A VAR-Palmares sairá desse congresso empenhada em recriar os laços orgânicos com as massas, sem conferir à montagem da coluna móvel estratégica a prioridade que ela precisa ter para sair do papel.

"Quando já se discute a constituição do novo comando, (...) Lamarca (...) resolve romper com a VAR e recriar a VPR.

"Sete militantes saem da VAR para reagrupar a VPR: Lamarca, Mário Japa, Matos, Darcy, Nóbrega, Moisés e Júlio."

ROMPE COM A VPR PARA
LEVAR VIDA DE CIVIL
(em Trilha)

"...[convertia-se] em várias ocasiões num tirano insuportável que não reconhece deveres, apenas direitos, e provoca constantes transtornos com suas reclamações e caprichos, atuando assim na organização, até conhecer Clea, uma militante de base que revelou interesse curiosidade por conhecer o que já é visto como novo prodígio revolucionário da VPR, pela frieza, pela audácia, pela gilidade reveladas num sem-numero de ações e particularmente pela esquisitice que, segundo afirmam, contorna sua vida pessoal.

"tratava-se da relação entre duas pessoas com níveis diferentes de participação na luta, fadada (...) a enfrentar (...) conflitos no percurso.

"(não dá mais, meu nego, o cerco tá se fechando e eu não tenho nível pra suportar a clandestinidade de vocês) ela comunicou aflita, depois de informar que fora procurada na Universidade, não tendo sido presa por questão de minutos.

" [é enorme] o desespero que o consome ao imaginar sua vida sem ela, principalmente sua vida sexual sem ela, a mulher que o levantara da definitiva condenação à impotência, vencendo pelo carinho, pela compreensão, pela absoluta indiferença com que reagira aos primeiros inevitáveis insucessos dele.

"...dois meses depois de sua saída de São Paulo, já integrada no Recife e em vias de conseguir colocação [em] uma empresa em asecensão no Nordeste, encontra-se com Caio.

"(rompi com o pessoal, querida, e vim ficar com você) (...) revelando até mesmo um certo fascínio pela história de se transformar num cidadão comum, com trabalho e residência conhecidos, empolgação que a confundiu e a fez pensar talvez fosse ainda possível viajar nas asas da ilusão que se desfez na primeira crise provocada pelo tédio e pela fulminante ação do sentimento de culpa que começava a corroê-lo implacavelmente, a cada morte ou queda de que ele toma conhecimento, escandalizando a vizinhança (...), reproduzindo a bebedeira do pai e fazendo com que ela se distancie paulatina e irremediavelmente.

"propensa às confidências e aos desabafos com os companheiros de trabalho, um deles fatalmente terminaria atraindo-a para um novo relacionamento que não teve forças ou não via razão para omitir de Caio."

BALEIA A COMPANHEIRA E
ENTREGA-SE À POLÍCIA
(em Náufrago)

"Matos, o ex-marujo que foi com Júlio até Mongaguá e chegou a ser comandante tanto da VPR quanto da VAR-Palmares, acabou justificando o apelido que tinha na Associação dos Marinheiros: Cláudio Louco. Abandonou a luta para viver com sua amada nos confins de Pernambuco. Ao descobrir que era traído, matou a companheira e se entregou à polícia, em agosto de 1971.

"Comparece a um julgamento com olhar perdido. Mantêm-no algemado durante toda a audiência, ao contrário dos demais réus. Dois policiais tomam conta dele o tempo todo."

PENITENCIÁRIA BARRETO
CAMPELO,
ITAMARACÁ/PE (em Trilha)

"[companheiro de prisão do Chico de Assis] Caio era capaz de invadir repentinamente uma cela onde estivéssemos reunidos e a título apenas de alimentar suas manias extravagantes de perseguição, declarar que a partir daquele momento só falaria com fulano ou sicrano, deixando a todos atônitos, mas ainda porque dias depois ele se arrependia da atitude e voltava a conviver normalmente com todos.

"[depois de ouvirem o relato pungente de suas desgraças, os outros presos políticos acabaram] selando com Caio uma espécie de acordo tácito, a partir do qual eles compreenderiam e terminariam perdoando todas as extravagâncias, idiossincrasias e dificuldades de conviviência que ele viesse a manifestar no longo trajeto carcerário que todos viriam a percorrer até a liberdade, não imaginando então que a de Caio seria conquistada em fuga espetacular e única entre os presos políticos do Estado".

O DESFECHO, EM 2009:
ENCONTRO MARCADO COM O DESTINO


Para terminar, acrescento o que o Chico me contou por e-mail, diante do interesse que, após ler seu livro, manifestei sobre Matos, nosso conhecido comum.

P. ex., que, no seu desespero por ter matado Clea, Matos chegou a pedir aos canalhas do DOI-Codi que o executassem, recebendo como resposta: "Aqui não morre quem quer, só quem a gente quer".

Depois de um início difícil, ele acabou se integrando ao círculo de prisioneiros políticos de Itamaracá, só vindo a fugir porque, com a anistia, seria entregue à Justiça comum, como assassino. Não admitia ficar preso junto com bandidos.

Sumiu no mundo.

O que terá feito nas duas décadas seguintes? Há rumores de que contatou um ou outro grupo de esquerda, nada tendo resultado.

O desfecho veio numa mensagem do Chico, há alguns meses: finalmente, Matos se resignou ao destino que há tanto o aguardava, cometendo suicídio.

Faz alguns dias, fui ver se encontrava pormenores de sua morte nas buscas da internet. E verifiquei que ele é citado só de passagem, numa mísera dezena de registros. Nem imagem achei!

Não me surpreendeu. Matos foi um inimigo terrível para a direita e um personagem constrangedor para a esquerda. Todos preferem vê-lo relegado ao esquecimento.

Menos o Chico de Assis e eu. Ambos desprezamos essa mentalidade de avestruzes, essa moral das conveniências - que revolucionária não é, nem um pouco.

A verdade, sim, é revolucionária, como bem dizia Rosa Luxemburgo.

E Matos, depois de ter sido privado de tantas satisfações simples dos mortais ao longo de sua sofrida vida, não merece ser despojado também do seu papel na História.

Pois, apesar das óbvias limitações, fez tudo que estava ao seu alcance para combater a ditadura mais tacanha e brutal que este país já conheceu.

Merece respeito por sua luta e compaixão pelas suas desventuras.

24.10.09

OS HOMENS UNIDIMENSIONAIS DITOS DE ESQUERDA

(reflexões inspiradas pela reação de leitores do site Vi o Mundo a meu artigo De Lula-lá a Pilatos)

Quando, na década de 1960, Marcuse comunicou o advento do homem unidimensional, deu-nos a impressão de estar apenas exagerando certas tendências dos países desenvolvidos.

Seu retrato impiedoso de um indivíduo em que foi anulada a capacidade crítica e cujas aparentemente livre escolhas são moldadas por forças exteriores parecia-nos apenas outra distopia, na linha do 1984 de George Orwell.

Aí, a partir de 1970, passamos a conviver com aqueles pré-yuppies ensandecidos, a vociferarem “Brasil, ame-o ou deixe-o!”, impermeáveis a qualquer crítica que se fizesse à ditadura militar. Só viam o que queriam ver: a conta bancária no azul, os ganhos na Bovespa, o carango na garagem. Direitos humanos? Ora, isso não enche a barriga de ninguém...

Nós nos consolávamos com o pensamento de que a censura férrea vedava aos cidadãos o conhecimento das mazelas do regime dos generais. Não queríamos acreditar que os eufóricos com o milagre brasileiro eram nossos primeiros homens unidimensionais, avestruzes que enterram a cabeça na areia quando confrontadas com realidades que desmentem suas ilusões.

Pior ainda aconteceria quando os vigaristas neopentecostais começaram a ser desmascarados pela imprensa. As provas de estelionato, curandeirismo, lavagem cerebral e outros crimes se multiplicavam, saltavam aos olhos, até formarem um quadro devastador.

Qualquer ser realmente pensante só poderia concluir que a Igreja Universal do Reino de Deus nada mais era (e é) do que uma arapuca para depenar otários. No entanto, o rebanho de fanáticos fechou os ouvidos, cobriu os olhos e tampou a boca, mantendo-se numa redoma mental até o assunto sair do noticiário. Para eles, tudo não passava de maquinações do Capeta.

O inimaginável seria o fenômeno se reproduzir na esquerda. Mesmo nos piores momentos do século passado, como quando do pacto de Stalin com Hitler, os comunistas se mantiveram disciplinados, mas tinham um mundo de dúvidas na cabeça. Calavam sua insatisfação por acreditarem que a salvação da pátria-mãe do socialismo justificava quaisquer sacrifícios.

Hoje, entretanto, o pesadelo se materializou. Passaram a existir pessoas que acreditam sinceramente ser de esquerda, e com igual sinceridade crêem que se pode possa ser de esquerda caluniando, difamando e injuriando quem quer que contrarie sua posição, mesmo que a partir de outros valores pertencentes ao campo da esquerda.

Na década de 1960, sepáravamos bem uns e outros: aos defensores do capitalismo e do totalitarismo, combatíamos como inimigos, implacavelmente; aos companheiros de outras tendências de esquerda, combatíamos como adversários, respeitando-os e buscando convencê-los, ao invés de tentar esmagá-los sob os rolos compressores do sectarismo.

Tínhamos claro que jamais deveríamos reincidir nas infamias do stalinismo (aquela caricatura grotesca do socialismo!), quando revolucionários exemplares, após uma vida inteira dedicada à causa do proletariado, eram levados a tribunais inquisitoriais sob acusações tão estapafúrdias quanto as de espionagem pró-EUA (ou pró-Alemanha, ou pró-Inglaterra, conforme o vilão do momento) ou complô para envenenar os reservatórios de água...

Parece que a internet adubou as patrulhas ideológicas, o monolitismo do quem-não-é-por-mim-é-contra-mim, o primarismo, a demagogia, a falsificação, a grosseria...

Mas, enquanto tiver vida e forças, continuarei fiel aos valores que norteiam minha atuação: os ideais revolucionários, a defesa dos direitos humanos e o exercício do pensamento crítico.

Como disse Dolores Ibárruri, no desafio que lançou a outra horda, "no pasarán!".

22.10.09

DE LULA-LÁ A PILATOS

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu longa entrevista a Kennedy Alencar, que é matéria-de-capa da Folha de S. Paulo e está integralmente reproduzida na Folha On Line.

O que dela se filtra é, principalmente, a metamorfose do Lula num mais do que competente político convencional.

Caíram do cavalo os que apostavam na sua incapacidade de pensar, falar e agir como presidente da República, por ter formação escolar apenas básica.

Pelo contrário, suas palavras e raciocínios são os mesmíssimos dos presidentes que essa gente erige como modelos.

Decepção real é a dos idealistas que apostaram nele e fizeram campanhas voluntárias, com doação extrema dos seus esforços, para colocá-lo no poder.

A faixa presidencial o fez esquecer ideologia e se tornar mais um adepto do realismo político, com tudo que isso tem de sinistro num país tão desigual e tão injusto como o Brasil.

Lula já emitiu, com outras palavras, o conceito de que só um desmiolado continua esquerdista ao se tornar sexagenário.

Agora ele acrescentou outras pérolas na mesma linha. P. ex.: "Não utilizo mais a palavra burguesia".

Coerentemente, qualifica Roger Agnelli (presidente da Vale) e Eike Batista (o homem mais rico do Brasil) com a mesma expressão: "grande executivo".

Eu preferia os tempos em que ele designava tais figuras como burgueses fdp. Mas...

Também é chocante ouvir Lula confessar que suas afirmações aparentemente tão convictas de outrora não passavam de papo furado: "Quando se é oposição, você acha, pensa, acredita. Quando é governo, faz ou não faz. Toma decisão".

Ou seja, se você não tem o poder, o que diz não passa de retórica inconsequente. Quando você está no poder, aí sim é que mostra quem realmente é, por suas atitudes.

Deu-me razão. Há anos venho afirmando que o Governo Lula se define mesmo é por sua política econômica - no caso, neoliberal, idêntica à de FHC.

Fiquem os leitores sabendo que ele concorda com este critério. Discurso é conversa pra boi dormir, o que vale é a ação.

E a atuação concreta do Governo Lula prioriza o grande capital, os banqueiros e o agronegócio. Em suma, os burgueses, que continuam existindo e sendo socialmente perversos e nocivos, pouco importando a forma como os denominemos.

Lula também deixa claro o motivo de hoje fazer coro aos reacionários em suas críticas aos MST:
"Em 2002, fizemos uma pesquisa em que 85% diziam que a reforma agrária tinha de ser pacífica. Levei mais de 15 dias para que minha boca pudesse proferir reforma agrária tranquila e pacífica. Essas mudanças têm de ter. Algumas coisas que a gente fala, pensando que está agradando, não batem com o que povo pensa".
Só esquece de dizer que o que o povo pensa tem 99% a ver com o que a grande imprensa martela na sua cabeça. E que a cobertura das ações do MST é extremamente tendenciosa e distorcida.

Mas, para um político convencional, o que importa mesmo é aquilo que o povo acredita ter concluído por conta própria, embora, na verdade, lhe tenha sido impingido pela indústria cultural.

Então, se houver considerável maioria de posições contra o MST, nas tais pesquisas de opinião nunca totalmente confiáveis, é nesta direção que o político Lula irá. Sorry, MST!

"JESUS TERIA DE CHAMAR JUDAS
PARA FAZER COALIZÃO"


O Lula realista só não aprendeu a falar muito sem dizer nada, como fazem os outros políticos convencionais. Às vezes, seus excessos retóricos permitem que descortinemos a verdade oculta atrás dos bimbos.

Seu maior ato falho, desta vez, foi proclamar em alto e bom som o que realmente são os partidos da base aliada:
"Quem vier para cá não montará governo fora da realidade política. Se Jesus Cristo viesse para cá, e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão".
Depois disto, nada mais surpreende.

Nem a defesa que faz de sua própria atuação no Sarneygate, não por considerar inocente o "grande republicano" (é assim que Lula se refere a ele noutro trecho), mas porque, se fosse feita justiça, a presidência do Senado seria assumida por um tucano. Ah, a maldita governabilidade, quantas infamias se cometem em seu nome!

Nem sua justificativa tosca ("Não tenho relações de amizade, mas relações institucionais") para a atual promiscuidade com figuras que o Lula do passado abominaria, como Fernando Collor, Renan Calheiros e Jader Barbalho.

Nem sua entendiado descaso, só faltando bocejar ("Palocci pode reconstruir a vida dele"), diante da incompatibilidade extrema entre o que Antonio Palocci fez (mobilizar todo o poder do Estado contra um mero caseiro) e a proposta original do PT (representar os humildes e os fracos na sua luta contra os poderosos).

O Lula realista, que admite fazer alianças com quaisquer judas, escolheu ser Pôncio Pilatos: lava as mãos dos resíduos imundos da governabilidade e vai em frente.

Que nunca lhe falte sabonete, e que não venha a ter também nas mãos o sangue dos inocentes - é o que lhe desejo.

21.10.09

ISRAEL É O IV REICH

Os judeus criaram os kibutzim.

Para os jovens, explico: tratou-se da experiência temporariamente mais bem sucedida, em todos os tempos, de comunidades coletivas voluntárias, praticantes do igualitarismo -- na linha do que Marx e Engels classificaram como "socialismo utópico".

O verbete da Wikipedia, neste caso, é rigorosamente correto:
"Combinando o socialismo e o sionismo no sionismo trabalhista, os kibutzim são uma experiência única israelita e parte de um um dos maiores movimentos comunais seculares na história. Os kibutzim foram fundados numa altura em que a lavoura individual não era prática. Forçados pela necessidade de uma vida comunal e inspirados pela sua ideologia socialista, os membros do kibutz desenvolveram um modo de vida comunal que atraiu interesse de todo o mundo.

"Enquanto que os kibutzim foram durante várias gerações comunidades utópicas, hoje, eles são pouco diferentes das empresas capitalistas às quais supostamente seriam uma alternativa. Hoje, em alguns kibutzim há uma comunidade comunitária e são adicionalmente contratados trabalhadores que vivem fora da esfera comunitária e que recebem um salário, como em qualquer empresa normal".
O BUND E A REVOLUÇÃO SOVIÉTICA - Os judeus também desempenharam papel relevante no movimento socialista, principalmente por meio do Bund, que existiu entre as décadas de 1890 e 1930 na Europa.

Vale a pena lembrarmos como eles contribuíram para a revolução soviética, aproveitando um excelente artigo de Saul Kirschbaum, responsável pelo Programa de Pós-Graduação em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaicas da USP :
"A crescente urbanização e proletarização dos judeus, que deixavam para trás suas aldeias empobrecidas em busca de novas perspectivas de vida, fez emergir o movimento socialista judaico na segunda metade da década de 1870. Nos dez anos que se seguiram, desenvolveu-se a luta organizada dos trabalhadores pela melhoria de suas condições. Associações de operários organizaram greves em várias cidades da região de assentamento judaico. Representantes da intelligentsia, em sua maioria estudantes, começaram a formar círculos de trabalhadores para a disseminação de idéias socialistas.

"Aglutinando todos esses esforços, a idéia de que os judeus em geral e os trabalhadores judeus em particular tinham seus próprios interesses, e por isso precisavam de uma organização própria para atingir seus propósitos, disseminou-se rapidamente entre os ativistas. Por fim, representantes dos círculos socialistas reuniram-se em Vilna em outubro de 1897 para fundar a União Geral dos Trabalhadores Judeus na Lituânia, Polônia e Rússia, conhecida em ídiche como Der Bund. O Bund não se via somente como uma organização política, e devotou grande parte de sua atividade à luta sindical. Seu programa, formulado no primeiro encontro, via como objetivo principal a guerra contra a autocracia czarista.

"O Bund também não se considerava um partido separado, mas parte da socialdemocracia russa, que existia na forma de grupos e associações dispersos. Por causa de sua força, o Bund teve papel decisivo na criação, em março de 1898, do Partido Socialdemocrata de toda a Rússia, que viria a tornar-se o Partido Comunista.

"As atividades do Bund cresceram e sua influência sobre o público judeu aumentou depois que começou a organizar unidades de autodefesa no período dos pogroms de 1903 a 1907. Desempenhou papel ativo na revolução de 1905, quando tinha atingido 35 mil membros.

"Mas o Bund não foi o único partido a atuar entre as massas judaicas. A extensa atividade política que se seguiu à fracassada revolução de 1905 permitiu a ação de outros três partidos judaicos: o Partido Sionista Socialista dos Trabalhadores, (...) o Partido Judaico Socialista dos Trabalhadores (...) e finalmente o Partido Socialdemocrata dos Trabalhadores.

"A revolução que irrompeu na Rússia no início de 1917 pôs fim ao regime czarista e implantou uma república chefiada por um governo provisório. O novo governo aboliu as discriminações e outorgou aos judeus plena igualdade de direitos. Os partidos judeus, que tinham restringido ou mesmo totalmente suspendido suas atividades durante o período reacionário que se seguiu a 1907, despertaram para grande atividade. Após a proibição imposta durante os anos de guerra sobre todas as publicações em caracteres hebraicos, as editoras em hebraico e ídiche retomaram suas atividades, e surgiram dúzias de periódicos e jornais.

"...a Revolução Soviética provou ser possível uma abordagem nova e bem-sucedida para os conflitos nacionais, por meio da criação de um estado multinacional - uma nova forma de diferentes povos conviverem num mesmo território sobre uma base de igualdade nacional. Abordagem que, na época em que vivemos, parece ter sido esquecida e negligenciada em toda parte."
DE MÉDICO A MONSTRO - Durante longo tempo, a propaganda reacionária apresentou o movimento socialista internacional como uma conspiração judaica para dominar o mundo.

Na segunda metade do século passado, entretanto, Israel viveu sua transição de Dr. Jeckill para Mr. Hide. Virou ponta-de-lança do imperialismo no Oriente Médio, responsável por genocídios e atrocidades que lhe valeram centenas de condenações inócuas da ONU.

Até chegar ao que é hoje: um estado militarizado, mero bunker, a desempenhar o melancólico papel de vanguarda do retrocesso e do obscurantismo.

O premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, acaba de determinar ao seu gabinete que estude a possibilidade de propor alterações à legislação de guerra internacional a fim de adaptá-la à necessidade de "conter a expansão do terrorismo no mundo".

Uma tese que conhecemos muito bem, pois martelada dia e noite nos sites e correntes de e-mails das viúvas da ditadura: a de que o combate ao terrorismo justifica violações dos direitos humanos. Eufemismos à parte, esta é a essência da proposta do premiê israelense.

E, se os totalitários daqui tudo fazem para salvar de punições aqueles que cometeram crimes em seu nome, os de lá não ficam atrás: Netanyahu determinou também a criação de uma comissão para defender as autoridades de Israel das acusações de crimes de guerra que lhes possam ser feitas por tribunais internacionais.

Ou seja, face ao repúdio universal dos massacres que perpetrou em Gaza na última virada de ano, Israel se prepara para radicalizar sua posição: defenderá genocidas, ao invés de os punir, como qualquer nação civilizada faria; e quer mudar as leis da guerra, para que passem a considerar lícitas e justificadas campanhas em que morrem 1.400 de um lado e 13 do outro.

Israel não tem mais nada a ver com os ideais que inspiraram os kibutzim e o Bund.

Está mais para um IV Reich. Nazista, como o anterior.

20.10.09

EM MEMÓRIA DE CARLOS MARIGHELLA

Segue a íntegra do manifesto que
será divulgado no próximo dia 4,
40º aniversário da morte de um dos
maiores revolucionários brasileiros
de todos os tempos. Adesões pelo
e-mail marialmeid@uol.com.br,
citando apenas o nome e profissão.

CARLOS
MARIGHELLA tombou na noite de 4 de novembro de 1969, em São Paulo, numa emboscada chefiada pelo mais notório torturador do regime militar. Revolucionário destemido, morreu lutando pela democracia, pela soberania nacional e pela justiça social.

Da juventude rebelde, como estudante de Engenharia, em Salvador, às brutais torturas sofridas nos cárceres do Estado Novo; da militância partidária disciplinada, às poesias exaltando a liberdade; da firme intervenção parlamentar como deputado comunista na Constituinte de 1946, à convocação para a resistência armada, toda a sua vida esteve pautada por um compromisso inabalável com as lutas do nosso povo.

Decorridos quarenta anos, deixamos para trás o período do medo e do terror. A Constituição Cidadã de 1988 garantiu a plenitude do sistema representativo, concluindo uma longa luta de resistência ao regime ditatorial. Nesta caminhada histórica, os mais diferentes credos, partidos, movimentos e instituições somaram forças.

O Brasil rompeu o século 21 assumindo novos desafios. Prepara-se para realizar sua vocação histórica para a soberania, para a liberdade e para a superação das inúmeras iniqüidades ainda existentes. Por outros caminhos e novos calendários, abre-se a possibilidade real do nosso País realizar o sonho que custou a vida de Marighella e de inúmeros outros heróis da resistência. Garantida a nossa liberdade institucional, agora precisamos conquistar a igualdade econômica e social, verdadeiros pilares da democracia.

A América Latina está superando um longo e penoso ciclo histórico onde ocupou o lugar de quintal da superpotência imperial. Mais uma vez, estratégias distintas se combinam e se complementam para conquistar um mesmo anseio histórico: independência, soberania, distribuição das riquezas, crescimento econômico, respeito aos direitos indígenas, reforma agrária, ampla participação política da cidadania. Os velhos coronéis do mandonismo, responsáveis pelas chacinas e pelos massacres impunes em cada canto do nosso continente, estão sendo varridos pela história e seu lugar está sendo ocupado por representantes da liberdade, como Bolívar, Martí, Sandino, Guevara e Salvador Allende.

E o nome de Carlos Marighella está inscrito nessa honrosa galeria de libertadores. A passagem dos quarenta anos do seu assassinato coincide com um momento inteiramente novo da vida nacional. A secular submissão está sendo substituída pelos sentimentos revolucionários de esperança, confiança no futuro, determinação para enfrentar todos os privilégios e erradicar todas as formas de dominação.

O novo está emergindo, mas ainda enfrenta tenaz resistência das forças reacionárias e conservadoras que não se deixam alijar do poder. Presentes em todos os níveis dos três poderes da República, estas forças conspiram contra os avanços democráticos. Votam contra os direitos sociais. Criminalizam movimentos populares e garantem impunidade aos criminosos de colarinho branco. Continuam chacinando lideranças indígenas e militantes da luta pela terra. Desqualificam qualquer agenda ambiental. Atacam com virulência os programas de combate à fome. Proferem sentenças eivadas de preconceito contra segmentos sociais vulneráveis. Ressuscitam teses racistas para combater as ações afirmativas. Usam os seus jornais, televisões e rádios para pregar o enfraquecimento do Estado. Querem o retorno dos tempos em que o deus mercado era adorado como o organizador supremo da Nação.

Não admitimos retrocessos. Nem ao passado recente do neoliberalismo e do alinhamento com a política externa norte-americana, nem aos sombrios tempos da ditadura, que a duras penas conseguimos superar.

A homenagem que prestamos a Carlos Marighella soma-se à nossa reivindicação de que sejam apuradas, com rigor, todas as violações dos Direitos Humanos ocorridas nos vinte e um anos de ditadura. Já não é mais possível interditar o debate retardando o necessário ajuste dos brasileiros com a sua história. Exigimos a abertura de todos os arquivos e a divulgação pública de todas as informações sobre os crimes, bem como sobre a identidade dos torturadores e assassinos, seus mandantes e seus financiadores.

Precisamos enfrentar as forças reacionárias e conservadoras que defendem como legítima uma lei de auto-anistia que a ditadura impôs, em 1979, sob chantagens e ameaças. Sustentando a legalidade de leis que foram impostas pela força das baionetas, ignoram que um regime nascido da violação frontal da Constituição padece, desde o nascimento, de qualquer legitimidade. E procuram encobrir que eram ilegais todas as leis de um regime ilegal.

Sentindo-se ameaçadas, estas forças renegam as serenas formulações e sentenças da ONU e da OEA indicando que as torturas constituem crime contra a própria humanidade, não sendo passíveis de anistia, indulto ou prescrição. E se esforçam para encobrir que, no preâmbulo da Declaração Universal que a ONU formulou, em 10 de dezembro de 1948, está reafirmado com todas as letras o direito dos povos recorrerem à rebelião contra a tirania e a opressão.

Por tudo isso, celebrar a memória de Carlos Marighella, nestes quarenta anos que nos separam da sua covarde execução, é reafirmar o compromisso com a marcha do Brasil e da Nuestra America rumo à realização da nossa vocação histórica para a liberdade, para a igualdade social e para a solidariedade entre os povos.

Celebrando a memória de Carlos Marighella, abrimos o diálogo com as novas gerações garantindo-lhes o resgate da verdade histórica. Reverenciando seu nome e sua luta, afirmamos nosso desejo de que nunca mais a violência dos opressores possa se realimentar da impunidade.

Carlos Marighella está vivo na nossa memória e nas nossas lutas.

Brasil, 4 de novembro de 2009.

19.10.09

INVESTIGAÇÃO SOBRE UMA IMPRENSA ABAIXO DE QUALQUER SUSPEITA

Ponha o dedo sobre cada item
Pergunte: o que é isso?

Você tem de assumir o comando"
(Brecht, "Elogio do Aprendizado")

Um ótimo exemplo da leviandade com que a imprensa nacional e internacional está cobrindo o Caso Battisti nos foi dado nas duas últimas semanas.

A Folha OnLine, o UOL Notícias e o portal da Band, entre outros, publicaram, no dia 07/10, uma notícia que a primeira creditou à "Ansa, em Milão" e as demais, simplesmente, à Ansa, mas não está disponibilizada nos portais dessa agência (nem no latinoamericano, nem mesmo no italiano):
"O italiano Alberto Torregiani, uma das vítimas de um dos crimes pelos quais o ex-ativista de esquerda Cesare Battisti é condenado na Itália, pediu nesta quarta-feira para ser ouvido pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que analisa o pedido de extradição feito pela Justiça italiana.

"Alberto é filho de Pierluigi Torregiani, que foi morto em frente à joalheria da família, em Milão, e também foi vítima da mesma ação, cometida em 1979. Ele foi atingido por um tiro e ficou hemiplégico.

"'Se os juízes não conseguem decidir porque falta alguma informação, eu os aconselho a escutarem também as vítimas. Eles conhecem a história apenas das cartas processuais', disse Torregiani, retomando um pedido que já havia feito.

"Em março passado, ele solicitou ser ouvido pelo Supremo, o que foi rejeitado, já que o STF não prevê depoimentos..."
Supõe-se que tenha sido uma besteirinha enviada pela Ansa a seus assinantes brasileiros, como um calhau para dar mais volume ao pacote diário desta agência -- ela mesmo consciente de que se tratava de uma total irrelevância.

Jornalisticamente, a pergunta que se impõe é: para que serve uma notícia destas, se não há hipótese nenhuma de Alberto Torregiani vir a depor na conclusão do julgamento do pedido de extradição italiano?

Obviamente, uma de suas serventias é criar prevenção contra Battisti, tentando tanger o STF para o desfecho que a Itália tanto quer enfiar-nos goela abaixo; outra, mais prosaica, é o que os antigos chamavam de "encher linguiça".

A Folha de S. Paulo percebeu que este mal dissimulado exercício de lobby era matéria de segunda linha, não lhe dando espaço na edição impressa.

ESTADÃO EMBARCA
NA CANOA FURADA


Surpreendentemente, O Estado de S. Paulo embarcou, atrasadíssimo, nessa canoa furada. O vetusto jornalão conservador publicou idêntica ladainha no dia 10/10, com a assinatura de Davide Sarsini e sem dar crédito à Ansa, óbvia fonte da notícia inicial.

Afora a repetição do mesmíssimo blablablá, a notícia Vítima de grupo de Battisti quer depor acrescentou duas informações reveladoras.

A primeira é que Torregiani não tem absolutamente nada a testemunhar no Supremo:
"É difícil traçar um quadro do que está ocorrendo, mas os acontecimentos nos levam a pensar que está sendo procurada uma maneira de adiar a extradição", avalia Torregiani. Battisti sempre afirmou sua inocência e sustenta que o disparo que deixou Torregiani numa cadeira de rodas partiu da arma de seu próprio pai.

"E o que isso tem a ver?", replica Torregiani. "Battisti não fazia parte do comando, mas é uma questão de responsabilidade. Ele foi condenado por ter participado da tomada de decisão, por ter sido o mandante do crime, e o que importa são as intenções. O crime foi premeditado e agora ele deve assumir a responsabilidade por seus atos."
Isto veio ao encontro do que ele mesmo havia declarado à Ansa, que publicou em 30/01 a notícia Filho de vítima diz que Battisti não estava presente em assassinato do pai:
"O italiano Alberto Torregiani, filho do joalheiro Pierluigi Torregiani, supostamente assassinado por Cesare Battisti, disse que não ficou surpreso com as declarações do ex-militante divulgadas pela imprensa brasileira, nas quais ele alega inocência.

"'Ele não disse nada de novo', considerou ele, que ficou paraplégico após ser atingido no mesmo tiroteio em que seu pai foi morto.

"Torregiani revelou que Battisti não participou da ação que culminou no assassinato de seu pai porque havia ido à localidade de Mestre, onde teria matado o açougueiro Lino Sabbadin. 'Está tudo nos autos do processo', explicou.

"Para ele, no entanto, 'o problema é que existe uma sentença de condenação definitiva e testemunhos que indicam ele e seus cúmplices como responsáveis pelo homicídio de meu pai'".
TORREGIANI E SUA
MEMÓRIA SELETIVA

Aqui também houve duas omissões significativas. Torregiani esqueceu de dizer:
  • que, segundo "os autos do processo", os dois assassinatos foram planejados na casa do dirigente máximo do grupo Proletários Armados para o Comunismo, Pietro Mutti, em reunião na qual é atribuída a Battisti (que, na verdade, não estava presente) apenas a omissão, ou seja, não teria objetado; e
  • que depois Mutti, como delator premiado, imputou mentirosamente a Battisti a autoria direta dos dois assassinatos, tendo a acusação engolido suas lorotas interesseiras como se fossem a tábua dos 10 mandamentos.
Aí a defesa levantou um pequeno e singelo detalhe: a distância entre as duas localidades (500 quilômetros) não podia ser transposta no intervalo de tempo transcorrido entre as ações (duas horas).

A derrubada de uma das mentiras de Mutti foi um embaraço? Longe disso. Os procuradores apenas remendaram a peça acusatória, colocando Battisti como assassino de Lino Sabbadin e autor intelectual da morte do joalheiro Pierluigi Torregiani...

Quanto a Mutti, a própria Corte de Milão assim se pronunciaria sobre sua teia de falsidades, em 31/03/1993:
"Este arrependido é afeito a jogos de prestidigitação entre os seus diferentes cúmplices, como quando implica Battisti no assalto de Viale Fulvio Testi para salvar Falcone, ou Battisti e Sebastiano Masala em lugar de Bitti e Marco Masala no assalto à loja de armas 'Tuttosport', ou ainda Lavazza ou Bergamin em lugar de Marco Masala em dois assaltos em Verona".
E o que pretenderia, afinal, Alberto Torregiani fazer no Brasil, se admite que não viu Battisti entre os assassinos do seu pai?

Ora ele afirma que "está tudo nos autos do processo", ora ele diz que os ministros do STF "conhecem a história apenas das cartas processuais".

Pretenderá dizer-nos aquilo que nem mesmo acusadores tão tendenciosos ousaram sustentar no julgamento de cartas marcadas a que Battisti foi submetido em 1987?

E é aqui que entra a segunda informação reveladora da matéria do Estadão:
"Autor do livro Já Estava na Guerra, Mas Não Sabia, em que contou sua experiência, Torregiani entrou há pouco tempo na política. É responsável pelo Departamento de Justiça do Movimento pela Itália, liderado por Daniela Santanchè...".
Para quem não sabe, trata-se de um agrupamento reacionário cuja líder é coproprietária de um night-club para ricaços da Sardenha, uma senhora assumidamente neofascista e que rompeu com Berlusconi por considerá-lo demasiado tímido na defesa dos ideais direitistas...

Então, a motivação de Alberto Torregiani se evidencia desde a cadeira de rodas que ocupa espaço tão destacado na capa do seu livro: é uma vítima profissional querendo aparecer no noticiário, já que engata uma carreira política e literária nas fileiras da extrema-direita italiana.

Que a Folha OnLine, o UOL Notícias e O Estado de S. Paulo, dentre outros veículos, tenham aproveitado esta não-notícia é patético... ou suspeito.

O único sítio apropriado para ela são os sites e blogues da extrema-direita, dedicados a martelar incessantemente propaganda enganosa, como Goebbels recomendava.

Para estes, aliás, acabou servindo como munição. Vários, começando pelo do Reinaldo Azevedo, a reproduziram.

SUPLICY REIVINDICA
OUTRA IMPOSSIBILIDADE

Em seguida, foi a vez do senador Eduardo Suplicy dar sua contribuição a esta comédia de erros, enviando aos ministros do STF um pedido de que, no caso de decidirem ouvir Torregiani, ouvissem também Battisti!

Evidentemente, nem uma coisa nem outra ocorrerá. Mas, foi o bastante para, no dia 14/10, a Ansa Brasil prosseguir com sua "história contada por um tolo, cheia de som e fúria, significando nada" (nunca a citação de Shakespeare foi tão apropriada!): aproveitou a vacilada de Suplicy para continuar dando quilometragem a uma impossibilidade.

A Folha OnLine novamente foi a reboque do incrível exército brancaleone.

Enviei à Folha OnLine e à Ansa pedidos de espaço para apresentar o outro lado da questão, da mesma forma como o expus aqui.

Ambas o ignoraram olimpicamente, o que, aliás, era previsível: não há mesmo justificativa possível ou imaginável para exercício tão medíocre do jornalismo.

Melhor enfiarem a cabeça na areia, como avestruzes.

18.10.09

QUEM TEM MORAL PARA CASSAR SUPLICY NESSE SENADO?

Os "bons companheiros" Sérgio Fleury (1º, da esq. p/ a dir.) e Romeu Tuma (3º), no auge da ditadura, quando atuavam no Dops.

Desta vez, o senador Eduardo Suplicy (PT) corre risco bem maior de ser cassado por quebra do decoro parlamentar: o corregedor-geral do Senado, Romeu Tuma (PTB), informou que abrirá investigações sobre o caso da cueca vermelha na próxima 3ª feira (20), praticamente antecipando que a conclusão será o envio de uma representação ao Conselho de Ética.

Para quem não se lembra, Tuma era superior hierárquico do pior assassino serial da Polícia Civil durante a ditadura militar, o delegado Sérgio Paranhos Fleury.

Diretor-geral da Delegacia de Ordem Política e Social no auge do terrorismo de Estado, Tuma passou depois a chefiar o Serviço de Informações do seu sucessor, o Departamento Estadual de Ordem Política e Social -- função que ocupava durante o Caso Herzog.

Em 2005, um dos remanescentes desse episódio e atual presidente da Fundação Padre Anchieta, o jornalista Paulo Markun lançou o livro Meu querido Vlado, trazendo uma gravíssima acusação contra Tuna: foi o primeiro a denunciar Herzog, o que teria feito dele um alvo para o DOI-Codi.

Markun exibiu ata de uma reunião dos serviços de informações da ditadura, realizada 45 dias antes da morte de Vlado, da qual consta o seguinte informe de Tuma:
"Que o canal 2, através de seu departamento de jornalismo, está fazendo uma campanha sistemática contra as instituições democráticas e esse fato foi notado após ter assumido a direção daquele departamento o jornalista Wladimir Herzog, elemento sabidamente comprometido".
Tuma assumiu a autoria do informe, como parte de suas atribuições na época, mas negou qualquer responsabilidade nos eventos posteriores: "Há uma distância oceânica entre isso e o que aconteceu com o jornalista Vladimir Herzog".

Da mesma forma, Tuma sempre conseguiu manter "uma distância oceânica" das torturas e assassinatos cometidos por Sérgio Fleury. Nenhum ex-preso político se lembra dele como torturador, mas Ivan Seixas garante que ele analisava as informações arrancadas nas torturas e decidia quem (e quanto) seria torturado.

XERIFE DE SARNEY

Não há nada a estranhar em sua volta espetaculosa à cena como xerife do Plano Cruzado durante o Governo Sarney. Tinham a afinidade básica de haverem servido fielmente à ditadura militar e conseguido, com inegável jogo de cintura, escapar do destino que lhes deveria caber num país redemocratizado: a responsabilização ou, no mínimo, o ostracismo.

Esse é o personagem que hoje bate no peito e proclama: "É tão ridículo que custei a dar crédito às fotos. É chocante que um senador ande de calcinha por pedido de um programa de TV".

Será que o episódio burlesco protagonizado por Suplicy no Pânico na TV é o verdadeiro motivo da diatribe de Tuma?

Ou ele estará aproveitando para dar o troco pela recente expulsão simbólica que Suplicy aplicou a seu amigo e protetor Sarney?

O certo é que Tuma fez questão de lembrar o caso do cartão vermelho com estas palavras: "O senador feriu as regras e sujou a imagem do Senado em um período não muito positivo de sua história".

Noves fora, o que realmente quebrou o decoro parlamentar e sujou a imagem do Senado, em tempos recentes, foi a absolvição dos culpadíssimos Sarney e Palloci, não a palhaçada inofensiva de Suplicy.

Em nome de tudo que Suplicy já fez pelas causas justas, temos a obrigação de defender com todas as forças seu mandato.

Mesmo porque, pior do que a cueca vermelha são os dolares na cueca, contra os quais o Senado jamais agiu com a energia que se impunha.

Suplicy, entretanto, tem de se compenetrar que seu papel como principal defensor dos direitos humanos no Congresso Nacional é incompatível com exposições ridículas de sua imagem.

É hora de optar, de uma vez por todas, pela priorização da credibilidade ou dos holofotes, nas situações em que uns excluírem a outra.

14.10.09

CARAVANA ELEITOREIRA VISITA MARACUTAIA DO SÃO FRANCISCO

Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comanda caravana eleitoreira de visita às obras de transposição do rio São Francisco, vale lembrarmos as duas greves de fome com que o bispo de Barra (BH), Luiz Flávio Cappio, tentou evitar a concretização desse projeto de incremento do agronegócio às expensas do Erário e com graves danos ecológicos.

Foram 11 dias de jejum solidário em 2005, interrompidos por promessa não-cumprida pelo Governo Federal de abrir um verdadeiro diálogo sobre a obra; e 24 dias em 2007, quando D. Cappio acabou cedendo às recomendações médicas, face aos riscos reais de vida que estava correndo, sob os olhares indiferentes dos que chegaram ao poder nos braços do povo e hoje priorizam os interesses do capital.

Fiz quatro textos sobre a cruzada de D. Cappio em dezembro/2007: Lula vai mirar-se em Cristo ou Pilatos?, Senhor Deus dos Desgraçados, Carta aberta ao presidente Lula e O rescaldo da greve de fome.

Estão entre aqueles de que mais me orgulho, nesta melancólica década em que tantos e tantos de nossos companheiros do passado trocaram os ideais pelas conveniências, postergando indefinidamente as lutas pelo estabelecimento de uma sociedade sem classes, que deveriam nortear todas as ações dos revolucionários.

Para sintetizar, podemos formar um quadro sobre o projeto a partir de trechos desses artigos que até hoje permanecem válidos:
"O governo se tornou a voz de um pequeno grupo da elite e, infelizmente, o presidente Lula se tornou refém do capital internacional" (D. Cappio)

“...essa água não é para 12 milhões de pessoas, é para pequenos grupos do capital” (D. Cappio)

"...a transposição vai ter impacto extremamente negativo sobre o rio São Francisco (que já está fragilizado e necessitando de urgente revitalização) ao levar suas águas para os grandes açudes do Nordeste, com a principal finalidade de favorecer empreendimentos privados".

"...pela metade do custo, poderia ser implementados projetos como o da Agência Nacional de Águas, para beneficiar os 32 milhões de habitantes de mais de mil municípios; e as obras da Articulação do Semi-árido Brasileiro, voltadas para outros 10 milhões".

"A arrogância com que o Governo Federal trata as vozes dissonantes é uma confissão involuntária de que seu projeto não sobreviveria a um debate franco".

"Cidadãos de reconhecida competência e credibilidade apontam falhas de todo tipo: concepção equivocada, relação custo/benefício muitíssimo pior que a de projetos alternativos, danos ecológicos que podem se tornar catastróficos. Por que tanta insistência, a ponto de tocar a obra com soldados, evocando os tempos sinistros da ditadura militar?"
E, do site da Comissão Pastoral da Terra, vale reproduzir algumas avaliações que o sociólogo Rubem Siqueira faz hoje do projeto:
"Não há nenhuma preocupação com a quantidade da água. O São Francisco está perdendo vazão... a revitalização que o governo alardeia não está acontecendo, e o rio continua em seu processo de degradação.

"...poucas estações de esgoto estão sendo projetadas, pois são caras, mas são elas que devolvem ao rio a água limpa. (...) Em alguns casos, vimos que aumentou o esgoto lançado no rio e não o esgoto tratado. Mas a grande questão é ainda a quantidade da água. Saíram agora estudos de climatologia dizendo que, entre os rios do mundo, na América do Sul, o São Francisco foi o rio que mais perdeu água. Perdeu 35% de vazão nos últimos 50 anos. (...) É um rio com todas as evidências de um quadro hídrico crítico, no entanto, o governo continua com esses projetos que privilegiam a produção de cana-de-açúcar para etanol em toda a bacia do São Francisco.

"...semiárido brasileiro (...) é uma região, entre os semiáridos do mundo, que mais concentrou água, que mais fez açudes. São 70 mil açudes. Há açudes que têm seis bilhões de metros cúbicos de água. São grandes cemitérios de água, porque essas águas estão lá e não estão sendo usadas, ou são usadas pelos grandes latifundiários. Para que, então, exportar água? Alguns falam que a transposição dará segurança hídrica às águas do nordeste. Mas nós perguntamos: aumentar a oferta hídrica para quem? Para fazer o que? A que custo? Qual o desenvolvimento que está por trás da transposição? Esse debate não está sendo feito. Essa água acumulada, por lei, deve ser acessível à população do árido, mas não é.

"Volta e meia, o Tribunal de Contas da União pública divulga relatórios, mostrando que, nas obras da transposição, têm ocorrido ilegalidades e indícios de corrupção. Na região, houve uma expectativa muito grande de empregos que não se concretizaram ainda. Há problemas de prostituição com esse pessoal que vem para o trabalho concreto, além do desmatamento nas regiões 'beneficiárias'. Algumas famílias de camponeses já foram desapropriadas e indenizadas, com isso, a produção de alimentos caiu. Isso significa fome, sede. Há uma insegurança na população. Esses são os impactos iniciais".
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