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27.11.07

PEQUENAS FARSAS E TRAGÉDIAS

Celso Lungaretti (*)

Existem ocasiões em que não encontro nenhum acontecimento com peso suficiente para ser “o“ tema do meu artigo semanal. Fico vagando por jornais e pelos provedores, busco uma luz em notícias da véspera e nas do próprio dia, inutilmente. Então, só me resta dar uma repassada geral nas pequenas farsas e tragédias do dia-a-dia.

Circula uma enxurrada de textos, alguns explicitamente opinativos e outros que o são de maneira implícita, sobre Chávez, o caudilho da Venezuela. Preciso me beliscar para não confundi-lo com o humorista do México, que, pelo menos, é histriônico no bom sentido.

Apesar do matraqueado cantinflesco de Chávez soar caricato para quem não tem antolhos ideológicos, vale lembrar que os militares-presidentes que nos assolaram em passado recente foram todos sinistros. E, pelo andar da carruagem, não vai ser ainda desta vez que a regra terá exceção.

No fundo, Chávez repete a mesmíssima fórmula dos Vargas e Peróns de outrora. Uma combinação de métodos fascistas, retórica esquerdista e conquista do aplauso fácil dos pobres com as migalhas do assistencialismo.

Dói-me o coração ver que parte da esquerda brasileira embarca nessa canoa furada, nada tendo aprendido com as decepções do século passado.

Quanto não se têm líderes realmente comprometidos com as duas bandeiras fundamentais dos revolucionários – a liberdade e a justiça social –, é melhor arregaçar as mangas e tentar forjá-los, mesmo que no longo prazo, do que apadrinhar o candidato a ditador populista mais à mão.

Maquiavel é péssimo guru para os esquerdistas. Quem tenta utilizar personagens políticos para fins diversos do que a trajetória dos mesmos sugere, acaba, isto sim, sendo por eles utilizado em sua escalada para o poder... e depois descartado.

Então, é melhor voltarmos ao bê-a-bá: fins e meios estão em permanente interação, de forma que recorrer-se a um meio crapuloso para promover um fim nobre leva apenas ao aviltamento do próprio fim.

Outra lição preciosa vem do jornalismo: só idiotas se deixam pautar pelos adversários.

Se a imprensa burguesa – burguesa como nunca, aliás, pois está cada vez mais na mão dos bancos – exagera maliciosamente a importância geopolítica da Venezuela, não há motivo nenhum para fazermos o mesmo, com sinal trocado.

O destino da América do Sul é traçado pelo Brasil e Argentina. As outras nações decidem, quanto muito, o destino delas próprias e o de outras pequenas nações. Ponto final.

* * *

Enquanto isto, o Governo Lula tem como prioridade absoluta o caixa. Quer porque quer beneficiar-se de uma contribuição que foi vendida à cidadania como provisória – e depois de o PT ter sido, antes da chegada ao poder, o maior adversário de sua eternização.

Nunca foi tão apropriada a citação do trecho final de A Revolução dos Bichos, o libelo anti-stalinista (não anticomunista, como supõem os desinformados) de George Orwell: "As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já se tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco".

* * *

A Assembléia Legislativa de São Paulo cogita tomar o mandato do bravo deputado Carlos Giannazi (PSOL), que organizou o evento de lançamento da Frente Parlamentar em Defesa da Comunidade Gay e agora está sendo responsabilizado pela performance de um transformista no plenário.

Terá sido a primeira? No sentido figurado, não. Em cada votação importante, há um certo número de transformistas que, após um acerto de cifras ou demarcação de áreas de influência, deixam de ser homens e viram lobisomens...

Giannazi é aquele mesmo professor que, como vereador do PT, ousou confrontar a prefeita Marta Suplicy quando esta tentou desviar verbas do magistério para outras finalidades.

Ou seja, o caso raríssimo de um político mais fiel ao seu eleitorado do que às conveniências partidárias. Merece ser apoiado. Precisa ser preservado.

* * *

Uma governadora, uma juíza e uma delegada dividem as responsabilidades por ter uma menina sido atingida nos seus mais elementares direitos quando estava sob a guarda do Estado e, depois, pela tomada de providências muito aquém da gravidade do caso.

Veio-me à lembrança uma frase pessimista de Nelson Rodrigues: “os mineiros só são solidários no câncer”.

* * *

O desabamento da arquibancada do estádio baiano é mais uma tragédia que poderia ter sido evitada, caso os responsáveis pelas tragédias evitáveis anteriores houvessem recebido punições exemplares.

Na lógica capitalista levada às últimas conseqüências, dinheiro vale mais do que vidas. Só a Justiça poderá desarmar essa equação maldita – isto, claro, se o dinheiro não valer mais do que a Justiça.

* Celso Lungaretti é jornalista e escritor. Mais artigos em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/

4 comentários:

Anônimo disse...

Caro Celso

Embora eu me situe no campo oposto, aquele que, tomado o teu ponto vista, ocuparia o lado direito, eu concordo com sua avaliação do bolivarianismo chavista. Concordo plenamente com sua tese da "canoa furada". Espero que a minha concordância não sirva aos seus companheiros de lado como mais uma prova que você é um infiltrado que faz "o jogo da direita". Conheço o seu passado, sei (apenas posso imaginar) o que você sofreu e o respeito e admiro pela sua coerência e coragem. Eu o considero em alta conta exatamente por isso.

Discordo, talvez, da relativização que você faz sobre importância geopolítica da Venezuela. Utilizarei, para contestá-lo, uma convicção que ambos partilhamos:
"O destino da América do Sul é traçado pelo Brasil.”.

Pois bem, vamos considerar os sinais mais do que evidentes sobre o "modus operandi" dos seus colegas de lado no tocante às articulações para o terceiro mandato. Estão ali presentes, mas não sempre explicitados (o segredo é a alma deste sujo negócio) os mesmos ingredientes bolivarianos com o qual se está preparando o eminente golpe de estado na Venezuela. Creio que não preciso decliná-los. Qualquer um que tenha um passado de militância na esquerda os conhece muito bem.

Concluindo, não são poucos ou menos influentes os que aqui aguardam ansiosamente a senha que viria da Venezuela: Chávez, o "pequeno Bolívar" (Cf. 18 Brumário), recebeu do povo o "sim" no "democrático" referendo. A vitória do chavismo teria sim consequências muito graves na geopolítica latino-americana.

Na história, fatos consumados são os do passado. No presente eles estão em construção. No futuro eles só existem como projeção do pensamento. Desta simples constatação decorre a certeza da enorme distância entre o que se almeja, para o bem e para o mal, e o que realmente se efetiva como história.

Penso que o 18 Brumário é o melhor que li de Marx. Ali a velocidade com que vão se produzindo os acontecimentos franceses recebem, no meu entendimento, uma das mais brilhantes análises que o pensamento conseguiu realizar. Obra útil e necessária para que possamos acompanhar, sem cair na cegueira ideológica, o que hoje tristemente vai no Brasil, na Venezuela e em boa parte da América Latina.

Abs.

celsolungaretti disse...

Mas, há uma diferença fundamental: a Venezuela é uma pequena nação que se sustenta às custas de um único produto de exportação, daí a margem de manobra incomparavelmente maior de Chávez.

O Brasil tem economia diversificada. Lula em nenhum momento confronta verdadeiramente os interesses dos EUA e do grande capital. É o queridinho de Bush, do Bradesco e do Itaú.

Então, enquanto os planos de Chávez para eternizar-se no poder encontram forte oposição da burguesia e da classe média venezuela, o 3º mandato de Lula seria alegremente consentido pelo poder econômico. Não prevejo grande dificuldade para que o Congresso avalize mais esse casuísmo.

Isso, é claro, levaria o espectro político numa direção perigosíssima: um Centrão ampliado, com a participação inclusive do PSDB, verdadeiro Pântano dos fisiológicos (segundo a terminologia da Revolução Francesa).

À direita, o DEM. À esquerda, o PSOL.

E os extremistas se reforçando com a adesão dos desencantados com essa democracia apodrecida: viúvas da ditadura e neo-integralistas de um lado, MST e grupelhos radicais de esquerda, do outro.

Um quadro desses ainda poderá ser administrado se a economia tiver desempenho razoável. Mas, a combinação desses ingredientes com uma crise econômica tende a ser fatal.

Enfim, o quadro brasileiro é bem diferente do venezuelano. E parte dos que estão gritando "lobo!" tem interesses inconfessáveis, querendo usar Chávez como espantalho em suas pregações golpistas.

Anônimo disse...

Com referencia ao seu pensamento ...

Quanto não se têm líderes realmente comprometidos
com as duas bandeiras fundamentais dos revolucionários
– a liberdade e a justiça social –
é melhor arregaçar as mangas e tentar forjá-los,
mesmo que no longo prazo,
do que apadrinhar o candidato a ditador populista mais à mão...

apresento uma proposta de construção de liderança, baseada na experiência acumulada, que usa uma hierarquia de complexidade nos mandatos eleitorais.

Exemplifico assim: a primeira experiência deve ser como membro eleito da unidade básica que no Brasil é o município e a sua Câmara de Vereadores.

Nesta etapa aprende-se e pratica-se os fundamentos da organização e dos procedimentos da função pública.

Depois pode-se candidatar aos cargos estaduais e nacionais respectivamente.

Isso evitaria que candidatos populares como alguns artistas da TV e personalidades similares pudessem chegar direto no Congresso Nacional, apenas porque são "bons de voto", apesar de quase nada saberem sobre o processo legislativo.

Os opositores dessa idéia poderiam alegar que serviria para afastar representantes da classe trabalhadora mais humilde.

Penso que não, pois apenas um tempo de experiência e os votos dos eleitores são os requisitos para transitar em sequência por todos os cargos eletivos do país.

Anônimo disse...

Celso

Parece que mais concordamos do que discordamos.

Muito lúcida sua análise sobre o alegre consentimento. Assino.

O que tentei enfatizar é que uma provável vitória do "sim" seria muito útil aqui para TODOS os interessados no 3º mandato.

Também concordo que os habitantes do "pântano fisiológico" (muito boa) estão louquinhos para aderir. Talvez o que modere a ansiedade sejam as eleições municipais em 2008. Até lá, não retirarão as vestes do "combativo oposicionista", mas continuarão e intensificarão as suas discretas conspirações.

E na hipótese de uma vitória do "sim" eu penso também que não vai demorar muito para que os pantanosos venham nos trazer de novo, embora envolta em embalagem reluzente e muito bonita, o seu velho conhecido realismo político. Aí o que era lobo eles vão dizer que era só um totó.

Em relação à Venezuela, seja lá que resultado vier, eu não vejo como as coisas possam melhorar. Francamente, eu temo que pelo pior.

A posição atual do Baduel é muito sintomática. Tenho lido suas entrevistas e, por mais que disfarce, elas indicam que ele se prepara como o tercius. A velha alternativa latino-americana dos miliatres como mediadores da política.

Li também o post que você conta o acidente que lhe quebrou a perna e como isso de algum modo mudou sua maneira de ver e viver a vida. Comigo felizmente nada tão ruim assim aconteceu. O fato é que gostei do que li. Há idéias boas ali.

abs.

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