Malhães admitiu que cortava as mãos dos cadáveres para dificultar sua identificação |
Uma obra-prima de Sidney Lumet que ainda não obteve o merecido reconhecimento é O príncipe da cidade, de 1981.
Mostra a sofrida cooperação de um detetive da Divisão de Narcóticos de Nova York com os promotores que investigam a corrupção policial.
Lá pelas tantas, um desses promotores comenta que todo policial corrupto, lá no íntimo, quer mesmo é botar pra fora todos os seus malfeitos, pois está em permanente conflito com os valores que lhe inculcaram.
Sabe ter errado e anseia não só pela retirada de tal peso da consciência, mas também pela punição. Sua forma específica de autoflagelação é dar o serviço, exatamente como fazem os marginais que ele está acostumado a prender. Sente necessidade de se colocar no lugar deles, submetendo-se à rotina humilhante da confissão e delação.
Seja por sentimento de culpa, seja por quererem os holofotes voltados uma última vez na sua direção antes da morte que se avizinha, militares convocados pela Comissão Nacional da Verdade têm sido pródigos em desembucharem as monstruosidades que cometeram durante a ditadura de 1964/85.
As revelações até agora mais chocantes acabam de ser feitas pelo coronel reformado Paulo Malhães, hoje com 76 anos, que revelou como funcionava a Casa Morte de Petrópolis (RJ), admitiu ter torturado muitos presos políticos e executado "tantas pessoas quanto foram necessárias", descreveu como mutilava os cadáveres para dificultar sua identificação (destruindo-lhes as arcadas dentárias e digitais), etc. Haja estômago.
Então, mesmo sem ter levado a bom termo investigações cruciais nem conseguido obrigar os fardados da ativa a darem os esclarecimentos que lhes competiam (bem como a apresentarem o que ocultaram e ainda não tenham incinerado...), a Comissão poderá sair bem na foto, graças à compulsão dos pijamados em assumirem-se como os ogros que foram no passado.
Sem perceberem que, em sua decrepitude atual (mal disfarçada por tinturas para cabelo como a que Malhães evidentemente utiliza...), não inspiram mais medo. Somente nojo.
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