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2.2.14

COMPANHEIRO MANÉ? PRESENTE! AGORA E SEMPRE!

Presos políticos visitados por d. Eugênio Sales, no RJ; o Mané é o de camisa xadrez. 
Fiquei arrasado ao tomar conhecimento da morte do estimado companheiro e amigo Manoel Henrique Ferreira, o Mané. Deveria estar com 62 ou 63 anos e sofria de uma doença degenerativa, a ataxia cerebelar, que certamente foi causada ou agravada pelas bestiais torturas a que o submeteram.

Eu o conheci quando organizava a Frente Estudantil Secundarista na zona Leste paulistana, em 1968. Estudava, se bem me lembro, num colégio da Vila Zelina. Logo se tornou um dos líderes do nosso movimento.

Suas convicções revolucionárias se expressavam também na música: tocava violão e cantava muito bem, principalmente as canções do Geraldo Vandré.

Em junho daquele ano, quando passamos algumas horas papeando com o compositor num boteco da rua Maria Antônia, apareceu um violão e ele pôde mostrar ao ídolo como interpretava suas criações.

É assim que sempre me lembrarei do Mané, romântico, esperançoso, convicto. Sua sinceridade era transparente e comovente.

Quando, no final de 1968, evidenciou-se que o movimento de massas se tornara inviável sob o terrorismo de estado pleno que o AI-5 instaurou, ele optou por continuar lutando da forma que ainda era possível, na clandestinidade.

Mané e Gilney Viana no início da greve de fome pela anistia
De quase uma centena de estudantes aglutinados na nossa Frente, apenas oito nos dispusemos a correr os riscos da luta armada; Mané não hesitou nem um instante.

Ingressamos juntos na VPR e nunca mais o vi, pois nossas incumbências na organização seriam diferentes. 

Soube de sua via crucis nas garras dos torturadores, coagido a renegar a militância; denunciando o arrependimento forçado em carta enviada a D. Paulo Evaristo Arns (o manuscrito pode ser baixado aqui); e sofrendo, em represália, novas torturas.

Depois que lancei meu livro Náufrago da Utopia, conversamos algumas vezes por e-mail. Continuava magoado com os companheiros que tanto e tão duramente o hostilizaram, sem levarem em conta as circunstâncias extremas que o haviam levado a cair na armadilha da repressão. Disse que meu livro tinha lançado luzes sobre o inferno pelo qual passaram jovens idealistas como ele e o Massafumi Yoshinaga (sobre quem escrevi aqui).

Hoje eu mudaria o trecho a ele relativo da minha poesia sobre os companheiros secundaristas. Décadas atrás, era acertado dizer sobre o Mané que, "quando o épico/ resultou trágico,/ se desencontrou"; mas, depois de ter passado alguns tempos em parafuso, ele felizmente achou forças para superar os traumas e se reerguer.

Os versos que melhor serviriam como síntese definitiva da sua trajetória, contudo, o grande Paulo Vanzolini já escrevera antes de mim: "Ali onde eu chorei,/ qualquer um chorava./ Dar a volta por cima que eu dei,/ quero ver quem dava!".  

Foi gratificante ver a morte do Mané noticiada de forma respeitosa (eis aqui um exemplo).  Ele fez amplamente por merecer o reconhecimento dos melhores brasileiros. 

Lamento que o pobre Massafumi não tenha aguentado esperar por uma visão mais equilibrada e compassiva do seu drama. É terrível pensar que ele morreu em meio às trevas mais densas, sozinho e amargurado!

UMA PALAVRA MAIS

Como o paralelismo obviamente ocorrerá aos leitores, antecipo-me: nunca pensei em tomar uma atitude do tipo da do Mané porque me via como vítima dos dois lados. A repressão me barbarizara, quase assassinara (estive próximo de um ataque cardíaco), lesionara para sempre e prejudicara terrivelmente minha reputação -mas não me surpreendera, pois fez exatamente o que eu esperava dos inimigos.

Os companheiros, por outro lado, atiraram sobre mim uma culpa que eu não tinha pela delação da área guerrilheira em Registro, haviam descumprido compromissos solenes que vigoravam entre nós e me levado ao completo desespero (o que fora o grande motivo de eu não ter resistido mais à repressão, depois de 75 dias de incomunicabilidade e torturas). Além de estar reduzido a um trapo, ainda me sentia abandonado pela organização, o que me fragilizava ainda mais. Ou seja, a VPR fez o que eu jamais esperaria dos amigos.

Então, ao ser procurado lá por 1974 ou 1975 por outro partido de esquerda, que me ofereceu condições para esclarecer à imprensa o que eu havia sofrido (para, num segundo momento, voltar a militar, em escalão inferior ao antigo), eu defini minha posição: contaria tintim por tintim as torturas pelas quais passara e as condições dramáticas em que acabara sendo arrastado à TV, mas não omitiria que este último e deplorável episódio havia sido antecedido por gravíssimas violações das normas de conduta da VPR -que, aparentemente, escolhera-me como bode expiatório para evitar que se tornasse conhecida pelo restante da esquerda a identidade da pessoa responsável pelo desbaratamento da escola de guerrilha.

Como o tal partido considerasse inoportuno esmiuçar este outro lado, não houve acordo. E eu só contei a minha história quando procurado diretamente pela imprensa (a IstoÉ, em 1979 ou 1980). 

Como tais particularidades do meu caso fugiam do foco da reportagem (era sobre os ditos arrependidos de maneira geral), aí não fiz questão de que se tocasse no segundo problema. Idem nas posteriores entrevistas para o Zero Hora e a Veja, também limitadas aos temas tortura e coação.  

Só na polêmica com o Marcelo Paiva, em 1986, eu tive oportunidade de levantar este véu, inclusive surpreendendo a todos com a revelação de que houvera não uma, mas duas áreas de guerrilha em Registro (a abandonada, na qual eu estivera, e a definitiva, que eu não ficara conhecendo). Aparentemente, ninguém até então se referira a este pequeno detalhe...



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