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31.5.07

POR DENTRO DA REITORIA OCUPADA

A última segunda-feira de maio é ensolarada, uma exceção no invernal outono paulistano. As pessoas ao redor da reitoria da Universidade de São Paulo, ocupada pelos estudantes desde o dia 3, mostram aquela animação habitual de quem reencontra o calor e o céu azul, após vários dias frios e cinzentos.

Conversam, brincam, confraternizam. Há líderes de servidores públicos se revezando num alto-falante para instruir/entreter quem chegou adiantado à reunião da categoria que terá lugar ali mesmo, ao ar livre. Ninguém parece preocupar-se com uma invasão da Polícia Militar, para cumprir o mandado de reintegração de posse concedido pela Justiça.

Uma barricada de pneus diante da entrada é a vitrine da ocupação. De que realmente servirá, caso cheguem brutamontes bem treinados e equipados, que têm a violência como realidade cotidiana? Quase nada. Mas, os símbolos têm papel importante nas batalhas em que o grande objetivo estratégico é a conquista de corações e mentes.

Diante da única porta de entrada, alguns estudantes do esquema de segurança fazem a triagem dos visitantes. Basta ter uma carteirinha de aluno ou professor da USP para entrar sem problemas. Como não sou uma coisa nem outra, levo alguns minutos para convencê-los de que não vim brincar de 007.

Como credencial, apresento meu livro Náufrago da Utopia, que por acaso trago comigo. Agrada-lhes o caderno iconográfico, com muitas fotos do movimento estudantil de 1968. Meio convencidos de minhas boas intenções, deixam que eu vá parlamentar com a Comissão de Comunicação (ou rótulo que o valha). Acompanhado, por enquanto.

Lá decidem que eu posso circular à vontade pela reitoria ocupada, liberando meu cicerone/vigia para outras tarefas. Uns 15 estudantes rodeiam meia dúzia de computadores, uns digitando e os outros palpitando.

Cuidam de manter o blog da ocupação no ar, de selecionar e imprimir textos que serão expostos nos quadros de avisos e paredes. E também de mandar mensagens de esclarecimento aos jornalistas que falam mal da ocupação. [Como se isso adiantasse. Tirando honrosas exceções, a imprensa se colocou contra os estudantes, às vezes dissimuladamente, outras da forma mais panfletária e caluniosa, como fez a Veja São Paulo, que os acusou de “vândalos”, “baderneiros” e “arruaceiros”.]

A diferença mais marcante em relação às ocupações antigas é, exatamente, o esquema de comunicação sofisticado da atual, incluindo TV por Internet e “rádio livre”. De resto, sinto-me como se tivesse entrado num túnel do tempo e desembarcado naquele mês de julho de 1968 em que a Faculdade de Filosofia da rua Maria Antônia (SP) esteve ocupada para servir como QG das iniciativas em apoio da Greve de Osasco, lançando a nova onda que (como agora) rapidamente se alastrou.

Os mesmos colchonetes espalhados por um salão em que repousam alguns sentinelas cansados, após a vigília da madrugada – período mais propício para uma operação policial, exigindo, portanto, cuidados redobrados (e muita disposição para enfrentar o frio).

Os mesmos jovens com roupas coloridas e brilho no olhar, convencidos de que estão fazendo História, embora alguns ainda sejam imberbes.

Os mesmos mosaicos de textos e imagens compondo um visual agradavelmente anárquico. [O pôster mais hilário é o do governador José Serra fazendo mira com um fuzil e os dizeres “José Serra, nada mais nos U.N.E.”. Que ingenuidade, deixar-se fotografar em pose tão incompatível com sua aura e seu passado!]

Sou capaz de apostar que, se fizesse uma “excursão” como a que estou fazendo, a reitorazinha teria chiliques, pois, à “anarquia criativa”, deve preferir os ambientes burocratizados, assépticos e sem vida, a julgar pelo que revela nas entrevistas: faz musculação, esteira e escova nos cabelos, usa terninhos de estilo clássico, quer corrigir pálpebras e bochechas com cirurgia plástica.

Deuses, o que faz uma farmacêutica numa posição dessas? Serão esses os temas que uma reitora deve tratar na imprensa, quando sua universidade vive a maior crise das últimas décadas? [De quebra, é uma ingênua que, a mando ou com autorização do governador, pede reintegração de posse e depois paga o mico de ver o mandado judicial descumprido, já que os estudantes não engoliram o blefe e Serra teme as conseqüências desse presumível confronto sobre suas ambições políticas.]

Apesar de toda a grita demagógica dos direitistas empedernidos e dos cristãos-novos do reacionarismo, não há sinais visíveis de depredação ou vandalismo. Aliás, os estudantes criaram um sem-número de comissões, para cuidar de cada detalhe “administrativo” da ocupação, zelando pelo patrimônio público. Até permitem que os faxineiros continuem cumprindo sua função de manter limpas as várias dependências, indiferentes ao “perigo” de que o “inimigo” possa infiltrar-se camuflado com macacões.

O que não funciona mesmo são os caixas eletrônicos de bancos, nos quais foram colados avisos de “sem dinheiro”. Uma fração infinitesimal da usura consentida pela Justiça e abençoada pelo sistema foi detida. Vem-me à lembrança uma música de Sérgio Ricardo, ídolo dos universitários responsáveis pelas ocupações de quatro décadas atrás: “Os bancos e caixas-fortes/ que eram rocha, se quebraram/ e um rio de dinheiro correu”.

À saída, lanço um último olhar a esses jovens belos, brilhantes e idealistas, aparentemente tão frágeis, mas dispostos a enfrentar a tropa de choque da PM, se isso for necessário. Espero, torço para que não venha a ser.

Volto para o mundo real da desigualdade, da competição e da ganância, depois de um breve reencontro com o faz-de-conta revolucionário. Ciente de que há um longo caminho a percorrer até que os voluntários da utopia voltem a ser em número suficiente para tentarem ir além do faz-de-conta.

E, mesmo assim, esperançoso, pois um passo importante está sendo dado, com esse renascer do movimento estudantil que ora se delineia. É tudo de que precisamos, a renovação e oxigenação da esquerda, depois de tantas desilusões e defecções.

As pedras voltam a rolar.

P.S. – Já me preparava para expedir este texto em várias direções quando foi anunciado que, "a pedido" dos reitores da USP, Unicamp e Unesp, bem como do presidente da Fapesp, Serra reformulou um e deu nova interpretação a outros quatro daqueles decretos contestados pelos estudantes, funcionários e professores por ferirem a autonomia universitária. Conseqüentemente, os “vândalos”, “baderneiros” e “arruaceiros” é que estavam certos. Seus detratores, se tivessem um mínimo de dignidade, lhes pediriam desculpas publicamente.

EX-PRESIDENTE DA UNE CHAMA A POLÍCIA CONTRA ESTUDANTES

“Hoje o samba saiu, lá lalaiá, procurando você
Quem te viu, quem te vê
Quem não a conhece não pode mais ver pra crer
Quem jamais esquece não pode reconhecer”
(Chico Buarque, “Quem Te Viu, Quem Te Vê”)

Termine como terminar a ocupação da reitoria da Universidade de São Paulo por estudantes indignados com uma possível quebra da autonomia da instituição, o grande perdedor, claro, é o governador José Serra, que começou sua trajetória política como presidente da União Nacional dos Estudantes e agora repete as práticas autoritárias do ministro da Educação da ditadura, Jarbas Passarinho. Faz lembrar a propaganda contra armas que eu via nos ônibus quando criança: “hoje mocinho, amanhã bandido”.

Depois que o estado de direito foi restabelecido no Brasil, a atitude de tratar protestos justificados como caso de polícia parecia estar destinada à lata de lixo da História (bem como, aliás, quase todo o “legado” do regime militar). Foi estarrecedora a decisão de Serra, de erigir a Polícia Militar em sua “negociadora” com os estudantes.

É mais uma personalidade empenhada em incinerar seu currículo, talvez até como forma de se tornar palatável para os inimigos de ontem. Afinal, é assim que agem alguns homens de esquerda quando colocam a Presidência da República como seu objetivo supremo...

Os estudantes ocuparam a reitoria no último dia 3, reagindo a um decreto promulgado pelo Governo do Estado que altera a estrutura das universidades públicas estaduais. O educador Antonio Carlos Robert Moraes critica a medida sob vários ângulos:

· não constava do programa de governo de Serra, nem foi levantada em sua campanha eleitoral;· não houve discussões prévias com a comunidade uspiana;

· sua necessidade para aprimoramento do ensino é das mais discutíveis no caso da USP, que estava mantendo a excelência de sua produção acadêmica e vinha expandindo vagas;

· além de aparentemente desnecessário, o decreto continha graves lacunas e imprecisões, só sanadas com as alterações efetuadas depois da promulgação.

Se um eminente professor como Moraes reclama que a “Universidade de São Paulo não pode ser colocada na ‘bacia das almas’ do jogo de interesses mercantis, partidários ou político-eleitorais”, é fácil imaginar como tudo isso repercutiu entre os estudantes.

Serra, mais do que qualquer outro, tem a obrigação de saber que a tradição da USP é de resistir a imposições autoritárias. Deveria ter revogado o decreto e aberto a discussão. Em vez disso, preferiu enfiá-lo pela goela dos professores e alunos adentro. Será o grande responsável por tudo de mau que vier a acontecer.

* jornalista e escritor. Mais artigos em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/

21.5.07

CARTA ABERTA A UMA REVISTA TENDENCIOSA, MANIPULADORA...

...E ARROGANTE

Ao Diretor de Redação, VEJA:

Envio-lhe esta terceira mensagem porque o Sr. olimpicamente ignorou as duas anteriores, embora fosse minha a posição correta, em termos jornalísticos e éticos. Então, para ter a certeza de que os leitores da Veja poderão ter acesso ao "outro lado" -- o qual lhes vem sendo sistematicamente sonegado pela revista --, faço desta uma carta aberta.

Na edição de 09/05/2007, a Veja publicou no espaço informativo a matéria "Um perigo chamado MR-8", sobre o mesmo assunto e com o mesmíssimo enfoque alarmista da coluna semanal de Diogo Mainardi, o que, em si, já seria ridículo para qualquer veículo da grande imprensa, à qual cabe fazer jornalismo e não proselitismo.

Nos dois textos, uma afirmação obscura do jornal de um pequeno partido serviu como pretexto para a delirante acusação de que se trataria de uma exortação ao assassinato de Mainardi. Em nenhum momento a Veja ressalvou que a frase comportava outras interpretações, como a de que seu colunista, além do dinheiro que perdeu ao ser condenado pela Justiça como caluniador, poderia ser privado também da liberdade por um juiz de "alma pia".

O tratamento parcial e bombástico dado à pretensa ameaça de morte no texto "informativo" foi reforçado pela coleta de depoimentos de apoio junto a personalidades que têm óbvios motivos para preferirem continuar nas boas graças da Veja.

Cabe a pergunta: se o MR-8 cometeu crime tão grave como o de incentivar um homicídio, porque Mainardi e a Veja não o denunciaram à Justiça? A resposta, claro, é serem eles os primeiros a saber que se tratou apenas de uma tempestade em copo d’água e que nenhum tribunal do mundo condenaria alguém a partir de uma afirmação tão ambígua e inconclusiva. Então, optaram por tentar obter dos leitores uma condenação que jamais conseguiriam dos juízes.

Isto tem nome: manipulação da opinião pública. E caracteriza abuso de poder de uma grande revista contra um pequeno jornal.

Como leitor e cidadão, até aqui eu já teria motivos de sobra para indignar-me com as más práticas jornalísticas da Veja. Mas, a revista foi além: em suas tortuosas tentativas de tornar crível que o MR-8 representasse algum perigo para Mainardi, acusou esse partido de “terrorista no passado” e de haver, junto com a ALN, promovido “seqüestros, roubos a banco e atos de intimidação".

Omitiu que o MR-8 original foi massacrado pela repressão da ditadura em 1969. Já estava extinto quando a Dissidência Estudantil da Guanabara, ao seqüestrar (juntamente com a ALN) o embaixador dos EUA Charles Elbrick, co-assinou o manifesto como MR-8, apenas para desmoralizar os militares, que haviam alardeado a vitória sobre esse grupo de resistência.

Em seu afã de usar acontecimentos de quase 40 anos atrás como prova de periculosidade atual, a Veja omitiu também que, afora os próprios detentores da sigla, pouquíssimas pessoas na esquerda brasileira consideram o MR-8 atual como legítimo herdeiro daquele que confrontou heroicamente o despotismo.

Mas, o pior de tudo foi a Veja ter exumado um termo -- “terrorista” -- que, no auge da guerra suja por eles travada contra os combatentes da liberdade, os serviços de guerra psicológica das Forças Armadas resolveram aplicar indevidamente aos resistentes, seguindo a máxima goebbeliana de que uma mentira martelada ao infinito acaba passando por verdade.

Hoje em dia, só a extrema-direita utiliza esse jargão falacioso e aponta como negativos os atos praticados no exercício do direito de resistência à tirania. A Veja, que jamais se referiu aos militares que usurparam o poder e praticaram em larga escala o terrorismo de estado como “déspotas” ou “genocidas”, não teve pejo de adotar os conceitos e a terminologia das viúvas da ditadura, igualando-se aos Brilhantes Ustras da vida. Descumpriu o dever jornalístico de isenção e equanimidade, tomando partido... e justamente ao lado daqueles que os historiadores conceituados e o próprio Estado brasileiro reconhecem como os vilãos do período!

Por último, a Veja ignorou o dever de abrir espaço para o “outro lado” na edição de 16/05/2007, publicando apenas oito cartas de leitores favoráveis à sua posição e jogando no cesto todas as contrárias. E sepultou o assunto de vez na edição de 23/05/2007, alheia à indignação dos ex-presos políticos e suas famílias, vítimas da ditadura e cidadãos com espírito de justiça, expressa em dezenas de mensagens encaminhadas à redação.

O patrimônio mais valioso para qualquer publicação é a credibilidade, cuja perda logo desencadeia a debandada de leitores e anunciantes. Temo, Sr. Diretor de Redação, que esse processo já esteja avançado na Veja, após ter passado boa parte de 2005 tentando alavancar o impeachment do presidente Lula e boa parte de 2006 tentando impedir sua reeleição, numa atuação que, independentemente da justeza ou não dos fins perseguidos, atropelou de forma flagrante os princípios jornalísticos.

Se sua revista quer se tornar um veículo partidário como o Hora do Povo, que o faça. Tendo, pelo menos, a decência de informar antes os leitores, para que eles deixem de ser enganados como estão sendo agora, ao procurarem informação isenta nas páginas da Veja.

CELSO LUNGARETTI

Veja O ABUSO DE PODER DA GRANDE...

...IMPRENSA CONTRA UM PEQUENO JORNAL

Celso Lungaretti (*)

Uma batalha de opinião pública contra a revista Veja está sendo travada pelos ex-presos políticos, suas famílias, amigos e cidadãos imbuídos de espírito de justiça. Mas, longe de esgotar-se na luta para que os veteranos da resistência à ditadura recebem tratamento digno por parte da grande imprensa, o episódio encerra muitas lições, justificando uma reconstituição e abordagem mais aprofundada.

Tudo começou quando o colunista da Veja Diogo Mainardi foi condenado a indenizar o ex-guerrilheiro, jornalista e atual ministro da Comunicação Social Franklin Martins, por tê-lo caluniado.

Inconformado, Mainardi dedicou sua coluna semanal na Veja de 25/04/2007 à tentativa de desmoralizar a sentença, inclusive alegando que um antigo assessor de Lula teria publicado uma nota no Folha OnLine em que antecipava a decisão do juiz. E fez uma comparação revoltante: “Eu sou o Bacuri do petismo”.

Martírio interminável – Para quem não sabe, sua referência é a um dos episódios mais chocantes dos anos de chumbo. Eduardo Leite, o Bacuri, comandante de um pequeno grupo de resistência denominado Rede Democrática, foi preso no dia 21 de agosto de 1970 e passou pelo Cenimar/RJ, DOI-Codi/RJ, por um centro de torturas clandestino no RJ, por um distrito policial paulistano, pela Oban e pelo Deops/SP – sempre sendo barbaramente torturado.

Quando suas torturas causaram a morte de Joaquim Câmara Ferreira, a repressão noticiou que o aparelho desse dirigente da ALN teria sido delatado por Bacuri, e que este aproveitara a confusão para escapar. Enquanto isto, Bacuri estava preso no Deops, em condições tão lastimáveis que não conseguia nem manter-se em pé.

Sabendo que se tramava o assassinato de Bacuri, os outros presos montaram um esquema de vigia permanente. Assim, viram-no sendo arrastado da cela na madrugada do dia 27 de setembro, desfigurado e mutilado pelas torturas. De nada adiantaram os gritos e protestos desesperados em toda a ala.

A ditadura reconheceu oficialmente a morte de Bacuri no dia 8 de dezembro, para evitar que fosse um dos presos políticos trocados pelo embaixador suíço. Justificativa? Resistência à prisão. Seu corpo, além de hematomas, escoriações, cortes profundos e queimaduras, apresentava dentes arrancados, orelhas decepadas e os olhos vazados.

Garoto de programa – Uma afirmação tão pretensiosa e descabida como essa não poderia passar em branco. Ecoando a indignação de quantos sabem quem foi o Bacuri e quem é o Mainardi, o jornal do MR-8, Hora do Povo, publicou uma matéria com um trecho polêmico:

“Condenado com seus patrões da Veja a pagar 30.000 reais ao ministro Franklin Martins, em processo por calúnia, o garoto de programa Diego Mainardi houve por bem se auto-intitular ‘o Bacuri do petismo’. Bacuri foi martirizado por 109 dias seguidos no Deops e perdeu a vida em 1970 por negar-se a revelar aos algozes informações que pudessem prejudicar o andamento da luta revolucionária contra a ditadura. Foi um herói na plena acepção da palavra. Já o pequeno canalha perdeu apenas algum dinheiro. Sabemos o que o vil metal significa para certo tipo de pessoa. Ainda assim, ao que tudo indica ele está pedindo para perder algo mais. Pode ficar tranqüilo. Não faltarão almas pias para fazer a sua vontade”.

A reação da Veja veio em dose cavalar, na edição de 09/05/2007. O episódio foi tema tanto da coluna do Mainardi quanto de uma notícia, complementada por declarações de apoio ao ameaçado, arrancadas de várias celebridades ansiosas por continuarem nas boas graças da revista.

No subtítulo dessa notícia, a Veja acusou o MR-8 de ser “terrorista no passado” e no presente. E, no texto, acrescentou: “O MR-8 e a ALN foram duas das organizações esquerdistas que, sob a bandeira da luta contra o regime militar, promoveram seqüestros, roubos a banco e atos de intimidação".

Finalmente, na edição de 16/05/2007, a revista ignorou a minha mensagem de protesto, bem como a de todos os leitores indignados com a posição por ela assumida, publicando apenas oito cartas de leitores favoráveis a ela e ao Mainardi.

Desinformação e arrogância – A revista cometeu três graves pecados jornalísticos:
· publicar um texto informativo e um opinativo, na mesma edição, sobre o mesmo assunto e na mesmíssima linha, praticando antes proselitismo do que jornalismo;
· encampar, no espaço informativo, conceitos e terminologia da extrema-direita, que é apenas uma fração do espectro político, quando a obrigação da imprensa é tratar com equanimidade todas as frações, mantendo-se isenta e eqüidistante;
· não conceder espaço para o “outro lado”.

Ademais, o estardalhaço que a revista fez em torno de uma hipotética exortação ao assassinato de Diogo Mainardi nem de longe se justifica, se lermos com mais atenção a frase que lhe deu pretexto. Em nenhum lugar se afirma que o “algo mais” que Mainardi está sujeito a perder seja a vida. Por que não a liberdade? Afinal, um juiz de “alma pia” poderá concluir que, como criança pirracenta, ele calunia os outros por inconscientemente querer que os adultos lhe imponham limites...

O certo é que incitamento ao homicídio é uma acusação gravíssima, em termos legais. Por que a Veja e Mainardi não apresentaram queixa à Justiça? Simplesmente por estarem cientes de que nenhum juiz condenaria o Hora do Povo a partir de uma frase tão ambígua.

Então, tentou obter junto à opinião pública uma condenação moral do MR-8, num caso em que jamais conseguiria uma condenação judicial. Para mim, parece muito claro que se trata de um abuso de poder de uma grande revista contra um pequeno jornal.

Então, o protesto contra as más práticas jornalísticas da Veja, além de se constituir num desagravo aos combatentes e vítimas da ditadura militar, tem uma dimensão maior, ao ramificar-se com a eterna luta dos humildes e dos vilipendiados contra a arrogância dos poderosos.

* Celso Lungaretti é jornalista, escritor e ex-preso político.

10.5.07

UM PERIGO CHAMADO VEJA

Celso Lungaretti (*)

No final de 1969, numa matéria-de-capa histórica, a Veja se posicionou contra o assassinato, sob tortura, do militante da VAR-Palmares Chael Charles Schreier. Como ilustração, uma gravura medieval mostrando os suplícios do tempo da Inquisição: a donzela-de-ferro, a roda, os ferros em brasa, etc. Marcou época.

Hoje, infelizmente, a Veja se entrega à mais rasteira demagogia, como na matéria "Um Perigo chamado MR-8", publicada na edição de 09/05/2007. A revista cometeu graves pecados jornalísticos em sua reação ao texto infeliz do jornal A Hora do Povo, que a um observador isento sugere menos uma uma exortação ao assassinato de Diogo Mainardi do que um gracejo malfeito: "...o pequeno canalha perdeu apenas algum dinheiro [ao ser condenado por caluniar Franklin Martins]. Sabemos o que o vil metal significa para certo tipo de pessoas. Ainda assim, ao que tudo indica, ele está pedindo para perder algo mais. Pode ficar tranqüilo. Não faltarão almas pias para fazer a sua vontade".

Logo no subtítulo, a Veja qualificou o MR-8 de "terrorista na ditadura", endossando um termo tendenciosamente aplicado pelos especialistas em guerra psicológica das Forças Armadas aos efetivos da resistência contra a ditadura que travaram a luta armada. Ou seja, a Veja encampou a propaganda enganosa da linha-dura militar de outrora e dos néo-integralistas atuais. Ficou na honrosa companhia de Brilhante Ustra...

Independentemente de que, hoje, só a extrema-direita insiste nessa terminologia falaciosa, há o fato de que o MR-8 foi aniquilado pela repressão em 1969 e nada tem a ver com os atuais detentores da sigla.

O MR-8 original ficou conhecido principalmente por ter em seus quadros o bancário Jorge Medeiros Valle (apelidado de o bom burguês), que desviou cerca de US$ 2 milhões para a guerrilha; e por haver planejado libertar presos políticos de uma ilha-presídio com um esquema mirabolante, que incluía mergulhadores.

Depois que seus integrantes foram presos, a repressão se vangloriou, pela imprensa, de ter acabado com o MR-8. Em represália, a Dissidência Universitária da Guanabara, ao participar junto com a ALN do sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, co-assinou o manifesto como MR-8.

O inusitado desse episódio fez com que ele ficasse na lembrança das pessoas... e, principalmente, dos jornalistas, claro. Então, a Veja não tem como ignorar que inexiste relação de continuidade entre o MR-8 original e o que hoje ela exageradamente acusa de ameaçar a vida de Mainardi.

Além do subtítulo indefensável, a Veja continuou ecoando a retórica das viúvas da ditadura no texto, ao afirmar que "o MR-8 e a ALN foram duas das organizações esquerdistas que, sob a bandeira da luta contra o regime militar, promoveram seqüestros, roubos a banco e atos de intimidação".

Em carta à redação da Veja, aprofundei essa questão, como ex-preso político que sou. Já houve tempo em que a ditadura afixava cartazes em logradouros públicos do País inteiro, com minha foto e meu nome, acusando-me falsamente de terrorista e assassino. É absolutamente inaceitável que continuemos a ser tratados dessa maneira em plena democracia. Então, espero que a revista tenha a decência de publicar esse desagravo, a mim e a todos os companheiros insultados por sua matéria:

"O regime militar foi fruto da usurpação do poder por um grupo direitista que vinha conspirando contra a democracia desde os anos JK e já fizera várias tentativas golpistas (a principal delas quando quase impediu a posse de João Goulart). Ao conseguir êxito em 1964, rasgou a Constituição e governou sob terrorismo de estado. Então, os heróis e mártires que ousaram enfrentar o arbítrio, em situação de terrível desigualdade de forças, nada mais fizeram do que exercer o direito de resistência à tirania, que nos foi legado pela civilização grega, tanto quanto a democracia.

"Os verdadeiros terroristas eram aqueles niilistas do século XIX que, incapazes de conduzir o povo à revolução, tentavam, com balas e bombas, criar o caos e impedir que a classe dominante governasse. Os movimentos de resistência ao nazi-fascismo e às ditaduras militares latino-americanos jamais quiseram criar o caos, mas sim conscientizar as massas e organizá-las para a derrubada dos tiranos.

"Os seqûestros de diplomatas serviram para salvar presos políticos da morte e das torturas mais atrozes. As expropriações de bancos, para sustentar militantes clandestinos nas condições de rigorosa clandestinidade. E nenhum ato de intimidação porventura cometido pelos idealistas (sempre há excessos em conflitos desse tipo) equivale à prática sistemática da tortura por parte dos militares, atingindo dezenas de milhares de brasileiros, ou à política de extermínio por eles adotada a partir de 1971, quando passaram a levar os resistentes aprisionados diretamente para centros clandestinos de tortura, nos quais os massacravam e depois executavam, dando sumiço até em seus restos mortais."

* Jornalista, escritor e ex-preso político, Celso Lungaretti é autor de "Náufrago da Utopia".

3.5.07

A OPINIÃO PÚBLICA MORREU MESMO?

Celso Lungaretti (*)

“A opinião pública morreu!”, proclama o mais novo profeta do final disso ou daquilo, o jornalista Caio Túlio Costa, presidente do Internet Group.

Seu predecessor mais notório foi o cientista político Francis Fukuyama que, deslumbrado com a queda do muro de Berlim, proclamou em 1989 que a democracia liberal poderia constituir "o ponto terminal da evolução ideológica da humanidade" e "a forma final de governo humano", representando, portanto, “o fim da História”.

Segundo Fukuyama, a democracia liberal, embora coexistindo eventualmente com “injustiças ou graves problemas sociais”, não apresentaria graves imperfeições e irracionalidades que a conduzissem a um eventual colapso, como havia sido o caso da monarquia hereditária, do fascismo e do comunismo.

Pareceu mais a opinião de um torcedor que a de um cientista político.

Os defensores da realeza, se soubessem expressar-se de forma tão pernóstica, também diriam que a monarquia era a forma final de governo humano, por não apresentar as graves imperfeições e irracionalidades... da democracia grega, a qual, no entanto, ressurgiu das cinzas, para tornar-se objeto da devoção dos Fukuyamas da vida.

É pouco provável que as dinastias reais voltem ao poder, mas a conjugação de estatização econômica e ditadura política, característica tanto do fascismo quanto do socialismo real (comunismo, para Karl Marx, significava algo bem diferente), pode ressurgir a qualquer instante, se a democracia liberal continuar se mostrando incapaz de satisfazer as necessidades e anseios da humanidade.

Não só as injustiças e graves problemas sociais não param de aumentar desde 1989, como o aquecimento global coloca em xeque o primado da ganância e do consumismo sobre os interesses coletivos, característico do capitalismo globalizado que Fukuyama idolatra.

Catástrofes ocorrerão no mundo inteiro apenas por causa do desmatamento insensato e porque não se limitou o uso de veículos motorizados e a poluição causada por gazes industriais. Ter erigido o lucro em valor supremo fará a humanidade enfrentar uma verdadeira prova de fogo nas próximas décadas.

Resta saber como se mobilizará para sobreviver a essa crise.

Poderá manter a democracia liberal, com seu espírito competitivo que, certamente, seria um obstáculo a mais nos esforços para minimizarem-se as perdas, o que implicaria repartir os sacrifícios com equanimidade. Tudo leva a crer que as nações e pessoas mais ricas continuariam privilegiadas na tormenta como o são na calmaria.

Poderá recorrer a modelos autoritários próximos do fascismo e do comunismo, que se justificariam pela situação de emergência.

Ou poderá se direcionar para novas formas de colaboração e apoio solidário, a partir da organização autônoma dos cidadãos.

O certo é que os marcantes avanços científicos e tecnológicos do final do século passado não levaram ao admirável mundo novo que Fukuyama antevia, longe disso. E, até que chegue a bom termo sua busca da felicidade, os homens continuarão testando modelos econômicos e formas de governo. A História continua.

SIMPLISMO – Quanto ao fim da opinião pública que Caio Túlio anuncia, é uma tese que padece do mesmíssimo defeito: flagra apenas um momento, mas o dá como definitivo.

Ele enumera quatro razões para a morte da opinião pública:

· a avalanche de votos com que Richard Nixon se reelegeu nos EUA, quando o Caso Watergate já estava sendo amplamente noticiado;

· a reeleição de George W. Bush, quando as ilegalidades na invasão do Iraque eram fartamente cobertas pela mídia;

· a reeleição do presidente Lula no Brasil, apesar do mar de lama exalar sua pestilência por todas as tevês, rádios, revistas e jornais;

· e a impotência dos formadores de opinião brasileiros, que viajam de avião, em conseguirem que os administradores da crise aeroportuária resolvam o problema.

A primeira razão é o chamado palpite infeliz: a mídia e a opinião pública mostraram sua vitalidade ao forçarem a renúncia de Nixon logo em seguida.

Além disto, EUA e Brasil não são o termômetro do mundo. Nesses dois países, realmente, constata-se uma perda de influência dos formadores de opinião na década atual.

O conservadorismo dos estadunidenses que vivem fora dos grandes centros urbanos e têm a cabeça feita pela direita evangélica cristã, a nova maioria silenciosa, parece pesar mais do que a minoria estridente de Nova York.

E, entre nós, o apoio maciço a Lula por parte da clientela do assistencialismo, naqueles grotões em que o pagamento do Bolsa-Família provoca filas de virar quarteirão, levou alguns analistas a inferirem que o povão estaria agora imune à influência da classe média intelectualizada.

Mas, os casos dos EUA e do Brasil são insuficientes para lastrearem a conclusão de ordem geral que Caio Túlio derivou: a de que a opinião pública morreu em decorrência do excesso de informação, com o cidadão comum não conseguindo mais formar um quadro completo da realidade.

Convenientemente, ele omitiu a Europa, cuja realidade não se encaixa bem na sua racionália. E igualou países tão heterogêneos como os EUA (em que os cidadãos parecem julgar desnecessário intervir num sistema que funciona a contento) e o Brasil (em que os cidadãos não se crêem capazes de fazerem melhorar um sistema que absolutamente não funciona).

E, como é ao público brasileiro que Caio Túlio se dirige, sua tese acaba sendo nociva, já que estimula a aceitação resignada de um estado de coisas que precisa, isto sim, ser mudado. Um país cujos cidadãos não têm ideais nem ânimo para lutar por melhoras tende a decair cada vez mais.

* jornalista e escritor. Mais artigos em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/
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