PESQUISAR ESTE BLOGUE

27.1.14

TEORIAS CONSPIRATÓRIAS PALACIANAS OMITEM ONDE REALMENTE MORA O PERIGO

A AES, cuja concessão para distribuir energia elétrica em São Paulo há muito deveria ter sido extinta por não estar honrando os compromissos assumidos, deixou, pela enésima vez, a principal cidade da América do Sul às escuras na semana passada (vide aqui). E se isto voltar a acontecer durante a Copa, expondo-nos a ridículo mundial?

Anteontem (25/01), a Polícia Militar de São Paulo novamente baleou um civil sem justificativa aceitável, colocando-o em coma. A alegação de que o coitado ameaçava um soldado com estilete é risível e é a de sempre; desde a ditadura militar, a PM de SP é mundialmente conhecida como uma corporação que maquila execuções em autodefesa, tendo inclusive sido, por este motivo, energicamente recriminada pela ONU (que recomendou sua extinção, conforme pode ser visto aqui).

E se manifestantes forem barbarizados durante a Copa, para os repórteres do mundo inteiro relatarem e os fotógrafos do mundo inteiro fotografarem?

O perigo aumenta com a cartilha repressiva lançada sorrateiramente pelo ministro da Defesa no finalzinho de 2013 (vide aqui), abrindo a possibilidade de que as Forças Armadas venham a ser acionadas para reprimir black blocsindignados e rolezeiros. Aí as mortes de civis serão praticamente uma certeza; faz parte da cultura militar esmagar o inimigo, o que é catastrófico quando se lida com cidadãos do próprio país. Deus nos acuda!

A rede virtual petista propaga incessantemente teorias da conspiração relativas ao Mundial; parte sempre do pressuposto de que o inferno são os outros. 

Mas, o maior risco de avacalhação provém dos péssimos serviços prestados aos brasileiros pelos governos e pelas companhias privatizadas.

E o maior risco de desastre total, da truculência dos efetivos policiais que tentarão sufocar violentamente as manifestações de desagrado, ao invés de administrarem o problema com um mínimo de sensatez.  

De tudo que de ruim poderá acontecer, o pior vai ser se fardados assassinarem civis, horrorizando as pessoas civilizadas de países cuja tradição não é autoritária como a nossa.

As principais ameaças à Copa não vêm, portanto, das ruas, mas sim dos gabinetes em que omissos se omitem e serpentes chocam seus ovos.

TEXTOS RECENTES DO BLOGUE NÁUFRAGO DA UTOPIA (clique p/ abrir):

26.1.14

PEDIMOS AO PT NO GOVERNO QUE NÃO TRAIA OS IDEAIS DO PT DOS PALANQUES


Na manhã deste domingo, 26, a petição on line em favor da concessão de asilo no Brasil a Edward Snowden ultrapassou a impressionante marca de 1 milhão de assinaturas, conforme pode ser constatado aqui.

É um patamar dificílimo de ser alcançado, atestando, de forma cabal, que os melhores brasileiros não engoliram as desculpas esfarrapadas do nosso governo, que tem todos os motivos para receber Snowden de braços abertos (principalmente depois que a presidenta da República e a Petrobrás se descobriram espionados pelos estadunidenses com a mais chocante sem-cerimônia ) e apenas um para não fazê-lo: seu abjeto servilismo em relação aos EUA, seu medo de represálias com que os italianos também nos ameaçaram no Caso Battisti e depois deixaram pra lá. 

Daquela vez, pagamos para ver e desmascaramos o blefe. Desta, estamos fugindo como coelhos assustados. Por quê? 

Desde a primeira ocasião em que nossas autoridades saíram vexaminosamente pela tangente, há mais de meio ano (vide aqui), tenho sido um dos mais ferrenhos defensores de um posicionamento soberano por parte do Itamaraty e de Dilma Rousseff, bem como um dos mais veementes críticos destas demonstrações de vassalagem que eu jamais, JAMAIS, esperaria de um governo do PT -mesmo levando em conta a descaracterização que o partido já sofreu relativamente à sua identidade inicial, aos ideais em nome dos quais foi fundado, em fevereiro de 1980.

Está lá no manifesto de fundação, com todas as letras:
"Os trabalhadores querem a independência nacional. Entendem que a Nação é o povo e, por isso, sabem que o país só será efetivamente independente quando o Estado for dirigido pelas massas trabalhadoras". [Se, enquanto tal dia não chega, abdicarmos das mais ínfimas afirmações de independência, que exemplo estaremos dando às massas trabalhadoras?!] 
Também está lá, preto no branco:
"O PT pretende ser uma real expressão política de todos os explorados pelo sistema capitalista. Somos um Partido dos Trabalhadores, não um partido para iludir os trabalhadores". [O que são os subterfúgios para bater a porta na cara do Snowden, se não formas de iludir os trabalhadores e todos os brasileiros ciosos da soberania nacional?]
Já somos um milhão de cidadães exigindo que, pelo menos neste caso, o PT no governo não traia os princípios trombeteados pelo PT no palanque.

Seremos muito mais, se o governo continuar se comportando como avestruz.

23.1.14

O CELSO AMORIM ESTÁ CHOCANDO O OVO DA SERPENTE

Vamos supor que você fique sabendo da existência de um manual para a intervenção das Forças Armadas em situações que não configuram, nem de longe, o enfrentamento de inimigos externos (a missão que a elas compete numa verdadeira democracia).

Um manual que contenha tópicos como estes:
  • "Operação de Garantia da Lei e da Ordem é uma operação militar conduzida pelas Forças Armadas, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, que tem por objetivo a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio... 
  • "Forças Oponentes são pessoas, grupos de pessoas ou organizações cuja atuação comprometa a preservação da ordem pública ou a incolumidade das pessoas e do patrimônio... 
  • "A decisão do emprego das Forças Armadas  na garantia da lei e da ordem compete exclusivamente ao Presidente da República, por iniciativa própria, ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais...
  • "...pode-se encontrar, dentre outros, os seguintes agentes como Forças Oponentes: a) movimentos ou organizações; c) pessoas, grupos de pessoas ou organizações atuando na forma de segmentos autônomos ou infiltrados em movimentos, entidades, instituições, organizações... 
  • "...podem-se relacionar os seguintes exemplos de situações a serem enfrentadas durante uma Operação de Garantia da Lei e da Ordem: c) bloqueio de vias públicas de circulação; d) depredação do patrimônio público e privado; e) distúrbios urbanos; f) invasão de propriedades e instalações rurais ou urbanas, públicas ou privadas; g) paralisação de atividades produtivas; h) paralisação de serviços críticos ou essenciais à população ou a setores produtivos do País; i) sabotagem nos locais de grandes eventos; e j) saques de estabelecimentos comerciais.
  • "...podem-se relacionar as seguintes ações a serem executadas durante uma Operação de Garantia da Lei e da Ordem: c) controlar vias de circulação urbanas e rurais; d) controlar distúrbios; e) controlar o movimento da população; f) desbloquear vias de circulação; h) evacuar áreas ou instalações; l) impedir o bloqueio de vias vitais para a circulação de pessoas e cargas; m) interditar áreas ou instalações em risco de ocupação; n) manter ou restabelecer a ordem pública em situações de vandalismo, desordem ou tumultos; r) prover a segurança das instalações, material e pessoal envolvido ou participante de grandes eventos; restabelecer a lei e a ordem em áreas rurais; e v) vasculhar áreas"
Você, claro, pensará tratar-se de um documento encontrado entre as imundícies da lixeira da História, originário da Alemanha de Hitler, da Itália de Mussolini, do Chile de Pinochet ou, mesmo, do Brasil de Médici.

Difícil mesmo seria você adivinhar que ele foi publicado no site do Ministério da Defesa brasileiro, no apagar das luzes de 2013, com o aval e a assinatura do ministro incumbido de defender e preservar a democracia que o País tanto sofreu para reconquistar (um senhor chamado Celso Amorim).

Parece que a paúra que lhes inspiram os indignados e a garotada dos rolezinhos, neste ano de Copa do Mundo e de eleição presidencial, está transtornando nossos governantes a ponto de eles abdicarem da mais comezinha cautela (para não falarmos do próprio instinto de sobrevivência!).

Será que não passa pela cabeça desses obtusos burocratas a possibilidade de um futuro presidente da República fazer o pior uso possível de tal cartilha de repressão ditatorial?!

Os signatários do Ato Institucional nº 5, dentre eles o Delfim Netto e o Jarbas Passarinho, também supunham que aquelas medidas totalitárias serviriam mais como espantalho, para intimidar e dissuadir os resistentes, do que para serem neles hediondamente aplicadas. Serão amaldiçoados até o final dos tempos por causa dos horrores que decorreram de suas insensatas assinaturas. 

Ai de quem escancara os portões do inferno, Amorim!


TEXTOS RECENTES DO BLOGUE NÁUFRAGO DA UTOPIA (clique p/ abrir):

21.1.14

VOLTAMOS, EM PLENO GOVERNO DO PT, A SER QUINTAL DOS EUA? É HORA DE TODOS RESPONDERMOS: "NÃO!"

"Edward Snowden desistiu de tudo para trazer à luz a operação de megaespionagem feita pelos EUA contra o Brasil e o restante do mundo inteiro. Seu passaporte foi revogado por seu próprio país e agora ele está preso em um limbo jurídico em Moscou, com um visto de um ano de duração. O Brasil, um dos principais alvos da espionagem, deveria oferecer abrigo a alguém que nos abriu os olhos para a vigilância norte-americana indiscriminada e em escala global. É hora de oferecer a Edward Snowden asilo imediato no Brasil!"

Esta é a justificativa do abaixo-assinado lançado por David Miranda, em favor do asilo de Edward Snowden no Brasil. Na manhã desta 3ª feira (21), o número de aderentes já está em 915 mil. Quem quiser colaborar para que seja atingido o objetivo de 1 milhão de signatários, clique aqui.  

Como bem disse o estimado companheiro Arthur José Poerner (um dos gigantes da resistência jornalística à ditadura militar), em mensagem que enviou ao governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, pedindo sua participação nesta cruzada:

"O ex-agente de informação Edward Snowden já é um benfeitor da Humanidade, muito mais merecedor do Prêmio Nobel da Paz do que o já agraciado presidente Obama, como o mundo inteiro começa, aos poucos, a reconhecer. E os excessos totalitários da espionagem norte-americana, que ousam violar até mesmo a privacidade da nossa presidenta da República, constituem gravíssima afronta à soberania nacional brasileira.

Não há, portanto, qualquer razão para negar ao Snowden generosa acolhida, inclusive de acordo com a histórica tradição de asilo político do Itamaraty. Seria, além disso, mais uma prova cabal de que está em pleno curso o processo de consolidação da nossa democracia. Tucídides já dizia, mais de quatro séculos antes de Cristo, que o segredo da felicidade é a liberdade; e o da liberdade, a coragem, Precisamos ter, na política externa, a mesma coragem que tivemos na resistência à ditadura".

Quanto a mim, repito a indagação que lancei há meio ano, quando o Itamaraty ignorou o primeiro apelo de Snowden ao governo brasileiro. Curta e grossa:

"Teremos voltado, em pleno governo do PT, a ser quintal dos EUA?!"

***********************

SER BOM VASSALO O QUE É? 
É VOLTAR AS COSTAS AO SNOWDEN.


Deu na imprensa: Thomas Shannon, assessor especial do secretário de Estado John Kerry, qualificou de "positiva" a decisão do governo brasileiro, de desconsiderar o pedido de asilo de Edward Snowden e a sua disposição de ajudar-nos a combater a arapongagem estadunidense, expressos na Carta ao povo do Brasil.

"Há vários sinais positivos emitidos pelo governo brasileiro, (...) chegamos a um bom ponto", acrescentou Shannon.

Realmente, o governo brasileiro agiu com sabedoria. Aquela sabedoria sobre a qual discorreu o grande Brecht:
"Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria: 
manter-se afastado dos problemas do mundo
e sem medo passar o tempo que se tem para viver na terra; 
seguir seu caminho sem violência,
pagar o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, mas esquecê-los. 
Sabedoria é isso!" 
Só faltou o verso seguinte: "Mas, eu não consigo agir assim!".

E,  por falar em Brecht e brechtianos, ocorreu-me também que a situação presente tem tudo a ver com o trecho abaixo da magistral peça Arena conta Tiradentes, que é de 1968 mas continua atualíssima:
CORINGA
Ser bom vassalo o que é?
Me responda quem souber.
CORO
Ser bom vassalo é esquecer
aquilo que a gente quer.
Ser bom vassalo é morrer.
Ser bom vassalo, quem quer?
Me responda quem quiser.
CORINGA
Só quer ser um bom vassalo,
quem vive seu bom viver,
quem explora e não é explorado,
quem tem tudo pra perder!
Em tempos idos, os bons vassalos defendiam apenas seus privilégios. Agora a coisa piorou: até os que deveriam ser contra os privilégios acabam se tornando bons vassalos, pois temem que a governabilidade seja prejudicada se entrarem em atrito com o suserano. 

Uma característica, contudo, permanece imutável: ser bom vassalo é esquecer aquilo que a gente quer. Aquilo pelo que um dia lutamos. Aquilo em nome do qual companheiros estimados morreram e sofreram.

Por último, a boa notícia (uma, pelo menos!): o texto integral de Arena conta Tiradentes acaba de ser disponibilizado neste endereço. Recomendo enfaticamente.

Para quem quiser saber mais sobre a peça, eis alguns links: primeirosegundoterceiro e quarto.

***********************

16.1.14

A VERDADE? DEIXA PRA DEPOIS DA ELEIÇÃO!

No finalzinho de 2013, os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade foram prorrogados por sete meses. Então, com o novo prazo fixado pela medida provisória, o relatório final do colegiado não mais será divulgado no próximo mês de maio, mas sim em 16 de dezembro de 2014.

Fontes palacianas atribuem a decisão da presidenta Dilma Rousseff ao seu desejo de evitar um tiroteio direita-esquerda durante a campanha presidencial -o qual, evidentemente, seria prejudicial às suas pretensões reeleitorais.

Desta vez, pelo menos, o adiamento desnecessário do desfecho não manterá um cidadão sob prisão arbitrária durante uma eternidade, como aconteceu com o Cesare Battisti. Mas, se a verdade foi colocada na dependência do calendário eleitoral, ao que mais se sujeitará?

A própria comissão criou a expectativa de que uma de suas recomendações venha a ser a revisão da Lei da Anistia, passo inicial para o Brasil acompanhar a tendência mundial e seguir a recomendação da ONU, no sentido de que não sejam deixados impunes os agentes do terrorismo de estado. Trata-se do primeiro nó que tem de ser desatado para uma punição efetiva dos torturadores.

O segundo: levar a questão novamente ao Supremo Tribunal Federal, na esperança de que mude seu entendimento sobre os habeas corpus preventivos que os carrascos concedem a si próprios em plena vigência dos regimes de exceção.

A questão é:  podemos confiar que as decisões da CNV não vão obedecer igualmente às conveniências políticas?

Como a Dilma fugiu do pedido de asilo do Edward Snowden como o diabo da cruz, sinalizando não querer de maneira nenhuma peitar os EUA, podemos supor que não quererá também peitar as viúvas da ditadura e os militares da reserva, cuja influência efetiva sobre as tropas é nenhuma, mas cujos blefes ainda provocam muita tremedeira no Palácio do Planalto.

Temo que a revisão da Lei da Anistia venha a ser recomendada pela CNV apenas na hipótese de derrota da Dilma; seria um dos vários abacaxis a serem colocados no colo do(a) sucessor(a).

E que, vitoriosa, ela não queira nem ouvir falar do assunto, com a CNV abstendo-se de causar-lhe aborrecimentos.

APOLLO NATALI E SEU TRIBUTO EMOCIONADO AO PELÉ

O Apollo Natali é um dos melhores seres humanos que conheci no jornalismo e, quiçá, na vida.

Na década de 1980, trabalhamos juntos na Agência Estado. E, quando já marchava para a aposentadoria, lá pelos seus 55 anos, tomou a temerária decisão de demitir-se para dar assistência ao pai em seu final de vida.

O FGTS foi suficiente para bancar o quase um ano que ele passou cumprindo, em tempo integral, o dever de bom filho.

Quando o óbito ocorreu, já não havia emprego à sua espera na AE, nem em redação nenhuma.

Aceitou a adversidade e lutou contra ela, trabalhando até como pedreiro e mecânico.

De quebra, realizou o antigo sonho de obter um diploma de jornalismo -- que não lhe fora necessário para o exercício da profissão sob a lei antiga.

Mesmo sem esperança nenhuma de voltar à ativa, passou quatro anos nas Faculdades São Judas Tadeu e se graduou brilhantemente.

Hoje, próximo de se tornar octogenário, ele continua se indignando com os tormentos que os poderosos infligem aos coitadezas da vida e fazendo o possível para os minorar. 

Além de destacar e apontar como exemplo às novas gerações as trajetórias que considera edificantes, como a do rei Pelé.

Tenho enorme satisfação em dar-lhe as boas vindas como colunista deste blogue.

TRIBUTO AO PELÉ

Apollo Natali

Chamem este texto sobre Pelé do que quiserem: crônica, novela, reportagem ou coisa nenhuma. É uma historinha chorosa e melosa, que fiz quando Pelé parou de jogar, em 1974. Merece ser relembrada agora que Pelé ganhou, em 2014, a Bola de Ouro honorária da Fifa. 

Esta historinha de Pelé foi distribuída em 1974 para o Brasil todo e para o mundo pelo formidável circuito da Agência Estado, onde eu trabalhava. As agencias de notícias internacionais cozinharam a matéria na ocasião e distribuíram para o mundo todo, não por ser alguma coisa genial, mas, claro, porque se tratava de Pelé. O exemplar do Diário de Bauru com a publicação que eu guardava há décadas no meu baú, se desfez nas dobras e lá a leitura da despedida de Pelé está difícil.

Assim se sentiu o mundo, choroso e meloso, quando Pelé parou. A sensação de perda foi a de um velório. Os psicanalistas explicam esse profundo sentimento de perda lembrando que são os ídolos que constroem a auto-estima dos povos e a falta de Pelé já esvaziava então a auto-estima dos brasileiros.

Pelé fez o mundo voltar os olhos para o Brasil numa época em que nosso país, que inclusive não havia ganhado nada no  futebol em termos de seleção, sendo, aos olhos do mundo, apenas uma imensa e risível plantação de bananas cheia de índios e jacarés. 

Com seus dribles, gols, gestos e força, Pelé provocou uma verdadeira comoção afetiva nos corações e as atenções se voltaram então para o Brasil. Chutando bola, Pelé ajudou o Brasil e o time do Santos a conquistar títulos há muito sonhados e, de quebra,  realizou um inigualável trabalho de diplomacia e marketing em favor do seu país. 

Parece até que ele era um missionário que veio com esse propósito. Quando comparam Pelé com qualquer outro jogador, eu digo que, além do futebol mágico, ele tinha o que faltou nos outros: poder. Pelé era poderoso em campo.

A lei do passe já era defendida por Pelé quando ele não passava de um adolescente. No início de sua carreira o assunto foi tema de série de reportagens no Jornal da Tarde, feita pelo jornalista Michel Lawrence e fotografada por aquele que era chamado “o fotógrafo de Pelé”, Domício Pinheiro. 

O título da série era “O jogador é um escravo” e reproduzia exatamente uma frase solta de Pelé na longa entrevista. A série está lá nos arquivos do JT para quem quiser pesquisar. Mais para a frente, fora dos campos, como ministro dos Esportes, Pelé fez aprovar a nova lei do passe vigente no Brasil.

A DESPEDIDA - Pelé. Este pequeno nome, o mais conhecido durante os últimos vinte anos em todas as camadas sociais do mundo [escrevo esta história em 1974], começa a desaparecer do cenário do futebol. Pertence ao jogador negro Edson Arantes do Nascimento, considerado o maior gênio do futebol que o planeta já conheceu e que agora encerra sua carreira. Seus gols, dribles, gestos e palavras acrescentaram uma qualidade de majestade ao apelido: rei. Rei Pelé. O rei abdicou e o futebol parece estar morto. 

O fim dos 20 anos de ouro do futebol que Pelé liderou com seus gols, dribles, gestos e palavras, é uma perda nacional e pronunciar agora o nome Pelé dá uma sensação de velório, uma espécie de vertigem, um mal-estar. Sua retirada é como um pesadelo.

O choro íntimo de cada torcedor por ver Pelé para sempre fora dos estádios encontra neste momento algum consolo no lamento do jornalista francês Alain Fontaine: “O futebol de Pelé tinha que existir a vida inteira pelo que representava de alegria e entretenimento”.

Agora Pelé vive a vida dos homens comuns, os estádios parecem vazios e qualquer lembrança de seus feitos soa como uma lenda. Seu apelido já é uma lenda. Quando Edson Arantes do Nascimento era criança, gostava de jogar no gol. O menino Edson se imaginava um grande goleiro e dizia que era o Apilé, apelido de José Lino, um bom goleiro da década de 40. Apilé era também o apelido que José Lino copiava de um grande toureiro da época. 

Conta a lenda que os amiguinhos de infância de Pelé não sabiam falar Apilé e diziam Pilé, Bilé e, finalmente, Pelé. Quando o menino chegou à adolescência, já saiu pelo mundo com esse apelido de rei e, como numa história fantástica, mas verdadeira, jogando pelo Santos F.C., foi demolir defesas em terras estranhas, deliciar platéias, provocar loucuras nos aeroportos e fazer outros reis se curvarem. No mesmo Santos F.C. o menino ficou homem e agora encerra o seu reinado. 

O começo da lenda é mostrado no filme O Rei Pelé, escrito pelo dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues. O filme mostra uma mulher negra, gorda, espírita, em estado de transe, numa pequena cidade do interior do Brasil, dizendo para os pais da criança que acabava de nascer: "Seu filho será rei, o menino será um rei". 

No momento não deu para entender. A vida daquela criança estava sendo profetizada pelos espíritos. Seria um rei, e foi, e é.

Pelé sendo homenageado em Três Corações
O nome da mãe do menino tinha, sim, algo a ver com os céus: a mãe de Pelé se chama Celeste. A cidade onde Pelé nasceu também tem nome de profecia: Três Corações. Cidade pequena, antiga, de ruas estreitas, no Estado de Minas Gerais. 

Lá o menino viveu três anos, sendo levado depois para a cidade paulista de Bauru. 
"Só me lembro - diz Pelé - que meu avô tinha uma lenhadora em Três Corações e fazia entregas com uma carroça. Eu brincava nela e devia fazer isso todos os dias porque é a única lembrança que guardo de lá." 
Em Três Corações foi erguida uma estátua de bronze do tamanho natural de Pelé e os moradores só lamentam não poderem mostrar aos visitantes a casa de fachada colonial onde ele nasceu. Ela já foi derrubada e em seu lugar existe apenas o terreno vazio, que pertence hoje a Pelé. 
"Foi meu pai quem o comprou para mim e eu pretendo construir alguma coisa lá no futuro. Ainda não sei bem o que vai ser, provavelmente uma escola." 
Em Três Corações o prefeito Odilon Rezende de Menezes apresentou Pelé em 1971 como “um elogiável membro da raça negra”. 

Mas foi em Bauru que Pelé começou a desenvolver a majestade: 
"Muitas pessoas me perguntam como eu fiz essa ou aquela jogada no campo. Eu digo que deveriam ver o que a criançada de Bauru fazia nos campinhos de várzea. Era um campo pequeno, com vinte jogadores de cada lado. Então, para ficar alguns segundos com a bola, o jogador tinha que driblar por cima, entende? Porque embaixo não havia espaço. Evidentemente, num jogo profissional, não se pode fazer tudo aquilo que fazíamos lá. O que eu faço é apenas uma parte do que fazia antes".
Agora que chegou ao fim da linha todos perguntam o que Pelé vai fazer daqui por diante: 
"Quando abandonar a profissão - dizia ele há algum tempo - vou ser treinador do time dente-de-leite do Santos, mas antes pretendo me formar  professor de educação física, não para ensinar aos que querem ser profissionais de futebol, mas para orientar a garotada".
Pelé concluiu recentemente seu curso na faculdade de educação física [escrevo esta história em 1974] , que ele frequentou prevendo o dia em que os alto-falantes, nos mais diversos sotaques e acentuações, já não anunciassem mais a sua presença em campo e os aplausos não surgissem com a mesma força de sempre, e o mundo já não corresse mais atrás dele. E preparou também os papéis para fazer um curso de administração de empresas para dirigir seus numerosos negócios atuais. Preparou-se para a vida sem a bola.  

Em 20 anos de carreira no futebol o lendário cidadão Edson Arantes do Nascimento conseguiu mais comendas e homenagens que muitos chefes de estado e ministros. Quando em 1958 o Brasil conquistou seu primeiro título mundial de futebol Pelé, o menino franzino de 17 anos recebeu o cumprimento do rei Gustavo Adolfo, da Suécia. Não se constrangia diante de cabeças coroadas: “Um verdadeiro rei-embaixador”, dizem os cronistas 

Em fins de 1972, quando o Itamaraty fez uma grande investida diplomática na África, o chanceler Gibson Barbosa pode constatar a força da imagem de Pelé, um nome mágico em todo o Continente, tão conhecido no Zaire, por exemplo, quanto o todo poderoso presidente Mobuto Sesse Seko. Em alguns países, como o Congo Brazzaville, é mais popular que seus governantes . Em 1967, quando o Santos fez uma excursão pela África, um correspondente internacional assim descreveu a passagem de Pelé pelo Congo:
"Dos 100 mil habitantes de Brazzaville, 60 mil estavam no Estádio da Revolução e os demais se colocaram junto aos aparelhos de televisão. O presidente da República, Alfonso Massamba Debat e seus ministros, estavam nas tribunas. Boa parte da multidão não conhecia nem o presidente nem os outros. A Pelé, sim. Afinal, estavam todos lá exclusivamente para ver Pelé.
O sucesso deste rei brasileiro é tão impressionante que outros reis, de súditos menos fiéis, provocavam encontros com ele, certos de que sua vizinhança seria emulação de popularidade. Pelé, muito consciente disso, explicava: “Reis, presidentes, ditadores, governadores, sempre me trataram com o maior respeito. E de mim qualquer torcedor anônimo recebe o mesmo carinho que das maiores autoridades".
Quando se casou em 1966, Pelé deu de presente à sua mulher Rosemary uma viagem de volta ao mundo. Era a lua-de-mel fantástica para a moça simples de Santos. Mas o que era uma lua-de-mel se transformou numa sucessão de visitas protocolares que culminaram com a audiência concedida pelo Papa Paulo VI que, numa deferência especial, abençoou o casal.

Agora que ele chega ao fim, o mundo olha para trás e sente todo o impacto de sua aparição. Com ele o Santos foi chamado de “máquina infernal de futebol”. Quando surgiu como campeão mundial pela primeira vez em l958, aos 17 anos, magro, pernas finas, cara de menino, os jornais apregoavam: ”Jamais houve jogador assim”. Foi bi-campeão mundial pelo Brasil (103 gols em 103 jogos pela Seleção), dez vezes campeão estadual, sempre goleador.( Pelé foi tricampeão mundial  pelo Brasil em 1970, no México). 

O primeiro gol oficial de Pelé registrado pelo Santos aconteceu a 7 de setembro (data comemorativa da Independência do Brasil) de l956,  num jogo contra o Corinthians, na cidade paulista de Santo André. Em 1972 completou mil partidas com a camisa do Santos. Em 1969 fez o milésimo gol, no Maracanã. O preparador físico do Santos, Júlio Mazzei, já previa em l957 um atleta excepcional “pela sua velocidade, capacidade de impulsão, resistência, habilidade e força muscular”.   

Em 1961 fez 110 gols em 75 partidas pelo Santos. O futebol do Santos, sua cidade, seus jogadores, ficaram conhecidos no mundo inteiro. Era o auge do Santos e Pelé e seus companheiros impunham contagens humilhantes aos adversários: 9 a 1 contra o Bayer de Munique (Pelé fez três), 10 a 1 contra o Berschot (cinco de Pelé), 7 a 3 contra o Real Madrid de Puskas. 

As ofertas pelo seu passe vinham de todos os cantos, prometendo somas que superavam orçamentos de alguns Estados do Brasil. A tudo disse não, afirmando que sempre quis viver no Brasil, pelo Santos e pelo futebol brasileiro. Jogou 2 anos de graça pelo Santos, ao final da carreira.

A carreira de Pelé tem lances de verdadeira lenda: em 10 de novembro de 1968 a rainha Elizabeth se levanta no Maracanã para quebrar o protocolo e aplaudir um gol seu. Em 19 de agosto de 1971 o presidente Nixon diz a Pelé que é um velho admirador de suas façanhas. Em 5 de janeiro de 1972 o ditador Emílio Garrastazu Médici o chamou para pedir que jogasse na Mini-Copa. Médici fez Pelé sentar-se à cabeceira de sua mesa dizendo que “o rei deve sentar-se à cabeceira”. 

Um dos lances de homenagem mais espontânea a Pelé aconteceu na Cidade do México, na copa de 1970: “Hoje não trabalhamos. Vamos ver Pelé”, diziam os cartazes pregados nas ruas. Era o tempo em que bastava alguém pronunciar o nome Pelé para que imediatamente aparecessem multidões largando seus serviços e deixando suas obrigações para correr até onde ele estava. “Uma magia incomparável. Ele é um mágico”, dizia o jornalista Alex Lanns, do Times, em 7 de junho de 1972. 

Certa vez um repórter perguntou a Pelé o que ele queria ser se não fosse Pelé: 
"Cristo. Acontece que Cristo foi maravilhoso.Tinha época em que eu queria ser pregador. Uma espécie de missionário no Nordeste do Brasil. Rose me dizia que eu não poderia reformar o mundo sozinho. Entendi que primeiro precisava educar meus filhos convenientemente".
Hoje Rosemary acompanha o marido na maioria dessas visitas, como a que foi feita ao presidente Nixon. Atualmente (1974) Pelé se confunde com o industrial Edson Arantes do Nascimento, cujos interesses econômicos se tornam cada dia mais amplos. Quando Pelé foi ver Nixon, foi aos Estados Unidos contratado pela Pepsi-Cola, por uma soma fantástica, incomparavelmente maior do que aquela que recebeu como jogador. 

Mas se o jogador está cedendo lugar ao empresário, nem por isso Pelé deixou de ser o rei do futebol. O mesmo que, numa indiscrição casual, confessou que o senador Robert Kennedy, a quem recebeu no vestiário do Maracanã inteiramente ensaboado - e o Papa Paulo VI - “foram as maiores personalidades que conheci”. Essa pequena indiscrição exclui nomes famosos como o da rainha Elizabeth da Inglaterra, a atriz Brigite Bardot e o ex-presidente Charles de Gaulle. Mas como de um rei se deve esperar magnanimidade e infalibilidade, sua palavra é lei:
"Como jogador de futebol - disse Pelé numa entrevista em maio de 1973 - ganhei muitos títulos honoríficos. Sou cidadão honorário de inúmeras cidades brasileiras e até de Kansas City, nos Estados Unidos. Tenho a 0rdem do Cruzeiro do Sul no Brasil, sou  cavaleiro de França, e uma  porção de coisas mais. Desde que comecei a jogar sempre fui tratado com carinho.” Foi nesta entrevista que ele lembrou que Robert Kennedy desceu ao vestiário no Maracanã para abraçá-lo e o principe Phillip da Inglaterra entrou em campo para cumprimentá-lo. “O que é importante é você ser querido por todos, sem exceção"
Diante da realeza de Pelé desfilaram muitas outras personalidades, rendidas à popularidade de um jogador que sempre se revelou admirável embaixador. Até que chegou a hora de o mundo começar a lamentar seu afastamento. O matutino argentino Crônica publicava a manchete em oito colunas na primeira página: ”O futebol perdeu seu rei”. 

O meia-direita Amâncio, do Real Madrid, um dos jogadores mais famosos da Europa, expressou seu inconformismo desta forma: “Não pode ser, aos 32 anos, Pelé ainda está em grande forma para continuar sua carreira. Se ele desistir morrerá muito do futebol mundial”. 

Kubala, ex-jogador da seleção espanhola: ”É uma verdadeira lástima, porque Pelé não é apenas um maravilhoso jogador, mas também um símbolo. Se seu afastamento se consumar definitivamente todos quanto amamos o futebol sentiremos enorme tristeza. Além disso, Pelé sempre foi amigo de todos”.

No começo deste ano [1974] os jornais enchiam páginas e páginas com declarações de Pelé, marcando a angústia do fim:
"Talvez eu já sinta saudade da minha carreira. Sou o único jogador dos velhos tempos no Santos. A atual equipe é a terceira geração que está passando por mim. Da velha turma do velho time só resta eu. Isso, de vez em quando, me dá uma solidão confusa. Outro dia fui assistir a um filme meu. Quando vi a repetição de velhas jogadas, velhos gols, deu-me uma tristeza que não foi fácil suportar. Quando vejo uma partida da Seleção Brasileira me dá logo uma dor no peito"
"Nunca me fixei na fama e no sucesso. Amanhã eu posso ser uma pessoa sem nada, sem nenhuma posse. Vivi 15 nos sem nada. Tenho 33 anos. Portanto, quase metade da minha vida nada tive. Quanto tempo tenho de vida? Não sei. Esta é a minha filosofia, entende? Por isso acho que não há razão para maltratar ninguém".   
"Tenho orgulho da minha condição de ídolo. De ter parado a guerra de Biafra por um dia, de ver um menino balbuciando o nome Pelé e me olhando fixamente. De ver, como aconteceu dias atrás, um rapaz condenado á morte por uma doença incurável escolher, entre várias opções de última vontade, que abrangiam até uma viagem pelo mundo, uma medalha e uma foto de Pelé autografada".    
"Tenho orgulho de saber que as pessoas passam a mão na minha cabeça para ganhar um pouco de sorte, beijam meus pés, minhas mãos. Eu pergunto sempre por que isso acontece comigo. Povos diferentes, do Japão, da Tailândia, todo mundo querendo me abraçar, me beijar. Não encontro resposta. Apenas uma grande perplexidade e responsabilidade"
"Muitas pessoas guiam suas vidas de acordo com o meu exemplo, com minha imagem. Mas eu sou passível de erro porque sou humano. É terrível, porque o meu medo é o de ser uma coisa que não depende de mim. Imagine você receber uma carta de uma pessoa contando que rezou pedindo uma graça a Pelé e a conseguiu".
Ultimamente não importava tanto o prestígio do Santos ou do futebol brasileiro. Para o público que lotava todos os estádios onde o Santos ou a Seleção Brasileira jogava, o que realmente importava era Pelé. Ele não era mais procurado apenas como o melhor jogador do mundo, as perguntas que lhe faziam não eram apenas sobre futebol. Pelé tinha de falar sobre tudo, opinar e indicar soluções para os grandes problemas internacionais. Havia os que acreditavam firmemente que só ele seria capaz de resolver as crises que afetam o mundo atual. 

No fim de sua carreira, depois de sua despedida da Seleção Brasileira numa tarde de 18 de julho de 1971 (ainda fez seu último jogo pelo Santos em 1974), chegou-se a temer que sua fama fosse diminuir e, como consequência, seus negócios também. Mas a imagem comercial de Pelé se mostrou ainda mais poderosa do que a de anos atrás, com a assinatura de novos contratos publicitários que haviam começado logo depois da Copa de 1958. Foi dessa época em diante que a marca Pelé começou a ser usada para chamamento de vendas.

A imagem de Pelé sempre foi positiva para os publicitários. A imprensa, procurando-o em todos os momentos e vasculhando sua vida, mostrou que ele é bom filho, bom pai, bom marido, bom irmão, bom amigo. Uma pessoa como todos ambicionam ser. Hoje, quando alguém quer agradar a um negrinho na rua o chama de Pelé. Quando um profissional - engenheiro, médico, mecânico - se destaca dos demais, é chamado de Pelé da engenharia, da medicina, da mecânica. 

Segundo os publicitários, o mito do nome Pelé já está firmado e tende a sobreviver à pessoa. Ele apareceu através de estímulos bastante poderosos que nunca mais vão ser esquecidos. Se Pelé muda hoje, o seu passado garantirá o seu nome. E seu passado, como numa lenda, nunca será esquecido, pois temos teipes, filmes e a memória do povo, que sempre lembrarão sua vida. 

A história de Pelé teve um começo e um final feliz. Hoje (1974) ele tem sítio, casas, apartamentos, ações, empresas e contratos publicitários, tudo lhe proporcionando uma boa renda mensal. Ele diz que tudo terminou como ele quis, isto é, abandonou o futebol contente consigo mesmo, em plena forma física e técnica, e não cansado e desmotivado. Para ele, ainda não há nada melhor que o futebol . [Pelé define o futebol como “90 minutos de sérios problemas” e um time de futebol como “11 homens de caráter”]. 

De vez em quando, para manter a forma, diz que vai participar de algumas brincadeiras em campo e dirigir equipes infantis do Santos, o que quer dizer que ainda o veremos ao lado de uma bola. Seu último desejo é mais uma grande jogada, um magnífico drible, um lance de verdadeiro embaixador:
"Tudo o que eu tenho devo ao futebol. Se eu pudesse, me chamaria Edson Arantes do Nascimento Bola. Seria a única maneira de agradecer tudo o que a bola fez por mim"
Pelé dedicou seu 1.000º gol às criancinhas do Brasil
ÚLTIMA PARTIDA (3-10-1974) - Numa partida histórica, disputada ontem à noite na Vila Belmiro, na despedida de Pelé, o santos venceu por 2 a 0, derrubando a Ponte Preta da liderança do Campeonato Paulista. Agora a equipe campineira passa a ocupar a segunda colocação em pontos perdidos. Na outra partida o Corinthians empatou com o Botafogo por  2 a 2 em Ribeirão Preto e divide a posição de honra do certame ao lado da Portuguesa e do Palmeiras. Em pontos ganhos, a Lusa é lider com 17 pontos, seguida da Ponte, com 16.

Pelé, que ontem encerrou sua carreira, completando a 1.255ª. partida em 18 anos de atividades profissionais, marcando 1.216 gols, jogou pouco mais de 20 minutos, pois deixou o campo aos 23 minutos do primeiro tempo. 

O Santos derrotou a Ponte Preta com dois gols, de Cláudio Adão, aos 51 minutos do primeiro tempo e Geraldo (contra) aos 11 minutos do segundo tempo. O jogo ficou paralisado 7 minutos no primeiro tempo com a saída de Pelé. 

A partida teve outra paralisação, durante 20 minutos, devido a uma falha nos refletores. A Ponte esteve perto de não continuar jogando, alegando autêntica luz de boate na Vila Belmiro.

Emídio Marques Mesquita foi o árbitro do último jogo de Pelé e a renda somou Cr$ 219.371,00, com 20.258 pagantes. SANTOS: Cejas; Wilson Campos, Vicente, Bianqui e Zé Carlos; Léo e Brecha; Cláudio Adão, Silva, Pelé (Gilson) e Edu. PONTE PRETA: Carlos; Geraldo, Oscar, Zé Luis e Valter; Serelepe e Serginho; Adilson,Valtinho (Brasinha) Valdomiro e Tuta. 

PELÉ PAROU - Como havia anunciado, Pelé se despediu dos gramados. Aos 23 minutos do primeiro tempo dirigiu-se ao centro do campo. Ajoelhou-se, fez o sinal da cruz, deu a volta olímpica coma camisa na mão direita e deixou o gramado, rumando para sua residência com a camisa 10 que o consagrou como o maior jogador do mundo em  todos os tempos.
          
O MILÉSIMO GOL - Na noite de 15 de novembro de 1969 o mundo parou. O Santos perdia para o Vasco por 1 a 0 no Maracanã, pela Taça de Prata. Houve um pênalti contra os cariocas e Pelé foi o encarregado de fazer a cobrança, atendendo aos gritos da multidão. O Rei bateu contra o gol do argentino Andrada e converteu o seu milésimo gol, um dos fatos mais marcantes de sua carreira.

15.1.14

CHEFÃO DO DOI-CODI ESCAPOU DA CONDENAÇÃO, MAS NÃO DO VEXAME

Quem acompanha meu trabalho, sabe que já em 2007 eu descria da possibilidade de se punir os torturadores da ditadura militar sem a revogação da anistia de 1979, que igualou algozes e vítimas. 

Vencidos pela facção de Nelson Jobim na luta então travada no seio do ministério, Tarso Genro e Paulo Vannuchi foram proibidos por Lula de continuarem pregando o necessário e indispensável, qual seja a revisão da Lei de Anistia. Aí, para salvarem as próprias imagens, indicaram à esquerda o caminho dos tribunais, que jamais desatariam o nó enquanto Executivo e Legislativo permanecessem de braços cruzados.

E o nó não foi mesmo desatado. O Supremo Tribunal Federal, numa das decisões mais aberrantes de sua História, em 2010 considerou válida a anistia que os carrascos concederam a si próprios em plena vigência da ditadura, usando os presos políticos e os exilados como moeda de troca e obtendo o aval de um Congresso descaracterizado e intimidado. 

Desde então, as ações civis e criminais contra os torturadores têm um desfecho anunciado: se condenados nas instâncias menores, os réus sabem que tranquilamente darão a volta por cima no STF. Os processos passaram a ter apenas efeito moral; são ingênuos os que sonham com penas de prisão e/ou pecuniárias, pois elas não virão enquanto não forem alteradas as regras do jogo (impostas pelo inimigo e não questionadas pelos pusilânimes do nosso lado quando a ditadura acabou).

Não foi nem um pouco significativa, portanto, a decisão da Justiça Federal de São Paulo, ao considerar prescrito o crime de ocultação de cadáver cometido pelo torturador-símbolo Carlos Alberto Brilhante Ustra e pelo delegado aposentado Alcides Singillo, que deram sumiço nos restos mortais do  militante Hirohaki Torigoe, repetindo a prática adotada pela repressão ditatorial em dezenas de outros casos. Se o Ministério Público Federal, autor da ação, transpusesse esta barreira, certamente tropeçaria numa posterior. Ustra e Singillo nada tinham a temer.

O que vale um registro é a bizarra justificativa da defesa de Ustra. Os procuradores argumentavam que, como o cadáver não foi encontrado até hoje, tratava-se de um crime permanente. Os patronos do chefão do DOI-Codi paulista disseram que o corpo do Torigoe não está sumido, tendo sido enterrado com o nome falso que ele usaria no momento da prisão.

É o mesmo que admitir não só seu assassinato, mas a própria ocultação de cadáver, de vez que a repressão sempre conseguia identificar os defuntos que lhe interessavam.

Enfim, desta vez o Ustra conseguiu livrar a cara sem atirar a responsabilidade sobre seus superiores, como fez em outras ocasiões, implicitamente reconhecendo que servia a uma instituição genocida. 

No que, aliás, estava certíssimo: a culpa por todas as práticas hediondas começava no general que se fazia passar por presidente da República e se estendia para cada elo da cadeia de comando.

Obs.: tentei divulgar este texto no Facebook, mas parece haver agora algum filtro 
Related Posts with Thumbnails

Arquivo do blog