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23.9.08

"DEMOCRACIA INSTANTÂNEA" É UMA FALÁCIA PERIGOSA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem 68,8% de avaliação positiva. 44,1% dos eleitores admitiram a possibilidade de votar no candidato por ele apoiado ou indicado. 15,5% votarão incondicionalmente no candidato por ele apoiado ou indicado.

Estes dados de uma pesquisa de opinião constituem o principal fato político da semana, se fiarmo-nos nos critérios da grande imprensa. São repetidos à exaustão e levados em conta na maioria das análises do quadro nacional, o que, como num círculo vicioso, faz aumentar ainda mais a popularidade presidencial.

Poucos se dão conta de que a democracia nasceu com os cidadãos decidindo periodicamente os assuntos relevantes por meio de votações em praça pública e hoje é exercida com os cidadãos colocando periodicamente seus votos em urnas.

A democracia instantânea é uma falácia perigosa, engendrada pela influência mesmerizante da indústria cultural. Pega o flagrante de um momento e lhe confere importância desmesurada, o que acaba por gerar conseqüências sobre os momentos seguintes.

Afora a possibilidade de que os resultados de uma pesquisa de opinião estejam sendo adequados aos interesses do contratante – como aconteceu no passado e nada impede que possa repetir-se no presente –, há outras formas de manipulação, mais sutis, a considerarmos, como a da própria formulação das questões.

A tal pesquisa responsável pela onda de euforia lulista indagou, p. ex., se os entrevistados, nas próximas eleições, votariam nos candidatos do governo para a continuidade dos programas sociais (75,3% disseram que sim). Ora, como não existe evidência nenhuma de que os candidatos oposicionistas extinguiriam os programas sociais, muito pelo contrário, verifica-se que a forma como foi redigida a pergunta está direcionando as respostas, não só a esta questão, como às demais.

E há o aspecto do timing: se a amostra for colhida num dia em que está em grande evidência um fato positivo para as finanças pessoais dos cidadãos, aumenta em muito a chance de constatar-se um estado de ânimo situacionista, enquanto os momentos de crise econômica adubam a rejeição a quem está no poder.

A época atual é pródiga em conclusões precipitadas: num dia, o noticiário nos faz crer que estamos às vésperas de outra sexta-feira negra, como a de 1929, que prenunciou uma década inteira de vacas magras; no outro dia, garante-nos que o rebate foi falso e as providências adotadas pelos Bancos Centrais evitarão o pior; no terceiro dia, o otimismo arrefece, dando lugar a novas apreensões; e assim por diante, numa verdadeira ciranda infernal.

Então, a escolha do momento certo para colher a amostra tem importância estratégica. Idem, a orientação político-ideológica de quem repercutirá os resultados da pesquisa, ou seja, principalmente a grande imprensa.

O poder maximiza o poder. Quem tem recursos para encomendar pesquisas e influencia sobre a caixa de ressonância (a mídia), está com meio caminho andado para obter o que quer.

É claro que precisa haver um mínimo de correspondência entre a percepção espontânea das pessoas e o peixe que se quer vender a elas.

No caso atual, a sensação é de que houve um pequeno aumento de poder aquisitivo dos mais humildes.

Um sem-número de analistas já discorreu sobre o assunto, então evitarei chover no molhado. O fato é que existe mesmo uma melhora econômica, a qual, entretanto, poderia ser bem mais significativa.

É a indústria cultural que, em última análise, amplifica o aspecto positivo (hoje a situação material está melhor que ontem) ou o negativo (a situação material poderia ser muito melhor que a de ontem, não fossem as chances desperdiçadas).

Não nos iludamos: a democracia instantânea é uma terrível ameaça à verdadeira democracia, pois influencia acontecimentos e gera conseqüências a partir de estados de espírito momentâneos e altamente manipulados pela indústria cultural.

Então, depois do carnaval, no pior sentido possível, que a mídia promoveu a partir de uma ocorrência policial, fez-se uma pesquisa de opinião e se constatou que o cidadão comum estaria ansiando por maior rigor policial e admitindo a tortura dos suspeitos.

Aonde isso nos leva? À barbárie, claro, se continuarmos a trilhar cegamente esse caminho. Daí a relevância da advertência lançada pelo jurista Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, ex-presidente da OAB e antigo secretário estadual da Justiça e da Segurança Pública (SP), no artigo “A sociedade precisa ser alertada” (Folha de S. Paulo, 23/09/2008):

– Os excessos que temos visto na luta contra o crime não são percebidos pela sociedade, que não conhece as leis nem os princípios constitucionais e crê no que é divulgado pela mídia. (...) Essas violações aos direitos individuais precisam ser denunciadas, para que não sejam louvadas por uma sociedade que as ignora e que desconhece os riscos que elas representam. Esse é o outro lado de uma questão que vem sendo posta de forma parcial e maniqueísta.

Há todo um empenho em reduzir o homem comum a mero joguete dos poderosos, que compra celulares e escolhe candidatos a cargos eletivos da mesma forma, a partir de impulsos induzidos por uma propaganda cada vez mais engenhosa e enganosa, que hoje vai muito além das inserções publicitárias.

Mas, a vida não é um eterno reality show – por mais que tentem tangê-la nesta direção os que gostariam de manipular os acontecimentos tão facilmente como manipulam os resultados das votações do Big Brother Brasil, selecionando para apresentação em horário nobre os bons momentos dos candidatos que querem ver mantidos e os tropeções dos que querem ver eliminados.

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