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21.12.07

O RESCALDO DA GREVE DE FOME

Celso Lungaretti (*)

O bispo Luiz Flávio Cappio encerrou melancolicamente sua greve de fome contra o projeto de interligação das águas do rio São Francisco, no 23º dia, após sofrer um desmaio e ser hospitalizado.

Não obteve concessão nenhuma do Governo Federal, cuja intransigência acabou recompensada com uma vitória de Pirro. Impôs sua vontade, sim, mas de forma tão brutal como Margareth Thatcher, ao deixar Bobby Sands e outros nove militantes irlandeses morrerem em 1981.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, evidentemente, não quer ser lembrando como uma versão masculina da Thatcher, embora também siga a ortodoxia econômica neoliberal. Prefere comparar-se, p. ex., a Juscelino Kubitschek e Getúlio Vargas.

A primeira pretensão é risível, pois nada tem do estadista visionário (no bom sentido), civilizado e cordial que foi JK.

Também passa longe do Vargas dos anos 50, que confrontou o imperialismo e teve a grandeza de sacrificar a vida para impedir um golpe de estado direitista.

Quanto ao ditador de 1930/45, que tinha o carrasco Filinto Müller como sustentáculo e entregou Olga Benário para morrer num campo de concentração nazista, Lula ainda não possui currículo desumano equivalente, embora haja manchado em 2007 sua biografia com a deportação dos pugilistas cubanos e a postura inflexível face ao protesto do bispo de Barra (BA).

Dom Cappio não saiu da greve de fome tão vexatoriamente como Anthony Garotinho em 2006 e o próprio Lula em 1980. O primeiro, aos 46 anos, agüentou o jejum por 11 dias. Lula, no vigor de seus 34 anos, suportou míseros seis dias. Comparado a esses dois, o frei foi um herói, resistindo durante 23 dias aos 61 anos de idade.

Ninguém esperava que ele igualasse os 65 dias de Bobby Sands ou os 74 dias do também irlandês Terence MacSwiney (1920). Mas, se Dom Cappio perseverasse após ser liberado do hospital, o governo logo lhe ofereceria algum acordo – até porque a possível morte do bispo em pleno Natal seria politicamente catastrófica para o Planalto.

Combalido, Dom Cappio não percebeu que Lula e o ministro da Integração Nacional Geddel Vieira Lima blefavam, ao rejeitarem tão enfaticamente a negociação. Por questão de dias, deixou escapar o que seria (ou passaria por) uma vitória.

No fundo, Lula, Garotinho e Dom Cappio fizeram opções equivocadas, ao iniciarem greves de fome que não estavam dispostos a levar até o fim. Trata-se do trunfo derradeiro das batalhas políticas e de defesa dos direitos humanos, a ser utilizado apenas em circunstâncias extremas, quando o cidadão avalia que, sem atingir seu objetivo, não compensa continuar vivo.

Greves de fome que terminam sem vitória e sem morte fazem com que a opinião pública deixe de levá-las a sério. Então, como o governo saiu-se aparentemente bem pagando para ver, agirá da mesmíssima forma na ocasião seguinte. Alguém terá de morrer para reabilitar essa forma de luta.

Mas, em sua aparente derrota, Dom Cappio conseguiu uma vitória importante, ao recolocar o projeto oficial em discussão pública. Salta aos olhos que a interligação não é a opção ideal para saciar a sede dos nordestinos, nem a de melhor relação custo/benefício e muito menos a recomendável em termos ecológicos, devendo os motivos de sua adoção ser buscado alhures.

Ou seja, ficaram fortíssimas as suspeitas de que novamente os interesses privados estão sendo priorizados na destinação de recursos públicos. É a chamada crônica da CPI anunciada.

Dom Cappio ainda poderá rir por último.


* Celso Lungaretti é jornalista e escritor. Mais artigos em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/

4 comentários:

Anônimo disse...

Caro Celso,

Aprecio seus artigos, mas não é sincero quando fala mal do Presidente Lula acerca dos dois pugilistas cubanos...

Celso, os dois cubanos NÃO SOLICITARAM ASILO POLÍTICO AO BRASIL...e diante da situação irregular(estavam sem passaportes e em deslocamento pelo Estado do Rio)foram deportados.

Sou profissional da área e é exatamente isto que está previsto para casos assim...

Atenciosamente

celsolungaretti disse...

Eu e a maioria dos defensores dos direitos humanos consideramos que o que houve foi uma deportação forçada, com os parentes dos pugilistas servindo de reféns para obrigá-los a voltar para um país em que seriam (e estão sendo) tratados como párias.

Escrevi dois artigos sobre esse episódio e não vejo motivo nenhum para mudar uma vírgula sequer:
http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/2007/08/episdio-dos-atletas-cubanos-merece.html
http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/2007/08/caso-dos-atletas-cubanos-ter-soluo.html

Anônimo disse...

ô camarada celso
gosto muito de ti, concordo com tuas posições, mas creio que tenhas sido áspero demais com o camaradinha que postou o tópico que iniciou esse debate.
ninguem pediu pra vc mudar nada, não precisava reagir dizendo que não ver necessidade de mudar vírgula alguma.
abraço meu irmão

celsolungaretti disse...

Companheiro,

para um revolucionário da minha geração chega a ser chocante a posição de muitos petistas, admitindo o achincalhamento do direito de asilo apenas para tentarem justificar uma lambança do Lula.

Prestando um serviço ao Fidel, ele tripudiou sobre um instituto que às vezes significa a diferença entre a vida e a morte para um combatente da causa popular.

Da mesma forma, foi repulsiva a posição do Governo diante de Dom Cappio, que fez uma greve de fome contra uma maracutaia que, há 20 anos, o PT seria o primeiro a denunciar.

O direito de asilo político e as greves de fome (como forma extrema de luta política), na minha opinião, são mil vezes mais importantes para os revolucionários do que o atual governo.

Então, se fui indelicado, peço desculpas, mas as sucessivas traições do PT aos princípios em nome dos quais iniciou sua trajetória me irritam profundamente. Às vezes a indignação acaba sendo extravazada...

Abs.

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