Longe de mim fazer o papel do sabe-tudo que, a cada instante, fica repetindo "eu já não tinha dito isto?".
Mas, quando nossos ditos esquerdistas parecem incapazes de pensar com suas próprias cabeças, algo está errado.
"Vocês vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem", constatou Caetano Veloso há 40 anos. Continuam na mesma, olhando o presente com a nuca.
Caem matando quando se diz algo que parece contrariar sua ortodoxia. Aí, se um de seus grandes líderes repete a mesmíssima colocação, correm a aplaudi-la, sem nem mesmo um breve hiato para salvar as aparências...
Quando eu e o bravo companheiro Ivan Seixas falávamos, praticamente sozinhos, que os seqüestradores seriais das Farc haviam perdido o foco e estavam incidindo em práticas indefensáveis do ponto-de-vista revolucionário ("vida se troca por vida - ou seja, pela libertação dos companheiros -, não por grana", resumia Seixas), as reações oscilavam entre a indignação histérica e a desconsideração de nossa posição em todas as discussões, como se fôssemos não-pessoas.
Aí Fidel e Chávez vieram a público criticar a universalização dos sequestros, recomendando a soltura dos reféns. E esta passou a ser a postura correta desde sempre.
Quanto a mim, faço questão de registrar que não recebi um único pedido de desculpas pelas diatribes que me lançaram antes da guinada de 180º dos comandantes-em-chefe...
Agora, vem o presidente boliviano, num documento enviado à XIV Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, bater nas mesmíssimas teclas do meu artigo Contagem Regressiva Para a Humanidade, de quase dois anos atrás ( http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/2007/02/contagem-regressiva-para-humanidade.html ), como pode ser constatado, p. ex., nestes trechos:
"Desde o princípio do século XXI temos vivido os anos mais quentes dos últimos mil anos. O aquecimento global está provocando mudanças bruscas no clima: o retrocesso das geleiras e a diminuição das calotas polares; o aumento do nível do mar e a inundação de territórios costeiros em cujas cercanias vivem 60% da população mundial; o incremento dos processos de desertificação e a diminuição de fontes de água doce; uma maior freqüência de desastres naturais que atingem diversas comunidades do planeta; a extinção de espécies animais e vegetais; e a propagação de enfermidades em zonas que antes estavam livres das mesmas. Uma das conseqüências mais trágicas da mudança climática é que algumas nações e territórios estão condenados a desaparecer pela elevação do nível do mar." (Morales, dezembro de 2008)
"O sertão não vai virar mar, nem o mar virar sertão. Pelo contrário, o sertão ficará ainda mais árido e o mar vai encorpar-se com o derretimento de geleiras. Tempestades, tufões, furacões, maremotos e tsunamis se tornarão bem mais devastadores. A desertificação de outras áreas avançará. Safras vão ser destruídas e a fome aumentará. A água que estará sobrando em alguns quadrantes, vai faltar em outros. Imensos contingentes humanos terão de deixar seus lares e buscar a sobrevivência alhures." (Lungaretti, fevereiro de 2007)
"A competição e a sede de lucro sem limites do sistema capitalista estão destroçando o planeta. Para o capitalismo não somos seres humanos, mas sim meros consumidores. Para o capitalismo não existe a mãe terra, mas sim as matérias primas. O capitalismo é a fonte das assimetrias e desequilíbrios no mundo. Gera luxo, ostentação e esbanjamento para uns poucos enquanto milhões morrem de fome no mundo. Nas mãos do capitalismo, tudo se converte em mercadoria: a água, a terra, o genoma humano, as culturas ancestrais, a justiça, a ética, a morte...a própria vida. Tudo, absolutamente tudo, se vende e se compra no capitalismo." (Morales)
"Existe alguma conciliação possível entre o direcionamento obsessivo dos esforços humanos para a obtenção do lucro e o imperativo de os homens trocarem a competição pela cooperação, fundamental para a travessia das próximas décadas e para a correção de rumos que se impõe? A resposta é óbvia: não." (Lungaretti)
"A 'mudança climática' colocou toda a humanidade diante de uma grande disjuntiva: continuar pelo caminho do capitalismo e da morte, ou empreender o caminho da harmonia com a natureza e do respeito à vida." (Morales)
"O capitalismo, com a prevalência dos interesses individuais sobre as necessidades coletivas, leva à destruição da humanidade, num quadro em que os recursos indispensáveis à sobrevivência da espécie humana são finitos e têm de ser aproveitados de forma racional e compartilhada." (Lungaretti)
Enfim, antes tarde do que nunca. A humanidade se defronta mesmo com seu pior pesadelo desde 1962, quando esteve a um passo da guerra atômica.
E o pior é que a correção dos desatinos cometidos em nome da ganância está sendo tão lenta que a conta a pagarmos nas próximas décadas aumenta cada vez mais.
Se não acordarmos depressa, não haverá século 22.
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9.12.08
MORALES CONCORDA: CAPITALISMO LEVA À DESTRUIÇÃO DA HUMANIDADE
Marcadores:
alterações climáticas,
aquecimento global,
Evo Morales
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3 comentários:
Caro Lungaretti:
Após acompanhar alguns artigos seus e inclusive fazer críticas aos mesmos, começo a perceber que você é uma autoridade no pensamento esquerdista assim como muitos bloguistas que eu acompanho que também são autoridades no pensamento direitista.
Gostaria de pedir-lhe que escrevesse um artigo sobre a votação do STF quanto à demarcação das reservas indígenas.
Desde já agradeço.
Ass.: João da Rocha Labrego
Sr. Labrego,
sou apenas um homem que tem princípios e ideais, além de dominar a técnica jornalística.
No meu outro blog escrevo pelo menos um post diário. Mas, não tenho a pretensão de abordar todos os assuntos em evidência com um enfoque esquerdista.
Tenho poucas preocupações permanentes.
Defendo a memória dos movimentos de resistência à ditadura de 1964/85 e de seus participantes.
Posiciono-me contra os avanços do autoritarismo na sociedade brasileira.
Procuro tratar de forma equilibrado assuntos que estejam sendo enfocados de forma simplista e/ou sectária na grande imprensa e na internet.
Tento alertar a coletividade de que estamos num rumo insensato, capaz de levar até mesmo a destruição da espécie humana, caso não sejam tomadas medidas drásticas contra o aquecimento global e outros ataques ao meio ambiente.
De resto, sigo intuições e inspirações de momento. Às vezes posto crônicas, falo sobre música, futebol, etc.
Demarcação de reservas indígenas é uma realidade distante das minhas preocupações diárias. Não me motiva nem sou capaz de imaginar alguma contribuição significativa que eu pudesse dar nesse debate.
Abs.
Caro Sr. Lungaretti:
De qualquer forma agradeço pela sua resposta.
Eu nasci em 13/12/1963 e na promulgação do AI-5, 13/12/1968, eu contava com 5 anos de idade, além de a implantação da ditadura militar ter se dado poucos meses após o meu nascimento em 31/03/1964.
Como vê, a impressão que eu tenho hoje em relação à situação política e social do Brasil é de que as coisas melhoraram bastante com o advento da Democracia.
O mais difícil para mim foi ajustar a minha mente à essa nova realidade mas ainda tenho a impressão de que muitos discursos políticos são um tanto malucos e irracionais para eu conseguir digerir racionalmente, já que as causas que os motivaram no passado não mais existem.
Dado que o povo brasileiro repudia a vingança mesmo que transmutada de justiça tardia, eu também não concordo com essa tendência revisionista da lei de Anistia para os torturadores.
De resto, tudo que vem sendo feito politicamente em prol da melhoria das condições atuais de vida dos brasileiros eu endosso com exceção, é claro, dessa demarcação das reservas indígenas em terras contínuas.
Como vê, apesar de eu ter sido criado e educado sob um regime militar de extrema-direita, consegui superar a tendência reacionária de minha geração frente à mudança de poder político.
Outra coisa interessante que notei em seus artigos sobre o passado é que os mesmos evocam em mim sentimentos que eu já senti em minha juventude mas pelo fato de a realidade política e social que os motivou ter mudado eu os reprimi e procurei me envolver com o meu desenvolvimento profissional.
Esses sentimentos evocados tinham como cenário o meu ambiente familiar que por incrível que pareça foi tão ditatorial quanto os governos da época.
Por isso, cresci sentindo os mesmos sentimentos que um revolucionário mas tendo como alvo o autoritarismo familiar.
Não sei se essa educação familiar para o mundo foi boa ou ruim pois estava me preparando para uma realidade ditatorial e não democrática.
Quando eu já estava com 15 anos em 1979, começou a abertura política pelo presidente Figueiredo.
Com isso, todo aquele meu treinamento familiar para me submeter à autoridade perdeu sua razão de ser.
Foi difícil conviver até mesmo profissionalmente com essa minha mentalidade.
Felizmente, depois dos 40 anos de idade, consegui compreender as coisas tais como as descrevo aqui e me dar uma nova visão de mundo, quebrando velhos paradigmas.
O processo de quebra de paradigmas é bastante doloroso mas é possível quando a pessoa de predispõe à isso de corpo, mente e alma.
Daí o fato de eu ver em você um excelente pensador do pensamento esquerdista pois além das idéias o você ainda tem os sentimentos que produziram essas idéias.
Abraços.
Ass. João da Rocha Labrego
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