Foi das mais decepcionantes a iniciativa do ministro Cezar Pelulo, relator do processo de extradição de Cesare Battisti no Supremo Tribunal Federal, de adiar mais uma vez o desfecho de uma pendenga que já está verdadeiramente decidida desde o momento em que o governo brasileiro concedeu o refúgio humanitário ao perseguido político italiano..
O ponto final da novela seria na próxima 2ª feira. Não será mais: Peluzo concedeu à Itália cinco dias para apresentar seus argumentos, aliás sobejamente conhecidos.
Quando um caso ganha a repercussão que este adquiriu, trava-se uma verdadeira guerra de versões, tão discrepantes entre si que torna quase impossível a qualquer cidadão isento situar-se nesse cipoal de informações e interpretações conflitantes.
Então, chega um momento em que se deve confiar, acima de tudo, na própria sensibilidade e espírito de justiça.
O que salta aos olhos no caso é que Cesare Battisti foi inicialmente condenado por delitos menores e anos depois, graças à delação premiada de um indivíduo obcecado em transferir suas responsabilidades para costas alheias, recebeu a pena máxima.
É indiscutível que esse julgamento final transcorreu num momento político no qual já não se faziam verdadeiros julgamentos na Itália, mas sim linchamentos com verniz de legalidade.
Para quem, como eu, passou pelos tribunais de exceção da ditadura militar, há um odor inconfundível de armação exalando do processo em que, de um momento para outro, apareceram testemunhas prontas a jurar que era culpado quem antes ninguém inculpava.
Quando o dedo do Estado apontou para Battisti, no auge do macartismo à italiana deflagrado pelo assassinato de Aldo Moro, todas as peças se juntaram para formar um bom dossiê acusatório.
Que não passa de uma obra de homens falíveis, capazes de pautar suas ações por sentimentos menores como a covardia, o oportunismo e o revanchismo; nunca a tábua dos dez mandamentos, como os reacionários tentam fazer crer.
Ficaram de fora desse dossiê as torturas a que os acusados foram submetidos, ao arrepio de qualquer lei e cuja mera existência na fase policial é suficiente para contaminar qualquer processo judicial.
Também se fez vista grossa ao fato de Battisti ter sido julgado à revelia, não exercendo plenamente seu direito de defesa. Preferiu-se dar crédito a uma carta com sua assinatura, teoricamente instruindo o advogado sobre a linha a ser adotada no tribunal.
No entanto, a perícia insuspeita de uma das principais especialistas francesas constatou que a assinatura de Battisti precede de vários anos o texto que outra pessoa, com outra caligrafia, acrescentou.
Ou seja, antes de fugir da Itália ele deixou assinada uma carta em branco para que o advogado em quem confiava pudesse providenciar alguma procuração que se fizesse necessária.
Ao invés disto, tal advogado, priorizando outros réus, não só colocou um texto altamente lesivo aos interesses de Battisti, como deu um jeito de fazê-lo chegar às mãos dos acusadores.
Uma farsa sórdida que, por incompetência ou má fé, o tribunal inquisitorial italiano avalizou.
E há aberrações jurídicas como o fato de que crimes ocorridos na década de 1970 foram enquadrados numa lei dos anos 80, para que se pudesse impor a Battisti a prisão perpétua.
Há até quem encontre argumentos para justificar a retroatividade, mas nosso senso comum se rebela.
Se couber ao Estado fixar, depois de cometido um delito, qual a pena cabível, abre-se a porta para todo tipo de perseguições e injustiças.
Cuspir no chão pode ser pretexto para condenação à morte, num estado policial. E a Itália, com seu passado fascista não muito distante, está longe de poder ser considerada uma nação imune ao totalitarismo.
Na excelente matéria de capa que a revista IstoÉ acaba de publicar sobre Battisti ( http://www.terra.com.br/istoe/edicoes/2047/artigo124312-1.htm ), um detalhe menor me chamou a atenção: a tendenciosa versão italiana era de que ele não passava de um pequeno marginal que, preso por delitos comuns, havia sido doutrinado pelos comunistas com os quais passou a conviver no cativeiro.
A verdade é bem outra, como se constata nestes trechos da longa entrevista: "Eu sou filho e neto de comunistas. Quando tinha dez anos, andava com meu irmão, com toda a família, com um cravo vermelho na roupa. (...) Entrei cedo na juventude comunista. Depois, saí do partido comunista e entrei no que era o movimento de extrema esquerda. (...) Nessa época, nós financiávamos os movimentos com furtos, pequenos assaltos. (...) Era na Frente Ampla. Todo mundo praticava ilegalidades nesta época. Chamávamos de expropriações proletárias. (...) Era uma prática generalizada. Servia para financiar nossos cartazes, jornais e pequenas revistas. As primeiras rádios livres, por exemplo, foram financiadas por atividades ilegais".
O Estado italiano tem todo direito de desconsiderar em termos legais a componente política dessa "prática generalizada", mas nenhum de caluniar um cidadão, apresentando-o ao mundo como um trombadinha que aderiu tardiamente à luta política, com a insinuação implícita de que queria apenas uma cobertura para dar vazão a seus instintos criminosos.
Quantas outras mentiras contra Battisti integrarão a história oficial que os italianos tentam nos impingir?
Enfim, estamos, como sempre, no terreno minado do campo de batalha em que se defrontam os inimigos e os partidários da justiça social.
Os primeiros querem ver exemplarmente punido um homem que lutou por seus ideais -- não pelos crimes que lhe imputam e pelos quais está muito longe de haver sido condenado em tribunais civilizados, mas por ser um símbolo da esperança num mundo bem diferente do que aí está.
E nós o defendemos em nome da solidariedade para com os injustiçados de todos os tempos e da compaixão por quem já sofreu demais.
A perseguição sem fim que é movida contra Battisti equivale a um martírio que poucos suportariam.
Trinta anos se passaram desde os crimes que lhe imputam. E nem o pior dos detratores consegue encontrar evidência de que ele tenha continuado um extremista após sua fuga para a França em 1981.
A sanha vingativa contra um homem a quem fazem acusações nebulosas e que leva vida laboriosa e das mais sofridas há pelo menos 27 anos, é algo que só Freud conseguiria explicar a contento.
Se conseguisse sublimar a repulsa que tais caças às bruxas, em todos os tempos, sempre causaram aos melhores seres humanos.
PESQUISAR ESTE BLOGUE
31.1.09
CESARE BATTISTI: MARTÍRIO SEM FIM
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Arquivo do blog
-
▼
2009
(118)
-
▼
janeiro
(9)
- CESARE BATTISTI: MARTÍRIO SEM FIM
- GILMAR MENDES QUER QUE STF USURPE PRERROGATIVA DO ...
- CASO CESARE BATTISTI: A VITÓRIA DA SOLIDARIEDADE R...
- BALANÇO FINAL DE UMA PEQUENA EPOPÉIA
- DECISÃO HISTÓRICA E SOBERANA: BRASIL CONCEDE REFÚG...
- O CASO CESARE BATTISTI NA HORA DA VERDADE
- FAROESTE NO GUETO DE GAZA
- WOODSTOCK/40 ANOS: ÉRAMOS CRIANÇAS, BRINCANDO NO P...
- DE VOLTA À BATALHA, SONHANDO COM A PAZ
-
▼
janeiro
(9)
3 comentários:
Parabéns por mais essa luta e por mais um texto brilhante Lungaretti.
Olá,
Peço desculpas em primeiro lugar para o meu Português obtida com um tradutor. Estou escrevendo em relação ao caso de Cesare Battisti e agradecer publicamente o ministro Tarso Genro e do Presidente Lula para o estatuto de refugiado político dado a Cesare Battisti. Na Itália, esses dias, o clima é muito tenso, penso que, em qualquer caso, a atitude das instituições italianas contra o Brasil é um desafio, porque ela mostra a total falta de respeito para o Seu país através de uma atitude arrogante da suposta superioridade da ' Itália. Eu escrevo porque estou muito perto de Césare, e especialmente o caso no ano que ele foi preso com os procedimentos utilizados pela polícia para obter confissões não foram as mais transparentes.
Em um artigo publicado no "L'Espresso" Março 1982: A Anistia Internacional afirma ter recolhido em 3 meses um "impressionante volume" (muitos) de denúncias de tortura na Itália. "... Entre as nossas fontes, não há apenas as declarações das vítimas. Há também cartas de policiais que se queixam sobre a frequência com que a tortura seria aplicada aos detidos por terrorismo. " (Espresso 21-03-1982).
Itália declara indignada com a decisão do seu Ministro da Justiça e responde a um país democrático e que em Itália não se pode arriscar a própria segurança. Não é para mim julgar, mas tenho apenas uma referência: Bolzaneto. 8 anos atrás durante a cimeira do G8, em Génova, centenas de crianças de diferentes nacionalidades foram encarcerados, espancados e torturados por policiais. "Após dez horas de sessão fechada, o veredicto elimina a idéia de tortura e maus tratos sofridos pelo Ministério Público. Carry trinta arguidos, condenou-os apenas 15. Perante uma procura de um pouco menos de 80 anos de prisão, os tribunais têm apenas 24 e impostos, e exigindo all'indulto, nenhum dos condenados acabar na cadeia. "(República 14-07-2008).
Isto porque nos termos do direito italiano, o crime de tortura não é abrangido, e se existe a ofensa não se aplica a sanção.
Para dar uma idéia da política italiana interveio para reprimir o movimento, nascido nos anos setenta reporte um excerto de uma entrevista dada pelo ex-Presidente da República Francesco Cossiga para comentar sobre as manifestações estudantis de 2008:
(Lembro-me que Francesco Cossiga foi ministro do Interior, nos anos 1976-'78).
Presidente Cossiga, acho que pela ameaça do uso da polícia contra os estudantes Berlusconi tenha exagerado?
"Depende, se considera ser o presidente da Câmara de um Estado forte, não, ele fez muito bem. Mas desde que a Itália é uma oposição fraca e não há granito Pci mas Pd, temo que as palavras não irá acompanhar os fatos e que Berlusconi fará uma feja aparencia.
Quais fatos devem seguir?
"Maroni deve fazer o que fiz quando o Ministro do Interior."
Ou seja,?
"Em primeiro lugar, deixar os alunos saudades escola porque você acha que aconteceria se um garoto deixou gravemente feridos ou mortos ...».
A universidade vez?
"Deixe-os ir. Retirar a polícia das ruas e universidades, com o movimento infiltrar agentes provocadores prontos para tudo, e deixar que por cerca de dez dias os manifestantes devastino lojas, dando ao fogo e colocar as máquinas para o fogo e espada a cidade."
Depois disso?
"Depois disso, o forte apoio popular, o som das sirenes das ambulâncias terão a pairar sobre os carros da polícia e carabineiros.
No sentido de que ...
"No sentido de que a polícia não deveria ter piedade e enviá-los a todos para o hospital. Não prisão deles, por que então os juízes tenham perdoado imediatamente liberadas, mas batendo e batendo até mesmo os professores que incentivá-los. "
Mesmo os professores?
"Principalmente os professores."
Presidente, o seu é um paradoxo, não?
"Não digo mais, mas as meninas sim. Ele percebeu a gravidade do que está acontecendo? Há professores que indoctrinates crianças e levá-las para as ruas: um criminoso. "
E ela tem consciência do que se diz na Europa após a cura deste tipo? "Na Itália volta fascismo", disse.
"Mentira, esta é a receita para a democracia: apagar o fogo antes do incêndio" flare ".
Que fogo?
"Não exagere, eu realmente acho que o terrorismo vai retornar à sangrenta ruas deste país. Não é meu desejo de esquecer que as Brigadas Vermelhas não nasceram nas fábricas, mas nas universidades. E o slogan que utilizaram-lhes tinham utilizado antes do movimento estudantil e da esquerda sindical ".
E ', pois, possível que a história se repete?
"Não é possível, é provável. Para isso eu digo: não nos esqueçamos de que a BR surgiu porque o fogo não foi extinto no tempo. "
Na Itália, infelizmente, ninguém tem o interesse de assistir com um olhar crítico à anos'70 para encontrar uma solução política. Todos os políticos italianos são parecidos dissociado de eventos nesses anos escondendo o óbvio responsabilidades políticas de uma "crise" que a empresa italiana foi investir transversalmente, reduzindo os “Anni di Piombo” (anos de chumbo) de alguns episódios esporádicos de desordeiros. Assim como no caso das condenações de Battisti diríamos que Pac seria composta por um único personagem: Cesare Battisti. A partir desse processo, as decisões não Battisti, nem justiça, nem as vítimas que foram feitas um sacrifício cabra, mas que não tenha sido dada a verdade.
Sou contemporâneo desses acontecimentos e já os conhecia (não com tantos detalhes, claro). Daí minha certeza de que Cesare não tinha recebido julgamento justo.
Sempre disse que, nesse cipoal de versões e interpretações contraditórias, não dá nem para sabermos se ele é inocente ou culpado; mas, não existe a mais remota dúvida de que faltavam elementos comprobatórios para sua condenação.
Parece-me que o que mais pesa contra ele é ser escritor e poder contar ao mundo as infamias que a Itália cometeu na década de 1980. Querem silenciá-lo, acima de tudo.
Postar um comentário