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23.4.08

SOBRE MENINAS E ABUTRES

Celso Lungaretti (*)

Se o comissário Maigret, mestre em desvendar crimes a partir de um profundo conhecimento das motivações e fraquezas humanas, se pusesse a investigar o caso Isabella, sua conclusão provável seria de que a menina houvera sido vitimada pelo descontrole emocional da madrasta, com o pai tentando, canhestramente, acobertar a companheira.

E, com seu olhar compassivo para os seres humanos, mestre Georges Simenon decerto fecharia em clima melancólico essa novela de personagens destruídos num momento de fúria e reações insensatas. Não o primitivismo vingativo do “olho por olho, dente por dente”, mas o lamento civilizado pelo sofrimento inútil que os homens infligem a si mesmos.

Maigret cumpriria com pesar sua obrigação de entregar o imaturo casal à Justiça. Mas, decerto, seu sentimento seria bem outro em relação aos abutres que ultrapassam todos os limites da dignidade e do decoro para utilizar uma tragédia em benefício próprio.

O comportamento da imprensa neste episódio foi o de oferecer a dor extrema de algumas pessoas como espetáculo para a coletividade, sem jamais levar em consideração os efeitos que isso provocaria: desde os traumas causados em outras crianças cujos pais são separados até a possibilidade de que as turbas por ela incitadas linchassem os suspeitos ou se ferissem na tentativa. Revirou o lixo e emporcalhou-se com o sangue.

Além disso, ao persuadir maus agentes do Estado a vazarem laudos técnicos e depoimentos que estavam sob segredo de Justiça, trombeteando-os nos jornais nacionais, inviabilizou um julgamento justo, já que a opinião pública foi levada a condenar previamente os réus.

Nossa polícia sempre teve vezo autoritário, atuando mais como força repressiva e punitiva. Seus inquéritos tendem a ser peças de acusação e para a acusação, com o objetivo implícito de convencer promotores a denunciarem os suspeitos.

O espaço de atuação da defesa é a fase judicial, quando tenta desmontar a peça acusatória. Revelar prematuramente seus trunfos pode ser fatal para os advogados, que precisam contrabalançar nos tribunais a tendenciosidade com que muitas investigações policiais são realizadas.

Então, se a investigação policial é escancarada para o público, os pratos da Justiça se desequilibram, pois a defesa fica seriamente prejudicada e até (como neste episódio) praticamente inviabilizada.

A polícia substitui a promotoria, a opinião pública toma o lugar do tribunal e a malta está sempre pronta para cumprir a função do carrasco. Quando, além de tudo, esse rolo compressor leva a uma falsa conclusão, inocentes são esmagados, como no caso da Escola-Base.

Há algo de podre num país em que filmes justificam a tortura e a mídia contribui para submeter a Justiça à voz das ruas, por ela manipulada e arregimentada.

Não se sabe aonde este processo chegará, mas salta aos olhos que marcha na contramão da democracia brasileira, a tanto custo restabelecida.

· Celso Lungaretti, 57 anos, é jornalista e escritor. Mais artigos em http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/

4 comentários:

Anônimo disse...

aprovdos os comentários se estivessemos de acôrdo com sua reportage, a lei de Taliáo volta a encenar os quadros da nação,quanto notícias em devassa é um processo universal,quanto polícia repressiva o que o sr.desejaria que alissassem a cabeleira de Sansão,sempre uma mulher mais hábil que o retardo do pai assassino.Pena de morte,prisão perpétua(?)duvido que os colegas(!)deixassem respirar mais um minuto.Afinal é a vida de uma criança ceifada de todos os sonhos de futuro,ora a reza é interiorana,já sofremos com um govêrno corrupto,ainda temos que ser complascentes com assassinos,a espera´já é cúmplice,não acha? grata calypso

Anônimo disse...

Bom Dia Sr. Jornalista

Tenho quatro filhos,uma jornalista,uma advogada um arquiteto e também uma Isabella,
que hoje é uma competente Engenheira Agrônoma,mas já teve cinco anos de idade...que foram vividos intensamente com amor e carinho dos irmãos e pais.
Êste crime que chocou o Pais,me abalou profundamente.È como se fosse um filme de terror.Mas faço das suas as minhas palavras.
Durante todo êsse tempo, nunca vi nada tão coerente,tão sério. Que pena que alguns setores envolvidos não tenham sensibilidade para tratar um caso tão doloroso como êste.Parabens pela sua responsabilidade profissional
Sandra Maria
Brasilia-Df

Nelson Simões disse...

Muito corajoso da sua parte e acima de tudo sensato. Claro que o caso em si nos choca. Nós que não entendemos como uma família pode ser diferente daquela que temos ou tivemos. Daquela que idealizamos. Mas a midia tem agido de maneira tão absurdamente desumana que se iguala ao hediondo (possível) crime por parte do pai/madrasta.
Estou enojado de ver o caso ter destaque nas manchetes. É digno de repulsa? É. Mas igualmente digno de nojo são as artimanhas usadas pela midia para dar aquele detalhe sórdido (e exclusivo) que temos presenciado.
Parabéns por dizer aquilo que nos está entalado na garganta

Fernando Claro Dias disse...

Prezado Celso, o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade, pois sua atividade é de natureza social, tendo como finalidade o interesse público, uma vez que a base do Código de Ética tem como alicerce o direito fundamental do cidadão à informação, que abrange o direito de informar, de ser informado e de ter acesso à informação, o que implica compromisso com a responsabilidade social O Jornalista, também, está obrigado a defender os princípios constitucionais, defender a soberania nacional em seus aspectos político, econômico, social e cultural - base do Estado Democrático de Direito, defender os interesses do cidadão, das crianças, dos adolescentes, idosos, mulheres, negros, e das minorias, para a promoção das garantias individuais e coletivas. Tem, como direitos, dentre tantos, o de defender o livre exercício da profissão, resguardar o sigilo da fonte, lutar pelas liberdades de pensamento e de expressão e, o mais importante dos direitos, o de se recusar a executar quaisquer tarefas em desalinho com os princípios que norteiam seu Código de Ética. Assim é a denominada Cláusula de Consciência. O Jornalista Não Pode Divulgar Informações de Caráter Mórbido, Sensacionalista ou Contrário aos Valores Humanos, Especialmente em Cobertura de CRIMES e ACI Atuar em desrespeito ao Código de Ética incide em cometer DELITOS CONTRA A SOCIEDADE. É como você se pauta. Parabéns!
Fernando Claro

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