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23.12.08

UM NATAL ENTRE O ABISMO E A ESPERANÇA

O que o mundo realmente celebra no Natal? A saga de um carpinteiro que trouxe esperança a pescadores e outras pessoas simples de um país subjugado ao maior império da época.

Os primeiros cristãos eram triplamente injustiçados: economicamente, porque pobres; socialmente, porque insignificantes; e politicamente, porque tiranizados.

Jesus Cristo nasceu três décadas depois da maior revolta de escravos enfrentada pelo Império Romano em toda a sua existência.

As mais de seis mil cruzes fincadas ao longo da Via Ápia foram o desfecho da epopéia de Spartacus, que, à sua maneira rústica, acenou com a única possibilidade então existente de revitalização do império: o fim da escravidão. Roma ganharia novo impulso caso passasse a alicerçar-se sobre o trabalho de homens livres, não sobre a captura e o chicote.

Vencido Spartacus, não havia mais quem encarnasse (ou pudesse encarnar) a promessa de igualdade na Terra.

Jesus Cristo a transferiu, portanto, para o plano místico: todos os seres humanos seriam iguais aos olhos de Deus, devendo receber a compensação por seus infortúnios num reino para além deste mundo.

Este foi o cristianismo das catacumbas: a resistência dos espíritos a uma realidade dilacerante, avivando o ideal da fraternidade entre os homens.

Hoje há enormes diferenças e uma grande semelhança com os tempos bíblicos: o império igualmente conseguiu neutralizar as forças que poderiam conduzir a humanidade a um estágio superior de civilização.

A revolução é mais necessária do que nunca, mas inexiste uma classe capaz de assumi-la e concretizá-la, como o fez a burguesia, ao estabelecer o capitalismo; e como se supunha que o proletariado industrial fizesse, edificando o socialismo.

O fantasma a nos assombrar é o do fim do Império Romano: que este impasse nos leve à decadência extrema e, enfim, nos sujeite à destruição cega.

O capitalismo hoje produz legiões de excluídos em muito semelhantes aos bárbaros que deram fim a Roma; não só os que vivem na periferia do progresso, mas também os miseráveis existentes nos próprios países abastados, vítimas do desemprego crônico.

E as agressões ao meio ambiente, decorrentes da ganância exacerbada, estão atraindo sobre nós a fúria dos elementos, com conseqüências avassaladoras. Décadas de catástrofes serão o preço de nossa incúria.

No entanto, como disse o grande jornalista Alberto Dines, “criaturas e nações cometem muitos desatinos, mas na beira do abismo recuam e escolhem viver”.

Se a combinação do progresso material com a influência mesmerizante da indústria cultural tornou o capitalismo avançado praticamente imune ao pensamento crítico e à gestação/concretização de projetos alternativos de organização da vida econômica, política e social, tudo muda durante as grandes crises, quando abrem-se brechas para evoluções históricas diferentes.

Temos pela frente não só uma recessão mundial (que ninguém, em sã consciência, pode garantir que não desemboque numa depressão tão terrível como a da década de 1930), como a sucessão de emergências e mazelas decorrentes das alterações climáticas.

O sofrimento e a devastação serão infinitamente maiores se os homens enfrentarem desunidos esses desafios. Caso as nações e os indivíduos prósperos venham a priorizar a si próprios, voltando as costas aos excluídos, estes morrerão como moscas.

O desprendimento, substituindo a ganância; a cooperação, em lugar da competição; e a solidariedade, ao invés do egoísmo, terão de dar a tônica do comportamento humano nas próximas décadas, se as criaturas e nações escolherem mesmo viver.

E há sempre a esperança de que os mutirões criados ao sabor dos acontecimentos acabem apontando um novo caminho para os cidadãos: o de que mobilizando-se e organizando-se para o bem comum aproveitam muito melhor suas próprias potencialidades e os recursos finitos do planeta.

Então, para além deste Natal transformado na própria celebração do templo e de seus vendilhões, vislumbra-se outro, o verdadeiro. Se frutificarem os esforços dos homens de boa vontade.

16.12.08

AI-5: SAIDA DO AZUL, ENTRADA NAS TREVAS

"Olá Celso, esperei um artigo seu sobre os 40 anos do AI-5, cadê???"

O poeta, companheiro e amigo Sérgio Ildefonso fez a cobrança por e-mail.

Respondi que havia gente demais escrevendo textos dispensáveis sobre eventos de 40 anos atrás e quase ninguém escrevendo os textos necessários para tirarmos Cesare Battisti do cárcere de hoje.

Até citei o desabafo famoso de Caetano Veloso contra a malta uivante que em 1968 tentou calar seu manifesto libertário, alinhado com a primavera de Paris: "Vocês vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem!".

Mas, sendo honesto com os leitores, não tomo minhas decisões com essa racionalidade toda. Sigo minhas intuições, meus humores. E, definitivamente, não estava com saco para escrever sobre o AI-5.

Tendo o Ildefonso colocado o dedo na ferida, resolvi refletir um pouco sobre meus sentimentos. O que aquele 13 de dezembro de 1968 significou, afinal, na minha vida?

Para reavivar as lembranças, recorri ao meu livro Náufrago da Utopia. Eis o registro do período:

"O Brasil, neste início de 1969, já se encontra sob a radicalização do Ato Institucional nº 5, baixado, principalmente, para dar ao regime meios de reagir com mais contundência ao desafio das organizações armadas, passando por cima de direitos humanos e garantias constitucionais.

"O pretexto foi um discurso exaltado do deputado Márcio Moreira Alves numa sessão sem muita importância da Câmara. As Forças Armadas se consideraram atingidas e o governo pediu ao Congresso Nacional a abertura de um processo visando à cassação do seu mandato. Os parlamentares negaram, temendo que o desencadeamento de uma nova caça às bruxas acabasse atingindo outros deles.

"E a resposta da ditadura foi mais uma virada de mesa.

"Com os Legislativos federal e estaduais colocados em recesso, foram impostas à Nação as novas regras do jogo: o presidente da República (escolhido por um Congresso Nacional expurgado e intimidado) passou a ter plenos poderes para cassar mandatos eletivos, suspender direitos políticos, demitir ou aposentar juízes e outros funcionários públicos, suspender o habeas-corpus em crimes contra a segurança nacional, legislar por decreto e julgar crimes políticos em tribunais militares, dentre outras medidas autoritárias.

"Júlio e seus companheiros percebem claramente que o trabalho de massas é uma temeridade nessas condições. Então, entregando o comando das redes que formaram aos pupilos mais brilhantes, começam a distanciar-se, inclusive espalhando versões conflitantes sobre o rumo que tomarão. Só os líderes substitutos sabem que eles marcham para a luta armada.

"As separações são melancólicas. Diego estava se dando muito bem com uma estudante nissei do M [o colégio MMDC, na Mooca, SP], Eremias era mais chegado a casos passageiros. Júlio, que se desinibira tanto nos últimos meses, já tem coragem para propor a uma jovem da Vila Prudente que o acompanhe 'na nova fase da luta' — para a qual, evidentemente, ela não está preparada, tanto que recusa."

Ah, bom! A ficha caiu, enfim.

Passáramos o melhor ano de nossas vidas, eu e meus companheiros secundaristas, descobrindo a luta e descobrindo-nos na luta. Aí o regime fechou e, diante da alternativa desistir x perseverar, fizemos a opção digna... que se revelaria trágica.

Então, o AI-5 foi o divisor de águas entre o 1968 exuberante e o 1969 soturno. Entre o enfrentamento a céu aberto e o martírio nos porões. Entre a luta travada ao lado das massas despertadas e a luta que travamos sozinhos em nome das massas amedrontadas.

Meu pai ficou órfão aos 11 anos. Como era o filho mais velho, minha avó fez com que começasse a trabalhar numa fábrica escura, barulhenta e empoeirada, burlando a legislação que exigia a idade mínima de 14 anos.

Passou o resto da vida lamentando a responsabilidade que desabou cedo demais sobre seus ombros. Num dia, estava despreocupadamente jogando bola no campinho ao lado de sua casa. No outro, esfalfando-se oito horas seguidas para colocar o pão na mesa familiar.

O AI-5 teve o mesmo efeito sobre mim. Até então, a militância era puro deleite. De um momento para outro, tornou-se um pesadelo que me deixou em frangalhos, além de tragar alguns dos meus melhores amigos e muitos companheiros estimados.

Parafraseando a bela canção de Neil Young, foi a saída do azul e entrada nas trevas.

9.12.08

MORALES CONCORDA: CAPITALISMO LEVA À DESTRUIÇÃO DA HUMANIDADE

Longe de mim fazer o papel do sabe-tudo que, a cada instante, fica repetindo "eu já não tinha dito isto?".

Mas, quando nossos ditos esquerdistas parecem incapazes de pensar com suas próprias cabeças, algo está errado.

"Vocês vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem", constatou Caetano Veloso há 40 anos. Continuam na mesma, olhando o presente com a nuca.

Caem matando quando se diz algo que parece contrariar sua ortodoxia. Aí, se um de seus grandes líderes repete a mesmíssima colocação, correm a aplaudi-la, sem nem mesmo um breve hiato para salvar as aparências...

Quando eu e o bravo companheiro Ivan Seixas falávamos, praticamente sozinhos, que os seqüestradores seriais das Farc haviam perdido o foco e estavam incidindo em práticas indefensáveis do ponto-de-vista revolucionário ("vida se troca por vida - ou seja, pela libertação dos companheiros -, não por grana", resumia Seixas), as reações oscilavam entre a indignação histérica e a desconsideração de nossa posição em todas as discussões, como se fôssemos não-pessoas.

Aí Fidel e Chávez vieram a público criticar a universalização dos sequestros, recomendando a soltura dos reféns. E esta passou a ser a postura correta desde sempre.

Quanto a mim, faço questão de registrar que não recebi um único pedido de desculpas pelas diatribes que me lançaram antes da guinada de 180º dos comandantes-em-chefe...

Agora, vem o presidente boliviano, num documento enviado à XIV Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, bater nas mesmíssimas teclas do meu artigo Contagem Regressiva Para a Humanidade, de quase dois anos atrás ( http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/2007/02/contagem-regressiva-para-humanidade.html ), como pode ser constatado, p. ex., nestes trechos:

"Desde o princípio do século XXI temos vivido os anos mais quentes dos últimos mil anos. O aquecimento global está provocando mudanças bruscas no clima: o retrocesso das geleiras e a diminuição das calotas polares; o aumento do nível do mar e a inundação de territórios costeiros em cujas cercanias vivem 60% da população mundial; o incremento dos processos de desertificação e a diminuição de fontes de água doce; uma maior freqüência de desastres naturais que atingem diversas comunidades do planeta; a extinção de espécies animais e vegetais; e a propagação de enfermidades em zonas que antes estavam livres das mesmas. Uma das conseqüências mais trágicas da mudança climática é que algumas nações e territórios estão condenados a desaparecer pela elevação do nível do mar." (Morales, dezembro de 2008)

"O sertão não vai virar mar, nem o mar virar sertão. Pelo contrário, o sertão ficará ainda mais árido e o mar vai encorpar-se com o derretimento de geleiras. Tempestades, tufões, furacões, maremotos e tsunamis se tornarão bem mais devastadores. A desertificação de outras áreas avançará. Safras vão ser destruídas e a fome aumentará. A água que estará sobrando em alguns quadrantes, vai faltar em outros. Imensos contingentes humanos terão de deixar seus lares e buscar a sobrevivência alhures." (Lungaretti, fevereiro de 2007)

"A competição e a sede de lucro sem limites do sistema capitalista estão destroçando o planeta. Para o capitalismo não somos seres humanos, mas sim meros consumidores. Para o capitalismo não existe a mãe terra, mas sim as matérias primas. O capitalismo é a fonte das assimetrias e desequilíbrios no mundo. Gera luxo, ostentação e esbanjamento para uns poucos enquanto milhões morrem de fome no mundo. Nas mãos do capitalismo, tudo se converte em mercadoria: a água, a terra, o genoma humano, as culturas ancestrais, a justiça, a ética, a morte...a própria vida. Tudo, absolutamente tudo, se vende e se compra no capitalismo." (Morales)

"Existe alguma conciliação possível entre o direcionamento obsessivo dos esforços humanos para a obtenção do lucro e o imperativo de os homens trocarem a competição pela cooperação, fundamental para a travessia das próximas décadas e para a correção de rumos que se impõe? A resposta é óbvia: não." (Lungaretti)

"A 'mudança climática' colocou toda a humanidade diante de uma grande disjuntiva: continuar pelo caminho do capitalismo e da morte, ou empreender o caminho da harmonia com a natureza e do respeito à vida." (Morales)

"O capitalismo, com a prevalência dos interesses individuais sobre as necessidades coletivas, leva à destruição da humanidade, num quadro em que os recursos indispensáveis à sobrevivência da espécie humana são finitos e têm de ser aproveitados de forma racional e compartilhada." (Lungaretti)

Enfim, antes tarde do que nunca. A humanidade se defronta mesmo com seu pior pesadelo desde 1962, quando esteve a um passo da guerra atômica.

E o pior é que a correção dos desatinos cometidos em nome da ganância está sendo tão lenta que a conta a pagarmos nas próximas décadas aumenta cada vez mais.

Se não acordarmos depressa, não haverá século 22.

3.12.08

MINISTRO TARSO GENRO: SALVE O COMPANHEIRO CESARE BATTISTI!

O Conselho Nacional para Refugiados Políticos não considerou como tal o italiano Cesare Battisti, deixando o caminho desimpedido para o Supremo Tribunal Federal determinar sua extradição, o que dificilmente deixará de fazer.

Bem vistas as coisas, entre ele e a pena de 30 anos de detenção – praticamente uma condenação a morrer na prisão, para um homem de 53 anos de idade, que tem levado uma vida de muita dor e sofrimento – a melhor, talvez única, possibilidade de salvação seja a decisão do ministro da Justiça Tarso Genro, a quem a defesa de Cesare Battisti acaba de recorrer.

Em último caso - negativa de Tarso Genro e decisão contrária do STF - ainda caberia um apelo ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas, da última vez em que foi chamado a tomar uma decisão humanitária, Lula ficou insensível à greve de fome de D. Flávio Cappio. Se nem o risco de vida que o bispo corria foi suficiente para comovê-lo, é melhor não depositarmos nele nossas esperanças

Trata-se de um caso em que a frieza da Lei conflita com o espírito de Justiça, que inspira ou deveria inspirar nossas ações neste sofrido planeta.

Com vinte e poucos anos, Cesare Battisti pertenceu a um grupelho de esquerda radical na Itália, versão em miniatura das famosas Brigadas Vermelhas. É o que relatou em carta ao Conare, o qual permaneceu cego e surdo ao seu apelo desesperado. ["Fui membro do PAC, mas nunca pratiquei atos de violência... A verdade é que eu já havia publicamente renunciado à luta armada quando da morte de Aldo Moro. Tão logo percebi o caminho pelo qual a esquerda radical italiana poderia estar indo, fui radicalmente contra e cheguei mesmo a dizer a meus companheiros minha discordância."]

Havia uma imensa frustração entre os idealistas que tentaram e não conseguiram mudar o mundo, em 1968 e anos subseqüentes.

Nos países prósperos da Europa, parecia mesmo que, como o filósofo Herbert Marcuse escrevera, a combinação de uma situação de conforto material com a atuação atordoante dos meios de comunicação de massa fechara totalmente as brechas através dos quais os homens poderiam chegar ao pensamento crítico.

Então, na segunda metade da década de 1970, uns poucos tentaram abrir novas brechas com dinamite.

Foi um terrível e trágico erro histórico.

Por mais impermeáveis às mudanças que se apresentem em determinado momento, as democracias dão espaço a quem quer convencer a cidadania de que a realidade pode ser alterada para melhor.

O jeito é, pacientemente, perseverar no trabalho de formiguinha, até que a situação mude.

A teoria do homem unidimensional de Marcuse (bem como a do fim da História de Fukuyama, que veio depois) dissecava com precisão cirúrgica o momento que a produziu, mas não levava em conta a dinâmica da História, que teima em direcionar-se para novos e surpreendentes caminhos.

P. ex., a recessão que fustigará a economia mundial em 2009 (e sabe-se lá mais quanto tempo) e as catastróficas conseqüências das alterações climáticas (que já começam a nos assolar) ensejam novas possibilidades de atuação aos que querem despertar a consciência coletiva para o fato de que o capitalismo hoje ameaça a própria sobrevivência da espécie humana.

A sofreguidão, entretanto, tornou-se uma tendência avassaladora no mundo moderno.

Muito mais entre os jovens.

E mais ainda entre os idealistas, que exasperam-se por terem uma visão muito nítida das mazelas do seu tempo e de como poderiam ser erradicadas, mas se chocam com a indiferença e o egoísmo da maioria bovinizada.

Battisti, jovem e idealista, acreditou que devesse trilhar um desses atalhos para a transformação da sociedade, já que a estrada principal estava bloqueada. Pagou caríssimo por isto.

Depois que as Brigadas Vermelhas tomaram a decisão inaceitável e inqualificável de executar Aldo Moro, criou-se um estado de ânimo fascistóide na Itália.

Semelhante, p. ex., aos que levaram os EUA a lincharem pelas vias legais tanto Sacco e Vanzetti quanto o casal Rosemberg, cujas inocências saltavam aos olhos e clamavam aos céus.

Foi em processo deste tipo, no qual se registraram verdadeiras aberrações jurídicas em detrimento dos réus, que Cesare Battisti acabou condenado por quatro homicídios cuja autoria ele nega. ["Hoje estou cansado. Se volto para a Itália sei que vou morrer. Embora nunca tenha matado ninguém, me acusaram de ter matado policiais com base em um depoimento de um 'arrependido' por delação premiada, que jogou a culpa por muitos atos praticados por ele próprio em mim... Nunca pratiquei atos de violência contra quem quer que seja, e não há testemunha presencial que me acuse de tal prática."]

Conseguiu escapar da prisão do seu país e leva existência de judeu errante há quase três décadas, perseguido, acossado, finalmente preso no Brasil, a pedido da Itália. ["Fugi para a França, e da França para o México, e do México para a França, e da França para o Brasil. A pé, de ônibus, de avião, de carro, enfim, da forma que fosse possível. Fugi cruzando territórios e fronteiras, que nem sempre eram a minha destinação original. Fugi muitas vezes pensando que nunca mais veria minhas duas filhas, meus amigos, minhas referências de vida."]

Constituiu família, escreveu livros, reconstruiu-se, bem ao contrário dos que preferiram seguir o rumo insensato até o mais amargo fim, como Carlos, o Chacal.

Hoje, é um homem que, livre, não faria mal a uma mosca. Poderia, finalmente, viver em paz com seus entes queridos e continuar exercendo brilhantemente sua atividade literária. ["Vim para o Brasil pois sabia do calor e do acolhimento que aqui receberia. Sabia também que o Brasil acolhe perseguidos políticos. Hoje tenho certeza que reúno condições de aqui trabalhar, de trazer minha família para perto, de estar ao lado de meus amigos que, mesmo vivendo do outro lado do Atlântico, nunca me deixaram só."]

Que verdadeiro benefício a sociedade tirará do seu encarceramento por 30 anos, ou até a morte? Nenhum. O olho por olho, dente por dente pertence à pré-História da humanidade.

Mas, Battisti se debate numa dessas armadilhas da História, sem saída pelos caminhos legais.

Não cabe ao Brasil questionar a lisura da Justiça italiana ou o rancor vingativo com que a direita de lá, ao assumir o poder, exumou um caso esquecido e passou a perseguir implacavelmente um homem que não incomodava mais ninguém.

É em nome da clemência, dos sentimentos humanitários e do seu próprio passado idealista que Tarso Genro terá de agir, para salvar Cesare Battisti.

Quando Salvador Allende assumiu o poder no Chile, afirmou à militância que, para ela, jamais seria Sua Excelência, o Presidente, mas sim o Companheiro Presidente. Morreu cumprindo a palavra.

Que Tarso Genro, seguindo os passos de Allende, aja agora como Companheiro Ministro - é o que dele esperam Cesare Battisti e os brasileiros que, como eu, conservam o idealismo e o espírito solidário, mesmo nestes trópicos cada dia mais tristes.

30.11.08

SÓ TARSO GENRO PODE SALVAR CESARE BATTISTI

O Conselho Nacional para Refugiados Políticos não considerou como tal o italiano Cesare Battisti, deixando o caminho desimpedido para o Supremo Tribunal Federal determinar sua extradição, o que dificilmente deixará de fazer.

Bem vistas as coisas, entre ele e a pena de 30 anos de detenção – praticamente uma condenação a morrer na prisão, para um homem que está chegando aos 53 anos de idade e tem levado uma vida de muita dor e sofrimento – só existe, agora, uma possibilidade de salvação: a decisão final do ministro da Justiça Tarso Genro, a quem Cesare Battisti tem o direito de (e tudo indica que vá) apelar.

É um caso em que a frieza da Lei conflita com o espírito de Justiça, que inspira ou deveria inspirar nossas ações neste sofrido planeta.

Com vinte e poucos anos, Cesare Battisti pertenceu a um grupelho de esquerda radical na Itália, versão em miniatura das famosas Brigadas Vermelhas.

Havia uma imensa frustração entre os idealistas que tentaram e não conseguiram mudar o mundo, em 1968 e anos subseqüentes.

Nos países prósperos da Europa, parecia mesmo que, como o filósofo Herbert Marcuse escrevera, a combinação de uma situação de conforto material com a atuação atordoante dos meios de comunicação de massa fechara totalmente as brechas através dos quais os homens poderiam chegar ao pensamento crítico.

Então, na segunda metade da década de 1970, uns poucos tentaram abrir novas brechas com dinamite.

Foi um terrível e trágico erro histórico.

Por mais impermeáveis às mudanças que se apresentem em determinado momento, as democracias dão espaço a quem quer convencer a cidadania de que a realidade pode ser alterada para melhor.

O jeito é, pacientemente, perseverar no trabalho de formiguinha, até que a situação mude.

A teoria do homem unidimensional de Marcuse (bem como a do fim da História de Fukuyama, que veio depois) dissecava com precisão cirúrgica o momento que a produziu, mas não levava em conta a dinâmica da História, que teima em direcionar-se para novos e surpreendentes caminhos.

P. ex., a recessão que fustigará a economia mundial em 2009 (e sabe-se lá mais quanto tempo) e as catastróficas conseqüências das alterações climáticas (que já começam a nos assolar) ensejam novas possibilidades de atuação aos que querem despertar a consciência coletiva para o fato de que o capitalismo hoje ameaça a própria sobrevivência da espécie humana.

A sofreguidão, entretanto, tornou-se uma tendência avassaladora no mundo moderno.

Muito mais entre os jovens.

E mais ainda entre os idealistas, que exasperam-se por terem uma visão muito nítida das mazelas do seu tempo e de como poderiam ser erradicadas, mas se chocam com a indiferença e o egoísmo da maioria bovinizada.

Battisti, jovem e idealista, acreditou que devesse trilhar um desses atalhos para a transformação da sociedade, já que a estrada principal estava bloqueada. Pagou caríssimo por isto.

Depois que as Brigadas Vermelhas tomaram a decisão inaceitável e inqualificável de executar Aldo Moro, criou-se um estado de ânimo fascistóide na Itália.

Semelhante, p. ex., aos que levaram os EUA a lincharem pelas vias legais tanto Sacco e Vanzetti quanto o casal Rosemberg, cujas inocências saltavam aos olhos e clamavam aos céus.

Foi em processo deste tipo, no qual se registraram verdadeiras aberrações jurídicas em detrimento dos réus, que Cesare Battisti acabou condenado por quatro homicídios cuja autoria ele nega.

Fugiu e leva existência de judeu errante há quase três décadas, perseguido, acossado, finalmente preso.

Constituiu família, escreveu livros, reconstruiu-se, bem ao contrário dos que preferiram seguir o rumo insensato até o mais amargo fim, como Carlos, o Chacal.

Hoje, é um homem que, livre, não faria mal a uma mosca. Poderia, finalmente, viver em paz com seus entes queridos e continuar exercendo brilhantemente sua atividade literária.

Que verdadeiro benefício a sociedade tirará do seu encarceramento por 30 anos, ou até a morte? Nenhum. O olho por olho, dente por dente pertence à pré-História da humanidade.

Mas, Battisti se debate numa dessas armadilhas da História, sem saída pelos caminhos legais.

Não cabe ao Brasil questionar a lisura da Justiça italiana ou o rancor vingativo com que a direita de lá, ao assumir o poder, exumou um caso esquecido e passou a perseguir implacavelmente um homem que não incomodava mais ninguém.

É em nome da clemência, dos sentimentos humanitários e do seu próprio passado idealista que Tarso Genro terá de agir, para salvar Cesare Battisti.

Quando Salvador Allende assumiu o poder no Chile, afirmou à militância que, para ela, jamais seria Sua Excelência, o Presidente, mas sim o Companheiro Presidente. Morreu cumprindo a palavra.

Que Tarso Genro agora decida o que é mais importante para ele: ser Sua Excelência, o Ministro ou o Companheiro Ministro.

Nem sequer precisará sacrificar a vida para tomar a única decisão digna no seu caso. Só arriscará o cargo.

P.S.: O COMPETENTE JORNALISTA RUY MARTINS, QUANDO ESTE ARTIGO JÁ ESTAVA ESCRITO E DIVULGADO, LEMBROU QUE HÁ UMA POSSIBILIDADE A MAIS PARA CESARE BATTISTI, QUAL SEJA O APELO AO PRESIDENTE LULA, DEPOIS DA PROVÁVEL DECISÃO NEGATIVA DO STF. FAÇO O REGISTRO. MAS, SERÁ MUITA INGENUIDADE ACREDITARMOS QUE LULA POSSA VIR A CORRIGIR UMA INJUSTIÇA DO SUPREMO NUM ASSUNTO EM QUE SEU VIÉS TEM SIDO (POR CONVICÇÃO, OPORTUNISMO OU PAÚRA) DOS MAIS REACIONÁRIOS.

26.11.08

OS MORTOS CONVENIENTES... E OS OUTROS

Meu ex-colega de ECA/USP, Augusto Nunes, escreveu (ver aqui) sobre um militante da ALN executado por seus companheiros em 1971.

Foi um erro terrível? Foi, claro. Nenhum verdadeiro revolucionário pode admitir que, mesmo durante uma luta de resistência à tirania, decisão tão extrema seja tomada enquanto perdurar a mínima dúvida sobre a culpa do acusado.

Quanto a justiçamentos em regime democrático, são simplesmente inconcebíveis e inaceitáveis. Ponto final.

Chocou-me, principalmente, saber que Márcio Leite de Toledo não teve o direito de se defender no tribunal revolucionário convocado para julgar o seu caso. Continuou cumprindo normalmente suas tarefas de militante, alheio ao que estava ocorrendo. Depois, foi emboscado e morto.

É óbvio que poderiam tê-lo convocado para o julgamento, dando-lhe a oportunidade de pronunciar-se sobre as suspeitas (não certezas) que havia contra ele. É como minha organização, a VPR, certamente procederia.

Mas, não se pode omitir, como Nunes faz, a situação catastrófica que a ALN vivia nos estertores da luta armada, tendo seus quadros dizimados dia a dia, já que a ditadura partira para o extermínio sistemático dos quadros da resistência.

A VPR não quis acreditar que o cabo Anselmo fosse espião e pagou um preço altíssimo por isto.

A ALN executou quem não era espião, mas parecia ser (acreditava-se que ele tivesse entregado à repressão Joaquim Câmara Ferreira, causando sua morte).

Trata-se de ocorrências deploráveis, mas recorrentes, nas lutas travadas em circunstâncias dramáticas, contra inimigos muito mais poderosos, como foram os casos da resistência ao nazi-fascismo na Europa e ao totalitarismo de direita no Brasil.

Márcio Leite de Toledo indubitavelmente merece as lágrimas por ele derramadas.

Mas também as merecem os revolucionários que sofreram torturas atrozes e depois foram abatidos como cães, em aparelhos clandestinos da repressão como a Casa da Morte de Petrópolis (RJ). Foi onde evaporaram meus queridos companheiros José Raimundo da Costa e Heleny Ferreira Telles Guariba.

E é repulsivo perceber que as tribunas da grande imprensa estão escancaradas para artigos como esse, mas blindadas contra os que evocam os episódios igualmente dramáticos dos companheiros que foram martirizados pelo regime militar.

A mídia anda burguesa como nunca. Recebendo, às vezes, uma pequena ajuda de esquerdistas que não tiveram coragem de pegar em armas quando esta era a única opção que restava, sob o festival de horrores do AI-5.

Continuam despeitados até hoje, por não terem ousado ir até onde fomos. E tudo fazem para desmerecer nossa luta.

18.11.08

LULA NA HORA DA VERDADE

O nosso presidente é bom para contar anedotas, falar o que cada uma de suas platéias quer ouvir e driblar as afirmações de princípios; desconversar, enfim.

Ideologicamente, pula de galho em galho, ao sabor das conveniências.

Mesmo assim, não consegue driblar eternamente as definições. Enrolação tem limites e ninguém consegue passar a vida inteira em cima do muro.

Assim é que, participando da reunião do G20 no último sábado (15), ele colocou sua assinatura num documento que, entre outras profissões de fé no capitalismo e no livre mercado, diz o seguinte:

"Nosso trabalho será guiado por uma crença compartilhada de que os princípios de mercado, abertura comercial e de regimes de investimento e mercados financeiros eficazmente regulados estimulam o dinamismo, a inovação e o espírito empreendedor, essenciais para o crescimento econômico, o emprego e a redução da pobreza".

Ou seja, como conseqüência de suas contradições insolúveis, o capitalismo acaba de impor ao mundo uma terrível recessão, cujos desdobramentos mais dramáticos conheceremos no ano que vem.

O estopim, repetindo 1929, foi a falta de controle sobre os mercados financeiros. As instâncias reguladoras incumbidas de evitar a repetição daquela catástrofe econômica funcionaram como verdadeiros hímens complacentes.

Mesmo assim, a crença inabalável no bezerro de ouro foi reafirmada pelos líderes das 22 nações economicamente mais poderosas do planeta, inclusive Lula.

Então, estamos conversados: enquanto ele não retirar seu endosso à frase acima citada, é ela que o define. Lula, o Metalúrgico se tornou Lula, o Neoliberal.

Complementarmente, ele também está sendo obrigado a descer do muro quanto à sua postura diante da ditadura de 1964/85.

Todos pensávamos que o Lula se colocasse como vítima do arbítrio, mesmo porque foi isto que ele alegou à Justiça, ao reivindicar em 1996 uma pensão vitalícia, que acabou obtendo, à guisa de compensação pelo desconforto de haver passado 31 dias detido e pela arbitrária extinção do seu mandato sindical.

Prisão é sempre prisão, mesmo quando se trata de uma tão aprazível que permitia a disputa de animadas peladas nas tardes modorrentas, conforme atestam as fotos publicadas nos jornais da época.

Mas, convenhamos, a reparação que ele pleiteou e obteve foi exageradíssima, comparativamente às concedidas aos opositores anônimos do regime militar (aqueles que, em vez de tratamento vip, recebiam pancadas e choques elétricos).

Pior ainda é constatarmos que, depois de mais de uma década sendo mensalmente agraciado com um montante que hoje supera R$ 5 mil, o Lula mostra que seu coração pende mesmo é para os antigos carrascos.

É o que se deprende das posições claríssimas que assumiu em três situações:

* quando o Alto Comando do Exército lançou uma nota insubordinando-se contra o ministro da Justiça (que lançara o livro Direito à Memória e à Verdade) e o próprio ministro da Defesa (que afirmara ser inaceitável qualquer protesto militar contra o esclarecimento de episódios históricos) e Lula mandou Tarso Genro e Nelson Jobim enfiarem a viola no saco, acatando a ordem unida;

* quando o ministro da Justiça convocou uma audiência pública para se discutir a punição dos antigos carrascos e Lula imediatamente impugnou qualquer iniciativa partida do Executivo no sentido de se revogar a anistia que os culpados por atrocidades concederam a si próprios em 1979, como habeas corpus preventivo;

* quando a Advocacia Geral da União (AGU) emitiu parecer favorável ao ex-comandante do DOI-Codi/SP Carlos Alberto Brilhante Ustra, ao sustentar que os crimes cometidos num dos piores centros de tortura dos anos de chumbo já não podem mais ser punidos.

Agora, a AGU está prestes a emitir novo parecer, no qual definirá a posição do Governo Federal face a uma questão levantada pela Ordem dos Advogados do Brasil: “se houve ou não anistia dos agentes públicos responsáveis, entre outros crimes, pela prática de homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor contra opositores políticos ao regime militar".

Caso a AGU venha a reiterar a posição de que a anistia de 1979 colocou uma pedra sobre o assunto, será Lula quem vai estar negando, pela quarta vez, sua identificação com as vítimas (e, conseqüentemente, alinhando-se com os carrascos).

Nem Pedro foi tão longe: caiu em si após ter negado Cristo pela terceira vez.

Torçamos para que ele, como Pedro, corrija seu rumo. O atual o levará a passar à História não só como Lula, o Neoliberal, mas também como Lula, o Reacionário.

12.11.08

A OPERAÇÃO SATIAGRAHA PASSADA A LIMPO

O ministro Tarso Genro (Justiça) acaba de admitir que, ao conceder à Rede Globo o privilégio de registrar a prisão do banqueiro Daniel Dantas, do investidor Naji Nahas e do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta, o delegado Protógenes Queiroz causou um “problema técnico” para a Operação Satiagraha:
- Eu sou contra qualquer tipo de espetacularização das investigações, sou contra a exposição pública das pessoas, porque as pessoas ainda não foram julgadas, e esta orientação da PF está funcionando de maneira eficaz. Houve uma exceção, a exceção da Satiagraha. E essa exceção prejudicou o andamento das investigações.

Segundo ele, a falha está sendo sanada pela equipe “totalmente técnica” que substituiu a (totalmente midiática?) de Protógenes:
- Todos os elementos probatórios que estão sendo construídos agora estão livres de qualquer eventual vício que tenha ocorrido na coleta de provas anterior.

Inquirido pelo jornal Folha de S. Paulo sobre o motivo de sua mudança de posição (antes dissera que "Protógenes fez um trabalho brilhante de natureza técnica, independentemente de ter cometido equívoco ou não"), Tarso Genro mandou sua assessoria responder que, desde então, surgiram novas informações que o levaram a reavaliar a questão.

Andou bem Tarso Genro ao, finalmente, dar a mão à palmatória, admitindo que a promiscuidade entre policiais e imprensa não só viola os direitos de acusados, como atrapalha as investigações.

Espera-se que a conduta das polícias estaduais também passe a ser mais profissional, deixando de exibir prisioneiros como troféus de caçadas.

E que a mídia-abutre seja impedida de interferir em dramas como o de Santo André, quando sua influência foi decisiva para o desfecho trágico do episódio.

O papel da imprensa é registrar os acontecimentos, não participar deles como protagonista. Ponto final.

O PARCEIRO DAS DIVAS E O 007 TOGADO - Faz muito tempo que eu disse: no episódio da Operação Santiagraha só havia bandidos, nenhum mocinho que fizesse jus aos aplausos da platéia.

Todos os detritos que vieram à tona nas últimas semanas (ou foram espalhados pelo ventilador, como vocês preferirem...) só reforçaram minha convicção.

Numa iniciativa flagrantemente motivada por choques de interesses escusos (relativos a grandes negociatas), o diretor da Abin e uma ala minoritária da Polícia Federal articularam uma operação abusiva e arbitrária contra outro vilão, um banqueiro crapuloso.

Esteve a apoiá-los um juiz que, ou tem também envolvimentos inconfessáveis, ou se vê como um personagem cinematográfico com licença para expedir mandados de prisão em série (algo assim como a licença para matar de James Bond). Um 007 togado, enfim...

Chocaram-se com o presidente do STF, que inspira as piores suspeitas e uma certeza: a de que, falando pelos cotovelos para atrair holofotes, comporta-se de forma a mais incompatível com a dignidade de sua posição.

Nenhum cidadão decente e sensato tomaria partido pelas pessoas e instituições emaranhadas nesse ninho de cobras.

Daí a minha postura de defender unicamente princípios, como o de que devem ser respeitados os habeas corpus concedidos por quem de direito (ainda que equivocados), pois a alternativa é muito pior: tiras brincando de gato e rato com a Justiça, como já fizeram em outros tempos, quando escondiam presos e os transferiam de uma unidade para outra, a fim de que os habeas corpus nunca os alcançassem.

Também me coloco visceralmente contra a bisbilhotice desenfreada, a violação generalizada e aberrante do sigilo telefônico por parte dos repulsivos arapongas.

E, claro, prego o respeito à Constituição, com todas as suas imperfeições, pois aqui também a alternativa è muito pior: o desprezo pelos direitos individuais, desembocando no estado totalitário.

Então, fiquei simplesmente pasmo ao ler as últimas declarações do 007 togado:

"A Constituição não é mais importante que o povo, os sentimentos e as aspirações do Brasil. É um modelo, nada mais que isso, contém um resumo das nossas idéias. Não é possível inverter e transformar o povo em modelo e a Constituição em representado.

"A Constituição tem o seu valor naquele documento, que não passa de um documento; nós somos os valores, e não pode ser interpretado de outra forma: nós somos a Constituição."

Sempre que pseudo-iluminados se colocaram acima da Constituição, os resultados foram desastrosos; amiúde trágicos.

E um magistrado é o último cidadão a poder referir-se à Carta Magna, depreciativamente, como "um modelo, nada mais que isso", "não passa de um documento".

Quem lhe concedeu, afinal, autoridade para falar em nome do "povo, os sentimentos e as aspirações do Brasil"? Imagina-se um salvador da Pátria? E acredita poder conciliar tais delírios com os fartos benefícios que o sistema lhe concede?

Assim como seu desafeto que preside o STF, o 007 togado evidencia sua incompatibilidade com a função que desempenha.

Ambos deveriam ser conduzidos a afazares mais condizentes com suas aptidões: um nos palcos, contracenando com as divas; e o outro nos arrabaldes, comandando justiceiros.

7.11.08

O DIREITO DE RESPOSTA NA FOLHA DE S. PAULO: KAFKIANO

Um dos contos mais perturbadores de Kafka é "A Porta da Justiça", sobre o cidadão que chega à dita cuja e é impedido de entrar pelo brutamontes que lá está. Este adverte que, se o pleiteante conseguir passar por ele, terá pela frente guardiães ainda mais ameaçadores.

O homem que busca justiça se conforma e lá permanece resignadamente, à espera de que lhe seja permitido o acesso. O tempo passa, sua saúde se deteriora. Quando está agonizando, pergunta ao guarda para que servia, afinal, aquela porta, já que ninguém mais tentara passar por ela.

Recebe a resposta de que aquela porta se destinava exclusivamente a ele. Com sua morte, seria fechada para sempre.

Eu enfrento situação similar diante da porta do direito de resposta na Folha de S. Paulo.

Em meados de 1994, fui acusado de delator da área de treinamento guerrilheiro da VPR em Registro, na capa da "Ilustrada", por Marcelo Paiva. A editora me concedeu o direito de resposta, mas o Paiva contra-atacou. Reivindiquei, então, o direito que o Manual de Redação da própria Folha me assegurava, de uma intervenção final.

A editora tentou esquivar-se, pretextando falta de espaço. A ombudsman, bizarramente, endossou sua posição. Então, tive de me dirigir diretamente ao diretor de redação Otávio Frias Filho para que o jornal honrasse o compromisso publicamente assumido com os alvejados em espaço editorial.

Desde então sofro uma retaliação mesquinha da Folha, que há 14 anos me nega o direito pleno de resposta e de apresentar o "outro lado" em assuntos que me tocam diretamente. Uma regra não escrita do jornal é a de que as queixas e esclarecimentos de Celso Lungaretti sejam relegadas, em quaisquer circunstâncias, ao Painel do Leitor.

O exemplo mais gritante de desrespeito às boas práticas jornalísticas ocorreu no final de 2004, quando encontrei num relatório secreto militar a prova cabal de que houvera sido falsamente acusado por Marcelo Paiva dez anos e meio antes.

Como, naquela ocasião, não houvesse elementos para elucidação plena da questão -- ficara minha palavra contra a de Paiva --, o certo teria sido o jornal reconhecer, com idêntico destaque, o gravíssimo erro cometido.

A resposta da Folha foi me colocar em contato com o responsável pela sucursal do RJ, que prometeu esclarecer o assunto mas ficou ganhando tempo até que o jornal recebeu uma carta de Jacob Gorender, admitindo que fora levado a encampar uma versão falsa em seu livro Combate nas Trevas e esclarecendo que nenhuma culpa verdadeiramente me cabia no episódio de que eu era acusado.

A Folha então me comunicou que considerava a publicação da carta do Gorender no Painel do Leitor como satisfação suficiente a mim, dando o caso por encerrado.

Qualquer jornalista sabe, entretanto, que o Gorender, com a dignidade que lhe-é inerente, corrigiu a informação que ele próprio dera. A Folha, ao publicar o mea culpa do historiador, não definiu sua própria posição, não admitiu que errara nem se desculpou comigo.

Como não existisse mais a possibilidade de uma ação por danos morais (já prescrevera) e eu não estivesse em condições de custear advogado apenas para fazer valer meu direito de ver a retificação publicada com o mesmo destaque da desinformação injuriosa, só me restou exercer o jus sperniandi em tribunas não pertencentes à grande imprensa.

E, em meia-dúzia de ocasiões, a Folha me negou espaço adequado para fazer a defesa da memória da luta armada e dos companheiros que dela participaram, embora eu seja o veterano da resistência mais identificado publicamente com esse papel nos dias de hoje.

Minhas contestações irrefutáveis àquilo que o jornal publicara sobre a reparação à família de Carlos Lamarca e ao uso do entulho autoritário, por parte de Élio Gaspari, como argumento para satanizar personagens históricos foram arbitrariamente sonegadas dos leitores da Folha.

No entanto, os espaços na página de opinião são sempre generosamente concedidos para os porta-vozes da direita mais reacionária e primária, como Reinaldo de Azevedo e Ali Kamel.

No último dia 7, foi a vez de Jarbas Passarinho despejar sua bílis na seção Tendência/Debates, insistindo no conceito que os serviços de guerra psicológica das Forças Armada plantaram na opinião pública, de forma goebbeliana, durante a ditadura, de que atos de legítima resistência à tirania equivaleriam a "terrorismo".

Em meu próprio nome e no dos companheiros vivos e mortos que foram caluniados como terroristas, encaminhei ao ombudsman da Folha e ao diretor de redação um artigo com extensão equivalente, refutando o do ex-ministro de Médici e signatário do AI-5.

Por enquanto, seu destino está sendo o de todos os anteriores: o cesto de lixo.

Ou seja, a porta do direito de resposta está aberta, mas é só para constar, pois há 14 anos o guardião impede minha passagem. E, um dia, a fecharão definitivamente.

======== OS TEXTOS EM QUESTÃO ========

Julgadores facciosos dos direitos humanos

JARBAS PASSARINHO

GUARDO A lição de Franklin Delano Roosevelt quando afirmou que as liberdades fundamentais estão sintetizadas em não ter fome, não ter medo, livre culto religioso e respeito à privacidade das pessoas. A liberdade de não ter medo embasa-se no direito de expressar livremente o pensamento.

As facções que desencadearam a luta armada de 1967 a 1974 (todas comunistas, exceto Caparaó) lutaram pela ditadura do proletariado, segundo a cartilha marxista. Mais recentemente, diziam ter lutado pela democracia, contra o que se insurgiu, indignado com a mentira, Daniel Aarão Reis, ex-guerrilheiro, preso e exilado, hoje professor universitário: "Nenhum documento das guerrilhas tratou de democracia", contestou.

Claro, pois, marxistas, visavam à ditadura do proletariado. De resto, se vencedoras, teriam erigido um regime de partido único, como o fez Lênin. É paradoxal o defensor do partido único invocar direitos humanos se nega a liberdade de expressão e a pluralidade partidária quando no poder.

O ministro Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) foi militante da Ação Libertadora Nacional, liderada por Marighella, cujo manual de guerrilha defendia o terrorismo, diferentemente de Che Guevara, que o condenava.

Se o ministro fosse um Sobral Pinto ou um Paulo Brossard, eu teria certeza de sua imparcialidade. Reconheceria que a tortura e o terrorismo são irmãos xifópagos, a primeira, uma praga existente desde priscas eras, presente em todas as guerras, e o segundo, não tão antigo. Afinal, a Constituição trata ambos como crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça.

Já que o ministro faz diferença, teoricamente ao menos, julgo-o um revanchista, do tipo que, derrotado, está hoje no governo de um presidente que não foi guerrilheiro.

Antecessor seu na Comissão de Anistia foi outro militante de guerrilha comunista vencida. O objetivo deles tem sido muito claro: queixar-se de torturas na luta armada e esconder o terrorismo que praticaram. Falta-lhes, pois, substância moral para a queixa mesclada de ódio, a despeito dos benefícios já recebidos.

Só em indenizações, já receberam mais de R$ 2 bilhões. Nem um centavo para as famílias dos mortos e mutilados no atentado terrorista no aeroporto de Recife, em 1966, primeiro ato da luta armada que desencadearam. Pensão vitalícia, remuneração por atrasados e emprego livre de Imposto de Renda, tudo foi obtido por um dos terroristas que lançaram carro-bomba contra o quartel do Exército em São Paulo, cuja explosão estraçalhou o corpo de um soldado. Os filhos do povo, os vigilantes de bancos, os seguranças de embaixadores, os oficiais estrangeiros mortos à traição (e até por engano), esses não tinham pais, mães, esposas, filhos.

A emenda constitucional nº 11, de outubro de 1967, revogou o AI-5 e restabeleceu os direitos fundamentais.

Seguiu-se-lhe a anistia, mais ampla que o substitutivo do MDB, que não anistiava Brizola e Arraes. Reconhecendo que houve excessos de ambas as partes, o projeto de lei da anistia incluiu na graça os crimes conexos, assim tidos pelo Congresso em 1979, como a tortura e o terrorismo.

FHC acrescentou as indenizações que privilegiam os derrotados na luta armada. Inverteram o humanitismo de Quicas Borba e o princípio: aos vencedores as batatas. As batatas foram para os vencidos. Millôr Fernandes não pôde conter o chiste: "Os guerrilheiros não fizeram guerra, mas um bom investimento".

Bem pagos, cresceu-lhes a ambição de derrogar unilateralmente a anistia.

Imitando Janus, são bifrontes: um rosto é dedicado à tortura, que é o mal, e o outro, ao terrorismo, sobre o qual silenciam. Apareceram "juristas" doutrinando sobre a imprescritibilidade da tortura, mas omitem o terrorismo. Um jurista de esquerda tradicional, indelicadamente, chamou de "burocratas jurídicos" o ministro da Defesa e o advogado-geral da União, que dele discordam. O menosprezo evidencia a marca da ideologia, e não a do saber jurídico.

A propósito, declarou o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes: "Repudio qualquer manipulação ou tentativa de tratar unilateralmente casos de direitos humanos. Eles não podem ser ideologizados. É uma discussão com dupla face, porque o texto constitucional também diz que o crime de terrorismo é imprescritível".

Vannuchi, arrogante, exibe o vezo do totalitarismo de que foi militante: ameaça demitir-se (que perda para o país!) se o parecer da AGU, reconhecendo a anistia para os crimes conexos, for mantido. Aprendeu de Lênin e seu centralismo democrático: "quem não estiver comigo é contra mim". Ousa constranger, publicando declaração do presidente que se refere aos cadáveres de comunistas desaparecidos há 40 anos no clima quente e úmido da Amazônia, e não à anistia.

O presidente João Baptista Figueiredo disse que a anistia não implicava perdão, que pressupunha arrependimento não pedido, mas esquecimento recíproco, em favor da reconciliação da família brasileira. Perto de 30 anos passados, o esquecimento é unilateral. O ódio ideológico, o mais perverso dos ódios, prevalece.

JARBAS PASSARINHO, 88, é coronel da reserva. Foi governador do Pará (1964-65) e senador por aquele Estado em três mandatos (1967-74, 1975-82 e 1987-95), além de ministro da Educação (governo Médici), da Previdência Social (governo Figueiredo) e da Justiça (governo Collor).

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AVES DE MAU AGOURO

Celso Lungaretti


Comentando a declaração da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) de que a tortura é crime imprescritível, o presidente do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes saiu-se com esta: "O texto constitucional também diz que o crime de terrorismo é imprescritível".

Resvalando para a retórica característica das viúvas da ditadura, Gilmar Mendes insinuou que haveria uma equivalência entre a luta armada contra o regime militar e as práticas hediodas cometidas pelos órgãos de repressão política: "Direitos humanos valem para todos: presos, ativistas políticos. Não é possível dar prioridade a determinadas pessoas que tenham determinada atuação política. Direitos humanos não podem ser ideologizados, é bom que isso fique claro".

Também seria bom que ficasse bem claro para Gilmar Mendes que, desde a Grécia antiga, é reconhecido o direito que os cidadãos têm de resistirem à tirania.

Então, a ninguém ocorre qualificar de "terroristas" os membros da Resistência Francesa que descarrilaram trens, explodiram pontes e quartéis, justiçaram colaboracionistas, etc., atuando com violência incomparavelmente superior à dos resistentes brasileiros. São, isto sim, merecidamente reverenciados como heróis e mártires da França.

A situação era a mesmíssima no Brasil, onde um grupo de conspiradores militares obteve sucesso em sua segunda tentativa (1964) de usurpar o poder, aproveitando bem as lições da primeira (1961) para corrigirem os erros cometidos.

Seus governos ilegítimos sempre sufocaram as diversas formas de resistência à tirania mediante a utilização de força maior do que aquela que se-lhes opunha, terminando por impor o terrorismo de estado sem limites a partir da assinatura do Ato Institucional nº 5.

É claro que, ao enfrentar essas bestas-feras, os resistentes daqui incorreram em alguns excessos, como sempre ocorre nas lutas desse tipo, travadas em condições de extrema desigualdade de forças. À Resistência Francesa também acontecia de errar o alvo ou exagerar na dose.

Mas, isto não basta para que uns e outros sejam tidos como "terroristas". O termo, historicamente, designa grupelhos isolados que tentavam, com tiros e bombas, intimidar os governantes, disseminando o caos.

E não, de nenhuma forma, os combatentes que recorreram à propaganda armada para levantar o povo contra governos tirânicos, como era o óbvio objetivo da resistência ao nazi-fascismo na Europa e ao totalitarismo de direita no Brasil.

O presidente nacional da OAB, Cezar Britto, acaba de vir ao encontro desta posição, afiançando a legitimidade de guerrilhas para derrubar ditaduras como a de 1964/1985: "Entendemos que a manifestação contra governo ditatorial é legítima, faz parte da sobrevivência de um povo. A ONU tem admitido que o fato de resistir a uma ditadura não é ato terrorístico."

O QUE ESTÁ NA CONSTITUIÇÃO

"Constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático", reza o inciso 44 do Artigo 5º da Constituição Federal.

Foi no que se baseou Gilmar Mendes para repetir a cantilena da extrema-direita, colocando no mesmo plano alguns atos desesperados de resistentes e as torturas infligidas a dezenas de milhares de brasileiros.

É chocante o desconhecimento histórico daquele que preside o mais alto tribunal do País!

A ordem constitucional foi quebrada no malfadado 1º de abril de 1964 e hibernou durante 21 anos. O que vigorava era a desordem totalitária do AI-5, uma licença para os militares perseguirem, trancafiarem, torturarem e assassinarem os opositores como bem lhes aprouvesse.

Não se pode falar em Estado democrático sem respeito às garantias individuais, equilíbrio entre Poderes e eleições livres para todos os cargos.

Então, por terem golpistas vitoriosos detonado a ordem constitucional e esmagado o Estado Democrático sob tanques de guerra, todos os cidadãos brasileiros tinham não só o direito, como até o dever, de resistirem a eles.

Um presidente do STF midiático e que, como papagaio, repete falas dos carrascos, mostra-se indigno da posição que ocupa. Deveria renunciar ou ser expelido, como o corpo estranho que se tornou numa instituição que deve primar pela discrição e compostura.

Quanto ao ex-ministro da ditadura Jarbas Passarinho, está procedendo exatamente como Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do DOI-Codi/SP e torturador reconhecido como tal pela Justiça brasileira: caluniando as vítimas para tentar justificar o que de errado fez no passado.

Vale lembrar que, quando deu um cheque em branco para os verdugos, como signatário do AI-5, Passarinho nem sequer se preocupou em dourar a pílula: "Sei que a V. Exa. repugna, como a mim e creio que a todos os membros deste conselho, enveredar pelo caminho da ditadura. Mas às favas, senhor presidente, todos os escrúpulos de consciência!".

Por mais que esperneie, é esta a imagem que deixará para a História.

4.11.08

PAPAGAIO DOS CARRASCOS

Comentando a declaração da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) de que a tortura é crime imprescritível, o presidente do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes disse outra obviedade: "Essa discussão sobre imprescritibildade tem dupla face. O texto constitucional também diz que o crime de terrorismo é imprescritível".

Resvalando para a retórica característica das viúvas da ditadura, Gilmar Mendes insinuou que haveria uma equivalência entre a luta armada contra o regime militar e as práticas hediodas cometidas pelos órgãos de repressão política: "Direitos humanos valem para todos: presos, ativistas políticos. Não é possível dar prioridade a determinadas pessoas que tenham determinada atuação política. Direitos humanos não podem ser ideologizados, é bom que isso fique claro".

Também seria bom que ficasse bem claro para Gilmar Mendes que, desde a Grécia antiga, é reconhecido o direito que os cidadãos têm de resistirem à tirania.

Então, a ninguém ocorre qualificar de "terroristas" os membros da Resistência Francesa que descarrilaram trens, explodiram pontes e quartéis, justiçaram colaboracionistas, etc., atuando com violência incomparavelmente superior à dos resistentes brasileiros. São, isto sim, merecidamente reverenciados como heróis e mártires da França.

A situação era a mesmíssima no Brasil, onde um grupo de conspiradores militares obteve sucesso em sua segunda tentativa (1964) de usurpar o poder, aproveitando bem as lições da primeira (1961) para corrigirem os erros cometidos.

Seus governos ilegítimos sempre sufocaram as diversas formas de resistência à tirania mediante a utilização de força maior do que aquela que se-lhes opunha, terminando por impor o terrorismo de estado sem limites a partir da assinatura do Ato Institucional nº 5, ao abrigo do qual foram cometidos o extermínio sistemático de militantes capturados com vida, torturas as mais bestiais e generalizadas, estupros, sequestros de parentes dos opositores (inclusive crianças) para chantageá-los, ocultação de cadáveres e outros horrores.

É claro que, ao enfrentar essas bestas-feras, os resistentes daqui incorreram em alguns excessos, como sempre ocorre nas lutas desse tipo, travadas em condições de extrema desigualdade de forças. À Resistência Francesa também acontecia de errar o alvo ou exagerar na dosagem.

Mas, isto não basta para que uns e outros sejam tidos como "terroristas". O termo, historicamente, designa grupelhos isolados que tentavam, com tiros e bombas, intimidar os governantes, disseminando o caos.

E não, de nenhuma forma, os combatentes que recorreram à propaganda armada para levantar o povo contra governos tirânicos, como era o óbvio objetivo da resistência ao nazi-fascismo na Europa e ao totalitarismo de direita no Brasil.

Foram os serviços de guerra psicológica da ditadura de 1964/85 que semearam essa confusão, caluniando as vítimas para justificar as atrocidades contra elas praticadas.

Um presidente do STF midiático e que, como papagaio, repete falas dos carrascos, mostra-se indigno da posição que ocupa. Deveria renunciar ou ser expelido, como o corpo estranho que se tornou numa instituição que deve primar pela discrição e compostura.

30.10.08

"PARECER BRILHANTE USTRA" REVELOU A VERDADEIRA FACE DO GOVERNO LULA

Se ainda havia dúvidas quanto ao lado para o qual pendem as simpatias do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, estão dirimidas: entre os carrascos da ditadura de 1964/85 e suas vítimas, ele prefere os totalitários.

Isto já se depreendia de vários sinais emitidos por Lula. Como quando insinuou que, se um cidadão continua acreditando nos ideais de esquerda ao tornar-se sexagenário, é porque tem miolo mole.

Ou quando ele aceitou passivamente a nota oficial emitida pelo Alto Comando do Exército para contestar a posição do Ministério da Justiça acerca dos assassinatos de opositores políticos cometidos pelo regime militar, expressa no livro Direito à Memória e à Verdade.

Lula, ademais, consentiu numa quebra de hierarquia, pois o posicionamento dos comandantes colocara em xeque a autoridade do titular da Defesa (foi a última vez em que Nelson Jobim agiu verdadeiramente como ministro: percebendo que dele se esperava apenas a submissão à caserna, adequou-se rapidinho a tal papel).

Já o ministro da Justiça Tarso Genro, por ingenuidade ou segundas intenções, provocou novamente Lula a descer do muro, ao convocar, no final de julho, uma audiência pública para se discutir a punição dos torturadores dos anos de chumbo.

Forçado a tomar partido, o presidente o fez, como sempre, ao lado dos militares, descartando peremptoriamente qualquer iniciativa do Executivo no sentido da revogação da Lei de Anistia. Mandou a esquerda honrar seus heróis e mártires, em vez de ficar exigindo castigo para quem torturou os heróis e executou os mártires.

Finalmente, semanas atrás, o ministro das Minas e Energia Edison Lobão não teve pejo em fazer rasgados elogios aos governos dos generais, colocando até em dúvida se constituíam verdadeiramente uma ditadura. Como ninguém o admoestou, presume-se que estivesse autorizado a dizer o que disse.

Então, o caso da Advocacia Geral da União (AGU) está longe de ser um episódio isolado. É apenas uma expressão mais acintosa da guinada à direita em curso no Governo Lula.

O "PARECER BRILHANTE USTRA" - Desconversas à parte, o que houve agora foi simplesmente isto: a União assumiu a defesa dos ex-comandantes do DOI-Codi/SP, Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir dos Santos Maciel, no processo que lhes-é movido pelos procuradores federais Marlon Weichert e Eugênia Fávero.

Os procuradores pleitearam a responsabilização pecuniária desses militares da reserva pelas mortes e sevícias ocorridas durante o período de 1970/76, quando estiveram à frente daquele centro de torturas. Ou seja, que fossem declarados culpados pelos crimes e práticas hediondas cometidos sob seu comando e repusessem tudo que a União despendeu em reparações a suas vítimas.

Dos 6.897 cidadãos que passaram pelas garras do DOI-Codi/SP, a grande maioria sofreu as torturas de praxe (espancamentos, choques elétricos, pau-de-arara, afogamento, asfixia, etc.), acrescida de uma exclusividade do local: a cadeira-do-dragão, cujos assento e encostos para os braços e cabeça eram revestidos de metal, para aumentar a potência das descargas que a vítima, amarrada, recebia. Vladimir Herzog foi um mártir brasileiro bestialmente assassinado na cadeira-do-dragão.

A União tinha três caminhos a escolher: entrar no processo ao lado dos procuradores, permanecer neutra ou tomar a defesa dos carrascos. Fez uma escolha inconcebível e inaceitável, até porque contradiz frontalmente toda a legislação internacional subscrita pelo Brasil e as recomendações da ONU. O Governo Lula nos tornou párias da civilização, tanto que já fomos chamados a nos justificar perante a OEA (como se fosse possível explicar o inexplicável!).

Em sua defesa dos algozes, a AGU invocou a anistia autoconcedida pela ditadura no ano de 1979, que nada mais representou do que um habeas-corpus preventivo para quem sabia ter incidido em assassinatos em massa (incluindo as mortes durante as sessões de tortura e a execução a sangue-frio de prisioneiros que estavam sob a guarda do Estado), sevícias as mais brutais, sequestros (até de crianças!), estupros, ocultação de cadáveres e outras abominações.

Segundo a AGU, aquela lei colocou uma pedra definitiva sobre o assunto, nada mais havendo a se fazer. É um arrazoado que, obviamente, servirá como munição jurídica para os torturadores, em todos os tribunais a que forem conduzidos.

Talvez seja o caso de o denominarmos Parecer Brilhante Ustra, assim como um casuísmo da ditadura militar para favorecer o pior dos torturadores do Deops/SP recebeu o apelido de Lei Fleury...

TORTURA ERA REGRA, NÃO EXCEÇÃO - Esta decepcionante evolução dos acontecimentos está longe de ser inesperada, vindo ao encontro do que escrevi quando Genro e o secretário especial de Direitos Humanos Paulo Vannuchi promoveram aquela malsinada audiência pública.

Depois que Lula se manifestou claramente contra a revogação da anistia de 1979, Genro tentou maquilar a derrota como vitória, propondo que fossem abertas na Justiça ações contra os ex-torturadores, sob a acusação de terem cometido crimes comuns. Segundo ele, as atrocidades não se tipificavam como crimes políticos e, portanto, ficavam de fora do guarda-chuva protetor da Lei de Anistia.

De imediato, eu adverti que:
* a tortura nunca fora um excesso cometido por meia-dúzia de aloprados nos porões, mas sim uma política de Estado que, embora não assumida formalmente, nem por isso deixara de ser menos efetiva, tendo sido implementada com a concordância ou a omissão de toda a cadeia de comando;
* que o atalho proposto por Genro impediria a responsabilização dos mandantes, permitindo apenas o enquadramento dos executantes;
* que daria aos acusados uma forte arma de defesa, pois eles argumentariam exatamente que estavam apenas cumprindo ordens;
* que não representaria a verdadeira justiça, ficando-se longe de passar o período realmente a limpo; e
* que o caminho judicial seria tão longo e os recursos protelatórios à disposição dos réus, tantos, que poucos deles (ou nenhum) acabariam recebendo a sentença definitiva em vida.

Audir dos Dantos Maciel morreu nesse meio-tempo. Brilhante Ustra, septuagenário, já sofreu crises cardíacas.

E as tentativas de contornar-se a Lei da Anistia, doravante, terão como adversária a União, que oficializou sua posição de endosso à impunidade dos carrascos.

Isto, claro, se não houver um recuo tático do governo, em razão do ultimato de Vannuchi (que deixará sua Pasta se a AGU não retirar o parecer) e das várias manifestações de repúdio que estão pipocando.

Mas, nada impedirá que, dentro de semanas, estejamos novamente nos chocando com a hostilidade de Lula aos ideais e valores da esquerda.

Então, já passou da hora de compenetrarmo-nos que nossas bandeiras não são assumidas pelo atual governo nem serão por ele ou dentro dele viabilizadas. Se quisermos justiça e respeito, teremos de lutar por ambos. Junto à sociedade, não nos gabinetes palacianos.

Bem melhor do que mobilizarmo-nos para derrubar um parecer da AGU, servindo como peões na luta interna do Planalto, seria agirmos de forma autonôma e contra um alvo de primeira grandeza: o entulho autoritário atrás do qual o inimigo está abrigado. A anistia de 1979 tem de ser revogada, em nome das vítimas da ditadura mais brutal que o Brasil já conheceu e de nosso auto-respeito como Nação.

Que se levante a bandeira correta, justa e necessária, de uma vez por todas!

P.S.: ver também CHEGA DE PATINHARMOS SEM SAIR DO LUGAR!, no blog Náufrago da Utopia ( http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/2008/10/chega-de-patinharmos-sem-sair-do-lugar.html )

27.10.08

ELEIÇÕES SEM NADA

Cantei a bola nos dois artigos que escrevi antes do 1º turno: foram eleições sem opções e sem esperanças.

Só havia candidatos do sistema. Fernando Gabeira acabou sendo o único que pareceu remotamente vir na contramão, devido à desigualdade de recursos que fez lembrar as antigas campanhas de "o tostão contra o milhão".

Mas, com seus elogios ao capitalismo, seus recuos das antigas posições "radicais" e as médias que andou fazendo junto aos mercadores da fé e aos senhores da guerra, logo dissipou as tênues esperanças que restavam.

Não era mais Gabeira, embora continuasse usando o rótulo. Virou Qualquer-Coisa. E, como Fernando Qualquer-Coisa, perdeu.

Assim como Marta deixou de ser Suplicy há muito tempo, mas continua usando o sobrenome que hoje não passa de rótulo.

Foi como Suplicy que ela venceu uma vez -- e tão-somente porque escondeu do eleitorado que já deixara de sê-lo, na verdade.

Sem o digno sobrenome, o que sobra? Uma sexóloga de TV com todo jeitão de dondoca daslu. Que nunca seria candidata petista no tempo em que o partido era ideológico. E, agora, mostrou ser uma mala sem alça até mesmo para o PT fisiológico...

Os analistas da imprensa destacam a cristalização de uma nova direita em São Paulo, abarcando o que restou do velho udenismo, do adhemarismo, do janismo, do quercismo e do malufismo, em amálgama nauseabundo com forças de esquerda que guinaram à direita (o velho PCB, o tucanato...).

O certo é que a costura desses restos mortais numa nova criatura política, com Serra no papel de Dr. Frankenstein, foi muito facilitada pela extremada rejeição da classe média paulistana a Marta Qualquer-Coisa e ao próprio petismo.

Pesam contra Marta os estigmas de introdutora de taxas extremamente antipáticas, como a do lixo; de construtora de dois túneis unanimemente tidos como superfaturados, mal concebidos e mal executados; e de arrogante quando criticada, como da vez em que destratou uma dentista cujo consultório fora inundado pelas enchentes e da outra vez em que mandou os torturados pela espera infinita nos aeroportos relaxarem e gozarem.

O PT, por sua vez, carrega o desgaste do mensalão e da traição a suas bandeiras históricas, como a de repúdio aos bancos e ao grande capital. Em vez de governar para os pobres e para a classe média, como prometera, está governando para os muito pobres (que lhe dão votos) e os muito ricos (que lhe garantem poder).

Nada a estranhar, portanto, em que tenha transformado em inimiga a classe média mais encorpada e influente do País, a de São Paulo.

O quadro, depois das eleições municipais, é desalentador.

De um lado o PT reformista/assistencialista, sem a mais remota veleidade de romper as amarras de um modelo econômico que perpetua a desigualdade e a exclusão social.

Do outro, o novo bloco conservador capitaneado pelo PSDB, com o DEM reduzido a coadjuvante de luxo.

E o velho centrão, com o PMDB à frente, barganhando seu apoio no atacado e no varejo.

Pior do que isto, só mesmo o boato de que Lula estaria prestes a desembarcar do PT e vestir uma fantasia de tucano, para ajudar a eleger Serra em 2010, com a contrapartida de ser ele o candidato presidencial em 2014.

Só o fato de que esta hipótese hoje não choca ninguém já é um atestado eloquente do descrédito dos políticos, sem exceção, aos olhos do cidadão comum.

Se consumada, será a ignomínia suprema.

23.10.08

GOVERNO LULA ESCOLHE SEU LADO: O DE BRILHANTE USTRA

Se ainda havia alguma dúvida quanto à posição do Governo Lula diante da ditadura de 1964/85 e as atrocidades por ela cometidas, está dirimida: coloca-se mesmo ao lado dos totalitários.

Quem fala por Lula é o ministro das Minas e Energia Edison Lobão, que acaba de fazer rasgados elogios ao período de arbítrio, questionando até seu caráter de uma verdadeira ditadura; e o ministro da Defesa Nelson Jobim, que se manifesta e age como porta-voz no governo dos contingentes mais retrógrados das Forças Armadas.

Tarso Genro e Paulo Vannuchi, respectivamente ministro da Justiça e secretário nacional de Direitos Humanos, sofreram uma derrota acachapante, com a decisão tomada pela União de assumir a defesa dos ex-comandantes do DOI-Codi/SP, Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir dos Santos Maciel, no processo que lhes-é movido pelos procuradores federais Marlon Weichert e Eugênia Fávero.

Os procuradores pleitearam a responsabilização pecuniária desses militares da reserva pelas mortes e sevícias ocorridas durante o período de 1970/76, quando estiveram à frente daquele centro de torturas. Ou seja, que fossem declarados culpados pelos crimes e práticas hediondas cometidos sob seu comando e repusessem tudo que a União despendeu em reparações a suas vítimas.

Dos 6.897 cidadãos que passaram pelas garras do DOI-Codi/SP, a grande maioria sofreu as torturas de praxe (espancamentos, choques elétricos, pau-de-arara, afogamento, asfixia, etc.), acrescida de uma exclusividade do local: a cadeira-do-dragão, cujos assento e encostos para os braços e cabeça eram revestidos de metal, para aumentar a potência das descargas que a vítima, amarrada, recebia. Vladimir Herzog foi um mártir brasileiro bestialmente assassinado na cadeira-do-dragão.

A União tinha três caminhos a escolher: entrar no processo ao lado dos procuradores, permanecer neutra ou tomar a defesa dos carrascos. Fez uma escolha inconcebível e inaceitável, até porque contradiz frontalmente toda a legislação internacional subscrita pelo Brasil e as recomendações da ONU. O Governo Lula nos tornou párias da civilização.

Em sua defesa dos carrascos, a Advocacia Geral da União invocou a anistia autoconcedida pela ditadura no ano de 1979, que nada mais representou do que um habeas-corpus preventivo para quem sabia ter incidido em assassinatos em massa (incluindo as mortes durante as sessões de tortura e a execução a sangue-frio de prisioneiros que estavam sob a guarda do Estado), sevícias as mais brutais, sequestros (até de crianças!), estupros, ocultação de cadáveres e outras abominações.

A TORTURA ERA REGRA, NÃO EXCEÇÃO - Esta evolução dos acontecimentos, entretanto, está longe de ser inesperada, vindo ao encontro do que escrevi quando Genro e Vannuchi promoveram uma audiência pública para discutir a punição dos torturadores, no final de julho.

Lula, por meio de Jobim, desautorizou qualquer iniciativa do Executivo no sentido da revogação da Lei da Anistia.

Genro tentou maquilar a derrota como vitória, propondo que fossem abertas na Justiça ações contra os ex-torturadores, acusando-os de terem cometido crimes comuns. Segundo ele, as atrocidades não se tipificavam como crimes políticos e, portanto, ficavam de fora do guarda-chuva protetor da Lei da Anistia.

De imediato, eu adverti que:
* a tortura nunca fora um excesso cometido por meia-dúzia de aloprados nos porões, mas sim uma política de Estado que, embora não assumida formalmente, nem por isso deixara de ser menos efetiva, tendo sido implementada com a concordância ou a omissão de toda a cadeia de comando;
* que o atalho proposto por Genro impediria a responsabilização dos mandantes, permitindo apenas o enquadramento dos executantes;
* que daria aos acusados uma forte arma de defesa, pois eles argumentariam exatamente que estavam apenas cumprindo ordens;
* que não representaria a verdadeira justiça, ficando-se longe de passar o período realmente a limpo; e
* que o caminho judicial seria tão longo e os recursos protelatórios à disposição dos réus, tantos, que poucos deles (ou nenhum) acabariam recebendo a sentença definitiva em vida.

Audir dos Dantos Maciel morreu nesse meio-tempo. Brilhante Ustra, septuagenário, já sofreu crises cardíacas.

E as tentativas de contornar-se a Lei da Anistia, doravante, terão como adversária a União, que oficializou sua posição de endosso à impunidade dos carrascos.

Então, fica cada vez mais evidenciado que não se fará justiça sem suprimir-se mais este entulho autoritário. A anistia de 1979 tem de ser revogada, em nome das vítimas da ditadura mais brutal que o Brasil já conheceu e de nosso auto-respeito como Nação. Que se levante a bandeira correta e justa, de uma vez por todas!

Quanto a Genro e Vannuchi, a dignidade impõe que se afastem de um governo que os desautoriza a cada momento.

Assim como a dignidade impõe ao presidente Lula que renuncie à pensão de prejudicado pela ditadura que vem recebendo há décadas e restitua cada centavo aos cofres públicos.

Por uma questão de coerência: quem se alinha com os déspotas e verdugos, moralmente não merece reparação de vítima. É o mesmo caso do Cabo Anselmo.

22.10.08

CASO SANTO ANDRÉ: OS GLADIADORES DO CAPITALISMO PUTREFATO

Um ex-cunhado meu foi economiário durante toda sua trajetória profissional. Entrou office-boy e acabou gerente.

Certa vez me contou que, quando sua agência era assaltada, a maior preocupação dos funcionários era apressarem os bandidos, para que dessem o fora com a grana antes da chegada da polícia: sabiam que os brucutus da lei mandariam bala para todo lado, sem consideração pela vida deles e dos clientes.

Também fiquei conhecendo o Massacre do Carandiru em detalhes, porque trabalhava na Imprensa do Palácio dos Bandeirantes quando o episódio ocorreu.

A soldadesca atirou porque estava apavorada com a fumaça, gritaria e confusão. Então, por despreparo, descarregou o medo no gatilho.

Oficial que se colocasse entre os matadores fardados e seus alvos acabaria recebendo bala também. É o que já aconteceu um sem-número de vezes nas guerras. Na do Vietnã, p. ex., havia mais oficiais estadunidenses mortos pelo fogo amigo do que pelos disparos do inimigo...

O coronel Ubiratan, coitado, nada pôde nem poderia fazer para controlar a tropa. Ele não era nenhum celerado fascistóide, mas sim um comandante de perfil burocrático, contando os dias que faltavam para a aposentadoria e torcendo para que não surgir nenhum contratempo nesse meio-tempo. Tirou o azar grande.

O grande culpado, claro foi o governador Fleury, que ordenou uma invasão desnecessária para exibir seu muque, depois convenceu o secretário da Segurança Pública a segurar o rojão.

Enfim, para quem sabe das coisas, nada há a estranhar em que a ação policial em Santo André tenha sido mais uma comédia de erros com final trágico.

A polícia tem pelo menos uma atenuante: incompetência não chega a ser crime.

Já os abutres da imprensa não têm nenhuma.

Passaram o tempo todo capitalizando um drama em benefício próprio, para saciar a bisbilhotice doentia de seu público.

Comprovaram que a ética do jornalismo foi levada de roldão pela competição e ganância. Está tão morta quanto a tal Eloá.

A VIDA RETOCA A ARTE - Não se preocupando em momento algum com a vida dos patéticos personagens alçados a atração momentânea da arena de gladiadores do capitalismo putrefato, os coleguinhas na ativa fizeram-me até lembrar de um dos grandes clássicos de Hollywood: A Montanha dos Sete Abutres, de Billy Wilder (1951).

O filme mostra um mineiro preso em velhas ruínas indigenas e um repórter ambicioso (Kirk Douglas) que o encontra, pode resgatá-lo de imediato, mas o convence a ficar lá, enquanto extrai todos os dividendos jornalísticos dessa situação.

Manipula a tudo e a todos: a esposa do mineiro, que faz melodrama, posando de semiviúva; o xerife, que lhe concede o direito de controlar como bem entender o acesso ao local; o empreiteiro responsável pela obra de salvamento, para que vá pelo caminho mais longo, esticando ao máximo a duração do espetáculo.

Na véspera do grand finale, entretanto, o mineiro morre de pneumonia. E o abutre responsável pelo desfecho trágico acaba também destruído, pelos remorsos.

O episódio de Santo André também tendia a ser resolvido muito antes, sem tragédia, caso a imprensa não montasse seu circo.

A partir do momento em que virou atração de mídia, o tal Lindemberg passou a representar um papel diferente; afinal, não é qualquer zé mané que tem essa raríssima chance de desfrutar não uns minutinhos ocasionais de fama, mas nada menos do que 100 horas!

Deu no que deu. Agora a ex-namorada está enterrada no caixão e ele passará o melhor de sua vida enterrado numa prisão, se os outros detentos não o matarem antes.

O pior é que se deu uma multiplicação dos abutres. No filme havia apenas um; o título brasileiro se refere ao nome indigena da montanha em que o mineiro ficou meio soterrado.

Em Santo André eram bem mais do que sete. E nenhum deles demonstrou o mínimo remorso, ao contrário do personagem cinematográfico.

A vida não apenas imitou a arte, mas também a retocou. Para pior.

8.10.08

RESISTIR É PRECISO

Desde janeiro de 2007 disponibilizo meus artigos semanais neste blog O Rebate. E, em agosto de 2008, passei a fazer comentários mais ligeiros sobre os principais acontecimentos, diariamente, no blog Náufrago da Utopia.

Embora só tivesse enunciado isto formalmente no mês passado, o que eu fiz, desde o primeiro momento, foi tentar provar que se pode ser revolucionário no século 21, sem resvalar para o jacobinismo (ou seja, respeitando os direitos humanos) nem para o fanatismo (ou seja, praticando o pensamento crítico).

Embora tenha conquistado algum prestígio virtual, continuo quase ignorado pela grande imprensa, que não me ouve nem mesmo quando produz matérias sobre assuntos aos quais estou intimamente ligado, não me contrata, nem me publica. O máximo que tenho obtido são espaços nas seções de leitores para protestar contra as desinformações mais gritantes.

Mas, como disse um jornalista amigo ao resenhar o Náufrago da Utopia, eu sou um sujeito muito teimoso. Passei 34 anos sem desistir de estabelecer a verdade sobre injustiças que sofri como preso político, até que consegui. E estou há quase dois anos tentando provar que as análises corretas podem impor-se a despeito da evidente má vontade da mídia patronal e da mídia chapa-branca, bem como do culto à certificação que se consolidou no Brasil nas últimas décadas.

Apenas me graduei em jornalismo, nunca fiz pós nem MBA, jamais suportei jornadas caça-níqueis de atualização, tendo detestado cada minuto que nelas passei como repórter, cumprindo determinadas pautas. A exemplo dos revolucionários de outrora, fui sempre buscar por mim mesmo o conhecimento que me fazia falta.

Quem acompanha meu trabalho sabe que tenho média de acertos bem maior que a dos me(r)dalhões do sistema. E que corro muito mais riscos do que eles.

Foi o que fiz no último dia 2 de julho, quando a turbulência nos mercados apenas começava. Em meu artigo CRÔNICA DA ESTAGFLAÇÃO ANUNCIADA ( http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/2008/07/crnica-da-estagflao-anunciada.html ), não tive dúvidas em antecipar a gravidade da tempestade que se formava, nem em reabilitar as análises marxistas sobre crises cíclicas do capitalismo, tão desacreditadas pelos economistas a serviço da manutenção do status quo:

"...a alternância de fases de expansão e retração econômicas marca o capitalismo desde o seu início. Por que desta vez seria diferente? De onde os doutos economistas tiraram a idéia de que o crescimento agora seria ininterrupto? Isto me parece mais expressão de desejo do que análise isenta.

"...A desigualdade (...) continuou caracterizando o capitalismo, com a agravante de que os formidáveis avanços científicos e tecnológicos das duas últimas décadas criaram plenas condições para proporcionar-se a cada habitante do planeta o suficiente para uma existência digna.

"Em vez disso, o que houve foi um incremento ad absurdum das atividades parasitárias, totalmente inúteis para o ser humano, cuja expressão mais conspícua, claro, são os bancos, amos e senhores do capitalismo atual.

"E, para que os bens e serviços continuassem sendo consumidos independentemente do poder aquisitivo insuficiente dos consumidores, expandiu-se a oferta de crédito também ad absurdum. Então, desde as nações até as famílias passaram a operar com as contabilidades mais insensatas, em que as contas nunca fecham e os débitos, impagáveis, são sempre empurrados para o futuro.

"É sobre esse pano-de-fundo de artificialidade básica que se projeta a atuação dos grandes especuladores do mercado financeiro, cujo campo de ação foi enormemente ampliado pelo advento da internet.

"Atribuir-lhes (ou às autoridades que não os policiaram suficientemente) a responsabilidade pela estagflação anunciada é tão falacioso agora quanto, p. ex., na quebra da Bolsa em 1929. O nome do vilão sempre foi outro: capitalismo."

Que cada um julgue se eu andei certo ou errado ao anunciar que estávamos às vésperas de uma nova crise cíclica do capitalismo, com a única diferença de que os recursos atuais possiblitaram que ela fosse represada por mais tempo do que no passado (tendendo, portanto, a ter virulência bem maior).

No entanto, já houve manifestação semelhante por parte de um autor respeitável. No final de setembro, o historiador Eric Hobsbawm, que escreveu A Era da Revolução, A Era do Capital, A Era do Império e A Era dos Extremos, afirmou estar havendo “um indiscutível renascimento do interesse público por Marx no mundo capitalista”, provocado, principalmente, pela ocorrência de “uma crise econômica internacional particularmente dramática em um período de uma ultra-rápida globalização do livre-mercado”. E acrescentou:

"É claro que qualquer 'retorno a Marx' será essencialmente um retorno à análise de Marx sobre o capitalismo e seu lugar na evolução histórica da humanidade – incluindo, sobretudo, suas análises sobre a instabilidade central do desenvolvimento capitalista que procede por meio de crises econômicas autogeradas com dimensões políticas e sociais." [o que não passa de uma forma rebuscada de proclamar a atualidade das análises marxistas sobre as crises cíclicas do capitalismo...]

De minha parte, continuarei teimosamente oferecendo análises que o sistema desconsidera e não são lastreadas em autoridade certificada de nenhuma espécie.

E, se mais sites e portais se fecharem para mim como se fecharam todas as portas da grande imprensa, ainda assim vocês poderão acompanhar o meu trabalho nos dois blogs, dia após dia.

Resistir é preciso.

6.10.08

2008: ELEIÇÕES SEM ESPERANÇAS

Houve eleições municipais neste domingo. Sabemos disso porque fomos obrigados a ir votar, ficamos sem o futebol dominical e não pudemos tomar umas e outras nos botecos.

Mas, faltava algo nas ruas: esperança. Ninguém dava mostras de acreditar que algo mudaria, fosse quem fosse eleito.

Menos, é claro, os feios, sujos e malvados que disputaram vagas na Câmara Municipal, movidos quase todos por ambições mesquinhas. Estes se atiraram à luta com a sofreguidão de quem vê uma chance única de subir na vida ou (os que buscavam a reeleição) manter-se num patamar muito acima do facultado por seus reais talentos.

O desfile dessas figuras grotescas no horário eleitoral gratuito parecia show de aberrações em mafuás da periferia. Pouquíssimos sugeriam a mais remota possibilidade de servirem ao povo, já que saltava aos olhos sua escassa competência e a escassez ainda maior de caráter. Mal conseguiam dissimular que queriam mesmo é servir-se do povo, dos cofres públicos e das inesgotáveis benesses do poder.

A principal conclusão a tirar-se dessas eleições já se sabia na véspera: a fisiologia impera, não existindo mais nenhum grande partido movido por ideologia. O PT, última tentativa nessa direção, hoje não vê pecado nenhum em coligar-se com o PPS em 20,3% dos municípios brasileiros, com o PSDB em 19,7% e com o DEM em 17,2%.

Se associar-se aos dois primeiros já embaça as distinções que deveria haver entre situação e oposição, as alianças com o DEM constituíram verdadeira ignomínia: o PT, que nasceu da resistência à ditadura de 1964/85, irmanando-se ao partido herdeiro da Arena, criada pelos militares para dar aparência de legalidade ao jugo da força bruta.

De resto, ficou comprovado que o patrimônio político de Lula é pessoal e intransferível. Sua popularidade sobe aos píncaros, mas não se transmite ao PT e seus aliados, que tiveram desempenho apenas razoável em grandes capitais como São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre, além de amargarem derrotas sofridas em Curitiba e no Rio de Janeiro (onde o prejuízo foi total, pois perdeu ao lado do pior dos candidatos, depois que uma tentativa espúria de beneficiá-lo terminou em tragédia) .

As freqüentes comparações entre Lula e Getúlio Vargas omitem um dado importante: o segundo inspirava verdadeira devoção nos trabalhadores, tanto que foi capaz de eleger até um poste (Eurico Gaspar Dutra), quando impedido de disputar a eleição presidencial.

Já Marta Suplicy, peça-chave no tabuleiro de Lula, ficou exatamente no seu índice habitual de trinta e pouco por cento, apesar de todo apoio presidencial.

Pior: a arrancada de Gilberto Kassab em setembro indica que, quando o eleitorado paulistano passou a interessar-se pelo pleito, inclinou-se na direção do atual prefeito.

Será dificílimo, quase impossível, reverter essa tendência. Não é à toa que dirigentes petistas já aconselham Lula a evitar um comprometimento excessivo com a campanha de Marta no 2º turno.

Finalmente, evidenciou-se que está bloqueado o caminho para outro partido repetir a trajetória do PT -- seja porque o otimismo da década de 1980 cedeu lugar ao conformismo atual, seja por conta da decepção causada pelo próprio PT, ao frustrar as esperanças que despertou.

A classe média, capaz de mobilizar-se por ideais, mostra-se amarga e descrente. Por enquanto, o assistencialismo e o clientelismo estão sendo suficientes para garantir apoios que contrabalançam o êxodo dos melhores seres humanos.

Mas, já sem apelo para corações e mentes, Lula e o PT dependerão do que puderem oferecer para as barrigas. Enquanto proporcionarem melhoras materiais, mesmo que ínfimas, têm chance de perpetuarem-se no poder.

Se a crise cíclica do capitalismo atingir um estágio mais agudo, entretanto, já não haverá como manter essa sustentação, em última análise, comprada.

Aí vai lhes fazer muita falta a ardorosa militância que sustentava o partido nos tempos difíceis e foi trocada pelos interesseiros sempre em busca de partidos que os sustentem.

30.9.08

2008: ELEIÇÕES SEM OPÇÕES

O Brasil tem 5.563 municípios.

O PT marcha para as eleições de domingo coligado ao PSDB em 1.095 deles (19,7%).

Ao DEM, em 957 cidades (17,2%).

E ao PPS, em 1.129 (20,3%).

Ou seja, em 3.181 municípios brasileiros (57,2%), o PT selou alianças com um dos principais partidos de oposição: os tucanos, os democratas ou o satélite de ambos.

Mais da metade das cidades do País já vive a era dos partidos indiferenciados: são todos farinha do mesmo saco.

Esta é outra explicação para a popularidade-recorde de Lula. Quando os partidos nada mais significam, os cidadãos apostam todas as suas esperanças em pessoas.

Seria interessante fazerem outra pesquisa de opinião, que aferisse a popularidade do PT. Com certeza, não atingiria nem a metade da lulesca.

Mas, homens providenciais morrem ou desabam do pedestal. E, quando isto acontece, nada deixam atrás de si, além de um povo órfão.

Partidos têm vida longa. Cabe-lhes manter a continuidade da luta por bandeiras históricas.

Quando se tornam gelatinosos, como os brasileiros, implodem as pontes entre passado, presente e futuro.

Aqui não há partidos no sentido tradicional do termo, com posturas ideológicas definidas e diferenciadas.

Há apenas o partido dos que estão no poder e tudo fazem para não deixarem entrar os que estão fora do poder, pois querem conservar as benesses do poder apenas para si.

E o partido dos que estão fora do poder e tudo fazem para terem acesso ao poder e suas benesses.

Hoje, a única referência que ainda imanta o povo brasileiro é um sexagenário.

Adiante, uma incógnita.

E os justificados temores de que estejamos decaindo sem nunca termos atingido o apogeu.

23.9.08

"DEMOCRACIA INSTANTÂNEA" É UMA FALÁCIA PERIGOSA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem 68,8% de avaliação positiva. 44,1% dos eleitores admitiram a possibilidade de votar no candidato por ele apoiado ou indicado. 15,5% votarão incondicionalmente no candidato por ele apoiado ou indicado.

Estes dados de uma pesquisa de opinião constituem o principal fato político da semana, se fiarmo-nos nos critérios da grande imprensa. São repetidos à exaustão e levados em conta na maioria das análises do quadro nacional, o que, como num círculo vicioso, faz aumentar ainda mais a popularidade presidencial.

Poucos se dão conta de que a democracia nasceu com os cidadãos decidindo periodicamente os assuntos relevantes por meio de votações em praça pública e hoje é exercida com os cidadãos colocando periodicamente seus votos em urnas.

A democracia instantânea é uma falácia perigosa, engendrada pela influência mesmerizante da indústria cultural. Pega o flagrante de um momento e lhe confere importância desmesurada, o que acaba por gerar conseqüências sobre os momentos seguintes.

Afora a possibilidade de que os resultados de uma pesquisa de opinião estejam sendo adequados aos interesses do contratante – como aconteceu no passado e nada impede que possa repetir-se no presente –, há outras formas de manipulação, mais sutis, a considerarmos, como a da própria formulação das questões.

A tal pesquisa responsável pela onda de euforia lulista indagou, p. ex., se os entrevistados, nas próximas eleições, votariam nos candidatos do governo para a continuidade dos programas sociais (75,3% disseram que sim). Ora, como não existe evidência nenhuma de que os candidatos oposicionistas extinguiriam os programas sociais, muito pelo contrário, verifica-se que a forma como foi redigida a pergunta está direcionando as respostas, não só a esta questão, como às demais.

E há o aspecto do timing: se a amostra for colhida num dia em que está em grande evidência um fato positivo para as finanças pessoais dos cidadãos, aumenta em muito a chance de constatar-se um estado de ânimo situacionista, enquanto os momentos de crise econômica adubam a rejeição a quem está no poder.

A época atual é pródiga em conclusões precipitadas: num dia, o noticiário nos faz crer que estamos às vésperas de outra sexta-feira negra, como a de 1929, que prenunciou uma década inteira de vacas magras; no outro dia, garante-nos que o rebate foi falso e as providências adotadas pelos Bancos Centrais evitarão o pior; no terceiro dia, o otimismo arrefece, dando lugar a novas apreensões; e assim por diante, numa verdadeira ciranda infernal.

Então, a escolha do momento certo para colher a amostra tem importância estratégica. Idem, a orientação político-ideológica de quem repercutirá os resultados da pesquisa, ou seja, principalmente a grande imprensa.

O poder maximiza o poder. Quem tem recursos para encomendar pesquisas e influencia sobre a caixa de ressonância (a mídia), está com meio caminho andado para obter o que quer.

É claro que precisa haver um mínimo de correspondência entre a percepção espontânea das pessoas e o peixe que se quer vender a elas.

No caso atual, a sensação é de que houve um pequeno aumento de poder aquisitivo dos mais humildes.

Um sem-número de analistas já discorreu sobre o assunto, então evitarei chover no molhado. O fato é que existe mesmo uma melhora econômica, a qual, entretanto, poderia ser bem mais significativa.

É a indústria cultural que, em última análise, amplifica o aspecto positivo (hoje a situação material está melhor que ontem) ou o negativo (a situação material poderia ser muito melhor que a de ontem, não fossem as chances desperdiçadas).

Não nos iludamos: a democracia instantânea é uma terrível ameaça à verdadeira democracia, pois influencia acontecimentos e gera conseqüências a partir de estados de espírito momentâneos e altamente manipulados pela indústria cultural.

Então, depois do carnaval, no pior sentido possível, que a mídia promoveu a partir de uma ocorrência policial, fez-se uma pesquisa de opinião e se constatou que o cidadão comum estaria ansiando por maior rigor policial e admitindo a tortura dos suspeitos.

Aonde isso nos leva? À barbárie, claro, se continuarmos a trilhar cegamente esse caminho. Daí a relevância da advertência lançada pelo jurista Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, ex-presidente da OAB e antigo secretário estadual da Justiça e da Segurança Pública (SP), no artigo “A sociedade precisa ser alertada” (Folha de S. Paulo, 23/09/2008):

– Os excessos que temos visto na luta contra o crime não são percebidos pela sociedade, que não conhece as leis nem os princípios constitucionais e crê no que é divulgado pela mídia. (...) Essas violações aos direitos individuais precisam ser denunciadas, para que não sejam louvadas por uma sociedade que as ignora e que desconhece os riscos que elas representam. Esse é o outro lado de uma questão que vem sendo posta de forma parcial e maniqueísta.

Há todo um empenho em reduzir o homem comum a mero joguete dos poderosos, que compra celulares e escolhe candidatos a cargos eletivos da mesma forma, a partir de impulsos induzidos por uma propaganda cada vez mais engenhosa e enganosa, que hoje vai muito além das inserções publicitárias.

Mas, a vida não é um eterno reality show – por mais que tentem tangê-la nesta direção os que gostariam de manipular os acontecimentos tão facilmente como manipulam os resultados das votações do Big Brother Brasil, selecionando para apresentação em horário nobre os bons momentos dos candidatos que querem ver mantidos e os tropeções dos que querem ver eliminados.
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