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30.11.08

SÓ TARSO GENRO PODE SALVAR CESARE BATTISTI

O Conselho Nacional para Refugiados Políticos não considerou como tal o italiano Cesare Battisti, deixando o caminho desimpedido para o Supremo Tribunal Federal determinar sua extradição, o que dificilmente deixará de fazer.

Bem vistas as coisas, entre ele e a pena de 30 anos de detenção – praticamente uma condenação a morrer na prisão, para um homem que está chegando aos 53 anos de idade e tem levado uma vida de muita dor e sofrimento – só existe, agora, uma possibilidade de salvação: a decisão final do ministro da Justiça Tarso Genro, a quem Cesare Battisti tem o direito de (e tudo indica que vá) apelar.

É um caso em que a frieza da Lei conflita com o espírito de Justiça, que inspira ou deveria inspirar nossas ações neste sofrido planeta.

Com vinte e poucos anos, Cesare Battisti pertenceu a um grupelho de esquerda radical na Itália, versão em miniatura das famosas Brigadas Vermelhas.

Havia uma imensa frustração entre os idealistas que tentaram e não conseguiram mudar o mundo, em 1968 e anos subseqüentes.

Nos países prósperos da Europa, parecia mesmo que, como o filósofo Herbert Marcuse escrevera, a combinação de uma situação de conforto material com a atuação atordoante dos meios de comunicação de massa fechara totalmente as brechas através dos quais os homens poderiam chegar ao pensamento crítico.

Então, na segunda metade da década de 1970, uns poucos tentaram abrir novas brechas com dinamite.

Foi um terrível e trágico erro histórico.

Por mais impermeáveis às mudanças que se apresentem em determinado momento, as democracias dão espaço a quem quer convencer a cidadania de que a realidade pode ser alterada para melhor.

O jeito é, pacientemente, perseverar no trabalho de formiguinha, até que a situação mude.

A teoria do homem unidimensional de Marcuse (bem como a do fim da História de Fukuyama, que veio depois) dissecava com precisão cirúrgica o momento que a produziu, mas não levava em conta a dinâmica da História, que teima em direcionar-se para novos e surpreendentes caminhos.

P. ex., a recessão que fustigará a economia mundial em 2009 (e sabe-se lá mais quanto tempo) e as catastróficas conseqüências das alterações climáticas (que já começam a nos assolar) ensejam novas possibilidades de atuação aos que querem despertar a consciência coletiva para o fato de que o capitalismo hoje ameaça a própria sobrevivência da espécie humana.

A sofreguidão, entretanto, tornou-se uma tendência avassaladora no mundo moderno.

Muito mais entre os jovens.

E mais ainda entre os idealistas, que exasperam-se por terem uma visão muito nítida das mazelas do seu tempo e de como poderiam ser erradicadas, mas se chocam com a indiferença e o egoísmo da maioria bovinizada.

Battisti, jovem e idealista, acreditou que devesse trilhar um desses atalhos para a transformação da sociedade, já que a estrada principal estava bloqueada. Pagou caríssimo por isto.

Depois que as Brigadas Vermelhas tomaram a decisão inaceitável e inqualificável de executar Aldo Moro, criou-se um estado de ânimo fascistóide na Itália.

Semelhante, p. ex., aos que levaram os EUA a lincharem pelas vias legais tanto Sacco e Vanzetti quanto o casal Rosemberg, cujas inocências saltavam aos olhos e clamavam aos céus.

Foi em processo deste tipo, no qual se registraram verdadeiras aberrações jurídicas em detrimento dos réus, que Cesare Battisti acabou condenado por quatro homicídios cuja autoria ele nega.

Fugiu e leva existência de judeu errante há quase três décadas, perseguido, acossado, finalmente preso.

Constituiu família, escreveu livros, reconstruiu-se, bem ao contrário dos que preferiram seguir o rumo insensato até o mais amargo fim, como Carlos, o Chacal.

Hoje, é um homem que, livre, não faria mal a uma mosca. Poderia, finalmente, viver em paz com seus entes queridos e continuar exercendo brilhantemente sua atividade literária.

Que verdadeiro benefício a sociedade tirará do seu encarceramento por 30 anos, ou até a morte? Nenhum. O olho por olho, dente por dente pertence à pré-História da humanidade.

Mas, Battisti se debate numa dessas armadilhas da História, sem saída pelos caminhos legais.

Não cabe ao Brasil questionar a lisura da Justiça italiana ou o rancor vingativo com que a direita de lá, ao assumir o poder, exumou um caso esquecido e passou a perseguir implacavelmente um homem que não incomodava mais ninguém.

É em nome da clemência, dos sentimentos humanitários e do seu próprio passado idealista que Tarso Genro terá de agir, para salvar Cesare Battisti.

Quando Salvador Allende assumiu o poder no Chile, afirmou à militância que, para ela, jamais seria Sua Excelência, o Presidente, mas sim o Companheiro Presidente. Morreu cumprindo a palavra.

Que Tarso Genro agora decida o que é mais importante para ele: ser Sua Excelência, o Ministro ou o Companheiro Ministro.

Nem sequer precisará sacrificar a vida para tomar a única decisão digna no seu caso. Só arriscará o cargo.

P.S.: O COMPETENTE JORNALISTA RUY MARTINS, QUANDO ESTE ARTIGO JÁ ESTAVA ESCRITO E DIVULGADO, LEMBROU QUE HÁ UMA POSSIBILIDADE A MAIS PARA CESARE BATTISTI, QUAL SEJA O APELO AO PRESIDENTE LULA, DEPOIS DA PROVÁVEL DECISÃO NEGATIVA DO STF. FAÇO O REGISTRO. MAS, SERÁ MUITA INGENUIDADE ACREDITARMOS QUE LULA POSSA VIR A CORRIGIR UMA INJUSTIÇA DO SUPREMO NUM ASSUNTO EM QUE SEU VIÉS TEM SIDO (POR CONVICÇÃO, OPORTUNISMO OU PAÚRA) DOS MAIS REACIONÁRIOS.

26.11.08

OS MORTOS CONVENIENTES... E OS OUTROS

Meu ex-colega de ECA/USP, Augusto Nunes, escreveu (ver aqui) sobre um militante da ALN executado por seus companheiros em 1971.

Foi um erro terrível? Foi, claro. Nenhum verdadeiro revolucionário pode admitir que, mesmo durante uma luta de resistência à tirania, decisão tão extrema seja tomada enquanto perdurar a mínima dúvida sobre a culpa do acusado.

Quanto a justiçamentos em regime democrático, são simplesmente inconcebíveis e inaceitáveis. Ponto final.

Chocou-me, principalmente, saber que Márcio Leite de Toledo não teve o direito de se defender no tribunal revolucionário convocado para julgar o seu caso. Continuou cumprindo normalmente suas tarefas de militante, alheio ao que estava ocorrendo. Depois, foi emboscado e morto.

É óbvio que poderiam tê-lo convocado para o julgamento, dando-lhe a oportunidade de pronunciar-se sobre as suspeitas (não certezas) que havia contra ele. É como minha organização, a VPR, certamente procederia.

Mas, não se pode omitir, como Nunes faz, a situação catastrófica que a ALN vivia nos estertores da luta armada, tendo seus quadros dizimados dia a dia, já que a ditadura partira para o extermínio sistemático dos quadros da resistência.

A VPR não quis acreditar que o cabo Anselmo fosse espião e pagou um preço altíssimo por isto.

A ALN executou quem não era espião, mas parecia ser (acreditava-se que ele tivesse entregado à repressão Joaquim Câmara Ferreira, causando sua morte).

Trata-se de ocorrências deploráveis, mas recorrentes, nas lutas travadas em circunstâncias dramáticas, contra inimigos muito mais poderosos, como foram os casos da resistência ao nazi-fascismo na Europa e ao totalitarismo de direita no Brasil.

Márcio Leite de Toledo indubitavelmente merece as lágrimas por ele derramadas.

Mas também as merecem os revolucionários que sofreram torturas atrozes e depois foram abatidos como cães, em aparelhos clandestinos da repressão como a Casa da Morte de Petrópolis (RJ). Foi onde evaporaram meus queridos companheiros José Raimundo da Costa e Heleny Ferreira Telles Guariba.

E é repulsivo perceber que as tribunas da grande imprensa estão escancaradas para artigos como esse, mas blindadas contra os que evocam os episódios igualmente dramáticos dos companheiros que foram martirizados pelo regime militar.

A mídia anda burguesa como nunca. Recebendo, às vezes, uma pequena ajuda de esquerdistas que não tiveram coragem de pegar em armas quando esta era a única opção que restava, sob o festival de horrores do AI-5.

Continuam despeitados até hoje, por não terem ousado ir até onde fomos. E tudo fazem para desmerecer nossa luta.

18.11.08

LULA NA HORA DA VERDADE

O nosso presidente é bom para contar anedotas, falar o que cada uma de suas platéias quer ouvir e driblar as afirmações de princípios; desconversar, enfim.

Ideologicamente, pula de galho em galho, ao sabor das conveniências.

Mesmo assim, não consegue driblar eternamente as definições. Enrolação tem limites e ninguém consegue passar a vida inteira em cima do muro.

Assim é que, participando da reunião do G20 no último sábado (15), ele colocou sua assinatura num documento que, entre outras profissões de fé no capitalismo e no livre mercado, diz o seguinte:

"Nosso trabalho será guiado por uma crença compartilhada de que os princípios de mercado, abertura comercial e de regimes de investimento e mercados financeiros eficazmente regulados estimulam o dinamismo, a inovação e o espírito empreendedor, essenciais para o crescimento econômico, o emprego e a redução da pobreza".

Ou seja, como conseqüência de suas contradições insolúveis, o capitalismo acaba de impor ao mundo uma terrível recessão, cujos desdobramentos mais dramáticos conheceremos no ano que vem.

O estopim, repetindo 1929, foi a falta de controle sobre os mercados financeiros. As instâncias reguladoras incumbidas de evitar a repetição daquela catástrofe econômica funcionaram como verdadeiros hímens complacentes.

Mesmo assim, a crença inabalável no bezerro de ouro foi reafirmada pelos líderes das 22 nações economicamente mais poderosas do planeta, inclusive Lula.

Então, estamos conversados: enquanto ele não retirar seu endosso à frase acima citada, é ela que o define. Lula, o Metalúrgico se tornou Lula, o Neoliberal.

Complementarmente, ele também está sendo obrigado a descer do muro quanto à sua postura diante da ditadura de 1964/85.

Todos pensávamos que o Lula se colocasse como vítima do arbítrio, mesmo porque foi isto que ele alegou à Justiça, ao reivindicar em 1996 uma pensão vitalícia, que acabou obtendo, à guisa de compensação pelo desconforto de haver passado 31 dias detido e pela arbitrária extinção do seu mandato sindical.

Prisão é sempre prisão, mesmo quando se trata de uma tão aprazível que permitia a disputa de animadas peladas nas tardes modorrentas, conforme atestam as fotos publicadas nos jornais da época.

Mas, convenhamos, a reparação que ele pleiteou e obteve foi exageradíssima, comparativamente às concedidas aos opositores anônimos do regime militar (aqueles que, em vez de tratamento vip, recebiam pancadas e choques elétricos).

Pior ainda é constatarmos que, depois de mais de uma década sendo mensalmente agraciado com um montante que hoje supera R$ 5 mil, o Lula mostra que seu coração pende mesmo é para os antigos carrascos.

É o que se deprende das posições claríssimas que assumiu em três situações:

* quando o Alto Comando do Exército lançou uma nota insubordinando-se contra o ministro da Justiça (que lançara o livro Direito à Memória e à Verdade) e o próprio ministro da Defesa (que afirmara ser inaceitável qualquer protesto militar contra o esclarecimento de episódios históricos) e Lula mandou Tarso Genro e Nelson Jobim enfiarem a viola no saco, acatando a ordem unida;

* quando o ministro da Justiça convocou uma audiência pública para se discutir a punição dos antigos carrascos e Lula imediatamente impugnou qualquer iniciativa partida do Executivo no sentido de se revogar a anistia que os culpados por atrocidades concederam a si próprios em 1979, como habeas corpus preventivo;

* quando a Advocacia Geral da União (AGU) emitiu parecer favorável ao ex-comandante do DOI-Codi/SP Carlos Alberto Brilhante Ustra, ao sustentar que os crimes cometidos num dos piores centros de tortura dos anos de chumbo já não podem mais ser punidos.

Agora, a AGU está prestes a emitir novo parecer, no qual definirá a posição do Governo Federal face a uma questão levantada pela Ordem dos Advogados do Brasil: “se houve ou não anistia dos agentes públicos responsáveis, entre outros crimes, pela prática de homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor contra opositores políticos ao regime militar".

Caso a AGU venha a reiterar a posição de que a anistia de 1979 colocou uma pedra sobre o assunto, será Lula quem vai estar negando, pela quarta vez, sua identificação com as vítimas (e, conseqüentemente, alinhando-se com os carrascos).

Nem Pedro foi tão longe: caiu em si após ter negado Cristo pela terceira vez.

Torçamos para que ele, como Pedro, corrija seu rumo. O atual o levará a passar à História não só como Lula, o Neoliberal, mas também como Lula, o Reacionário.

12.11.08

A OPERAÇÃO SATIAGRAHA PASSADA A LIMPO

O ministro Tarso Genro (Justiça) acaba de admitir que, ao conceder à Rede Globo o privilégio de registrar a prisão do banqueiro Daniel Dantas, do investidor Naji Nahas e do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta, o delegado Protógenes Queiroz causou um “problema técnico” para a Operação Satiagraha:
- Eu sou contra qualquer tipo de espetacularização das investigações, sou contra a exposição pública das pessoas, porque as pessoas ainda não foram julgadas, e esta orientação da PF está funcionando de maneira eficaz. Houve uma exceção, a exceção da Satiagraha. E essa exceção prejudicou o andamento das investigações.

Segundo ele, a falha está sendo sanada pela equipe “totalmente técnica” que substituiu a (totalmente midiática?) de Protógenes:
- Todos os elementos probatórios que estão sendo construídos agora estão livres de qualquer eventual vício que tenha ocorrido na coleta de provas anterior.

Inquirido pelo jornal Folha de S. Paulo sobre o motivo de sua mudança de posição (antes dissera que "Protógenes fez um trabalho brilhante de natureza técnica, independentemente de ter cometido equívoco ou não"), Tarso Genro mandou sua assessoria responder que, desde então, surgiram novas informações que o levaram a reavaliar a questão.

Andou bem Tarso Genro ao, finalmente, dar a mão à palmatória, admitindo que a promiscuidade entre policiais e imprensa não só viola os direitos de acusados, como atrapalha as investigações.

Espera-se que a conduta das polícias estaduais também passe a ser mais profissional, deixando de exibir prisioneiros como troféus de caçadas.

E que a mídia-abutre seja impedida de interferir em dramas como o de Santo André, quando sua influência foi decisiva para o desfecho trágico do episódio.

O papel da imprensa é registrar os acontecimentos, não participar deles como protagonista. Ponto final.

O PARCEIRO DAS DIVAS E O 007 TOGADO - Faz muito tempo que eu disse: no episódio da Operação Santiagraha só havia bandidos, nenhum mocinho que fizesse jus aos aplausos da platéia.

Todos os detritos que vieram à tona nas últimas semanas (ou foram espalhados pelo ventilador, como vocês preferirem...) só reforçaram minha convicção.

Numa iniciativa flagrantemente motivada por choques de interesses escusos (relativos a grandes negociatas), o diretor da Abin e uma ala minoritária da Polícia Federal articularam uma operação abusiva e arbitrária contra outro vilão, um banqueiro crapuloso.

Esteve a apoiá-los um juiz que, ou tem também envolvimentos inconfessáveis, ou se vê como um personagem cinematográfico com licença para expedir mandados de prisão em série (algo assim como a licença para matar de James Bond). Um 007 togado, enfim...

Chocaram-se com o presidente do STF, que inspira as piores suspeitas e uma certeza: a de que, falando pelos cotovelos para atrair holofotes, comporta-se de forma a mais incompatível com a dignidade de sua posição.

Nenhum cidadão decente e sensato tomaria partido pelas pessoas e instituições emaranhadas nesse ninho de cobras.

Daí a minha postura de defender unicamente princípios, como o de que devem ser respeitados os habeas corpus concedidos por quem de direito (ainda que equivocados), pois a alternativa é muito pior: tiras brincando de gato e rato com a Justiça, como já fizeram em outros tempos, quando escondiam presos e os transferiam de uma unidade para outra, a fim de que os habeas corpus nunca os alcançassem.

Também me coloco visceralmente contra a bisbilhotice desenfreada, a violação generalizada e aberrante do sigilo telefônico por parte dos repulsivos arapongas.

E, claro, prego o respeito à Constituição, com todas as suas imperfeições, pois aqui também a alternativa è muito pior: o desprezo pelos direitos individuais, desembocando no estado totalitário.

Então, fiquei simplesmente pasmo ao ler as últimas declarações do 007 togado:

"A Constituição não é mais importante que o povo, os sentimentos e as aspirações do Brasil. É um modelo, nada mais que isso, contém um resumo das nossas idéias. Não é possível inverter e transformar o povo em modelo e a Constituição em representado.

"A Constituição tem o seu valor naquele documento, que não passa de um documento; nós somos os valores, e não pode ser interpretado de outra forma: nós somos a Constituição."

Sempre que pseudo-iluminados se colocaram acima da Constituição, os resultados foram desastrosos; amiúde trágicos.

E um magistrado é o último cidadão a poder referir-se à Carta Magna, depreciativamente, como "um modelo, nada mais que isso", "não passa de um documento".

Quem lhe concedeu, afinal, autoridade para falar em nome do "povo, os sentimentos e as aspirações do Brasil"? Imagina-se um salvador da Pátria? E acredita poder conciliar tais delírios com os fartos benefícios que o sistema lhe concede?

Assim como seu desafeto que preside o STF, o 007 togado evidencia sua incompatibilidade com a função que desempenha.

Ambos deveriam ser conduzidos a afazares mais condizentes com suas aptidões: um nos palcos, contracenando com as divas; e o outro nos arrabaldes, comandando justiceiros.

7.11.08

O DIREITO DE RESPOSTA NA FOLHA DE S. PAULO: KAFKIANO

Um dos contos mais perturbadores de Kafka é "A Porta da Justiça", sobre o cidadão que chega à dita cuja e é impedido de entrar pelo brutamontes que lá está. Este adverte que, se o pleiteante conseguir passar por ele, terá pela frente guardiães ainda mais ameaçadores.

O homem que busca justiça se conforma e lá permanece resignadamente, à espera de que lhe seja permitido o acesso. O tempo passa, sua saúde se deteriora. Quando está agonizando, pergunta ao guarda para que servia, afinal, aquela porta, já que ninguém mais tentara passar por ela.

Recebe a resposta de que aquela porta se destinava exclusivamente a ele. Com sua morte, seria fechada para sempre.

Eu enfrento situação similar diante da porta do direito de resposta na Folha de S. Paulo.

Em meados de 1994, fui acusado de delator da área de treinamento guerrilheiro da VPR em Registro, na capa da "Ilustrada", por Marcelo Paiva. A editora me concedeu o direito de resposta, mas o Paiva contra-atacou. Reivindiquei, então, o direito que o Manual de Redação da própria Folha me assegurava, de uma intervenção final.

A editora tentou esquivar-se, pretextando falta de espaço. A ombudsman, bizarramente, endossou sua posição. Então, tive de me dirigir diretamente ao diretor de redação Otávio Frias Filho para que o jornal honrasse o compromisso publicamente assumido com os alvejados em espaço editorial.

Desde então sofro uma retaliação mesquinha da Folha, que há 14 anos me nega o direito pleno de resposta e de apresentar o "outro lado" em assuntos que me tocam diretamente. Uma regra não escrita do jornal é a de que as queixas e esclarecimentos de Celso Lungaretti sejam relegadas, em quaisquer circunstâncias, ao Painel do Leitor.

O exemplo mais gritante de desrespeito às boas práticas jornalísticas ocorreu no final de 2004, quando encontrei num relatório secreto militar a prova cabal de que houvera sido falsamente acusado por Marcelo Paiva dez anos e meio antes.

Como, naquela ocasião, não houvesse elementos para elucidação plena da questão -- ficara minha palavra contra a de Paiva --, o certo teria sido o jornal reconhecer, com idêntico destaque, o gravíssimo erro cometido.

A resposta da Folha foi me colocar em contato com o responsável pela sucursal do RJ, que prometeu esclarecer o assunto mas ficou ganhando tempo até que o jornal recebeu uma carta de Jacob Gorender, admitindo que fora levado a encampar uma versão falsa em seu livro Combate nas Trevas e esclarecendo que nenhuma culpa verdadeiramente me cabia no episódio de que eu era acusado.

A Folha então me comunicou que considerava a publicação da carta do Gorender no Painel do Leitor como satisfação suficiente a mim, dando o caso por encerrado.

Qualquer jornalista sabe, entretanto, que o Gorender, com a dignidade que lhe-é inerente, corrigiu a informação que ele próprio dera. A Folha, ao publicar o mea culpa do historiador, não definiu sua própria posição, não admitiu que errara nem se desculpou comigo.

Como não existisse mais a possibilidade de uma ação por danos morais (já prescrevera) e eu não estivesse em condições de custear advogado apenas para fazer valer meu direito de ver a retificação publicada com o mesmo destaque da desinformação injuriosa, só me restou exercer o jus sperniandi em tribunas não pertencentes à grande imprensa.

E, em meia-dúzia de ocasiões, a Folha me negou espaço adequado para fazer a defesa da memória da luta armada e dos companheiros que dela participaram, embora eu seja o veterano da resistência mais identificado publicamente com esse papel nos dias de hoje.

Minhas contestações irrefutáveis àquilo que o jornal publicara sobre a reparação à família de Carlos Lamarca e ao uso do entulho autoritário, por parte de Élio Gaspari, como argumento para satanizar personagens históricos foram arbitrariamente sonegadas dos leitores da Folha.

No entanto, os espaços na página de opinião são sempre generosamente concedidos para os porta-vozes da direita mais reacionária e primária, como Reinaldo de Azevedo e Ali Kamel.

No último dia 7, foi a vez de Jarbas Passarinho despejar sua bílis na seção Tendência/Debates, insistindo no conceito que os serviços de guerra psicológica das Forças Armada plantaram na opinião pública, de forma goebbeliana, durante a ditadura, de que atos de legítima resistência à tirania equivaleriam a "terrorismo".

Em meu próprio nome e no dos companheiros vivos e mortos que foram caluniados como terroristas, encaminhei ao ombudsman da Folha e ao diretor de redação um artigo com extensão equivalente, refutando o do ex-ministro de Médici e signatário do AI-5.

Por enquanto, seu destino está sendo o de todos os anteriores: o cesto de lixo.

Ou seja, a porta do direito de resposta está aberta, mas é só para constar, pois há 14 anos o guardião impede minha passagem. E, um dia, a fecharão definitivamente.

======== OS TEXTOS EM QUESTÃO ========

Julgadores facciosos dos direitos humanos

JARBAS PASSARINHO

GUARDO A lição de Franklin Delano Roosevelt quando afirmou que as liberdades fundamentais estão sintetizadas em não ter fome, não ter medo, livre culto religioso e respeito à privacidade das pessoas. A liberdade de não ter medo embasa-se no direito de expressar livremente o pensamento.

As facções que desencadearam a luta armada de 1967 a 1974 (todas comunistas, exceto Caparaó) lutaram pela ditadura do proletariado, segundo a cartilha marxista. Mais recentemente, diziam ter lutado pela democracia, contra o que se insurgiu, indignado com a mentira, Daniel Aarão Reis, ex-guerrilheiro, preso e exilado, hoje professor universitário: "Nenhum documento das guerrilhas tratou de democracia", contestou.

Claro, pois, marxistas, visavam à ditadura do proletariado. De resto, se vencedoras, teriam erigido um regime de partido único, como o fez Lênin. É paradoxal o defensor do partido único invocar direitos humanos se nega a liberdade de expressão e a pluralidade partidária quando no poder.

O ministro Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) foi militante da Ação Libertadora Nacional, liderada por Marighella, cujo manual de guerrilha defendia o terrorismo, diferentemente de Che Guevara, que o condenava.

Se o ministro fosse um Sobral Pinto ou um Paulo Brossard, eu teria certeza de sua imparcialidade. Reconheceria que a tortura e o terrorismo são irmãos xifópagos, a primeira, uma praga existente desde priscas eras, presente em todas as guerras, e o segundo, não tão antigo. Afinal, a Constituição trata ambos como crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça.

Já que o ministro faz diferença, teoricamente ao menos, julgo-o um revanchista, do tipo que, derrotado, está hoje no governo de um presidente que não foi guerrilheiro.

Antecessor seu na Comissão de Anistia foi outro militante de guerrilha comunista vencida. O objetivo deles tem sido muito claro: queixar-se de torturas na luta armada e esconder o terrorismo que praticaram. Falta-lhes, pois, substância moral para a queixa mesclada de ódio, a despeito dos benefícios já recebidos.

Só em indenizações, já receberam mais de R$ 2 bilhões. Nem um centavo para as famílias dos mortos e mutilados no atentado terrorista no aeroporto de Recife, em 1966, primeiro ato da luta armada que desencadearam. Pensão vitalícia, remuneração por atrasados e emprego livre de Imposto de Renda, tudo foi obtido por um dos terroristas que lançaram carro-bomba contra o quartel do Exército em São Paulo, cuja explosão estraçalhou o corpo de um soldado. Os filhos do povo, os vigilantes de bancos, os seguranças de embaixadores, os oficiais estrangeiros mortos à traição (e até por engano), esses não tinham pais, mães, esposas, filhos.

A emenda constitucional nº 11, de outubro de 1967, revogou o AI-5 e restabeleceu os direitos fundamentais.

Seguiu-se-lhe a anistia, mais ampla que o substitutivo do MDB, que não anistiava Brizola e Arraes. Reconhecendo que houve excessos de ambas as partes, o projeto de lei da anistia incluiu na graça os crimes conexos, assim tidos pelo Congresso em 1979, como a tortura e o terrorismo.

FHC acrescentou as indenizações que privilegiam os derrotados na luta armada. Inverteram o humanitismo de Quicas Borba e o princípio: aos vencedores as batatas. As batatas foram para os vencidos. Millôr Fernandes não pôde conter o chiste: "Os guerrilheiros não fizeram guerra, mas um bom investimento".

Bem pagos, cresceu-lhes a ambição de derrogar unilateralmente a anistia.

Imitando Janus, são bifrontes: um rosto é dedicado à tortura, que é o mal, e o outro, ao terrorismo, sobre o qual silenciam. Apareceram "juristas" doutrinando sobre a imprescritibilidade da tortura, mas omitem o terrorismo. Um jurista de esquerda tradicional, indelicadamente, chamou de "burocratas jurídicos" o ministro da Defesa e o advogado-geral da União, que dele discordam. O menosprezo evidencia a marca da ideologia, e não a do saber jurídico.

A propósito, declarou o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes: "Repudio qualquer manipulação ou tentativa de tratar unilateralmente casos de direitos humanos. Eles não podem ser ideologizados. É uma discussão com dupla face, porque o texto constitucional também diz que o crime de terrorismo é imprescritível".

Vannuchi, arrogante, exibe o vezo do totalitarismo de que foi militante: ameaça demitir-se (que perda para o país!) se o parecer da AGU, reconhecendo a anistia para os crimes conexos, for mantido. Aprendeu de Lênin e seu centralismo democrático: "quem não estiver comigo é contra mim". Ousa constranger, publicando declaração do presidente que se refere aos cadáveres de comunistas desaparecidos há 40 anos no clima quente e úmido da Amazônia, e não à anistia.

O presidente João Baptista Figueiredo disse que a anistia não implicava perdão, que pressupunha arrependimento não pedido, mas esquecimento recíproco, em favor da reconciliação da família brasileira. Perto de 30 anos passados, o esquecimento é unilateral. O ódio ideológico, o mais perverso dos ódios, prevalece.

JARBAS PASSARINHO, 88, é coronel da reserva. Foi governador do Pará (1964-65) e senador por aquele Estado em três mandatos (1967-74, 1975-82 e 1987-95), além de ministro da Educação (governo Médici), da Previdência Social (governo Figueiredo) e da Justiça (governo Collor).

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AVES DE MAU AGOURO

Celso Lungaretti


Comentando a declaração da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) de que a tortura é crime imprescritível, o presidente do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes saiu-se com esta: "O texto constitucional também diz que o crime de terrorismo é imprescritível".

Resvalando para a retórica característica das viúvas da ditadura, Gilmar Mendes insinuou que haveria uma equivalência entre a luta armada contra o regime militar e as práticas hediodas cometidas pelos órgãos de repressão política: "Direitos humanos valem para todos: presos, ativistas políticos. Não é possível dar prioridade a determinadas pessoas que tenham determinada atuação política. Direitos humanos não podem ser ideologizados, é bom que isso fique claro".

Também seria bom que ficasse bem claro para Gilmar Mendes que, desde a Grécia antiga, é reconhecido o direito que os cidadãos têm de resistirem à tirania.

Então, a ninguém ocorre qualificar de "terroristas" os membros da Resistência Francesa que descarrilaram trens, explodiram pontes e quartéis, justiçaram colaboracionistas, etc., atuando com violência incomparavelmente superior à dos resistentes brasileiros. São, isto sim, merecidamente reverenciados como heróis e mártires da França.

A situação era a mesmíssima no Brasil, onde um grupo de conspiradores militares obteve sucesso em sua segunda tentativa (1964) de usurpar o poder, aproveitando bem as lições da primeira (1961) para corrigirem os erros cometidos.

Seus governos ilegítimos sempre sufocaram as diversas formas de resistência à tirania mediante a utilização de força maior do que aquela que se-lhes opunha, terminando por impor o terrorismo de estado sem limites a partir da assinatura do Ato Institucional nº 5.

É claro que, ao enfrentar essas bestas-feras, os resistentes daqui incorreram em alguns excessos, como sempre ocorre nas lutas desse tipo, travadas em condições de extrema desigualdade de forças. À Resistência Francesa também acontecia de errar o alvo ou exagerar na dose.

Mas, isto não basta para que uns e outros sejam tidos como "terroristas". O termo, historicamente, designa grupelhos isolados que tentavam, com tiros e bombas, intimidar os governantes, disseminando o caos.

E não, de nenhuma forma, os combatentes que recorreram à propaganda armada para levantar o povo contra governos tirânicos, como era o óbvio objetivo da resistência ao nazi-fascismo na Europa e ao totalitarismo de direita no Brasil.

O presidente nacional da OAB, Cezar Britto, acaba de vir ao encontro desta posição, afiançando a legitimidade de guerrilhas para derrubar ditaduras como a de 1964/1985: "Entendemos que a manifestação contra governo ditatorial é legítima, faz parte da sobrevivência de um povo. A ONU tem admitido que o fato de resistir a uma ditadura não é ato terrorístico."

O QUE ESTÁ NA CONSTITUIÇÃO

"Constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático", reza o inciso 44 do Artigo 5º da Constituição Federal.

Foi no que se baseou Gilmar Mendes para repetir a cantilena da extrema-direita, colocando no mesmo plano alguns atos desesperados de resistentes e as torturas infligidas a dezenas de milhares de brasileiros.

É chocante o desconhecimento histórico daquele que preside o mais alto tribunal do País!

A ordem constitucional foi quebrada no malfadado 1º de abril de 1964 e hibernou durante 21 anos. O que vigorava era a desordem totalitária do AI-5, uma licença para os militares perseguirem, trancafiarem, torturarem e assassinarem os opositores como bem lhes aprouvesse.

Não se pode falar em Estado democrático sem respeito às garantias individuais, equilíbrio entre Poderes e eleições livres para todos os cargos.

Então, por terem golpistas vitoriosos detonado a ordem constitucional e esmagado o Estado Democrático sob tanques de guerra, todos os cidadãos brasileiros tinham não só o direito, como até o dever, de resistirem a eles.

Um presidente do STF midiático e que, como papagaio, repete falas dos carrascos, mostra-se indigno da posição que ocupa. Deveria renunciar ou ser expelido, como o corpo estranho que se tornou numa instituição que deve primar pela discrição e compostura.

Quanto ao ex-ministro da ditadura Jarbas Passarinho, está procedendo exatamente como Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do DOI-Codi/SP e torturador reconhecido como tal pela Justiça brasileira: caluniando as vítimas para tentar justificar o que de errado fez no passado.

Vale lembrar que, quando deu um cheque em branco para os verdugos, como signatário do AI-5, Passarinho nem sequer se preocupou em dourar a pílula: "Sei que a V. Exa. repugna, como a mim e creio que a todos os membros deste conselho, enveredar pelo caminho da ditadura. Mas às favas, senhor presidente, todos os escrúpulos de consciência!".

Por mais que esperneie, é esta a imagem que deixará para a História.

4.11.08

PAPAGAIO DOS CARRASCOS

Comentando a declaração da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) de que a tortura é crime imprescritível, o presidente do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes disse outra obviedade: "Essa discussão sobre imprescritibildade tem dupla face. O texto constitucional também diz que o crime de terrorismo é imprescritível".

Resvalando para a retórica característica das viúvas da ditadura, Gilmar Mendes insinuou que haveria uma equivalência entre a luta armada contra o regime militar e as práticas hediodas cometidas pelos órgãos de repressão política: "Direitos humanos valem para todos: presos, ativistas políticos. Não é possível dar prioridade a determinadas pessoas que tenham determinada atuação política. Direitos humanos não podem ser ideologizados, é bom que isso fique claro".

Também seria bom que ficasse bem claro para Gilmar Mendes que, desde a Grécia antiga, é reconhecido o direito que os cidadãos têm de resistirem à tirania.

Então, a ninguém ocorre qualificar de "terroristas" os membros da Resistência Francesa que descarrilaram trens, explodiram pontes e quartéis, justiçaram colaboracionistas, etc., atuando com violência incomparavelmente superior à dos resistentes brasileiros. São, isto sim, merecidamente reverenciados como heróis e mártires da França.

A situação era a mesmíssima no Brasil, onde um grupo de conspiradores militares obteve sucesso em sua segunda tentativa (1964) de usurpar o poder, aproveitando bem as lições da primeira (1961) para corrigirem os erros cometidos.

Seus governos ilegítimos sempre sufocaram as diversas formas de resistência à tirania mediante a utilização de força maior do que aquela que se-lhes opunha, terminando por impor o terrorismo de estado sem limites a partir da assinatura do Ato Institucional nº 5, ao abrigo do qual foram cometidos o extermínio sistemático de militantes capturados com vida, torturas as mais bestiais e generalizadas, estupros, sequestros de parentes dos opositores (inclusive crianças) para chantageá-los, ocultação de cadáveres e outros horrores.

É claro que, ao enfrentar essas bestas-feras, os resistentes daqui incorreram em alguns excessos, como sempre ocorre nas lutas desse tipo, travadas em condições de extrema desigualdade de forças. À Resistência Francesa também acontecia de errar o alvo ou exagerar na dosagem.

Mas, isto não basta para que uns e outros sejam tidos como "terroristas". O termo, historicamente, designa grupelhos isolados que tentavam, com tiros e bombas, intimidar os governantes, disseminando o caos.

E não, de nenhuma forma, os combatentes que recorreram à propaganda armada para levantar o povo contra governos tirânicos, como era o óbvio objetivo da resistência ao nazi-fascismo na Europa e ao totalitarismo de direita no Brasil.

Foram os serviços de guerra psicológica da ditadura de 1964/85 que semearam essa confusão, caluniando as vítimas para justificar as atrocidades contra elas praticadas.

Um presidente do STF midiático e que, como papagaio, repete falas dos carrascos, mostra-se indigno da posição que ocupa. Deveria renunciar ou ser expelido, como o corpo estranho que se tornou numa instituição que deve primar pela discrição e compostura.
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