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9.1.08

FALANDO DE EFEMÉRIDES

“O grande cordão
Cantava o refrão que crescia
Da simples canção
Que era de João e Maria
E o povo na rua
Pensou que era sua
De tanto que andava
Atrás de qualquer alegria”
(Vandré/Accioly, “João e Maria”)

De tanto que andam atrás de qualquer utopia, nesta década marcada por terríveis decepções, os brasileiros elegeram prontamente a efeméride a ser destacada em 2008: os 40 anos transcorridos desde que os ventos de mudança varreram o mundo em 1968.

A tônica das grandes reportagens e das matérias-de-capa com que a mídia capitalizará esse sentimento coletivo, obviamente, vai seguir o padrão da produzida pela revista Época, comparando 1968 a um “adolescente em crise existencial” e reduzindo seu impacto à mudança da forma como vemos o mundo.

Outros, como eu, lembrarão que freqüentemente, ao longo da História, ideais revolucionários hibernaram durante algum tempo mas foram retomados por uma geração seguinte, voltando com mais força ainda. Esses analistas, no entanto, não encontrarão espaço na grande imprensa, por mais pertinente que seja sua argumentação.

Ao longo do ano, no território livre da internet, continuarei abordando 1968 do ponto-de-vista de quem quer levar adiante suas propostas e não mercadejá-lo como um exotismo inofensivo.

Hoje, no entanto, quero falar sobre outra efeméride, que corre o risco de ser ofuscada e ficar restrita aos cadernos esportivos: os 50 anos da afirmação do Brasil como país do futebol.

A conquista da Copa do Mundo de 1958 teve um significado maior para os brasileiros: provamos ao mundo e, principalmente, a nós mesmos que poderíamos ser os melhores em alguma coisa.

Até então, víamo-nos como seres inferiores, deitados eternamente em berço esplêndido, sem nunca concretizarmos o nosso potencial. Uma vinheta radiofônica dizia: “Brasil, um país a caminho do seu grande destino”. Que nunca chegava.

Enquanto isso, admirávamos, embasbacados, o progresso dos EUA e as imagens fantasiosas que os norte-americanos projetavam de si próprios via cinema e TV. Isso, claro, só fazia aumentar nossa sensação de inferioridade.

Consolávamo-nos com a ilusão de que seríamos a nação do futuro – uma pífia compensação para o passado inglório e o presente insosso. Era como a promessa católica do paraíso, o sonho que ajudava a suportar uma vida de privações.

O futebol já dera mostras, em 1950, de que poderia se tornar nosso grande motivo de orgulho nacional. No entanto, vacilamos na hora H e a euforia se transformou em frustração.

Meu pai costumava contar que, depois da fatídica derrota contra o Uruguai, a principal rua do nosso bairro ficou quase deserta, como ele nunca a vira num domingo. Rapazes e moças não tiveram ânimo para saírem de casa, na noite habitualmente destinada à paquera.

Em 1954 trombamos com o inesquecível esquadrão da Hungria e fomos merecidamente eliminados por Puskas & cia.

Aí, em 1958, receosos de mais uma frustração, não ousávamos acreditar na Seleção Brasileira. Ainda mais depois da eliminatória tortuosa, quando sofremos o diabo para conquistar a vaga... contra o Peru!

O empate diante da Inglaterra, no segundo jogo das oitavas-de-final, fez aumentar nosso pessimismo. Foram 90 minutos de sofrimento, grudados nos rádios cujo som às vezes fugia, pois as transmissões a longa distância estavam longe de ser perfeitas; quando voltava, era uma agonia até constatarmos que não ocorrera nenhum gol durante o apagão.

Iríamos para o tudo ou nada contra a poderosa URSS, que anunciava ter levantado cientificamente as vulnerabilidades dos futebolistas brasileiros.

Foi quando Vicente Feola se curvou à pressão dos jogadores e escalou o fenômeno Garrincha... que até então ficara no banco porque um laudo psicológico o dava como pouco mais do que um débil mental. Foi preciso chegarmos à beira do abismo para o técnico desconsiderar os preconceitos dos engravatados.

O resultado foi aquilo que passou à história do futebol como um dos inícios de partida mais avassaladores de uma Copa do Mundo. Imprevisível como uma força da natureza, Garrincha pulverizou a ciência soviética, colocando uma bola na trave, servindo Vavá no primeiro gol e criando sucessivas jogadas agudas.

Graças ao idiota Garrincha e ao menino Pelé, o Brasil conseguiu a mais retumbante conquista de um Mundial até hoje, vencendo por goleadas de 5x2 tanto a semifinal (França, outro esquadrão) quanto a final (Suécia, o país mandante).

O nosso povo, que há tanto tempo andava atrás de qualquer alegria, pôde finalmente desabafar: “com o brasileiro, não há quem possa!”, dizia uma marchinha.

Pena que as lições foram logo esquecidas. O embasbacamento face às metrópoles e a submissão aos preconceitos dos engravatados voltaram a prevalecer.

E continuamos reprimindo o Macunaíma que temos dentro de nós – tanto que, ao contrário dos argentinos com seu ídolo Maradona, fomos terrivelmente ingratos com nosso herói de duas Copas, deixando Garrincha agonizar no alcoolismo e abandono.

Um comentário:

Anônimo disse...

Em seu livro "Istambul", Orhan Pamuk diz que devido ao conflito entre a ocidentalização promovida por Atarturk e as reminiscencias do Império Otomano, a cidade é um lugar onde ninguém se sente totalmente em casa.
Tenho pra mim que o colonializmo pós-64 instalado por aqui, gera o mesmo sentimento em nosso país. Ninguém se sente totalmente brasileiro. Afinal, o que é ser brasileiro? É ser o que somos ou o que dizem e querem que sejamos?

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