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13.5.15

SENTENÇA INÍQUA RETARDARÁ MAIS UM POUCO A INEVITÁVEL REPARAÇÃO À FAMÍLIA DE LAMARCA

Assim como uma juíza de 1ª instância do DF tentou alterar o que o Supremo Tribunal Federal e o presidente da República decidiram com relação ao escritor Cesare Battisti, recebendo um enfático puxão de orelhas de autoridade judiciária superior, agora é a vez de um juiz substituto da 1ª instância do RJ querer, com uma penada, anular todo o entendimento dos povos civilizados e do Estado brasileiro sobre o direito de resistência à tirania.

Carlos Lamarca e quaisquer outros que pegaram em armas quando usurpadores do poder submetiam o povo brasileiro ao arbítrio e à truculência têm todo direito de receberem tratamentos de heróis e vítimas; e de serem (ou suas famílias) indenizados(as) pelos danos físicos, psicológicos, morais e profissionais que lhes foram infligidos pelos tiranos e seus esbirros.

Em termos morais, aliás, é inacreditável que se questione exatamente a reparação de um brasileiro capturado com vida e executado a sangue-frio por forças ajagunçadas do Estado. O ignóbil e covarde assassinato de Lamarca manchará para sempre a farda do Exército Nacional.

Vale lembrar que até mesmo o cabo Anselmo, uma das figuras históricas mais deploráveis dos anos de chumbo, teria direito à reparação. caso sua colaboração com as forças repressivas datasse de depois do golpe. 

Ou seja, seria mais uma vítima  da quebra da ordem institucional no nefando 1º de abril de 1964, embora houvesse, em seguida, se tornado um dos piores vilões do período.

A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, contudo, negou-lhe o benefício porque conseguiu provar que ele era um agente duplo desde bem antes, quando liderava movimentos de marinheiros e, na verdade, agia como provocador, estimulando uma radicalização que convinha ao esquema golpista.  

Enfim, a ação movida pelos clubes militares tem endereço certo, a lata de lixo. Lamentavelmente, o pagamento de reparações aos herdeiros de Lamarca continuará suspenso enquanto a sentença iníqua não for corrigida por instância superior, como inevitavelmente será.

É vergonhoso que esta situação perdure 43 anos após o bestial homicídio de um dos maiores heróis e mártires do povo brasileiro. Os verdadeiros democratas não podem continuar omitindo-se, como muitos têm feito até agora.

(clique aqui para acessar o vídeo do filme Lamarca)

COMANDANTE CARLOS LAMARCA 
(1937-1971): VENCER OU MORRER!

Já lá se vão 43 anos e oito meses desde que o comandante Carlos Lamarca, debilitado e indefeso, foi covardemente executado pela repressão ditatorial no sertão baiano, em setembro de 1971, numa típica  vendetta  de gangstêres.

O que há, ainda, para se dizer sobre Lamarca, o personagem brasileiro mais próximo de Che Guevara, por história de vida e pela forma como encontrou a morte?

Foi, acima de tudo, um homem que não se conformou com as injustiças do seu tempo e considerou ter o dever pessoal de lutar contra elas, arriscando tudo e pagando um preço altíssimo pela opção que fez.

Teve enormes acertos e também cometeu graves erros, praticamente inevitáveis numa luta travada com tamanha desigualdade de forças e em circunstâncias tão dramáticas.

Mas, nunca impôs a ninguém sacrifícios que ele mesmo não fizesse. Chegava a ser comovente seu zelo com os companheiros --via-se como responsável pelo destino de cada um dos quadros da Organização e, quando ocorria uma baixa, deixava transparecer pesar comparável ao de quem acaba de perder um ente querido.

Dos seus melhores momentos, dois me sensibilizaram particularmente.

Logo depois do Congresso de Mongaguá (abril/1969), quando a VPR saía de uma temporada de luta interna e de  quedas  em cascata, o caixa estava a zero e a rede de militantes, clandestinos em sua maioria, carecia desesperadamente de dinheiro para manter as respectivas  fachadas.

Qualquer anomalia, mesmo um atraso no pagamento de aluguel, poderia atrair atenções indesejáveis.

Mas, o chamado  grupo tático  fora o setor mais duramente golpeado pelas investidas repressivas.

Então, quando se planejou a expropriação simultânea de dois bancos vizinhos, na zona Leste paulistana, o pessoal experiente que sobrara não bastava para levá-la a cabo.

Eu e os sete companheiros secundaristas que acabáramos de ingressar na Organização fomos todos escalados --na enésima hora, entretanto, chegou a decisão do Comando,  designando-me para criar e coordenar um setor de Inteligência, então fiquei de fora.

Lamarca, procuradíssimo pelos órgãos repressivos, fez questão de estar lá para proteger os recrutas no seu batismo de fogo. Os outros quatro comandantes tudo fizeram para demovê-lo, em nome da sua importância para a revolução. Em vão. A lealdade para com a  tropa  nele falava mais alto.

Depois de muita discussão, chegou-se a uma solução de compromisso: ele não entraria nas agências, mas ficaria observando à distância, pronto para intervir caso houvesse necessidade.

Houve: um guarda de trânsito, alertado por transeunte, postou-se na porta de um dos bancos, arma na mão, pronto para atingir o primeiro que saísse.

Lamarca, que tomava café num bar a 40 metros de distância, só teve tempo de apanhar seu .38 cano longo de competição, mirar e desferir um tiro dificílimo --tão prodigioso que, no mesmo dia, a ditadura já percebeu quem fora o autor. Só um atirador de elite seria capaz de acertar.

Como resultado, a repressão teve pretexto para fazer de Lamarca o  inimigo público nº 1 -- e, claro, o fez. A imagem dele foi difundida à exaustão, obrigando-o a redobrar cuidados e até a submeter-se a uma cirurgia plástica.

Também teve de brigar muito com os demais dirigentes e militantes, para salvar a vida do embaixador suíço Giovanni Butcher, quando a ditadura se recusou a libertar alguns dos prisioneiros pedidos em troca dele e ainda anunciou que o Eduardo Leite (Bacuri) morrera ao tentar fugir.

Dá para qualquer um imaginar a indignação resultante --afinal, as dantescas circunstâncias reais da morte do  Bacuri (vide aqui) ficaram conhecidas na Organização.

Mesmo assim Lamarca não arredou pé, usando até o limite sua autoridade para evitar que a VPR desse aos inimigos o monumental trunfo que as Brigadas Vermelhas mais tarde dariam, ao executarem Aldo Moro. Sua posição prevaleceu, mas o episódio foi tão traumático que acabou tendo grande peso na sua decisão de deixar a VPR.

E, no MR-8, novamente divergiu da maioria dos companheiros --quanto à sua salvação.

Pressionaram-no muito para que saísse do Brasil, preservando-se para etapas posteriores da luta, pois em 1971 nada mais havia a se fazer. Aquilo virara um matadouro.

Conhecendo-o como conheci, tenho a certeza absoluta de que não perseverou por acreditar numa reviravolta milagrosa. Em termos militares, suas análises eram as mais realistas e acuradas. Nunca iludia a si próprio.

O motivo certamente foi a incapacidade de conciliar a ideia de  fuga  com todos os horrores já ocorridos, a morte e os terríveis sofrimentos infligidos a tantos seres humanos idealistas e valorosos. Fez questão de compartilhar até o fim o destino dos companheiros, honrando a promessa, tantas vezes repetida, de vencer ou morrer.

Doeu --e como!-- vermos os militares exibindo seu cadáver como troféu, da forma mais selvagem e repulsiva.

Mas, ele havia conquistado plenamente o direito de desconsiderar fatores políticos e decidir apenas como homem se preferia viver ou morrer.

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