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2.3.09

CARTA ABERTA AOS MINISTROS DO STF

Senhor Ministro,

nunca me alinhei com os adeptos do "quanto pior, melhor!". Tanto que fui um dos poucos homens de esquerda a defender a integridade do instituto do habeas corpus, quando o juiz de instância inferior tentou "contornar" a decisão do Supremo Tribunal Federal. Recebi críticas as mais pesadas e injustas, mas mantive minha convicção.

Ao sair das prisões militares em 1971, decidi que seria pelo resto da vida inimigo das ditaduras, de todas as ditaduras. Coerentemente, jamais contribuirei para desprestigiar as instituições democráticas.

Daí o meu empenho em evitar que o STF cometa o pior erro de sua história, reduzindo drasticamente a abrangência do refúgio humanitário e extinguindo uma de nossas mais generosas tradições, a de acolher de braços abertos os perseguidos políticos de todos os quadrantes.

A avassaladora pressão italiana é a prova mais eloquente de que Cesare Battisti sofre uma perseguição política. Nenhum país mobilizaria tantos recursos, agrediria de forma tão arrogante as instituições de uma nação soberana e se comportaria com tamanha histeria apenas para punir um homem envolvido em episódios nebulosos de três décadas atrás, e que desde então não fez mal a uma mosca.

A Itália aderiu fanaticamente ao fascismo na primeira metade do século passado, a uma versão peninsular do macartismo na década de 1980 e à caça ao bode expiatório na Era Berlusconi.

O ódio desmedido por esse homenzinho inofensivo e combalido que é Battisti, em tudo e por tudo nos faz lembrar o ódio desmedido com que os nazistas perseguiam os judeus. Num e noutro caso, a verdadeira motivação foi sempre a destruição de símbolos.

Quem encarna agora o símbolo é um ser humano que já sofreu demais, o suficiente para purgar quaisquer pecados que tenha cometido (exceto crimes de sangue, claro, mas por estes jamais foi condenado em julgamentos legítimos, e sim em arremedos de tribunais que se constituíram sob leis flagrantemente de exceção, como bem ressaltou o grande Norberto Bobbio).

Algumas decisões do STF têm chocado e desiludido os brasileiros, que esperavam por posturas mais condizentes com o espírito da Justiça que inspira os melhores seres humanos em sua sofrida jornada na Terra.

Se o Supremo decidir entregar Cesare Battisti à retaliação italiana, talvez seja o golpe de misericórdia na fé que os homens simples e justos ainda têm nas instituições. Parecerá confirmado que os poderosos tudo podem e aos humildes só resta serem crucificados como Cristo ou martirizados como Olga Benário.

Com a agravante de que quem entregou Olga aos nazistas não passava de um ditador, por quem os brasileiros podiam, pelo menos, não se considerar representados.

Já o STF nos representa, incontestavelmente. E, se repetir o gesto infame de Vargas, o opróbrio nos atingirá em cheio. Morreremos um pouco em cada dia, enquanto Battisti estiver encarcerado, com privação da luz solar, numa masmorra italiana.

Neste 2009 de contornos tão sinistros, os brasileiros precisamos, como nunca, de solidariedade, compaixão e esperança.

Rezo para que Deus vos ilumine, ministros do Supremo, inspirando-vos a nortearem vossa decisão por esses que são os sentimentos mais nobres dos seres humanos.

Respeitosamente,

CELSO LUNGARETTI
(jornalista, escritor e ex-preso político)
Em 01/03/2009

3 comentários:

Anônimo disse...

Cumprimentos pela precisa e justa carta aberta que certamente expressa o sentir e o pensar da maioria do povo brasileiro.
Com admiração
Maria Lucia

RLocatelli Digital disse...

Faço minhas suas palavras.
Que o STF pese muito bem sua decisão, para não desacreditar mais ainda o judiciário brasileiro.

Anônimo disse...

Celso, têm interesse para você postar esta informação sobre os sites onde se encontram as sentenças de Battisti?
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As Sentenças contra Césare Battisti (Veja os textos completos)
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Os únicos documentos que foram disponibilizados para todo o público sobre o caso Battisti são 3 sentenças e um histórico feitos pela justiça de Milão, onde o leitor poderá apreciar que a única “prova” que se apresenta, é uma reconstrução de Pietro Mutti e outros que foram premiados com fortes reduções de penas. Salvo no último, as páginas têm pouco texto (letra grande e separada), e podem ser lidas com detalhes em pouco tempo. Quem analise (1) e (3) em especial observará as lacunas do relato, a superposição de eventos, a exagerada insistência em interrogar a MUTTI, algumas surpreendentes frases de elogio do relator em relação com Mutti, a quem apresenta como um "herói" da causa. A primeira sentença, em particular, descreve fatos secundátios com grande detalhe, mas não informa quem era, onde moravam, e outros dados pessoais das testemunhas oculares. Aliás, nem mesmo diz seus nomes.
Embora as provas materiais não possam ser mandadas pela Internet, os documentos não dizem onde essas provas foram arruladas, nem em que consistem. Houve alguém de fora (um cidadão comum) que viu a Battisti, que fez o identi-kit? Alguém bateu alguma foto? Por que quando Battisti foi detido logo depois do crime, em 1979, foi condenado por tenência de armas (que, segundo a perícia não tinham sido usadas) e não por participação nos assassinatos?
Se O STF do Brasil recebeu algum documento que menciona a existência real de provas, não entendo por que não é publicado.
A Delação de Mutti, Fatone e outros são casos de interesse pessoal. Embora a delação premiada seja sempre um procedimento inseguro, sujo e perverso, em alguns casos pode funcionar (isso não justifica que se aplique) quando e réu denunciado é interrogado, e perante a denúncia de um cúmplice, sua negativa se desmorona.
Mas, aqui Battisti foi condenado em ausência. Em fim, leia estes textos. Foram publicados pelas vítimas, às quais não devem ter nenhum interesse em beneficiar o PAC, não acham?
Se vocês se interessam pela causa de justiça, mostrem a pessoas que possam dar uma opinião e, se quiserem, pronunciem-se...
Alguns de vocês acharia ser justo condenado a uma multa por excesso de velocidade, com base nestes argumentos?
(1)www.vittimeterrorismo.it/archivio/atti/sentenzaPAC1988.pdf
Sentença da Primeira Corte Criminal de Milão. 753 pág.
(2) www.vittimeterrorismo.it/archivio/atti/sentenzaPAC1990.pdf
Sentença da 1a Corte de Recursos. 120 pág.
(3)www.vittimeterrorismo.it/archivio/atti/sentenzaPAC1993.pdf
Sentença da Segunda Corte Criminal de Recursos. São 53 páginas.
(4)www.vittimeterrorismo.it/archivio/atti/PAC_iter_storico.pdf
Reconstrução Histórica, 306 pág.

Carlos Lungarzo

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