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29.2.12

OS TOTALITÁRIOS CONTRA-ATACAM

Teremos entrado num túnel do tempo? A
retórica é a mesmíssima dos tempos de Médici
Primeiramente, os presidentes dos Clubes das três Armas lançaram um pomposo Manifesto Interclubes, exigindo que a presidente Dilma Rousseff, comandante em chefe das Forças Armadas (à qual o trio deve obediência), desautorizasse duas de suas ministras. Vide aqui.

Em seguida, convencidos pelos ministros militares a respeitarem a hierarquia, os insubmissos recuaram: colocaram uma retratação no ar e, pouco depois, deletaram tudo, dando por encerrado o assunto. Vide aqui.

Agora, no site do torturador-símbolo do Brasil Carlos Alberto Brilhante Ustra (o único com  registro em carteira, já que foi declarado torturador pela 23ª Vara Cível de São Paulo...), os totalitários contra-atacam com um  alerta à Nação: "Eles que venham. Por aqui não passarão!". Vide aqui.

É a História se repetindo como farsa: soa muito mal, na boca dos herdeiros políticos do  generalíssimo  Francisco Franco, a célebre expressão com que Dolores Ibarrurí, a Pasionária, exortava o povo espanhol a resistir aos fascistas na década de 1930.

"Este é um alerta à Nação brasileira, assinado por homens cuja existência foi marcada por servir à Pátria", começa o papelucho de 2012, para logo enveredar por delírios megalomaníacos:
"São homens que representam o Exército das gerações passadas e são os responsáveis pelos fundamentos em que se alicerça o Exército do presente".
Traduzindo: eles são (*) os representantes daquele Exército que conspiradores contumazes, acumpliciados com uma potência estrangeira, conseguiram arrastar em 1964 para uma aventura golpista, cuja consequência foi a imposição de uma ditadura bestial e de um bestial terrorismo de estado aos brasileiros.

UNIFORMES HERÓICOS x FARDAS EMPORCALHADAS

Brilhante Ustra parece aguardar
os aplausos por sua nova obra...
A afirmação de que o Exército do presente se fundamenta no golpismo e no totalitarismo deveria ser repudiada firmemente pelos militares atuais --os que vieram depois das trevas e não possuem esqueletos no armário.

Eles têm é de orgulhar-se de vestirem o uniforme de Carlos Figueiredo e Roberto dos Santos, os heróis da Estação Antártica Comandante Ferraz; não o de Brilhante Ustra, aquele que “emporcalhou com o sangue de suas vítimas a farda que devera honrar”, segundo a frase imortal do ex-ministro da Justiça José Carlos Dias.

Na prática, trata-se de um manifesto subscrito por 13 generais, 6 tenentes coroneís, 73 coronéis, 2 capitães de mar e guerra, 1 capitão de fragata, 1 major e 1 tenente.

É muita pretensão uma centena de oficiais em pijamas se declararem depositários dos valores nos quais se alicerça o Exército. E bizarro a lista incluir três representantes... da Marinha!

Mas, como a lógica anda meio distante dos antros das viúvas da ditadura, eles também se proclamam porta-vozes do Clube Militar:
"Em uníssono, reafirmamos a validade do conteúdo do Manifesto publicado no site do Clube Militar, a partir do dia 16 de fevereiro próximo passado, e dele retirado, segundo o publicado em jornais de circulação nacional, por ordem do Ministro da Defesa, a quem não reconhecemos qualquer tipo de autoridade ou legitimidade para fazê-lo... O Clube Militar não se intimida e continuará atento e vigilante".
Como a relação de signatários não inclui o presidente do Clube Militar, Renato Cesar Tibau da Costa, devemos supor que ele haja sido destituído? Ou os 97 estão falando em nome do Clube sem nenhuma delegação formal para o fazer? E desde quando três marujos são porta-vozes do clube do Exército?

O principal, claro, é a quebra da hierarquia, à qual, mesmo na reserva, eles continuam submetidos, segundo seu regimento disciplinar. Cometem, portanto, a mais crassa indisciplina ao confrontarem seus superiores supremos: o ministro da Defesa e a presidente da República. São estes os "fundamentos em que se alicerça o Exército do presente"?!

O objetivo último das escaramuças,
todos sabemos qual é...
Além de contestarem os dirigentes e as políticas do Executivo, eles também insurgem-se contra as decisões do Congresso Nacional, ao qualificarem a instituição da Comissão da Verdade de "ato inconseqüente de revanchismo explícito e de afronta à lei da Anistia com o beneplácito, inaceitável, do atual governo".

Se 1985 significou alguma coisa, foi que não existe mais tutela fardada sobre os Poderes da República. É totalmente inaceitável a pretensão desses nostálgicos do arbítrio, de quererem impedir com ultimatos velados o resgate da verdade histórica --objetivo real da Comissão, destituída de autoridade para remeter os assassinos, torturadores, estupradores e ocultadores de cadáveres aos tribunais, como vem ocorrendo em países com tolerância menor ao despotismo e à barbárie.

Cabe agora ao Ministério da Defesa tomar as atitudes cabíveis para fazer a hierarquia das Forças Armadas voltar a ser respeitada.

Trata-se, evidentemente, de uma provocação. Mas, reagindo estritamente à transgressão disciplinar, Celso Amorim ganhará a parada.

Oficiais militares são extremamente avessos às quebras de hierarquia, pois temem vir a ser eles próprios desacatados pelos subalternos. Não apoiarão a bravata inconsequente desses gatos pingados, ainda mais por eles estarem agindo em causa própria e não em defesa da corporação: inquietam-se, sobretudo, com o que possa vir à tona a seu próprio respeito.

No fundo, estão em pânico face ao enorme risco de passarem à História com imagem tão hedionda quanto a de Brilhante Ustra, o signatário nº 15 do manifesto tosco e, não por acaso, o primeiro dentre os 73 coronéis. Só a patente inferior impediu que ele encabeçasse a lista de apoio a um documento que inspirou, provavelmente redigiu e trombeteou no seu site.

* deveriam ter escrito "somos", mas desconhecem a gramática tanto quanto ignoram a Constituição Brasileira e a Declaração Universal dos Direitos do Homem...
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27.2.12

OS CINCO CUBANOS NÃO SÃO HERÓIS MAS, SEM DÚVIDA, INJUSTIÇADOS

Linchamentos judiciais devem ser sempre combatidos,
mas heroicizar agentes secretos é um exagero nocivo
O companheiro Jacob Blinder, principal divulgador das políticas bolivarianas em nosso país, pede-me que "aborde o tema dos Cinco Heróis cubanos, presos injustamente nos Estados Unidos", pois, segundo ele, eu possuiria "grande penetração junto à opinião pública".

A última afirmação é exagerada, claro. "Grande penetração", por enquanto, só tem quem dispõe das tribunas da grande imprensa, que estão cada vez mais fechadas para mim --tanto como profissional quanto como personagem histórico até hoje envolvido com os assuntos impactantes do noticiário.

A existência do território livre da internet impede o  macartismo que não ousa dizer seu nome  de nos reduzir à invisibilidade --é o caso também do próprio Jacob, do Laerte Braga, do Rui Martins, do Carlos Lungarzo e de tantos outros articulistas de esquerda com trabalhos marcantes. Mas, confinados no espaço virtual, nossa defesa das boas causas repercute bem menos --e é isto que almeja o sistema.

Quanto aos agentes da inteligência cubana presos nos Estados Unidos desde 1998, foram mesmo injustiçados, daí ser desejável que a presidente Dilma Rousseff interceda por eles junto a Barack Obama.

No recente Fórum Social Mundial, o senador Eduardo Suplicy se comprometeu a tratar do assunto com Dilma e a fazer um pronunciamento no Senado; com a penetração que eu tiver, grande ou pequena, coloco-me inteiramente ao lado do Suplicy quanto a que eles devem ser libertados o quanto antes, para retornarem a seu país sem restrições de nenhuma espécie.

Os EUA, que tanto faturam com o filão dos filmecos de tribunais, passam a vida estuprando a Justiça, como fizeram no Caso Sacco e Vanzetti: mesmo sabendo que os anarquistas italianos eram inocentes de um assalto com duas vítimas letais cometido por criminosos comuns, levaram até o fim a farsa judicial e até deram sumiço nas provas contra os verdadeiros culpados. [O governador do Massachussetts, 50 anos depois de sua execução, proclamou oficialmente a inocência de Sacco e Vanzetti.]

ACUSAÇÕES INVENTADAS PARA AGRAVAR O CASO

O que realmente havia contra os cinco era estarem espionando os exilados cubanos e tentando infiltrar-se nos seus círculos, para prevenir os atos de terrorismo que os gusanos  estabelecidos em Miami desfechavam contra Cuba. A resposta costumeira a tal delito é a mera expulsão.

Mas as autoridades estadunidenses, com sua habitual tendenciosidade, agravaram o caso inventando outras acusações, que foram ruindo como castelos de cartas ao longo do tempo.

O primeiro a ser solto, René Gonzales, encontra-se há quatro meses em regime de liberdade supervisionada; depois de haver passado 13 anos no cárcere, ainda ficará impedido de voltar ao seu país até outubro de 2014.

Espero que, desta vez, os EUA não façam sua  mea culpa  só cinco décadas depois que eles tiverem morrido. A palhaçada já foi longe demais; tem de acabar.

Só não concordo com o rótulo de  heróis  aplicado a policiais que vão dissimuladamente a outros países para atuarem como agentes infiltrados. Mesmo inexistindo sangue em suas mãos, fazem lembrar demais a Operação Condor, o assassinato de Orlando Letelier e outras abominações dos  anos de chumbo.

Para mim, seja qual for o regime que a utilize e o fim objetivado, a espionagem é uma atividade vil.

E, ao contrário dos utilitaristas (para os quais os fins justificam os meios), os revolucionários acreditamos, isto sim, na interação dialética entre fins e meios. Há expedientes que não podemos utilizar, mesmo que o inimigo os empregue contra nós, sob pena de aviltarmos nossos ideais.

Para não deixar a impressão de que considero tralha cinematográfica a totalidade da produção de Hollywood, lembro um filme no qual o dilema foi bem  colocado: Perseguidor implacável (1971), o primeiro da série  Harry, o sujo.

O inspetor interpretado por Clint Eastwood baleia um sequestrador e, para obrigá-lo a confessar o local no qual mantém encarcerada uma adolescente ameaçada de morrer por asfixia, pisa em seu ferimento.

O grande diretor Don Siegel vai distanciando a câmara daquela cena hedionda, até que ambos se tornem pontinhos na tela; foi sua maneira de expressar o repúdio das pessoas civilizadas à tortura. E, adiante, ficamos sabendo que de nada adiantara, pois a jovem já estava morta.

Há sempre uma justificativa ou uma atenuante qualquer para se ultrapassar a fronteira entre a civilização e a barbárie, o certo e o errado, o digno e o indigno.  

Então, a regra de ouro foi expressa pelo velho juiz protagonizado por Spencer Tracy, noutro filme que se constituiu em louvável exceção: Tribunal em Nuremberg (d. Stanley Kramer, 1961). Indagado sobre quando começou o desvirtuamento da Justiça alemã  sob o nazismo, ele responde: "Foi no dia em que o primeiro juiz condenou o primeiro réu que ele sabia ser inocente".

É imperativo voltarmos a ser os que não abrem o precedente dúbio, ao qual segue-se a banalização da dubiedade. Por maior que seja o preço a pagar, cabe a nós personificarmos a alternativa à geléia geral na qual conveniências amorais e imorais são colocadas à frente dos princípios. Ou não haverá para o cidadão comum nenhum símbolo visível de que outro mundo seja possível.

Concluindo: os agentes secretos cubanos foram injustiçados, então têm de ser libertados e devemos nos mobilizar em favor de sua libertação.

Mas, não representam exemplos que devamos louvar e nos quais possamos nos espelhar. Muito pelo contrário.

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24.2.12

VIÚVAS DA DITADURA FORAM BUSCAR LÃ E SAÍRAM TOSQUIADAS

O episódio da notícia plantada pelas  viúvas da ditadura  n'O Estado de S. Paulo para pressionar a presidente Dilma Rousseff (ver aqui) terminou com o  incrível exército de Brancaleone  batendo em retirada sob vara, conforme o próprio jornalão relata:
"Os presidentes dos Clubes Militares foram obrigados ontem a publicar uma nota desautorizando o texto do 'manifesto interclubes' [ver íntegra aqui] que criticava a presidente Dilma Rousseff por não censurar duas de suas ministras que defenderam a revogação da Lei da Anistia.

Dilma não gostou do teor da nota por não aceitar, segundo assessores do Planalto, qualquer tipo de desaprovação às atitudes da comandante suprema das Forças Armadas.

A presidente convocou o ministro Celso Amorim (Defesa) para pedir explicações. Ele se reuniu com os comandantes das três Forças, que negociaram com os presidentes dos clubes da Marinha, Exército e Aeronáutica a 'desautorização' da publicação do documento, divulgado no site do Clube Militar no dia 16, como revelou o Estado na terça-feira.

No dia seguinte, houve a reunião de Amorim com os comandantes das três Forças e uma conversa com a presidente. Paralelamente a essa movimentação, os comandantes telefonaram aos presidentes dos três clubes a fim de que a nota crítica a Dilma fosse suprimida.
Ontem, o 'comunicado interclubes' foi retirado do site no início da tarde. Por volta das 16 horas, foi divulgado um outro texto, em que os presidentes desautorizavam o comunicado anterior. Esse desmentido, porém, não chegou a ficar meia hora no ar. O Clube do Exército, para tentar encerrar a polêmica, retirou a nota e o desmentido..."
Uma avaliação interessante do episódio é a da colunista Eliane Cantanhêde, na Folha de S. Paulo:
"A nomeação de Menicucci [para a Secretaria de Políticas para as Mulheres] sinaliza claramente que a primeira presidente mulher da história brasileira, torturada pela ditadura militar, tem um encontro marcado, em algum momento à frente, entre restrições políticas e convicções, entre palavras e atos. É quando fará sua foto oficial para a história.

Não é fácil. O caminho é tortuoso, cheio de obstáculos e armadilhas. Uma delas foi a nota impertinente dos clubes militares, na qual oficiais de pijama se deram ao direito de criticar a presidente e comandante em chefe das Forças Armadas e exigir que ela desautorizasse duas ministras -Menicucci e Maria do Rosário (Direitos Humanos)- por defenderem a verdade sobre ditaduras.

Tal como a presença de Menicucci 'diz' o que Dilma não pode dizer, militares da reserva muitas vezes verbalizam o que os da ativa pensam, mas não podem falar. Tal como Menicucci mede as palavras para não expor a amiga presidente, os da reserva tiveram de recuar por conveniência dos da ativa. E a luta continua".
Eu só faria uma ressalva:  alguns  militares da reserva temerosos do que a Comissão da Verdade possa vir a apurar verbalizam o que alguns colegas na ativa com esqueletos no armário pensam, mas não podem falar. A grande maioria do oficialato quer mais é saber de sua carreira, pragmaticamente.

Então, a Dilma agiu muito bem ao pagar para ver, expondo o blefe de uma minoria extremista e fazendo seus autores o engolirem a seco. 

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CAOS NA LÍBIA

22.2.12

VIÚVAS DA DITADURA PLANTAM NOTÍCIA CONTRA MINISTRAS DA DILMA

Deu n'O Estado de S. Paulo que os clubes militares das três Armas emitiram nota conjunta de ridículo atroz: exigem que a presidente Dilma Rousseff venha a público desautorizar suas ministras sempre que disserem alguma verdade sobre a ditadura de 1964/85.

O texto da jornalista Tânia Monteiro (vide aqui) deixa transparecer nitidamente sua simpatia pela catilinária das viúvas da ditadura:
"Em sinalização de como os militares da reserva estão digerindo a instalação da Comissão da Verdade, presidentes dos três clubes militares publicaram um manifesto censurando a presidente Dilma Rousseff e atacaram as ministras dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, e da Secretaria das Mulheres, Eleonora Menicucci, por supostas críticas dirigidas à caserna".
Sinalização do quê, cara-pálida? Desde quando os frequentadores dessas associações recreativas, entre uma e outra partida de bocha, falam em nome da maioria dos oficiais da reserva? Que eu saiba, nunca lhes foi dada delegação nenhuma neste sentido.

É de supor-se que os diretores estejam mesmo apavorados com os esqueletos que possam sair dos armários oficiais. Afinal, o Clube Militar do Rio de Janeiro vive homenageando o torturador-símbolo do Brasil, Carlos Alberto Brilhante Ustra, além de comemorar religiosamente o aniversário da quartelada de 1964.

Quantos militares de pijama têm comparecido aos desagravos a Ustra? Cerca de 300. O que representam, no conjunto dos oficiais da reserva do RJ? Um por cento? Provavelmente, menos ainda.

Então, constata-se a existência de uma pequena minoria que ainda segue a cartilha de Hitler, Mussolini, Franco, Salazar, Pinochet e que tais. E, simplesmente, não há como sabermos o que pensa a maioria. Isto é o que um jornalista isento concluiria.

O pior é que a tal Tânia Monteiro vai mais longe ainda:
"A carta, embora assinada por oficiais da reserva, traduz a insatisfação de militares da ativa, que são proibidos de se manifestarem".
Que insatisfação? De onde ela tirou tal conclusão? Viu numa bola de cristal? Acreditou no que lhe foi contado por quem a escolheu para trombetear o assunto?

Foi pouquíssimo ortodoxa, por sinal, a reprodução de trechos entre aspas e a ausência do texto integral, que um profissional de imprensa cioso necessariamente colocaria no final da notícia, depois de introduzi-lo nos parágrafos iniciais.

Pode-se pensar num subterfúgio para driblar algum risco legal qualquer. Mas, com isto, o leitor foi convidado a assinar um cheque em branco. Ainda bem que, em tempos de internet, tudo acaba vazando (vide aqui o manifesto que nenhum jornalão publicou...).

Por esta e outras, saltou aos olhos tratar-de uma notícia  plantada  para ser reproduzida em todos os sites e correntes virtuais da extrema-direita. E, claro, o foi --em um por um.

O que motivou a reação destrambelhada dos nostálgicos do arbítrio?
  • uma declaração da Maria do Rosário, de que os trabalhos da Comissão da Verdade poderiam levar à responsabilização dos agentes do terrorismo de estado. Ora, se (para imensa vergonha do Brasil e dos brasileiros...) nada indica que os acontecimentos vão marchar nesta direção, por que haveria a presidente da República de desmentir o que, à primeira vista, parece ser apenas uma hipótese improvável?
  • as críticas que a ex-resistente Eleonora Menicucci de Oliveira faz àqueles que torturaram a ela e a seus antigos companheiros de militância, além de assassinarem bestialmente o saudoso Luiz Eduardo Merlino. Os ditos cujos deveriam é se dar por felizes de estarem sendo apenas criticados, não trancafiados numa prisão como os criminosos hediondos que foram. Além de terem obtido a (terrivelmente injusta e totalmente descabida) impunidade, ainda querem amordaçar ministras?!
  • o fato de constar em qualquer documento do PT que o partido está empenhado "no resgate de nossa memória da luta pela democracia durante o período da ditadura militar", ao que os gorilas objetam, pateticamente, que na época da criação da sigla a abertura política já havia ocorrido. E daí? É público e notório que o PT foi constituído por veteranos da resistência à ditadura, sindicalistas do ABC e expoentes da esquerda católica. Então, tem, sim, o direito de apresentar-se como depositário da memória da luta contra o despotismo.
Se Dilma der qualquer satisfação aos autores de um exercício tão amadoresco de lobbismo extremista, simplesmente se desqualificará como comandante em chefe das Forças Armadas.

Cabe-lhe sair em defesa de suas ministras ou, face à nenhuma importância deste factóide, simplesmente o ignorar.

16.2.12

BANCOS ARDEM EM CHAMAS NA GRÉCIA. É VÁLIDO?

O relato é do enviado especial da Folha de S. Paulo a Atenas, Rodrigo Russo:
"Um membro do movimento anarquista de Atenas, que participou dos protestos de domingo, justificou os incêndios que atingiram cerca de 50 edifícios: 'Pusemos fogo nos bancos, nas grandes lojas internacionais, porque esses são os culpados da crise', disse à Folha o jovem, que não quis se identificar.

'O pacote aprovado pelo Parlamento é para salvar os bancos, e não o povo. A situação está terrível, as pessoas aqui estão se matando por não terem como pagar as contas. Até as faculdades, que antes eram gratuitas, nós teremos que pagar', criticou o estudante de economia".
É compreensível que os gregos reajam com violência à penúria que lhes está sendo imposta sem qualquer motivo aceitável --pois crise real não existe nenhuma.

Se as safras tivessem sido devastadas por catástrofes, os rebanhos dizimados por pestes ou a capacidade de geração de energia fosse insuficiente para as indústrias produzirem itens necessários, haveria problemas de verdade.

Mas, são apenas números que não batem na contabilidade artificial do capitalismo.

Para os poderosos, seres humanos têm de ser abatidos --metaforicamente, ou mesmo a balas-- porque os números não batem.

Para os seres humanos, muito melhor será queimar-se tal contabilidade perversa.

Bem que Marcuse advertiu: a lavagem cerebral da indústria cultural condicionaria os homens a encararem a organização atual da sociedade como a única possível, a sentirem-se impotentes para mudar aquilo que os infelicita.

Então, ninguém mais se pergunta, seriamente: para que precisamos de bancos?

Para que precisamos de grandes lojas internacionais, ou lojas de qualquer tipo?

Por que precisamos pagar por seja lá o que for (vivendo nós também agoniados por causa de números que não batem)?

Não seria muito mais simples organizarmo-nos coletivamente para produzir o realmente necessário, entregando a cada família o quinhão de que realmente necessita e tendo muito mais tempo livre para fazermos o que quiséssemos?

Hoje já ultrapassamos a barreira da escassez e, se aproveitarmos racionalmente o potencial produtivo disponível, garantiremos tranquilamente a cada habitante do planeta tudo de que necessita para uma existência digna --sem estourarmo-nos de trabalhar e sem colocarmos a própria sobrevivência da humanidade em risco por causa da ganância desmedida. 

Então, mais do que nunca, só depende de nós deixarmos de ser peões, não dançarmos mais amarrados pelo pescoço com cordão, não sermos mais empregados e também não virarmos patrões, como cantou o grande Elomar Figueira de Melo.

É óbvia a impossibilidade de vivermos assim, como seres humanos dignos deste nome, sob o capitalismo. Mas, quem precisa verdadeiramente do capitalismo? O que nos impede de deletarmos os que parasitam nosso trabalho e fazermos nós mesmos o que tem de ser feito, em nosso benefício e dos que virão depois de nós?

Quando, secundarista de 17 anos, participei da minha primeira passeata, no início de 1968, fiquei frustradíssimo porque os universitários montaram um esquema de segurança para impedir o apedrejamento do First National City Bank, na famosa esquina da Ipiranga com a avenida São João. Aquelas vidraças eram uma tentação!

Viraram cacos quando a repressão se abateu sobre passeatas seguintes e ninguém viu mais motivo para refrear sua gana por justiça... simbólica.

Hoje, quando passo por esses imensos e luxuosíssimos bancos das nossas principais avenidas, não penso em vê-los apedrejados (ou queimados).

Penso em quanta coisa útil poderá ser feita nessas edificações, depois que enxotarmos os parasitas e as colocarmos a serviço dos homens.


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SÃO PAULO É O GRANDE FOCO DIREITISTA DO PAÍS

SOBRE ASCENSOS E REFLUXOS REVOLUCIONÁRIOS

13.2.12

SÃO PAULO É O GRANDE FOCO DIREITISTA DO PAÍS

Redatores do  Estadão  no tempo de Olavo Bilac (mão no queixo). As idéias continuam as mesmas
Segundo o Instituto Verificador de Circulação, O Estado de S. Paulo é o jornal mais vendido na capital paulista, na Grande São Paulo e no Estado como um todo, enquanto a Folha de S. Paulo só o supera no interior paulista, mas mantém a liderança nacional por circular mais nos outros estados.

Tais dados são perfeitamente coerentes com a realidade política paulista e paulistana. 

Estadão  é o veículo de uma direita ideológica que remonta à aristocracia cafeeira. Conservador por excelência, foi peça importante na conspiração para a derrubada do presidente constitucional João Goulart.

Isto conflitava um pouco com o papel que o jornal desempenhou na ditadura getulista, quando esteve até sob intervenção. Então, depois de, segundo alegou, ter ajudado  a  salvar o País da ameaça comunista, passou a pregar insistentemente a devolução do poder aos civis, uma vez que a  intervenção cirúrgica  já teria  saneado as instituições.

Dondocas do Cansei! em SP:
adesão mínima frustrou planos
Ou seja, as cassações de mandatos, a extinção arbitrária de partidos e entidades, os expurgos e mudanças impostas pela força, as prisões e torturas, tudo isso já teria limpado o terreno para a burguesia poder voltar a exibir sua face civilizada...

Ressalvas feitas, a resistência dos jornais do Grupo Estado à censura e ao terrorismo de estado merece respeito. Afora o trivial que todos destacam (as poesias de Camões que o  Estadão  colocava no espaço de trechos ou de notícias inteiras censuradas, bem como as receitas culinárias que tinham a mesma serventia no Jornal da Tarde), houve dois episódios em que seus diretores mostraram, inclusive, coragem pessoal:
  • quando mandaram os seguranças impedirem o DOI-Codi de invadir a redação para prender um jornalista, tendo o Mesquita de plantão dito a frase célebre de que "ele pode ser comunista lá fora, mas aqui dentro é meu funcionário" (depois, abrigou-o no próprio sítio);
  • quando, depois da morte de Vladimir Herzog, decidiram acompanhar os jornalistas da casa arrolados no mesmo inquérito sempre que chamados a depor no DOI-Codi, a fim de garantirem pessoalmente sua integridade física.
Mas, embora repudie os excessos no exercício do poder burguês, o Estadão é o jornal brasileiro mais afinado com a sua essência --ao contrário dos  comerciantes  da Folha de S. Paulo, cuja postura oscila oportunisticamente ao sabor dos ventos políticos, ora cedendo viaturas para o serviço sujo da repressão, ora ajudando os Golberys da vida a recambiarem o País para a civilização... 

A supremacia do   Estadão  em São Paulo é consistente com o fato de ser um Estado sob governos tucanos desde 1995; e na cidade de São Paulo, com o de ela, desde a redemocratização, haver tido várias gestões direitistas e somente duas, digamos,  desalinhadas  (as de Luíza Erundina e Marta Suplicy).  

Também faz todo sentido que São Paulo esteja sendo o laboratório de testes das novas fórmulas golpistas, com a franca adoção de respostas policiais para os problemas sociais servindo para aferir a resistência que a fascistização provocará. 
SP, 1964: marcha das famílias abastadas
preparou o terreno para o golpe militar.

Ainda bem que a operação desastrada na cracolândia e a barbárie no Pinheirinho despertaram uma opinião pública que parecia anestesiada quando da invasão da USP por brucutus e da fixação de uma tropa de ocupação em pleno campus universitário (suprema heresia!).

Mas, a cena paulista deve continuar sendo observada com muita atenção pelos verdadeiros democratas. Pois, qualquer atentado às instituições, para quebrar a continuidade de administrações petistas (bem toleradas pelos EUA e pelo grande capital, já que mantiveram seus privilégios, mas não pelas  viúvas da ditadura  e por alguns setores setores extremados da burguesia), começará, necessariamente, por São Paulo.

Vale lembrar: foi em São Paulo que o Cansei! tentou organizar uma nova (mas frustrada...) Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade.

E é em São Paulo que a truculência policial volta a ser exercida exatamente como nos tempos da ditadura militar, por efetivos que até hoje cultivam descaradamente a nostalgia do arbítrio.

Obs.: na história de São Paulo também há capítulos edificantes, como a luta contra o despotismo em 1932, o movimento estudantil de 1968, as diretas-já e o fora Collor!. Mas, parecem ter sido episódios fugazes, meras exceções, enquanto o conservadorismo e o reacionarismo dão a tônica.

11.2.12

PRIVATIZAÇÕES: O XÍS DA QUESTÃO

Os reformistas (e também alguns cidadãos que se enxergam como sendo de esquerda, mas cujo discernimento político deixa a desejar...) fizeram enorme alarde a respeito de um dossiê de denúncias eleitoreiras transformado em livro.

Agora, os direitistas contra-atacam questionando a privatização de aeroportos.

Então, vamos combinar: um seguidor de Marx ou Proudhon só pode considerar defensáveis as empresas estatais QUE SEJAM GERIDAS POR CONSELHOS DE TRABALHADORES E ESTEJAM PRIORIZANDO AS NECESSIDADES  E INTERESSES DO POVO.

As que existem, tanto dá que estejam nas mãos do estado burguês ou de capitalistas. Ao povo é que não pertencem. E o povo não tem motivo nenhum para defender um bem que não é nem jamais foi seu.

[As voltas que o mundo dá: bem no comecinho da campanha presidencial de 1989, entrevistei o Lula e lhe fiz a mesmíssima objeção acima. Ele respondeu que não pretendia deixar as estatais como estavam, mas sim colocá-las sob a direção de conselhos de funcionários. Parece que em 2002 ele já mudara de idéia. Eu não mudei.]

Vamos parar de perder tempo com essas tolices e voltar ao que realmente importa: o imperativo de substituirmos o capitalismo por um regime cujos pilares sejam a justiça social e a liberdade.

Repito pela enésima vez: O CAPITALISMO, NO ATUAL ESTADO DE PERVERSIDADE E PUTREFAÇÃO, NÃO PODE SER REDIMIDO NEM TER SUA MALIGNIDADE ATENUADA

Ou nos livramos dele, ou ele nos destruirá a todos, dando fim à espécie humana.

Precisa de coveiros que o enterrem de uma vez por todas, não de enfermeiros que lhe apliquem esparadrapos.

8.2.12

CONHEÇAM (E BAIXEM) UMA CANÇÃO RARÍSSIMA DO VANDRÉ: "CHE"

Navegando pelo Orkut depois de muito tempo distante, encontrei uma autêntica preciosidade na comunidade Geraldo Vandré: uma canção dedicada a Che Guevara, na intepretação do Vandré e Trio Maraya. E o que é melhor: com link para baixar (clique aqui), por cortesia da dedicada Marta Meissner.

O companheiro Vitor  Nuzzi gentilmente dissipou minhas dúvidas sobre esta Che, enviando-me trechos de sua biografia ainda inédita do  Vandré:
"...na verdade, eram duas músicas, conforme lembra Lúcia, mulher de Marconi [integrante do Trio Maraya]. 'O Marconi fez ela instrumental. Quando perguntavam, ele dizia que era homenagem aos gaúchos, para não se complicar', lembra, rindo. (...) E a música de Marconi –sem sequer ter letra– foi censurada.

Segundo Lúcia, Vandré sempre quis pôr letra, mas Marconi nunca aceitou. E assim nasceria um segundo Che, quando o grupo todo foi para a Europa. Tempos difíceis, pré-AI-5, clima de vigilância no ar.  Os cartões enviados da Bulgária chegavam abertos. 'O Marconi acabou fazendo uma outra melodia, e o Geraldo fez a letra.'"
Cheguei a cogitar que se tratasse da música de Walter Franco que Vandré defendeu num Festival Universitário da Canção Popular. Mas, esta era outra, sobre a qual encontrei o seguinte depoimento do blogueiro Waldir Mengardo:
"No Festival Universitário da Tupi, em 1968, Geraldo Vandré, junto com o Trio Maraya, defendeu uma música de Walter Franco chamada Não se queima um sonho. Era uma alegoria a Che Guevara que foi classificada na sua eliminatória e depois sumiu na final do Festival sem nenhuma explicação. (...) Era mais ou menos assim: Seu sonho sem mortalha/ Cercado de solidão/ Eu trago bem guardado/ Na espera e no coração/ Vem oh! meu companheiro Che/ seu sonho quero lhe dar..."
Nuzzi, por sua vez, esclareceu ter o festival da Tupi ocorrido logo depois do alvoroço de 'Pra não dizer que não falei das flores' no Maracanãzinho. O maestro Rogério Duprat, na época, criticou a composição de Walter Franco: "Se Guevara estivesse aqui não ia gostar nem um pouco. É preciso acabar com toda essa choradeira em torno do guerrilheiro, não é assim que se faz uma revolução".

Quanto à canção que junta os versos do Vandré e a segunda melodia do Marconi, acima disponibilizada, eis a letra:

Perdoa minha canção
Se canta só minha boca
Se tem forma de oração
Se a minha voz fica rouca
Qual arma sem munição
Se ela é franca, mas é pouca
Enquanto fica canção

Sobe monte, desce rio
Sobe monte, desce rio
Sobe monte, desce rio
Vida e barbas por fazer
Sobe monte, desce rio
Sobe monte, desce rio
E um dia, de repente
Foi morto num amanhecer

Na frente de todo mundo
Pra todo mundo aprender
Quem afrouxa na saída
Ou se entrega na chegada
Não perde nenhuma guerra
Mas também não ganha nada

Sobe monte, desce rio
Sobe monte, desce rio
Sobe monte desce rio
Vida e barbas por fazer
Sobe monte, desce rio
Sobe monte, desce rio
E um dia, de repente
Fez da morte mais viver

Quem seguia teu caminho
Não podia te prender
E mesmo por traição
Pensando que te matava
No meu corpo americano
Fincou mais teu coração
No meu corpo americano
Fincou mais teu coração

Perdoa minha canção...

6.2.12

DAS PALAVRAS AOS ATOS: MEU APOIO A CARLOS GIANNAZI

Estou apoiando a precandidatura do deputado estadual Carlos Giannazi a prefeito pelo PSOL.

Foi por sua causa que voltei a me filiar a um partido da política oficial, o que não tinha mais intenção de fazer.

Nosso relacionamento data de 2006, mas eu já o respeitava por, quando vereador pelo PT, haver rechaçado o desvio para outras finalidades de verbas que deveriam ser destinadas à Educação.

A então prefeita Marta Suplicy conseguiu que o partido agisse inquisitorialmente contra o rebelde, suspendendo seu mandato e o expulsando.

Porque nunca fui vaquinha de presépio de coletivos que praticam injustiças --tendo preferido permanecer 34 anos como lobo solitário, na berlinda, do que fechar um acordo que me permitiria voltar à esquerda organizada, mas abdicando do direito de contestar uma acusação falsa e gravíssima que pesava sobre mim--, é óbvio que me agradou a postura de Giannazi: entre o partido que esquecia seus valores originais e o eleitorado (professores e estudantes) ao qual ele, Giannazi, fizera solenes promessas, optou pelo segundo.

Daí eu o ter procurado quando tentava viabilizar uma merecida homenagem a meu amigo de infância e companheiro de militância Eremias Delizoicov, executado e desfigurado por 35 disparos da repressão em 1969, aos 18 anos de idade.

A assessoria do Giannazi conseguiu desencavar uma escola que ainda não tinha nome e poderia receber o dele. No entanto, contra a posição do diretor, o estabelecimento escolhido acabou homenageando uma líder comunitária recém falecida, por decisão da Associação de Pais e Mestres. Mas, algum dia ainda conseguirei cumprir a promessa feita aos pais do Eremias; não desisti.

Meu relacionamento com o Giannazi se manteve. Ele costuma ler os artigos que lhe mando e até já fez com que um deles fosse inscrito nas atas da Assembléia Legislativa.

Apoiou minha luta para que o governo estadual fizesse a Rota deletar de sua página virtual os infames elogios ao golpismo e ao terrorismo de estado, tendo exigido formalmente de Geraldo Alckmin a supressão das loas à ditadura militar (ver aqui).

E, a partir de um meu artigo sobre os companheiros martirizados na resistência ao arbítrio, estruturou sua proposta de instituição do Dia dos Mortos e Desaparecidos Políticos em SP, que virou lei há três meses (ver aqui).

Afora isto, quase sempre nos encontramos nas mesmas trincheiras, lutando contra os abusos, a intolerância, a homofobia, o atentado à liberdade de opinião em que se constituiu a proibição da Marcha da Maconha, a invasão e depois a ocupação da USP pelas tropas do arbítrio legalizado (exatamente como ocorria na ditadura), a barbárie no Pinheirinho, etc.

Como no tempo de Allende, a esquerda deve unir suas
forças para ter uma chance contra inimigos poderosos
Então, ao receber o convite para me associar ao seu projeto de lançar uma candidatura viável da esquerda anticapitalista à Prefeitura de São Paulo, refleti muito e decidi ir à luta.

Já lá se vão uns oito anos que venho defendendo a união dos agrupamentos de esquerda dispostos a criar uma alternativa ao capitalismo, e não apenas a minorar suas mazelas com a adoção de políticas sociais que, embora sendo melhores do que nada, não passam de paliativos.

Na última eleição presidencial, p. ex., defendi insistentemente o voto nos candidatos anticapitalistas no primeiro turno (e, no segundo, o apoio aos reformistas para barrar a candidatura de uma direita em marcha para o neofascismo).

Chegou a hora de passar das palavras aos atos. Vejo Giannazi como o único quadro da esquerda paulistana com suficiente embasamento nos movimentos sociais para se tornar o nome em torno do qual os diversos agrupamentos poderão se unir.

Isto é fundamental, pois salta aos olhos a impossibilidade de, cada um por si, desempenharmos um papel relevante na eleição municipal.

Se conseguirmos formar um bloco de esquerda e as circunstâncias nos favorecerem, talvez possamos desta vez ir além de apenas assistir à disputa entre direitistas e reformistas.

A eleição de Luíza Erundina em 1998 foi uma moeda que caiu em pé. Nada impede que aconteça de novo, ainda mais com o desgaste que a truculência repressiva está acarretando para o tucanato e a falta de apelo popular da candidatura reformista.

Então, vou arregaçar as mangas e lutar para que Giannazi seja confirmado como candidato do PSOL (tudo indica que será) e, mais importante ainda, para que se afirme como o representante consensual da esquerda anticapitalista.

Pois, já que não nos move (pelo menos aos melhores de nós!) a busca de fatias e migalhas de poder dentro do sistema atual, não faz sentido nenhum lutarmos encarniçadamente por elas. Não somos pequenos comerciantes disputando a freguesia do bairro. Somos revolucionários.

Temos mais é de novamente encarar governos e mandatos como peças no tabuleiro da grande mudança que nos propomos a concretizar.

Giannazi e eu acreditamos nisto. Então, faz todo sentido eu somar forças com ele.

5.2.12

REGIME QUE PRODUZ DEZENAS DE "SUICIDADOS" É DITABRANDA?!

A Folha de S. Paulo deste domingo (5) traz longa reportagem sobre a encenação de suicídio do jornalista Vladimir Herzog, tendo como  gancho  o fotógrafo que a ditadura militar utilizou para fazer a imagem famosa (ver íntegra aqui).

A rigor, não conta nada de novo para quem acompanhou os acontecimentos ou interessou-se pelo que vem sendo noticiado desde 1975 (vide aqui, p. ex., meu resumo e análise do Caso Herzog).

Mas, é uma matéria que vale a pena mostrarmos às novas gerações, dando-lhes uma noção de como a vida de um homem vale pouco, quase nada, num regime totalitário.

E, claro, de como a ditadura militar era tudo, menos a  ditabranda  que o próprio jornal apregoou, num dos editoriais mais infelizes de sua história. Como se pode considerar branda uma ditadura da qual Herzog foi, cronologicamente, o 39º  suicidado?!

Só naquele ano de 1975 ocorreram outros 13 assassinatos maquilados em suicídios, afora as igualmente forjadas mortes  ao resistir à prisão (que até hoje são fartamente utilizadas pelas polícias militarizados do País inteiro como justificativa para o extermínio de marginais).

Curioso é que, mesmo sem ter aberto o bico sobre esta e muitas outras farsas nas quais esteve envolvido como coadjuvante, o tal Silvado Leung Vieira apanhou a sobra.
"Sentindo-se ameaçado e perseguido pelo regime a que serviu, ele afirma não ter tido alternativa a não ser abandonar o emprego no serviço público e também o país".
Missa para Herzog na catedral da Sé
foi o princípio do fim da ditadura militar
Uma ameaça concreta por ele recebida, diz, foi feita por um jovem oficial do Exército, quando caiu na besteira de dizer que ali aconteciam "coisas estranhas":
"É melhor ficar calado e não comentar nada. Se você não calar, a gente te cala".
E o repórter Lucas Ferraz deu as previsíveis derrapadas de quem escreve sobre o que não domina. Exemplo:
"...[Herzog] militava no partido, mas, segundo amigos, não exercia atividades clandestinas, nem poderia ser apontado como um quadro fixo do partido, que àquela altura já considerava a luta armada um grande erro".
O Partido Comunista Brasileiro não se direcionava para as atividades clandestinas; praticamente só se tornavam clandestinos os dirigentes, por motivos óbvios.

E, DESDE O PRIMEIRO MOMENTO, considerou a luta armada um grande erro, chegando a caluniar seus expoentes. Para evitar que os militantes prestassem ajuda solidária a combatentes da VPR, chegou ao cúmulo de afirmar em seu jornal que o comandante Carlos Lamarca seria um provocador a serviço do imperialismo, incumbido de fornecer pretextos para o fechamento do regime.

A REPRESSÃO HABITUAL E A FORA DE CONTROLE

Uma afirmação que já virou lugar comum: a de que éramos "barbaramente torturados". Sem dúvida, o éramos. Mas, com objetivos definidos e não por mero sadismo dos militares (que, claro, também existia...).

No caso dos militantes da luta armada, as torturas tinham intensidade extrema nos primeiros dias, pois a repressão queria arrancar de nós informações que lhe permitisse alcançar os companheiros lá fora, antes que, advertidos, estes abandonassem os  aparelhos  tornados inseguros e deixassem de cobrir os pontos  agendados conosco.

Não havia tal premência no caso de Herzog, daí ser mais plausível a hipótese de  acidente de trabalho. Ou seja, a de que não pretendiam propriamente massacrá-lo, mas fazer com que se incriminasse, e incriminasse a outros.

Ocorre que o choque elétrico --a modalidade de tortura que eles mais utilizavam quando não queriam deixar marcas-- é imprevisível. Se curto, não desconcerta tanto. Se longo, pode causar enfarte (até porque não se consegue respirar enquanto ele dura). Eu diria que erraram a mão com os choques elétricos e se viram às voltas com um defunto indesejado, tanto que tudo fizeram para camuflar o sucedido.

Também é interessante este testemunho do então governador Paulo Egydio Martins, hoje com 84 anos:
Onde morreu Herzog: o DOI-Codi funcionava
nos fundos desta delegacia paulista
"Havia um comando paralelo no Exército, e é bem provável que houvesse também um comando anarquista na Secretaria de Segurança Pública. Esse era um problema absolutamente crítico, que infelizmente saiu do controle".
Foi exatamente a tese que defendi: a de que a corja do DOI-Codi,  na contramão da  abertura lenta, gradual e progressiva do ditador Geisel, prendeu o coitado para retaliar o governador Paulo Egydio (amigo do jornalista) e para tentar mostrar que seus  préstimos  ainda eram necessários, seja fazendo alarmismo acerca da exageradíssima infiltração comunista na TV Cultura, seja acalentando a possibilidade de que os alunos de Herzog na USP botassem o movimento estudantil na rua.

De resto, o termo anarquista é inadequado neste contexto. Melhor caberia ultradireitista ou fascista.

E quem observou a atuação da SSP nos episódios da USP, da cracolândia e do Pinheirinho tem razões de sobra para concluir que o problema continua até hoje fora do controle.

3.2.12

DECIDIDO: BARBÁRIE NO PINHEIRINHO SERÁ DENUNCIADA À OEA E AO CNJ

Em concorrida audiência pública na Assembléia Legislativa de SP, os mais de 600 participantes decidiram denunciar as arbitrariedades, truculência e vandalismo que marcaram a desocupação do Pinheirinho ao Conselho Nacional de Justiça e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.

Para Carlos Lungarzo, da Anistia Internacional,  tratou-se de "maiores catástrofes humanitárias de SP, superada apenas por Carandiru e pela Febem-Imigrantes".

Segundo ele, as vítimas e testemunhas da bestialidade repressiva apresentaram "depoimentos estarrecedores", com destaque para a intervenção do defensor público Jairo de Souza, por sua "ênfase" e "pela gravidade das atrocidades descritas".

Os deputados Carlos Giannazi (PSOL) e Adriano Diogo (PT), organizadores do ato, protestaram contra as obstruções opostas ao público pela polícia da Assembleia.

Segue a íntegra do artigo de Lungarzo sobre a audiência.

PINHEIRINHO: CRIME CONTRA A HUMANIDADE

Carlos A. Lungarzo

Uma audiência pública sobre o caso Pinheirinho teve lugar na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), organizada pelos deputados Carlos Giannazi (PSOL) e Adriano Diogo (PT), com a presença de mais de 600 pessoas de todos os setores progressistas da região, incluindo vítimas do massacre, partidos políticos, movimentos sociais e numerosas ONGs de direitos humanos. Tanto as vítimas como as testemunhas apresentaram depoimentos estarrecedores.

Por sua ênfase, pela gravidade das atrocidades descritas (balas contra defensores públicos, ordem de um desembargador à polícia para acirrar a chacina, etc.), a mais desafiadora foi a do corajoso defensor público Jairo de Souza. Também foram relevantes as intervenções de Giannazi e Diogo contra as obstruções opostas ao público pela polícia da Assembleia, afirmando aos policiais que eles eram da mesma espécie que os autores do massacre.

A indignação mostra que, apesar da paralisação que os movimentos sociais têm sofrido com a política geral de diversionismo populista e, mais ainda, com a brutal repressão neofalangista do estado de São Paulo, ainda há possibilidades de que a sociedade se defenda (vide uma breve crônica aqui).

POR QUE IR ALÉM? 

As motivações econômicas do massacre de Pinheirinho são evidentes. Quem manda no estado de São Paulo é uma plutocracia corrupta e concentrada como só se encontra em países orientais, chefiada pelos bancos e as empreiteiras, e servida pela maior força policial do Continente (depois da polícia da Califórnia) e mais cruenta (depois da polícia da Argentina).

Entretanto, junto à finalidade prática do lucro, as chacinas têm também um objetivo ideológico: a faxina social/racial que se propõe gradativamente a acabar com pobres e afrodescendentes. Com efeito, diferentemente ao que acontecia na década de 70, hoje, a rapina empresarial não precisa de um enorme exército industrial de reserva, e os novos empresários preferem uma tática idêntica à que utilizou o Terceiro Reich com os grupos vulneráveis da sociedade: transformar os excluídos em escravos.

Isto acontece com imigrantes de países pobres, especialmente bolivianos, que são mantidos reféns por causa da falta de documentos, e obrigados a trabalhar em sweat shops em condições de real (e não metafórica) escravidão. Mas, numa grande cidade, este método possui suas limitações. Não há possibilidade de escancarar esta prática como fez a SS, porque os tempos mudaram algo (até no Brasil).

As elites preferem então eliminar os setores sociais excedentes, como acontece com os afetados por doenças psiquiátricas, com os viciados em drogas, com as pessoas que a mesma desigualdade empurra ao crime, os não brancos nem europeus, e outros grupos marginados. As prisões, manicômios e asilos públicos de São Paulo estão entre os mais impressionantes do planeta, e têm sido considerados verdadeiros depósitos de mortos em vida (vide um relatório simples, porém totalmente confiável, sobre a barbárie sofrida pelos internos no Brasil em geral, aqui).

APOIO INTERNACIONAL

O massacre de Pinheirinhos é uma das maiores catástrofes humanitárias de SP, superada apenas por Carandiru e pela Febem-Imigrantes. Entretanto, faz parte de uma sequencia de atos de máxima brutalidade que se manifestam no Brasil (e também na Colômbia e no México), com uma intensidade desconhecida inclusive em países mais atrasados e com menos parafernália jurídica.

O problema é que essa sequencia vai continuar, como mostram as permanentes expulsões de moradores pobres dos terrenos que habitam. Este fato ocorre em SP por causa dos interesses das empreiteiras e da política racista de seus governantes e sua classe média e alta, mas se manifesta também no Rio de Janeiro. É especialmente por esta razão que a Anistia Internacional decidiu instalar agora, no mês de março, um escritório nesta cidade.

A ONG Justiça Global encaminhou, logo após o massacre, uma denúncia aos organismos de direitos humanos da ONU e da OEA, acusando várias autoridades (vide). Por sua vez, a audiência pública da Alesp decidiu o envio de denúncias ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA.

É necessário ressaltar a importância fundamental e o caráter imprescindível que tem o apelo internacional dos habitantes de qualquer país, quando seus direitos são violados. Isto é absolutamente óbvio, por várias razões:
  1. Mesmo em países com instituições menos patrimoniais e corruptas que o Brasil, o judiciário é quase sempre cúmplice das altas elites, e é excecional que uma violação aos DH forjada por membros das altas gangues políticas seja apurada e punida. Os poucos casos existentes no Brasil de julgamentos por tortura ou racismo estão no Rio Grande do Sul. Por sua vez, São Paulo é o caso internacional mais perfeito de iniquidade e barbárie.
  2. Mesmo países que são modelos de democracia podem cometer sentir-se inibidos quando devem julgar os crimes de alguém que faz parte das suas elites.
  3. Os DH são universais e procurar ajuda internacional contra os violadores (mesmo se esta não fosse necessária) ajuda a fortalecer a fraternidade universal entre os humanistas.
O recurso ao Conselho de Direitos Humanos da ONU (UNHRC), que é um organismo internacional planetário (vide) e o apelo à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (CIDH), que é um organismo regional (vide) é absolutamente necessário, e sua escolha foi uma decisão acertadíssima das ONGs e as instituições públicas que tomaram essa decisão. 

Atualmente, as condições dos DH na América Latina preocupam a alguns setores bem intencionados de diversos países e, em geral, as decisões das CIDH têm sido bastante justas nos últimos tempos. Por outro lado, pessoas dependentes de diversos estados tendem a produzir uma resultante algo mais equânime do que seria a decisão de membros de um único estado.

É quase absolutamente certo que, no caso Pinheirinho, a CIDH se pronunciará contra o estado, pois, além de existir um abundante  curriculum  de atrocidades paulistas, o caso Pinheirinho tem comovido a opinião pública mundial, registrando até agora aparições em mais de 150 mil sites estrangeiros da Internet, a maioria dos quais são apolíticos e alguns até de centro-direita moderada.

Os sites mais simpatizantes com os direitos humanos qualificam a ação do governo tucano com  adjetivos como criminal eviction, e a autodefesa dos moradores é descrita com frases emocionadas como “Pinheirinho slum bravely resists” (vide). Salvo sites de extrema direita, vinculados ao Tea Party, ao KKK, e a grupos neonazistas americanos, quase ninguém engole as mentiras da grande imprensa brasileira.

Aprovada a denúncia pela CIDH, é também quase certo que a Corte Interamericana de Direitos Humanos de São José de Costa Rica (CorteIDH) dará parecer favorável e fixará condenações para os réus.

Embora o panorama pareça promissor, é necessário ter em conta uma questão geral: quando se luta contra inimigos brutais e sem escrúpulos, apoiados por tudo o mais nefasto que a humanidade produziu (grandes cartéis, corporações repressivas, partidos neofascistas, congregações de obscurantistas e sádicos como o Opus Dei, etc.), deve tentar-se toda ação legalmente possível. E, quando a causa é gravíssima, como neste caso, e recorrente, é imprescindível acionar qualquer mecanismo jurídico, mesmo que seu uso implica perigo para os denunciantes, e mesmo que os processos e a burocracia sejam esgotadores.

Correm um risco de erro grave, que pode custar a vida a muitas pessoas, pensar que estes projetos possam ser  negociados, ou que os carrascos possam ser acalmados. Devem ser aceitas quaisquer soluções pacíficas, que é possível que os algozes ofereçam em alguns casos menos graves, mas não em troca de garantir a sua impunidade. Pensemos como os medos e a falta de decisão de países democráticos fez possível o massacre de Ruanda em 1994, e não sejamos tão arrogantes como para pensar que nossos governantes são menos brutais que aqueles caciques hutus.

É por isso que sugiro aos organismos públicos ou privados vinculados ou apenas simpatizantes com as vítimas do massacre, colocarem os principais responsáveis da chacina sob o Tribunal Penal Internacional (TPI), fundado em 1998 pelo Estatuto de Roma.

Às motivações gerais para proceder nesse sentido, adicionam-se razões específicas:

O Conselho de DH da ONU só poderia produzir, neste caso, uma declaração de tom moral, que será muito útil, e cujo valor não deve ser subestimado. Todavia, sabemos que aqueles que utilizam a máxima brutalidade devem ser brecados com métodos mais eficientes que a ação sobre uma moral que não possuem. 

Raramente, o UNHRC consegue que seus países membros adotem alguma forma de pressão econômica, muito menos diplomática. Isso pode acontecer quando há interesses militares ou econômicos em jogo, mas não se sabe que isto tenha acontecido por violação aos DH. O UNHCR já existia na década de 70, e as vítimas da mais feroz ditadura (salvo o nazismo), a da Argentina (1976-1983) não conseguiram que os carrascos de mais de 35 mil pessoas fossem punidos.

As sentenças da Corte IDH são mais eficientes, e tiveram efeito intimidador sobre alguns governos neofascistas, como o de Menem, na Argentina, o de Salvador e outros. Entretanto, o Brasil costuma desprezar olimpicamente essas decisões.

Apenas a exigência algumas indenizações pequenas, e certas repreensões têm tido sucesso, salvo, como único caso importante, a pressão para que fosse aprovada a Lei Maria de Penha. A arrogância do governo federal em relação com o caso de Belo Monte é um bom exemplo disto. Essa indiferença se reflete também no cinismo da alta magistratura ao caçoar da inutilidade da Corte Interamericana para rejeitar a Anistia que o STF concedeu aos criminosos da ditadura militar.

Esta arrogância do estado brasileiro sempre existiu, mas hoje pode estar exacerbada pelo atual delírio de grandeza internacional, que levaria o governo a proteger mesmo a seus opositores políticos, sob a bandeira do chauvinismo e a xenofobia. Num momento em que o país parece simpatizar (embora menos que antes) com a corrida nuclear no Oriente Médio, e o ministro de defesa fala de uma aliança militar contra os  inimigos  do Brasil, será um milagre que o governo federal, sobre o qual atua inicialmente a Corte IDH, pressione o governo estadual.

Em resumo: se pretendemos deixar uma marca histórica e pressionar para que as vítimas do massacre tenham alguma restituição material, estes recursos ao UNHRC e à CIDH-OEA podem ser suficientes.

Se quisermos uma mínima garantia de que estas atrocidades sejam evitadas no futuro, deveremos fazer algo mais. Na minha opinião, o único além disso que pode ser feito é a denúncia dos principais responsáveis, ao Tribunal Penal Internacional (TPI) que se rege pelo Estatuto de Roma.

O TPI E O ESTATUTO DE ROMA 

Em geral, quando alguém recebe reparação pela violação a seus DH, as instituições procedem com certa condescendência, como se estivessem fazendo um ato de grande liberalidade. Por isso, é necessário pedir a estes organismos apenas o imprescindível.

No caso de TPI os acusados devem ser sempre pessoas que tenham a máxima responsabilidade, da qual, aliás, existam provas. Neste caso, há numerosas evidências que apontam o governo de estado, os juízes, prefeitos e policiais, mas seria impossível que o TPI aceitasse enquadrar todos eles. Para os DH, sempre falta tempo e dinheiro!

Para não enfraquecer a ação, os imputados deveriam ser: a máxima autoridade executiva do Estado, e a máxima autoridade do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

Aliás, o TJSP é conhecido nos meios jurídicos, pelo menos, nos países mais desenvolvidos, como campeão de iniquidade e aberrações. O caso de Carandiru é exemplo em quase todos os centros internacionais de DH, como a maior atrocidade carcerária já conhecida no mundo, ultrapassando até às da prisão de Erivan, no Irã. Não se conhece nenhum outro caso pior, embora possa talvez existir (eventualmente, pode ter acontecido na China, mas o caso da Praça da Paz foi a céu aberto e não numa prisão).

Também os crimes na Febem de 1999 foram amplamente divulgados, especialmente as ameaças do então presidente do TJSP contra Anistia Internacional, por ter denunciado as numerosas torturas e homicídios. E até as rotineiras mortes de sem-teto, a perseguição do MST e outras ações violentas são bem conhecidas no meio jurídico internacional.

Podemos ver sem problema que há vários crimes cometidos em Pinheirinho que enquadram no tipo de atrocidades julgado pelo TPI, e que consta no Estatuto de Roma. De acordo com ele, há três grandes tipos de crime que são de interesse do Tribunal:
  1. Crime de Genocídio. Este não é o caso, pois as vítimas foram escolhidas por seu lugar de residência e não por sua origem étnica, racial ou cultural.
  2. Crime de Guerra. Este tampouco é o caso. Um crime de guerra é uma atrocidade contra prisioneiros, contra civis ou contra combatentes num processo bélico, mesmo numa guerra civil, mas não é um abuso cometido em tempo de paz.
  3. Crime contra a Humanidade. O Estatuto de Roma diferencia 11 tipos de Crime contra a Humanidade, e alguém é indiciado sob este crime, se for possível autor ou inspirado de um (ou mais) deles.
No caso de Pinheirinho, nos guiando pelos depoimentos dados no 01/01/2012 na ALESP, os carrascos cometerem no mínimo quatro deles, pudendo ter cometido também outros, se fossem confirmadas acusações de homicídio que foram formuladas por alguns veículos. Transcrevo literalmente a primeira seção do artigo 7º do Estatuto de Roma sobre Crimes contra a Humanidade. Todos os grifos são meus.

Artigo 7° - Crimes contra a humanidade
1. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crime contra a humanidade", qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque:
a) Homicídio (houve?);
b) Extermínio (houve?)
c) Escravidão;
d) Deportação ou transferência forçada de uma população;
e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional;
f) Tortura;
g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável;
h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3o, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal;
i) Desaparecimento forçado de pessoas;
j) Crime de apartheid;
k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.
Segundo as pessoas que prestaram depoimento na audiência pública, caracterizaram-se as condições (e), (f) e (k). 

Várias pessoas foram aprisionadas em forma ilegal e contrária aos direitos humanos (e). Também, os golpes, ameaças e feridas, bem como o fato de ser obrigados a longas marchas sob o sol equivalem a tortura, e não são diferentes dos tormentos aplicados pelos nazistas com os prisioneiros (f). A privação de alimento e água, o fornecimento de alimento estragado, a separação dos filhos de suas famílias enquadram totalmente no inciso (k).

O ponto (d) é a essência mesma do ataque: deslocar, expulsar, transferir uma população de maneira violenta. Algumas fontes falaram de homicídios, mas não sei se houve comprovação disso. Isto entraria no ponto (a). Na audiência, falou-se de maneira explícita da desaparição de algumas crianças, pelo menos de uma. Isto estaria no inciso (i).

Quanto a extermínio (b), devem analisar-se as denúncias de que vários moradores foram privados de assistência médica e remédios.

Observe no parágrafo 2º, o comentário sobre o conceito de ataque, que caracteriza plenamente a forma em que foi conduzido o massacre de Pinheirinho, e a elucidação de outros conceitos.
2. Para efeitos do parágrafo 1°:
a) Por "ataque contra uma população civil" entende-se qualquer conduta que envolva a prática múltipla de atos referidos no parágrafo 1° contra uma população civil, de acordo com a política de um Estado ou de uma organização de praticar esses atos ou tendo em vista a prossecução dessa política;
b) O "extermínio" compreende a sujeição intencional a condições de vida, tais como a privação do acesso a alimentos ou medicamentos, com vista a causar a destruição de uma parte da população;
d) Por "deportação ou transferência à força de uma população" entende-se o deslocamento forçado de pessoas, através da expulsão ou outro ato coercivo, da zona em que se encontram;
e) Por "tortura" entende-se o ato por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são intencionalmente causados a uma pessoa que esteja sob a custódia ou o controle do acusado; este termo não compreende a dor ou os sofrimentos resultantes unicamente de sanções legais, inerentes a essas sanções ou por elas ocasionadas;
i) Por "desaparecimento forçado de pessoas" entende-se a detenção, a prisão ou o seqüestro de pessoas por um Estado ou uma organização política ou com a autorização, o apoio ou a concordância destes, seguidos de recusa a reconhecer tal estado de privação de liberdade ou a prestar qualquer informação sobre a situação ou localização dessas pessoas, com o propósito de lhes negar a proteção da lei por um prolongado período de tempo.
Observe que as pessoas que ocupavam a comunidade estavam em situação absolutamente legal. Os mandatos judiciais de expulsão são CONTRÁRIOS à LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL SOBRE O DIREITO DE MORADIA do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

(Uma cópia do compêndio destas leis junto com os principais casos no planeta foi entregue por mim ao deputado Giannazi no dia da Audiência. Seu conteúdo é muito longo para ser incluído nesta matéria.)

É bem conhecido que o TPI encontra dificuldades dos governos para julgar criminosos contra a humanidade e que se tem cingido, em geral, a grandes genocidas, como o ditador do Sudão, o ex-ditador da Líbia, os genocidas de Ruanda e Servia, etc. Entretanto, é necessário ter em conta que, apesar dos muitos casos de genocídio, o TPI está se ocupando também de Crimes contra a Humanidade. Recentemente, ONGs mexicanas denunciaram ao presidente Felipe Calderón porque sua condução da guerra contra o tráfico de entorpecentes está gerando numerosos crimes contra a humanidade.

É verdade que o número de vítimas no México por causa de ação repressiva do estado é (junto com a de Colômbia) maior que a do Brasil. Entretanto, a responsabilidade de Calderón, embora indiscutível, não é só dele mesmo, pois há cartels de droga que atuam como poder paralelo e produziram vários massacres. (Isto é diferente do Brasil, onde o chamado “crime organizado” é uma rede de gangues, enquanto no México e na Colômbia são verdadeiras sociedades criminosas com poder paralelo).

No caso de Pinheirinho, as ordens dadas pelo governo do Estado e a autorização expressa do TJSP são ações diretas em prol do massacre. Calderón talvez possa argumentar que as forças que cometeram atrocidades fugiam a seu controle, pois ele não acompanhava passo a passo as ações operacional. No caso de Pinheirinho é extremamente claro que o governo e o judiciário acompanharam todas as etapas.

Pairam dúvidas sobre as penalidades impostas pelo Tribunal e a eficiência de seu cumprimento. As condenações são as mesmas que aplica a justiça doméstica, com privação de liberdade e ordens de captura. Não são “penas simbólicas”. Pode objetar-se, porém, quem faz cumprir a pena? É verdade que Brasil é um dos estados que reconhece o TPI, mas todos somos atacados pelo seguinte preconceito: numa sociedade com um cambalacho político tão grande, as autoridades não entregariam a um tribunal internacional os representantes dessa rede.

Entretanto, se for possível obter uma ordem de captura, isto será algo mais do que uma punição moral. Os réus deveriam cuidar-se muito de não viajar a um país com um sistema jurídico sério, onde pudessem ser capturados e enviados à Holanda. As pessoas com mais de 30 anos devem lembrar quando o ditador Pinochet foi retido em Londres. Ele teria sido entregue às autoridades espanholas se não fosse pelas manipulações da então já ex-ministra Mrs. Tatcher. Mas, a liberdade do carrasco esteve por um fio.

O seguinte é o endereço do TPI. Qualquer pessoa do planeta pode enviar uma denúncia, mas o peso será maior se a denúncia for assinada por um conjunto de instituições com representação popular, e com base num dossiê onde os crimes estejam perfeitamente relatados e comprovados. Neste caso, isso será fácil, porque o mesmo dossiê enviado à CIDH pode ser usado, acrescentando detalhes sobre por que as pessoas denunciadas são as de maior responsabilidade.
TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
INFORMAÇÃO AND EVIDENCE UNITS
OFFICE OF THE PROSECUTOR
POST-OFFICE 19519
2500 CM HAIA
HOLANDA
O Promotor Principal é Luis Moreno Ocampo, que trabalhou em 1985 como promotor adjunto na causa contra os crimes de lesa humanidade da ditadura argentina, e possui uma boa intuição do que significa sofrer atos atrozes.

As pessoas envolvidas no caso demonstraram ontem grande indignação. Nunca devemos pensar que a indignação legítima é produto de sentimentos momentâneos. A sociedade brasileira e, especialmente, a paulista, tem a possibilidade de prevenir um massacre de dimensões incalculáveis. Ante qualquer hesitação ingênua sobre a  bondade  dos carrascos, façamo-nos esta pergunta:
QUANTAS VÍTIMAS JÁ FIZERAM O OPUS DEI E SEUS ANTECESSORES HISTÓRICOS (O FASCISMO ESPANHOL E A INQUISIÇÃO)?
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