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30.4.08

1968, O RENASCER DAS CINZAS E O HOMEM NOVO

“O anseio meu nunca mais vai ser só
Procura ser da forma mais precisa
O que preciso for
Pra convencer a toda gente
Que no amor e só no amor
Há de nascer o homem de amanhã”
(Geraldo Vandré, "Bonita")


O ideário político dos contestadores de 1968 é pouco lembrado e menos ainda reverenciado, já que não convém aos que hoje confrontam o capitalismo e suas inúmeras mazelas (desigualdade social, ganância e competição exacerbadas, parasitismo, mau aproveitamento do potencial produtivo que hoje seria suficiente para proporcionar-se uma existência digna a cada habitante do planeta, danos ecológicos, etc.) a partir de posições mais ortodoxas.

Nas barricadas parisienses, gritando slogans como “a imaginação no poder” e “é proibido proibir”, muitos estudantes erguiam as bandeiras negras do anarquismo, que marcara forte presença nos movimentos revolucionários do século 19, mas havia perdido terreno desde a vitória do bolchevismo em 1917.

A tentativa de construção do socialismo em países isolados e economicamente atrasados já se evidenciava desastrosa, por degenerar em totalitarismo. A URSS e seus satélites, bem como a China e Cuba, sacrificavam uma das principais bandeiras históricas das esquerdas, a liberdade, para priorizarem a outra, a igualdade.

E nem a esta última conseguiam ser totalmente fiéis. Propiciavam, sim, melhoras materiais significativas para os trabalhadores, mas nem de longe extinguiram os privilégios, tornando-os até mais afrontosos ao substituírem as antigas classes dominantes por odiosas nomenklaturas (as camadas dirigentes do partido único e as burocracias governamentais, que se interpenetravam e coincidiam na justificativa/imposição de seu status de mais iguais).

O desencanto dos jovens europeus com o socialismo real se somou à constatação de que o proletariado industrial das nações prósperas se tornara baluarte, e não inimigo, do capitalismo. Seduzido pelos avanços econômicos que vinha obtendo, preferia tentar ampliá-los do que apostar suas fichas numa transformação radical da sociedade. Ou seja, face à célebre alternativa de Rosa Luxemburgo – reforma ou revolução? – os aristocratizados operários do 1º mundo optaram pela primeira, como Edouard Bernstein previra.

Em termos teóricos, o filósofo Herbert Marcuse já dissecara tanto o desvirtuamento do marxismo soviético quanto a transformação do capitalismo avançado num sistema impermeável à mudança, a partir da sedução do consumo, da eficiência tecnológica e da influência atordoante da indústria cultural, que estava engendrando um homem unidimensional (incapaz de exercer o pensamento crítico).

Foi ele a grande inspiração dos jovens contestadores de 1968, mesmo porque praticamente augurara sua entrada em cena, assumindo o papel de vanguarda que o proletariado deixara vago.

Para Marcuse, somente os descontentes com a sociedade (pós) industrial – intelectuais, estudantes, boêmios, poetas, beatniks e demais outsiders – perceberiam seu totalitarismo intrínseco e seriam capazes de revoltar-se contra ela. Os demais, partícipes do sistema como produtores e consumidores, seguiriam mesmerizados por sua racionalidade perversa.

O diagnóstico de Marcuse acabaria sendo melancolicamente confirmado quando esses descontentes colocaram a revolução nas ruas de Paris e o proletariado lhes voltou as costas, preferindo arrancar pequenas concessões de De Gaulle do que apeá-lo do poder. O Partido Comunista Francês, quem diria, desempenhou papel decisivo na manutenção do status quo, ajudando a salvar o capitalismo na França.

Mas, o esmagamento das primaveras de Paris e de Praga não conteve o impulso dessa nova maré revolucionária, que continuou pipocando nos vários continentes, com especial destaque para a contracultura e o repúdio à Guerra do Vietnã por parte da juventude estadunidense.

Foi, principalmente, nos EUA que os novos anarquistas se lançaram à criação de comunidades urbanas e rurais para praticarem um novo estilo de vida, solidário e livre. Substituíam os antigos laços familiares pela comunhão grupal – ou, como diziam, tribal – e dividiam fraternalmente as tarefas relativas à sua sobrevivência, tal como sucedia nas colônias cecílias de outrora.

A idéia era a de irem expandindo a rede de territórios livres até que engolfassem toda a sociedade. Então, em vez de colocarem a tomada do poder como ponto-de-partida para as transformações sociais, deflagradas de cima para baixo, eles pretendiam expandir horizontalmente seu modelo, pelo exemplo e adesão voluntária (nunca pela coerção!), até que se tornasse dominante.

Acreditavam que, descaracterizando seus ideais para conquistarem os podres poderes, os revolucionários acabavam sendo mudados pelo mundo antes de conseguirem mudar o mundo. Então, era preciso que ambos os processos ocorressem simultaneamente: deveriam construir-se como homens novos à medida que fossem construindo a sociedade nova.

Esse anarquismo renascido das cinzas e atualizado foi o último grande referencial revolucionário do nosso tempo, daí despertar até hoje a simpatia dos jovens que buscam a saída do inferno pamonha do capitalismo (uma definição antológica do Paulo Francis!) e a ojeriza daquela esquerda que ainda se restringe aos projetos de conquista do poder político.

A questão é se, como em outras circunstâncias históricas, a maré revolucionária será novamente retomada a partir do último ápice atingido (mesmo que com intervalo de décadas entre os dois ascensos).

Os artistas, antenas da raça, crêem que sim. Desde o genial cineasta suíço Alain Tanner (Jonas, Que Terá 25 Anos no Ano 2000), para quem as vertentes e tendências de 1968 voltarão a confluir, reatando-se os fios da História, até nosso saudoso Raul Seixas, que nos aconselhava a tentarmos outra vez e tantas vezes quantas fossem necessárias, não dando ouvidos às pregações tendenciosas da mídia contra a geração das flores e das barricadas.

Esta digressão, que começou citando uma pungente canção de Vandré, merece ser encerrada com um desabafo, que talvez venha a se revelar profético, do bravo guerreiro Raulzito (em “Cachorro Urubu”): “Todo jornal que eu leio/ Me diz que a gente já era/ Que já não é mais primavera/ Oh baby, oh baby,/ A gente ainda nem começou”.

Celso Lungaretti, 57 anos, é jornalista e escritor. Mais artigos em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/

23.4.08

SOBRE MENINAS E ABUTRES

Celso Lungaretti (*)

Se o comissário Maigret, mestre em desvendar crimes a partir de um profundo conhecimento das motivações e fraquezas humanas, se pusesse a investigar o caso Isabella, sua conclusão provável seria de que a menina houvera sido vitimada pelo descontrole emocional da madrasta, com o pai tentando, canhestramente, acobertar a companheira.

E, com seu olhar compassivo para os seres humanos, mestre Georges Simenon decerto fecharia em clima melancólico essa novela de personagens destruídos num momento de fúria e reações insensatas. Não o primitivismo vingativo do “olho por olho, dente por dente”, mas o lamento civilizado pelo sofrimento inútil que os homens infligem a si mesmos.

Maigret cumpriria com pesar sua obrigação de entregar o imaturo casal à Justiça. Mas, decerto, seu sentimento seria bem outro em relação aos abutres que ultrapassam todos os limites da dignidade e do decoro para utilizar uma tragédia em benefício próprio.

O comportamento da imprensa neste episódio foi o de oferecer a dor extrema de algumas pessoas como espetáculo para a coletividade, sem jamais levar em consideração os efeitos que isso provocaria: desde os traumas causados em outras crianças cujos pais são separados até a possibilidade de que as turbas por ela incitadas linchassem os suspeitos ou se ferissem na tentativa. Revirou o lixo e emporcalhou-se com o sangue.

Além disso, ao persuadir maus agentes do Estado a vazarem laudos técnicos e depoimentos que estavam sob segredo de Justiça, trombeteando-os nos jornais nacionais, inviabilizou um julgamento justo, já que a opinião pública foi levada a condenar previamente os réus.

Nossa polícia sempre teve vezo autoritário, atuando mais como força repressiva e punitiva. Seus inquéritos tendem a ser peças de acusação e para a acusação, com o objetivo implícito de convencer promotores a denunciarem os suspeitos.

O espaço de atuação da defesa é a fase judicial, quando tenta desmontar a peça acusatória. Revelar prematuramente seus trunfos pode ser fatal para os advogados, que precisam contrabalançar nos tribunais a tendenciosidade com que muitas investigações policiais são realizadas.

Então, se a investigação policial é escancarada para o público, os pratos da Justiça se desequilibram, pois a defesa fica seriamente prejudicada e até (como neste episódio) praticamente inviabilizada.

A polícia substitui a promotoria, a opinião pública toma o lugar do tribunal e a malta está sempre pronta para cumprir a função do carrasco. Quando, além de tudo, esse rolo compressor leva a uma falsa conclusão, inocentes são esmagados, como no caso da Escola-Base.

Há algo de podre num país em que filmes justificam a tortura e a mídia contribui para submeter a Justiça à voz das ruas, por ela manipulada e arregimentada.

Não se sabe aonde este processo chegará, mas salta aos olhos que marcha na contramão da democracia brasileira, a tanto custo restabelecida.

· Celso Lungaretti, 57 anos, é jornalista e escritor. Mais artigos em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/

17.4.08

TIRADENTES, O REVOLUCIONÁRIO

“Brecht cantou: ‘Feliz é o povo que não tem heróis’.
Concordo. Porém nós não somos um povo feliz. Por
isso precisamos de heróis. Precisamos de Tiradentes.”
(Augusto Boal, “Quixotes e Heróis”)

Será que os brasileiros sentem mesmo necessidade de heróis, salvo como temas dos intermináveis e intragáveis sambas-enredo? É discutível.

Os heróis são a personificação das virtudes de um povo que alcançou ou está buscando sua afirmação. Encarnam a vontade nacional. Já os brasileiros, parafraseando o que Marx disse sobre camponeses, constituem tanto um povo quanto as batatas reunidas num saco constituem um saco de batatas...

O traço mais característico da nossa formação é a subserviência face aos poderosos de plantão. Os episódios de resistência à tirania foram isolados e trágicos, já que nunca obtiveram adesões numericamente expressivas.

Demoramos mais de três séculos para nos livrarmos do jugo de uma nação minúscula, como um Gulliver imobilizado por um único liliputiano. E o fizemos da forma mais vexatória, apelando ao príncipe estrangeiro para que tirasse as castanhas do fogo em nosso lugar, depois de assistirmos impassíveis à execução e esquartejamento de nosso maior libertário.

Da mesma forma, o fim da escravidão só se deu por graça palaciana e quando se tornara economicamente desvantajosa. Antes, os valorosos guerreiros de Palmares haviam sucumbido à guerra de extermínio movida pelo bandeirante Domingos Jorge Velho, que merecidamente passou à História como um dos maiores assassinos do Brasil.

E foi também pela porta dos fundos que nosso país entrou na era republicana e saiu das duas ditaduras do século passado (a de Vargas terminou por pressões estadunidenses e a dos militares, por esgotamento do modelo político-econômico). Todas as grandes mudanças positivas acabaram se processando via pactos firmados no seio das elites, com a população excluída ou reduzida ao papel de coadjuvante que aplaude.

É verdade que houve fugazes despertares da cidadania, como em 1961, quando a resistência encabeçada por Leonel Brizola conseguiu frustrar o golpe de estado tentado pelas mesmas forças que seriam bem-sucedidas três anos mais tarde; em 1984, com a inesquecível campanha das “diretas-já”, infelizmente desmobilizada depois da rejeição da Emenda Dante de Oliveira, com o poder de decisão voltando para os gabinetes e colégios eleitorais; e em 1992, quando os caras-pintadas foram à luta para forçar o afastamento do presidente Fernando Collor.

Nessas três ocasiões, a vontade das ruas alterou momentaneamente o rumo dos acontecimentos, mas os poderosos realizaram manobras hábeis para retomar o controle da situação. Rupturas abertas, entre nós, só vingaram as negativas.

Vai daí que, em vez de heróis altaneiros, os infantilizados brasileiros são carentes mesmo é de figuras protetoras, dos coronéis nordestinos aos padins Ciços da vida, com especial ênfase em pais dos pobres tipo Getúlio Vargas e Luiz Inácio Lula da Silva.

Então, Zumbi dos Palmares, Tiradentes, Frei Caneca, Carlos Marighella, Carlos Lamarca e outros dessa estirpe jamais serão unanimidade nacional, como Giuseppe Garibaldi na Itália ou Simon Bolívar para os hermanos sul-americanos.

O 21 de abril é um dos menos festejados de nossos feriados. E o próprio conteúdo revolucionário de Tiradentes é escamoteado pela História Oficial, que o apresenta mais como um Cristo (começando pelas imagens falseadas de sua execução, já que não estava barbudo e cabeludo ao marchar para o cadafalso) do que como transformador da realidade.

Então, vale mais uma citação do artigo que Boal escreveu quando do lançamento da antológica peça Arena Conta Tiradentes, em 1967: “Tiradentes foi revolucionário no seu momento como o seria em outros momentos, inclusive no nosso. Pretendia, ainda que romanticamente, a derrubada de um regime de opressão e desejava substitui-lo por outro, mais capaz de promover a felicidade do seu povo. (...) No entanto, este comportamento essencial ao herói é esbatido e, em seu lugar, prioritariamente, surge o sofrimento na forca, a aceitação da culpa, a singeleza com que beijava o crucifixo na caminhada pelas ruas com baraço e pregação (...) O mito está mistificado”.

Quando o povo brasileiro estiver suficientemente amadurecido para tomar em mãos seu destino, decerto encontrará no revolucionário Tiradentes uma das maiores inspirações.

13.4.08

TORTURADOR E ASSASSINO

É o chamado óbvio ululante: torturadores seriais, atuando em órgãos de repressão mais afeitos à brutalidade do que à sofisticação (como os da da ditadura militar de 1964/85), tendiam a tornar-se também assassinos, seja por descontrole emocional, seja em razão de "acidentes de trabalho".

Então, Carlos Alberto Brilhante Ustra, que já está em vias de ser oficialmente declarado "torturador", deverá passar à História também como "assassino", a partir de nova ação que começou a tramitar na Justiça de São Paulo.

Tudo indica que vá se tornar um caso único de cidadão cuja condição de torturador e assassino, embora reconhecida pela Justiça, será desacompanhada de punição pelos crimes que cometeu.

Mas, o opróbrio talvez seja o pior castigo para quem teme tanto o veredicto implacável da História, que dele tentou escapar escrevendo livros torpes para denegrir suas vítimas. Em vão: só ingênuos e rancorosos acreditam nas versões de carrascos.

Seguem trechos da notícia "Justiça acolhe ação contra coronel acusado de tortura na ditadura", publicada na Folha de S. Paulo de 13/04/2008, de autoria do repórter Rubens Valente.

"O juiz Carlos Henrique Abrão, da 42ª Vara Cível de São Paulo, acolheu o pedido de abertura de uma ação que pretende declarar a responsabilidade do coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, 75, pela morte do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, aos 23 anos, em julho de 1971, no interior do DOI (Destacamento de Operações de Informações), unidade do Exército localizada na rua Tutóia, na capital paulista.

"É a segunda vez, desde o fim da ditadura (1964-1985), que a Justiça brasileira aceita averiguar atos específicos de um oficial durante o regime.

"No primeiro processo, aberto no ano de 2005, Ustra também foi acusado de responsabilidade por supostas torturas no DOI. Movida por cinco membros de uma mesma família (Maria Amélia de Almeida Teles, César Augusto Teles, Janaína de Almeida Teles, Edson Luiz de Almeida Teles e Criméia Alice Schmidt de Almeida), a ação tramita.

"Luiz Merlino, que trabalhou na Folha da Tarde, do Grupo Folha, e no Jornal da Tarde, era membro do POC (Partido Operário Comunista), grupo que, em determinado momento dos anos 60/70, passou a apoiar a luta armada contra a ditadura. Contudo, ele nunca foi acusado formalmente pelos militares de participar de alguma ação armada. Foi preso em Santos (SP), poucos dias após voltar de uma viagem à França, onde passara cerca de seis meses em conversas com dirigentes comunistas franceses.

"Segundo depoimentos de ex-presos políticos, Merlino morreu em decorrência de uma sessão de tortura que se prolongou por várias horas num pau-de-arara (em que a vítima é obrigada a ficar com as pernas e os braços amarrados e dobrados). A versão oficial divulgada pelo DOI à época foi de 'suicídio' - Merlino teria se jogado na frente de um caminhão. A missa de sétimo dia da morte de Merlino reuniu cerca de 770 jornalistas na catedral da Sé, segundo a imprensa da época.

"A nova ação judicial contra Ustra foi movida pela cientista social Angela Maria Mendes de Almeida, 69, que foi mulher de Merlino, e pela irmã do jornalista, Regina Maria Merlino Dias de Almeida, 64.

"'O único objetivo é que se tenha toda a verdade, o que realmente aconteceu com o meu irmão, que foi assassinado em torturas bárbaras na época da ditadura. A verdade, a retratação', disse Regina, que nega a intenção de posteriormente buscar reparação financeira.

"A decisão do juiz, tomada no último dia 4, põe em xeque a aplicação da Lei da Anistia, datada de 1979. Segundo Abrão, 'o assunto não trata de privilégio decorrente da lei de anistia, mas disciplina ação de natureza imprescritível'.

"Ustra (...) foi um dos mais destacados oficiais da ditadura nos embates com a esquerda. Após chefiar o DOI paulista, foi chefe da seção de operações do poderoso CIE (Centro de Informações do Exército), em Brasília.

"No período em que comandou o DOI, entre 1970 e 1974, passaram por suas mãos cerca de 2.000 presos (...). Segundo documento divulgado pela Folha no ano 2000, 47 militantes políticos presos pelo DOI haviam sido mortos até junho de 1975. A unidade havia prendido 2.355 pessoas."

9.4.08

HÁ ESPERANÇA

Celso Lungaretti (*)

Quarenta anos depois, pouca coisa mudou.

Temos, como em 1968, universidades públicas que não cumprem sua missão primeira, de formarem cidadãos capazes de refletir sobre a realidade em que vivem e nela interferirem de forma positiva, beneficiando a coletividade.

Antes elas forjavam os quadros dirigentes da elite, agora o pessoal especializado que mantém o sistema funcionando – sempre colocadas a serviço da classe dominante e não da sociedade como um todo (o que seria a justificativa de sua existência, caso contrário os contribuintes estarão sendo lesados).

Pode-se dizer que houve até uma involução, pois, quatro décadas atrás, o ensino superior pelo menos procurava dotar os alunos de conhecimentos globalizantes e um mínimo de raciocínio crítico; agora, a ênfase é toda no aprendizado acrítico de profissões, de forma que delas saem meros apertadores de parafuso com diploma acadêmico. Para se desincumbirem dessa função menor, bastariam os liceus de artes e ofícios.

Também não mudaram os reitores e hierarcas acadêmicos, recorrendo à pompa e ao autoritarismo para tentarem evitar que se perceba sua nudez: fingem-se de sacerdotes do saber, mas não passam dos gerentes de uma linha de montagem.

E, como todos os farsantes, esmeram-se nas ilusões, comprando as penas mais suntuosas para pavonear-se... à custa do Erário.

Então, não é por acaso que os jovens de 2008 voltam a trilhar os caminhos da geração 68. Os mesmos sonhos os embalaram e a mesma frustração os acometeu. Lutaram muito para chegar aonde estão e percebem que terão de lutar mais ainda para que a universidade seja realmente universidade.

Independentemente das circunstâncias de cada episódio, são merecedores de nosso total apoio os universitários que estão reerguendo movimento estudantil em todo o País – e, particularmente, os valorosos jovens da Universidade de Brasília, santos guerreiros que estão enfrentando o mais patético e desmoralizado dos dragões da maldade.

Correm o risco de sofrer uma ação policial por conta de um mandado de reintegração de posse que, atendendo à letra da lei, é um atentado grotesco contra o espírito da justiça: se as instituições funcionassem no Brasil, há muito o magnífico dilapidador dos recursos públicos teria sido botinado da reitoria – pela porta dos fundos!

Há alguma coisa de podre num país em que a lei mais parece contrariar do que concretizar a justiça.

Mas, nem tudo está perdido: depois de tantos mares de lama e escândalos impunes, é alentador vermos que a juventude voltou a travar as boas lutas.

Há esperança.

· Celso Lungaretti, 57 anos, é jornalista e escritor. Mais artigos em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/

6.4.08

REGISTRO: COMISSÃO DE ANISTIA PISA NA BOLA

TRISTE E LAMENTÁVEL

Quando estava travando uma luta pública por minha anistia, cansei de denunciar os favorecimentos a celebridades.

Infelizmente, essa obsessão por holofotes continua existindo e causando (paradoxalmente...) uma má imagem para um programa que, no geral, é sério e consistente.

As exceções, entretanto, são de lascar -- e os reacionários deitam e rolam em cima delas.

No caso dos jornalistas que acabam de ter seus casos julgados pela Comissão de Anistia, há alguns que perderam empregos, passaram algumas semanas na prisão (sem serem torturados) e enfrentaram dificuldades momentâneas.

No entanto, como posteriormente reataram carreiras de sucesso, jamais deveriam receber pensões mensais vitalícias e as indenizações retroativas correspondentes.

Seria, DE ACORDO COM AS PRÓPRIAS REGRAS DO PROGRAMA e também seguindo o senso comum, caso de mera indenização em parcela única.

A Comissão de Anistia foi instituída pelo Ministério da Justiça, assim como a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. A última, que já encerrou seus trabalhos, tinha como teto a quantia de R$ 150 mil, paga de uma só vez.

ENTÃO, É INACEITÁVEL QUE OS VETERANOS DO "PASQUIM" RECEBAM PENSÕES AO REDOR R$ 4,5 MIL E RETROATIVOS DE ATÉ R$ 1 MILHÃO POR ATRIBULAÇÕES PASSAGEIRAS, ENQUANTO FAMÍLIAS QUE PERDERAM SEUS ARRIMOS TIVERAM DE SE CONTENTAR COM, NO MÁXIMO, R$ 150 MIL!!!

Causa-me muita tristeza vir aqui dizer isto. Mas, eu nunca me omito. Continuarei sempre defendendo os fundamentos do programa e criticando os erros e abusos na sua implementação.

Afora valores, houve outro absurdo, que ninguém notou: resolveu-se fazer um julgamento em bloco de jornalistas, para atrair cobertura de mídia. Com isto, SEM DÚVIDA, alguns desses jornalistas foram passados arbitrariamente à frente de reclamantes que estão esperando há anos e anos na fila imensa.

Caso do meu antigo companheiro de VPR Gilson Theodoro de Oliveira, cujo pedido foi protocolado em fevereiro/2002. Ele chegou a passar necessidade e a andar até 30 km por dia arrastando um carrinho de camelô, já cinquentão, para botar comida na mesa de sua casa.

Enfim, é ponto pacífico que os veteranos do "Pasquim" merecem alguma reparação, mas deve-se questionar esse tratamento vip para celebridades e essa espetacularização de um trabalho que deveria ser desenvolvido com discrição e dignidade.

Até 2010, a Comissão pretende levar seus julgamentos a 60 locais diferentes, no Brasil e no exterior, como se fossem juizados itinerantes. Um auê em cada praça. O que atiçará a extrema-direita, dando-lhe munição para propaganda e motivo para protestos públicos.

Em Brasília, os fascistas não ousaram até hoje fazer alguma manifestação de rua. Em cidades menores, essa hipótese se torna bem mais concreta -- vide os municípios que andam homenageando torturadores. Segundo o companheiro Ivan Seixas, a barra anda pesada no interior de SP, com muitas articulações similares ao finado "Cansei".

Não vejo vantagem nenhuma para nós nessa "caravana rolidai". Melhor a Comissão faria se agilizasse os julgamentos, pois há companheiros morrendo sem terem a satisfação de ver seu sacrifício reconhecido, nem o alívio de deixarem um pecúlio para sua família.

P.S.: texto montado a partir de posts que escrevi para duas comunidades do Orkut e incluído aqui como registro. O assunto não justifica um artigo, mas essas lambanças não devem passar em branco. São demasiado prejudiciais para quem defende as práticas civilizadas.

3.4.08

A AMEAÇA DO QUEREMISMO

Celso Lungaretti (*)

Foi um balão de ensaio ou mera trapalhada do vice-presidente José Alencar? O certo é que ele deu à rádio Bandeirantes uma declaração das mais apropriadas para o lançamento de uma campanha queremista: “O Lula tem feito muito, mas ainda falta muito por fazer. Eu digo para você, eu sou democrata. Nós não aceitamos outra coisa que não seja democracia. O Lula deseja fazer o seu sucessor. Mas eu digo para você que, se perguntarem aos brasileiros, o que os brasileiros desejam é que o Lula fique mais tempo no poder".

Ora, nada impede que os seguidores dos dois democratas apresentem uma proposta de emenda constitucional no sentido de que seja permitida outra reeleição – ou até mais, como nos clubes de futebol.

De que esta é uma aspiração inconfessa de alguns círculos palacianos, não há dúvida. Há poucos meses, p. ex., o deputado Devanir Ribeiro (PT-SP) andou articulando uma emenda que visava outorgar ao presidente autonomia para convocar plebiscitos, inclusive um sobre o terceiro mandato.

Lula disse preferir que as regras do jogo fossem respeitadas: tentaria eleger Dilma Rousseff em 2010 e a si próprio em 2014. Mas, a revelação dos maus feitos de seus arapongas pode ter tornado Dilma uma má candidata, ensejando uma mudança de planos. Afinal, quem poderia substituí-la a esta altura, depois do estrago que os escândalos recentes causaram à imagem dos demais presidenciáveis do partido?

De que Lula seria facilmente reeleito, também não há dúvida. Os brasileiros têm essa carência por homens providenciais, em cujas mãos depositam humildemente seu destino. Assim foi com Getúlio Vargas, a quem preferiam ver como o pai dos pobres do que como o ditador que seguia os passos de Mussolini.

O pouco que Vargas fez – dar aos trabalhadores garantias mínimas para o exercício de suas profissões – foi muito para quem era tratado a pontapés pelas oligarquias dominantes.

Da mesma forma, Lula, ajudado por uma conjuntura favorável da economia mundial, alçou mais de 20 milhões de brasileiros das classes D e E para a C. Essa gente sofrida dos grotões e periferias é quase invisível para os formadores de opinião, mas decide eleições.

Getúlio dominou a cena política brasileira de 1930 a 1954. Só foi apeado do poder em 1945 por força das pressões externas, já que os EUA não admitiam, no seu quintal, a permanência de ditadores similares aos que haviam acabado de derrotar na Europa. Por conta disso, Vargas e Perón foram desalojados, para voltarem depois nos braços do povo. De quebra, o primeiro elegeu um poste (Eurico Gaspar Dutra) como seu sucessor, em 1945.

Deixando-se picar pela mosca azul, Lula também poderá eternizar-se no poder. Via emenda constitucional ou plebiscito, tem como legalizar seu terceiro mandato e quantos mais lhe aprouverem.

No entanto, ao aproveitar-se do apoio popular para inviabilizar a alternância no poder, estaria indo contra o espírito da democracia.

Bancadas fisiológicas aprovam qualquer coisa, casuísmos não chocam ninguém no Brasil, as grandes massas lhe-são tão fiéis como o eram a Getúlio. Mas, deixar os adversários num beco-sem-saída pela via democrática nunca é uma postura sábia: implica tangê-los todos para o golpismo.

Foi assim que Vargas perdeu a vida. Torçamos para que Lula resista à tentação de dar um passo que tende a ser desastroso para si e para o País.

Os áulicos zelam mesmo é pelos próprios interesses. Há valores bem maiores em jogo.

· Celso Lungaretti, 57 anos, é jornalista e escritor. Mais artigos em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/
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