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29.1.10

DISSECANDO O PRIMARISMO POLÍTICO

Ao expor o primarismo político que grassa na esquerda virtual, escancarado nas diatribes contra a Anistia Internacional, eu não tinha ilusões quanto ao resultado.

Os companheiros com mais informações e melhor formação já nem se dão mais ao trabalho de confrontar o sectarismo dominante.

Sua atitude segue mais ou menos a racionália de um ótimo verso do poeta Capinan: "moda de viola não dá luz a cego".

Ou seja, guardam sua luz para si, dando como irremediável a cegueira dos autoritários de esquerda.

Esses novos bárbaros engendrados pelo refluxo revolucionário das últimas décadas, por sua vez, não têm a mais remota idéia de que a proposta original de Marx era levar a humanidade a um estágio superior de civilização, no qual cada homem pudesse desenvolver plenamente suas potencialidades, liberto dos grilhões da necessidade.

Marx nos apontou como objetivo último a instauração do "reino da liberdade, para além da necessidade". Quem luta atualmente por um objetivo tão formidável e, ao mesmo tempo, tão distante?

Uns se contentam em gerir o estado burguês no lugar dos burgueses, o que lhes dá condição de melhorarem um pouco a situação material dos trabalhadores e aliviarem, também um pouco, as agruras dos excluídos. Há um século seriam qualificados de reformistas.

Outros se fanatizam com projetos autoritários e personalistas de poder que, como bem lembrou o Carlos Lungarzo, têm mais afinidade com o fascismo original de Benito Mussolini do que com as políticas de esquerda.

Estes últimos, no afã de justificarem rudes transgressões dos direitos humanos, não hesitam em promover campanhas virtuais de descrédito da Anistia Internacional, da Human Rights Watch, da ONU e quem mais ainda preze os valores civilizados. Em sua marcha regressiva, implicitamente cancelam até a Grande Revolução Francesa.

É claro que, chegando aos 60 anos, não tenho prazer nenhum em ser alvo da sua irracionalidade em estado bruto.

Houve até quem colocasse em discussão se eu estaria sendo financiado pela CIA, o poder oculto atrás da AI, segundo a interpretação conspiratória da História... Ao atribuir motivos tão pequenos aos outros, esse cidadão projeta uma imagem horrorosa de si próprio.

Mas, alguém tem de empunhar a bandeira da esquerda libertária, mantendo viva a promessa de que os ideais revolucionários e a promoção dos direitos humanos voltarão a ser uma e a mesma coisa, norteando a nossa luta.

E, à falta de um companheiro com mais méritos e saber, eu cumprirei esse papel.

Simplesmente porque não consigo suportar a idéia de que um jovem tentado a fazer algo para melhorar o mundo, ao considerar a opção revolucionária, o faça a partir de modelos tão reducionistas, atrabiliários e pouco inspiradores como os de Hugo Chávez e Mahmoud Ahmadinejad.

Enquanto eu tiver forças e lucidez, continuarei repisando: isso que hoje passa por atuação de esquerda é quase nada, perto da visão grandiosa que os profetas do marxismo e do anarquismo descortinaram para a humanidade.

27.1.10

REVOLUÇÃO x DIREITOS HUMANOS: CONVERGÊNCIA OU ANTAGONISMO?


Prezados amigos

A ingenuidade mostrada pelo Lungaretti no artigo abaixo chega a ser comovente...

Acreditar que os GOLPISTAS hondurenhos, civis e militares, sejam julgados pelos mesmos tribunais que afastou Zelaya da chefia do poder executivo sem qualquer acusação VERDADEIRA é ser muito, mas muito INGÊNUO.

Acreditar numa organização (Anistia Internacional) que defende a legalização das eleições FRAUDULENTAS de Honduras e que espera que o BENEFICIÁRIO dessa fraude julgue alguém, vai às raias do RIDÍCULO. Aliás, em comentário anterior mencionei qua a AI é patrocinada pelo que há de mais CANALHA no mundo ocidental: a NSA (National Security Agency, USA) e a AIPAC (lobby sionista nos EUA) além de outras organizações de interesses privados do mundo ocidental.

A simples postura de PEDIR algo a um governo(?) ilegítimo já mostra reconhecimento internacional de um GOLPE de estado e reconhecer como poder legítimo um OPORTUNISTA como Porfírio Lobo.

As assertivas acima tornam o artigo abaixo simplesmente RISÍVEL e, pior, digno de COMPAIXÃO por uma pessoa que sempre, ou quase sempre, se colocou ao lado dos desvalidos e despossuídos nesta nossa luta pela emancipação da Pátria Grande.

Abraços a todos e nosso pesar pelo Lungaretti ter caído na esparrela da AI.

Castor Filho

* * *

Castor,

espero que desta vez você conceda espaço para o contraditório, disponibilizando a seus leitores aquele "outro lado" que a grande imprensa aboliu.

Parece-me que um de nossos objetivos na internet é exatamente o de resgatar as boas práticas jornalísticas, ocupando o espaço que a mídia patronal deixou vago. Mas, não será com simplismo e sectarismo que vamos lograr tal objetivo.

A Anistia Internacional é exatamente o que eu disse que é, a principal ONG que atua mundialmente na defesa dos direitos humanos.

Quanto a patrocínios, vêm de quem se dispõe a oferecê-los; o importante é se eles implicam ou não contrapartidas incompatíveis com o escopo do patrocinado.

Decerto, há instituições para as quais ter seu nome associado à respeitadíssima AI significa um reforço tão significativo de imagem, que este é o único retorno que colhem do patrocínio.

Você alega que um lobby sionista nos EUA patrocina a AI. E daí? Eu não darei a mínima, enquanto a Anistia estiver produzindo relatórios e adotando posicionamentos tão críticos às práticas de Israel como o que recentemente noticiei (Anistia Internacional acusa: Israel monopoliza água potável em Gaza) e como estes outros:
Israel/consciências aprisionadas: jovens estão presos por se negarem a prestar o serviço militar

Israel/territórios palestinos ocupados: acesso imediato dos trabalhadores humanitários e observadores essenciais

Israel/territórios palestinos Ocupados: é preciso investigar imediatamente o bombardeio israelense a um prédio da ONU em Gaza

Israel/territórios palestinos ocupados: nova investigação traz esperanças às vítimas de crimes de guerra

Israel/territórios palestinos ocupados: é preciso proteger a população civil de Gaza e de Israel

É necessária uma voz européia mais firme para desbloquear a crise humanitária do Oriente Médio

Israel/territórios palestinos ocupados: Gaza – a investigação da ONU deve ser ampliada

Israel/territórios palestinos ocupados: fim dos ataques ilegais e atendimento das necessidades emergenciais de Gaza

O Conselho de Direitos Humanos da ONU deve ajudar a população civil encurralada no conflito de Gaza
Ou seja, relacionei dez diferentes textos emitidos pela AI, com críticas consistentes e incisivas às atrocidades/iniquidades israelenses.

Nada mais se pode esperar de uma organização humanitária, além de enviar seus observadores para o palco dos acontecimentos e depois pressionar os transgressores com seus relatos, argumentos e autoridade moral. E isto a Anistia faz, exemplarmente.

Você também dá a entender que a AI tenha o rabo preso com uma seguradora estadunidense. Como se explicam, então, os relatórios/posicionamentos abaixo? É só abrir e conferir:
EUA: mensagens contraditórias do presidente Barack Obama sobre as medidas antiterroristas em seus primeiros 100 dias de governo

EUA: a revisão das condições de Guantánamo não aborda importantes questões de direitos humanos

Israel/territórios palestinos ocupados: nova remessa de armas para Israel - o presidente Barack Obama deve deter estas exportações

EUA: os primeiros 100 dias do Presidente Obama em matéria de medidas contra o terror

EUA: os vídeos da CIA demonstram a necessidade de investigar a fundo a “guerra contra o terror”
Ou seja, em todos os episódios envolvendo Israel e EUA que estariam no foco de uma organização de defesa dos direitos humanos, a AI não se omitiu. Fez sempre o que se impunha.

Querer mais do que isto é que constitui ingenuidade. Temos de tirar de cada instituição a contribuição que ela pode dar à causa da liberdade e da justiça social. A da AI é valiosíssima, como nós mesmos pudemos constatar muito bem quando estávamos sendo massacrados pela ditadura militar.

De resto, devem ser consideradas as sábias ponderações do Carlos Lungarzo, militante da Anistia Internacional há três décadas:
"Durante a ditadura de Micheletti houve em Honduras numerosos ataques contra manifestantes pacíficos, estupros, aplicações de tortura, brutalidade policial e alguns homocídios, que não podem ser comparados com a violência defensiva (muito pouca, afinal) dos partidários de Zelaya, que só pensavam em se defender.
"O governo de Lobo, mesmo que seja desagradável para uma visão social humanitária da sociedade, é um fato real, e exigir-lhe que preste conta pelos crimes do governo que lhe facilitou o acesso ao poder é uma atitude de sensatez que visa a punição dos crimes de estado, a não repetição dos mesmos, e a reparação das vítimas. Certamente, muitas pessoas (entre as quais me incluo) preferiríamos pedir a Evo Morales ou Hugo Chaves que façam justiça em Honduras, mas isso é impossível.

"Então, acusar aos que exigem que Lobo não seja complaciente com os criminosos de estado, não significa estar reconhecendo sua legitimidade eleitoral, menos ainda desprezando a resistência: implica admitir que ele tem o poder oficial, e seu governo é o único que pode, neste momento, fazer essas apurações".
Por último, quero ressaltar que não caí em esparrela nenhuma nem vejo a causa dos desvalidos e dos depossuídos como incompatível com a defesa dos direitos humanos. Muito pelo contrário.

Já publiquei vários textos importantes do Conselho de Direitos Humanos da ONU, da Human Rights Watch e da Anistia Internacional; e continuarei a fazê-lo, sempre que estiverem certos em seus posicionamentos (quase sempre estão!).

Quando meu blogue Náufrago da Utopia completou um ano, em agosto último, já disse tudo que tinha para dizer sobre esse tipo de críticas. Só me resta repetir:
"...enunciei que sua missão seria a defesa dos ideais revolucionários e dos direitos humanos, bem como o exercício do pensamento crítico; e que estas três bandeiras seriam defendidas simultaneamente e em pé de igualdade, jamais priorizando-se uma em detrimento da outra.

"Trocando em miúdos, os direitos humanos não são sacrificáveis às conveniências revolucionárias. Luto por uma revolução que os contemple a todo momento, não por uma que os negue no presente, na esperança de restabelecê-los num futuro que acaba nunca chegando.

"Do stalinismo e da esquerda autoritária estou fora há muito tempo e continuarei apartado pelo resto dos meus dias."
CELSO LUNGARETTI

* * *

Prezado Lungaretti

Em primeiro lugar não existe isso de "outro lado" entre pessoas que lutam por um propósito comum. Outra coisa, não pretendo resgatar quisquer "boas práticas jornalísticas", pois isso NUNCA existiu, não existe e jamais existirá.

O Objetivo Maior da rede castorphoto é DESTRUIR o jornalismo, os jornais e assemelhados, incluindo os JORNALISTAS tal como os conhecemos hoje. Esta é a razão do porquê da rede castorphoto (assim mesmo com letra minúscula) ser uma rede de informação e NÃO uma rede de discussão como tantas outras. E que cresce diariamente...

Nosso trabalho é simples:
- Juntamos montes de endereços (e-mails)
- Dividimos por áreas de interesse
- Dividimos novamente entre 70 colaboradores diretos e 283 colaboradores indiretos (cada um desses colaboradores tem sua própria lista pessoal de distribuição, a qual varia de 150 a 220 e-mails por colaborador).

Temos uma estimativa criada através de informações e práticas de controle que hoje, tão logo transmitimos um e-mail por um dos nossos 25 endereços, incluindo aí minha lista pessoal da qual você faz parte, cerca de 40.000 pessoas terão disponibilizados em suas CPs este e-mail em aproximadamente 60 minutos, em média.
- Tomamos o MÁXIMO cuidado em transmitir apenas mensagens que INTERESSAM aos objetivos POLÍTICOS da rede castorphoto. Quer dizer: NÓS TEMOS LADO e não compartilhamos os ideais pseudo-democráticos aos quais você eventualmente idealizou e/ou pretende ver realizado.

Penso que agora você terá entendido os OBJETIVOS e COMPROMISSOS da rede castorphoto.

Outro assunto: Anistia Internacional

Esta é uma organização semelhante aos Repórteres Sem Fronteiras ou Médicos Sem Fronteiras e a quase totalidade das ONGs de DHs. Isto é, uma organização PAGA, DIRIGIDA E COORDENADA por INTERESSES CONTRÁRIOS àqueles propostos pela rede castorphoto.

A AI, sem dúvida a maior ONG de DHs do mundo, pode produzir quantos relatórios quiser, contratar quantos cientistas puder, alinhar em seus quadros quantos HOMENS DE BOA VONTADE (como você e o Lungarzo, p. ex.) conseguir, mas ela terá sempre um INTERESSE MAIOR e inconfessável: a manutenção do "status quo" no mundo, seja na POLÍTICA internacional (com suas investidas pontuais e segmentadas nas políticas nacionais), seja na ECONOMIA mundial, seja na aplicação do TERRORISMO DE ESTADO. Tudo conforme os interesses de seus PATROCINADORES.

Um parêntese: em 1964 logo após o golpe de 1o. de abril, mês de maio, apareceu no Mackenzie (SP) uma comitiva da AI chefiada por um hindu que falava inglês de Oxford, para DEFENDER e REFERENDAR o golpe de estado aqui na terrinha. E mais, percorreu praticamente TODAS as universidades da cidade (USP, PUC, Sedes Sapientie e outras) num trabalho que pode ser classificado de catequese. Tudo patrocinado pela EMBAIXADA DOS EUA.

Você enviou uma quantidade de RELATÓRIOS, provavelmente caríssimos e realizados por homens mulheres seríssimos, mas que NINGUÉM, exceto uma minoria menos que mínima e que pouquíssimo ou nenhum IMPACTO causará na HUMANIDADE.

A razão é simples: A AI perderia todo o seu patrocínio se comprasse, p. ex., várias PRIMEIRAS PÁGINAS e TEMPO EM JORNAIS TELEVISIVOS pelo mundo para DIVULGAR esses mesmo maravilhosos relatórios que você me enviou. Sabe o porquê? Porque massificar esses relatórios na MÍDIA NÃO INTERESSA AOS DONOS DO MUNDO. Interessa apenas aos INGÊNUOS que acreditam nos belíssimos relatórios os quais, como diria minha avó, serão lidos por "meia dúzia de três ou quatro".

Fico imaginando um desses relatórios nas primeiras páginas do NYTimes, do WPost, do USA Today, do The Times da FSP, do O Globo. Ou como chamada de "capa" do CNN News, CBS News, do JN da Globo etc. etc.

Quer dizer: eles gastam uma graninha para pagar os competentes e sérios fazedores de relatórios maravilhosos e ECONOMIZAM na DIVULGAÇÃO desses mesmos relatórios. Seria e É muita ingenuidade ACREDITAR nessas ONGs de DHs...

Pode ser, é até mais provável, que existam alguns "colaboradores" interessados tão somente na GRANA angariada por essas ONGs do que nos DHs propriamente ditos. Afinal, é apenas uma maneira de ganhar a vida...

P'ra terminar: Honduras é apenas um "prato" entre muitos para o apetite dessas ONGs de araque. Produzir o ÓBVIO é fácil. Nós, da rede castorphoto, distribuímos DIARIAMENTE para INÚMEROS países da AL, Brasil inclusive, os "sites" de Honduras com relatos do povo partícipe da luta contra a Golpe de lá. P'ra que AI ou outra ONG qualquer fazer um "relatório" sobre o que lá ocorre se temos o próprio testemunho do povo local? É o mesmo que acreditar que existe um governo Lobo em Honduras... Pedir algo a um governo que não existe é referendar sua existência. Cadê a seriedade disso?

Seria outro RELATÓRIO GOLDSTONE? Aquele que serviu para Israel, os EUA e toda a direitona "morrerem de rir" do sofrimento do povo palestino...

Caro Lungaretti, sabemos o quanto você penou durante a vigência do golpe militar em nosso país, mas isso não lhe dá "carta de alforria" para servir de "bucha de canhão" para a "maior ONG de DHs no Mundo" totalmente vinculada e obediente aos interesses dos EUA.

E nem mencionei o FATO da expulsão da AI da Venezuela por MENTIR vergonhosamente no "relatório" sobre DHs naquele país...

Abraço

Castor

* * *

Castor,

desde que os movimentos revolucionários surgiram, sempre houve vários lados. A diferença é que com os companheiros de outras tendências discutimos, enquanto aos inimigos combatemos.

P. ex., no nosso caso são evidentes as divergências estratégicas (entre um libertário e um autoritário) e táticas (entre quem pretende desenvolver um jornalismo realmente informativo/formativo/opinativo, na suposição de que a verdade seja sempre revolucionária, e quem pretende apenas fazer panfletarismo de esquerda).

Sua visão sobre direitos humanos é exatamente a dos que os sacrificam em nome de valores que acreditam ser maiores. Como Stalin.

E sua miopia em relação ao Relatório Goldstone e à Anistia Internacional é simplesmente estarrecedora. Com tais preconceitos, a esquerda jamais voltará a disputar o poder nas nações centrais -- aquelas que, por terem as forças produtivas mais desenvolvidas, acabam traçando o caminho que as demais seguirão, segundo Marx.

Ou seja, seus conceitos nos condenam a permanecermos como a vanguarda dos países atrasados. Os meus tentam tornar a esquerda de novo influente nas nações que determinam o futuro da humanidade.

Já o fomos. Poderemos sê-lo novamente. Mas, não com arbitrariedades e truculência, pois os cidadãos civilizados hoje são ciosos de sua liberdade. Não a trocam por caudilhos e homens providenciais.

E, se a sua rede não admite a discussão, viola um valor sagrado para a esquerda resultante da negação do stalinismo, à qual sempre pertenci.

Então, é hora de separarmos nossos trabalhos.

E, como a transparência é, para mim, um valor fundamental, publicarei em meus espaços os quatro textos desta polêmica que você sonegou do seu público. Eu não a sonegarei do meu.

CELSO LUNGARETTI

26.1.10

HONDURAS: ANISTIA INTERNACIONAL PEDE CASTIGO PARA CRIMES DOS GOLPISTAS

Graves violações de direitos humanos foram cometidas pelo governo golpista de Roberto Micheletti, com os agentes de segurança hondurenhos fazendo "uso excessivo da força" ao reprimirem protestos contra a deposição do presidente constitucional Manuel Zelaya.

A conclusão é da Anistia Internacional, a mais respeitada ONG dedicada à defesa dos direitos humanos em todo o planeta, cujos representantes, depois de ouvirem "dezenas de testemunhas", saíram de Honduras convencidos de que ocorreram execuções ilegais, torturas, estupros e prisões arbitrárias no período subsequente ao 28 de junho em que Zelaya foi arbitrariamente expulso do país:
“Centenas de pessoas que se opunham ao golpe de Estado foram agredidas e detidas pelas forças de segurança durante os protestos nos meses seguintes. Mais de dez teriam sido mortas durante os conflitos, de acordo com relatos”.
No relatório que acaba de divulgar, a AI garante, ainda, que ativistas de direitos humanos, líderes oposicionistas e juízes sofreram ameaças e intimidações; e que meninas e mulheres foram abusadas sexualmente.

Kerrie Howard, vice-diretora da AI para as Américas, exige providências do presidente eleito de Honduras, Porfírio Lobo, que tomará posse nesta 4ª feira (27):
"O presidente Lobo deve garantir um novo começo para os Direitos Humanos em Honduras ao garantir que os abusos cometidos desde o golpe de Estado não sejam esquecidos nem fiquem impunes".
Lobo, entretanto, já anunciou que pretende fazer aprovar uma anistia ampla, beneficiando tanto Zelaya e seus partidários quanto os golpistas de Micheletti.

Algo assim como a Lei de Anistia brasileira, que igualou as atrocidades cometidas pela repressão política aos atos praticados por civis que resistiam ao despotismo.

Há, claro, diferenças entre ambos os golpes:
  • os militares brasileiros viraram a mesa sem terem o aval de nenhum Poder, enquanto em Honduras o Legislativo e o Judiciário respaldaram o afastamento de Zelaya;
  • mas, Manuel Zelaya foi privado do seu direito constitucional de defender o mandato que conquistou nas urnas, pois o expulsaram ilegalmente de Honduras, ao invés de julgarem-no pela tentativa promover um plebiscito talvez ilegal;
  • então, o governo de Micheletti acabou sendo tão ilegítimo quanto o dos generais ditadores do Brasil, e os atos de que a AI o acusa devem ser chamados pelo que foram, terrorismo de estado para preservar uma tirania;
  • e, como o afastamento de Zelaya não cumpriu os rituais democráticos, ele e seus partidários não são, até agora, culpados de delito nenhum, apenas acusados;
  • então, não tem o mínimo cabimento colocar no mesmo plano tais acusações e os assassinatos, torturas, estupros e intimidações perpetrados pelo governo ilegal de Micheletti.
Aqui também cabe um paralelo, com a tese ridícula e juridicamente indefensável que Ives Gandra Martins e outros defensores da ditadura brasileira difundem, de que supostas intenções totalitárias das forças de esquerda justificariam a derrubada de um presidente legítimo e a imposição do totalitarismo no Brasil por parte dos golpistas de 1964.

Concluindo: está certíssima a AI quando exorta Lobo a levar aos tribunais as bestas-feras de Honduras.

E Zelaya jamais deve aceitar uma anistia que o coloque no mesmo plano dessas bestas-feras.

Se for este o preço para viver livremente e retomar a carreira política em seu país, a única opção digna para ele é mesmo o exílio.

22.1.10

"FOLHA" FAZ NOVA PROVOCAÇÃO

Ives Gandra Martins é um advogado tributarista que ensina a grandes clientes como pagarem menos, ou nenhum, imposto de renda.

Ou seja, presta relevantes serviços à causa da desigualdade social, já que alivia os ricos das mordidas do leão, enquanto os pobres, não contando com assessoria jurídica da mesma qualidade, acabam se sujeitando a tributos injustos e até ilegais.
Houve tempo em que ele era atração exclusiva do jornal O Estado de S. Paulo, eternamente alinhado com os interesses empresariais.

Agora, a Folha de S. Paulo também lhe concede espaço de articulista. E não na sua área específica, mas para falar sobre o que desconhece e não tem isenção para abordar: ditadura militar x resistência.

Seu artigo de hoje (22), Guerrilha e redemocratização, não passa de uma síntese da propaganda enganosa que os sites fascistas trombeteiam sobre o período de 1964/85 e, mais especificamente, sobre a terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos.

Parece que, ao lecionar Direito na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e na Escola Superior de Guerra, foi ele quem recebeu lições dos alunos: ensinaram-lhe o Torto.

Diz que, ao resistir ao terrorismo de estado implantado pelos golpistas de 1964, "a guerrilha apenas atrasou o processo de retorno à democracia".

Justifica as atrocidades ditatoriais com a falácia de que os verdadeiros responsáveis foram os que não se submeteram a viver debaixo das botas, pois "ódio gera ódio, e a luta armada acaba por provocar excessos de ambos os lados". É a velha piada do brutamontes se queixando de haver machucado a mão ao esmurrar a cara de um fracote...

Minimiza a contribuição dos movimentos de resistência à democratização, que, segundo ele, se deveu principalmente à atuação da OAB e de alguns parlamentares.

Aponta Hugo Chávez como eminência parda do PNDH-3 ("o programa é uma reprodução dos modelos constitucionais venezuelano, equatoriano e boliviano"), o qual estaria sendo "organizado por inspiração dos guerrilheiros pretéritos" (leia-se Paulo Vannuchi).

E insinua que a presidenciável do PT tem esqueletos no armário, pois, se forem apurados também os excessos porventura cometidos pelos resistentes, "isso não será bom para a candidata Dilma Rousseff". [Se tivesse algo consistente para dizer faria acusações concretas, ao invés de servir-se de indiretas para insuflar suspeitas, sem correr o risco de ser acionado por calúnia e difamação.]

Caso essa visão distorcida e tendenciosa da extrema-direita, expressa pelo Gandra Martins, tivesse a mínima relevância à luz dos valores civilizados, seria fácil refutar seu artigo de amador que invade destrambelhadamente a seara dos profissionais.

Mas, nem ele é importante como analista político, nem os artigos de Opinião da Folha são referencial para coisíssima nenhuma atualmente.

O jornal da ditabranda está sempre laçando fascistas acidentais para escreverem textos provocativos, capazes de motivar muitas refutações. Quer dar a impressão de que ainda é um veículo polêmico, trepidante.

Não farei o seu jogo, pois tanto a Folha de S. Paulo quanto o ideário que norteou o artigo de Gandra Martins só merecem de mim o mais absoluto desprezo.

21.1.10

GOVERNO BELUSCONI LANÇA A "OPERAÇÃO MÃOS SUJAS"














A "Lei Berlusconi" repete a "Lei Fleury": casuísmo
para manter delinquente poderoso fora das grades.

Quando o grande promotor Hélio Bicudo obteve a condenação do delegado Sérgio Paranhos Fleury pelos crimes cometidos como líder do Esquadrão da Morte de São Paulo -- quadrilha de policiais que executava contraventores e, apurou-se depois, era financiada por um grande traficante para eliminar seus concorrentes --, os deputados subservientes à ditadura criaram uma lei com o objetivo exclusivo de evitar que ele ficasse merecidamente atrás das grades.

Apelidada de Lei Fleury, ela alterou a regra segundo a qual os condenados em primeira instância deveriam aguardar presos a sequência do processo. Abriu-se uma exceção para os réus primários, com bons antecedentes e residência fixa.

Foi a retribuição do regime militar a um de seus principais carrascos, responsável pela tocaia contra Carlos Marighella, pela chacina da Lapa, pelo dantesco suplício que antecedeu o assassinato de Eduardo Leite (o Bacuri) e, enfim, por um sem-número de homicídios e torturas.

Em nome do serviço sujo e sanguinário que efetuou a partir de 1968 na repressão política, anistiaram-no informalmente das atividades paralelas que ele antes desenvolvera, ao atuar no radiopatrulhamento de São Paulo.

A introdução de uma lei casuística, para aliviar a situação de um poderoso nos processos que já estavam em curso, é até hoje motivo de opróbrio para o Estado brasileiro -- uma das muitas aberrações que marcaram o período 1964/85.

A Itália está prestes a seguir um dos nossos piores passos -- e em plena democracia! Não tem sequer a atenuante de serem ilegítimos os seus representantes que propõem tal descalabro.

O Senado italiano aprovou nesta 4ª feira (20) projeto de lei do Executivo alterando o prazo de prescrição dos processos judiciais, de forma que aqueles nos quais premiê Silvio Berlusconi é reu (fraude fiscal e suborno) passem a prescrever em seis anos e meio, ao invés dos dez anos atuais.

Ou seja, o governo Berlusconi propôs uma lei que beneficia Berluconi... e o Senado baliu amém.

Se a Câmara também coonestar essa imundície, o premiê terá conseguido escapar pela tangente de todos os processos que lhe são movidos.

Que dizer de um país que aceita ter como primeiro-ministro não um cidadão inocentado das acusações que lhe foram feitas, mas sim um contraventor favorecido pela prescrição dos seus delitos?! Ainda por cima, utilizando em causa própria os poderes que lhe foram concedidos pelo povo italiano.

Também pela tangente, Berlusconi está conseguindo escapar da condenação a que faria jus por ter dado cobertura política à Cosa Nostra na década passada. Esteve a soldo do chefão responsável pelo assassinato de um juiz e seus cinco seguranças.

Se concretizada, a virada de mesa vai produzir um verdadeiro terremoto na Justiça italiana: o número de processos que prescreverão poderá chegar a 100 mil, incluindo grandes casos de falência fraudulenta, como o da Parmalat.

E o Executivo e o Legislativo, acumpliciados, terão conseguido abortar a cruzada contra a impunidade desenvolvida pelo Judiciário, seguindo a tradição dos heróicos magistrados que ousaram confrontar a Máfia com a Operação Mãos Limpas.

Emblematicamente, é um político que protegia mafiosos o atual pomo da discórdia.

Berlusconi encabeça a Operação Mãos Sujas.

20.1.10

LIGA DOS DIREITOS DO HOMEM APELA A LULA POR BATTISTI

Comumente referida apenas como LDH, a Liga Francesa para a Defesa dos Direitos do Homem e do Cidadão é a mais prestigiosa ONG empenhada na observação, defesa e promulgação dos DH na República Francesa, em todos os domínios da vida pública; integra a Federação Internacional de Direitos Humanos.
Eis a íntegra da mensagem que enviou ao presidente Lula:
Paris, 24 de Novembro de 2009.

Exmo. Sr. Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente da República Federativa do Brasil

Senhor Presidente,

Vossa Excelência ouviu as graves acusações, de terrorismo e mortes, que pesam sobre Cesare Battisti. Vossa Excelência ouviu também seus defensores explicarem a total ausência de provas e testemunhos quanto à sua culpa, o papel extremamente duvidoso dos “arrependidos” durante o processo, as suspeitas que pairam sobre várias peças do dossiê.

O senhor também ouviu, senhor Presidente, alguns italianos, de esquerda como de direita, reclamarem sua extradição. As ofensas midiáticas e diplomáticas não deixam espaço para a dúvida e para pontos de vista contraditórios. Esta súbita obstinação contra um homem com o qual ninguém se preocupou durante tantos anos bem demonstra que Cesare Battisti se tornou um mero trunfo político-eleitoral. Por que não se preocupam com os outros italianos exilados, de extrema-esquerda e, sobretudo, de extrema-direita, com comprovada responsabilidade em atentados?

Vossa Excelência é o chefe de um grande país, o Brasil, e se, num primeiro momento, outorgou um refúgio político a Cesare Battisti tendo em vista sua situação e em conformidade à Constituição brasileira, também viu, num segundo momento, o Supremo Tribunal Federal assenhorear-se do caso, e viu pessoas que, por sua vez, tentaram transformá-lo num trunfo de política interna. Para essas pessoas, mais uma vez, pouco importa o destino de um homem.

Após a resolução do Supremo Tribunal Federal, o destino de Cesare Battisti passou a depender única e exclusivamente de Vossa Excelência. Vossa Excelência sabe que Battisti vem protestando há vários anos, afirmando que jamais dirigiu essa organização de que fazia parte, e que jamais cometeu os crimes de que é acusado. Porém, ninguém o escuta, e aparentemente pouco importa a seus acusadores que ele seja culpado ou inocente. Para eles, Battisti é antes de tudo um símbolo. E o discurso desses acusadores não fala de Direito, mas da vingança, essa inimiga da Justiça.

O caso Battisti cria um imenso mal-estar em todos os amantes da justiça e da liberdade: será justo condenar um homem e, o que quer que ele tenha feito, deixá-lo morrer, simplesmente por ter se tornado, nos últimos cinco anos, um objeto de troca, o trunfo de querelas políticas e de transações econômicas nacionais e internacionais? Este seria o extremo oposto de um ponto de vista humanista.

O engajamento pode levar à rebelião. A rebelião, quando fracassa, pode levar à prisão. A rebelião, quando vitoriosa, pode levar à responsabilidade política. E a política, por necessidade, leva a compromissos. Isso nós compreendemos, senhor Presidente, como compreendemos que Vossa Excelência se encontra diante de um problema complexo. É uma imensa responsabilidade. É também um imenso privilégio perante a Justiça e a História. Ao dizer “não” à extradição deste homem, Vossa Excelência poderá refutar essa iniciativa selvagem, em que a vida de um homem nada significa quando os poderosos, um Estado, ou até multidões clamam pelo sacrifício de um bode expiatório.

Pois bem sabe Vossa Excelência que a pessoa de Cesare Battisti não pode se reduzir a um mero símbolo. Cesare Battisti é antes de tudo um ser humano. A seu pedido, ele interrompeu sua greve de fome. Isso prova que ele confia em Vossa Excelência.

Também nós confiamos. Pois estamos seguros de que o presidente da República Federativa do Brasil não deixará que se entregue esse homem a um país que clama tão tardiamente, e com excessiva ferocidade, por uma injusta vingança. E a História há de lembrar.

Rogamos que aceite, senhor Presidente, os protestos de nossa admiração e a expressão de nosso imenso respeito,

Jean-Pierre Dubois
presidente da Liga dos Direitos do Homem (LDH)

Michel Tubiana
presidente honorário da Liga dos Direitos do Homem (LDH)

(com a colaboração de Gérard Alle, escritor,
Comitê francês de apoio a Cesare Battisti)

17.1.10

CRISE MILITAR TEM DESFECHO PÍFIO E DEIXA INDEFINIÇÕES


Em tempos de um futebol menos robotizado, os torcedores sabiam que, do craque, sempre se pode esperar um lampejo salvador, mesmo faltando apenas um minuto e ele nada tendo feito de útil nos 89 anteriores.

Colunista veterano também é assim. Canso de ler diatribes de jovens internautas contra os Albertos Dines, Clovis Rossis e Jânios de Freitas da vida. E tenho vontade de recomendar-lhes, como Pelé fez, gesticulando à torcida vascaina que o vaiava no finalzinho de um jogo que o Santos perdia por 1x0 no Maracanã: "esperem e verão!".

Vira e mexe eu reverencio aqui os grandes artigos desses três, que já não os produzem com a assiduidade de outrora, mas continuam capazes de esgotar o assunto quando acordam inspirados.

O de Jânio de Freitas na Folha de S. Paulo neste domingo (17), Precisamos, em vão, é simplesmente obrigatório, com destaque para este parágrafo:
"É preciso discutir o que significa, para o regime e para a cidadania, o poder autoatribuído pelos comandos militares e reconhecido pelo presidente da República de impedir, sobrepondo-se à ordem institucional proclamada, medidas autorizadas ou determinadas pela Constituição. Os militares não se tornaram democratas, como têm atestado tantas demonstrações do seu apego à memória da ditadura. Mas, daí a interferir na função e na autoridade de um poder constituído, vai a distância entre regime constitucional democrático e a falência desse regime, da Constituição e da cidadania".
Os militares deram um murro na mesa em 2007, para impedir que os brasileiros exercessem seu direito à memória e à verdade.

Têm atrapalhado de todas as formas o esclarecimento de episódios históricos e até o resgate dos restos mortais pelos quais as famílias clamam -- muitas delas, coitadas, acalentando até hoje a sofrida esperança de que seus desaparecidos não tenham sido executados, hajam escapado.

Alguns militares já foram até pilhados pela imprensa (nada menos que o Fantástico!) fazendo fogueirinha dos registros de crimes antigos, sem que nada lhes acontecesse.

E, nas últimas semanas, voltaram os fardados a tentar impor sua autoridade ao próprio presidente da República, que é seu comandante supremo.

Justiça seja feita: desta vez o que houve não foi, propriamente, uma rendição incondicional de Lula, que, entretanto, perdeu ótima oportunidade para colocar os comandantes insubordinados no seu lugar, demitindo-os no ato.

Ele reagiu com certa indiferença ao ultimato dos militares e respectivo ancião de recados (aquele civil que gosta de se fazer fotografar em uniforme de campanha...), deixando a decisão para depois de suas férias e, finalmente, reduzindo tudo a um copidesque semântico que não desprestigiou ostensivamente nem o ministro da Defesa (Nelson Jobim) nem o dos Direitos Humanos (Paulo Vannuchi)... mas equivaleu um balde d'água fria atirado nos brasileiros que prezam a democracia e os valores civilizados.

Ou seja, Lula apenas se livrou de um problema espinhoso, transferindo o abacaxi para o grupo interministerial que vai elaborar o projeto de lei instituindo a Comissão Nacional da Verdade; e para o Congresso, que dará a palavra final.

Só daqui a bom tempo saberemos se vai mesmo existir uma Comissão da Verdade, se ela apurará mesmo o que tem de ser apurado (as atrocidades perpetradas pela ditadura de 1964/85) e se o Estado brasileiro oferecerá ou não aos militares o contrapeso meramente propagandístico de incluir no pacote a investigação de excessos cometidos pelas vítimas durante uma luta de resistência à tirania.

Isto, claro, se houver vontade política para se dar um xeque-mate nesta questão em pleno ano eleitoral.

Caso contrário, tudo dependerá do perfil ideológico de quem vai estar envergando a faixa presidencial a partir de 2011.

14.1.10

BLEFE MILITAR FRACASSA E IMPRENSA CAI NO RIDÍCULO

O parto da montanha foi um rato: nem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cedeu como os comandantes militares exigiam, nem rechaçou explicitamente sua chantagem como os democratas prefeririam.

Com seu habitual estilo contemporizador, primeiramente deu tempo ao tempo, esperando a temperatura política baixar.

Depois, fez retoques semânticos na terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos, conforme o ministro da Defesa (Nelson Jobim) propôs e o dos Direitos Humanos (Paulo Vannuchi) concordou.

[A reunião, segundo a imprensa, durou apenas "pouco mais de meia hora", reforçando a impressão de que os atores estavam mesmo é posando para suas respectivas clientelas, bem ao estilo do teatro político...]

Então, onde se dizia que a Comissão Nacional da Verdade iria apurar os crimes cometidos pela repressão política, agora está dito que o foco de suas investigações serão as violações de direitos humanos.

Ponto para os militares? Nem tanto. Pois não se-lhes concedeu o que eles mais gostariam de ver no papel: a equiparação das atrocidades da ditadura às ações violentas dos resistentes. Tal mostrengo foi considerado inaceitável, felizmente.Só que não se cravou a estaca no coração do vampiro, pois competirá à Comissão "identificar e tornar públicas as estruturas utilizadas para a prática de violações de direitos humanos, suas ramificações nos aparelhos de Estado, e em outras instâncias da sociedade".

Ou seja, nesse balaio entra qualquer coisa, conforme o gosto do freguês.

É óbvio que as estruturas transgressoras dos direitos humanos, ramificadas nos aparelhos de Estado, nada mais eram do que o DOI-Codi, os Dops (depois Deops) e os serviços secretos do Exército, Marinha e Aeronáutica,

Quanto às ramificações dessas estruturas em outras instâncias da sociedade, aí há pano para manga.

Democratas colocarão neste escaninho:
  • a Operação Bandeirantes, filha bastarda que nenhum pai registrou em cartório (foi estrutura informalmente por militares e policiais civis, com financiamento de empresários fascistas) mas deteve poder de vida e morte sobre os resistentes;
  • os aparelhos clandestinos da repressão, como a Casa da Morte de Petrópolis e o sítio do delegado Sérgio Paranhos Fleury, para onde eram levados os resistentes cuja prisão não se pretendia formalizar, pois estavam marcados para morrer e evaporarem;
  • os procedimentos ilegais, criminosos e hediondos efetuados no âmbito da Operação Condor;
  • o Comando de Caça aos Comunistas (que voltou ao noticiário ultimamente por conta da incontinência verbal de um de seus quadros históricos) e bandos congêneres de paramilitares;
  • os terroristas que lançavam bombas em instituições como a OAB e a ABI, incendiavam bancas de jornais e planejaram o atentado do Riocentro.
OS CORVOS E SEUS GRASNADOS

Mas, o Jarbas Passarinho e outras aves de mau agouro decerto vão grasnar que as vítimas também cometeram excessos, ao reagirem à truculência dos governos golpistas e respectivos carrascos.

E seus grasnados soarão em volume exageradíssimo na grande imprensa, ensurdecedores a ponto de abafar os argumentos dos seres humanos sensatos e justos. Como sempre.

Então, tudo doravante dependerá, inicialmente, do grupo interministerial que vai elaborar o projeto de lei instituindo a Comissão da Verdade; e depois, de sua tramitação no Congresso Nacional.

O primeiro deveria concluir seu trabalho até 21 de abril, para constar das comemorações do dia de Tiradentes. Vamos ver se o timing será mantido.

Mesmo que não haja prorrogação, dificilmente o Congresso dará à luz essa lei nos oito meses finais do Governo Lula. Ainda mais se tratando de um ano eleitoral, em que o esvaziamento de suas sessões já se tornou uma melancólica rotina.

O balanço final do episódio, portanto, é:
  • apesar de alguma ambivalência no tocante à Comissão da Verdade, a decisão de Lula manteve a integridade do PNDH-3;
  • caberá aos democratas, com sua mobilização, evitarem que seja desfigurado adiante;
  • o abacaxi só será efetivamente descascado (ou não) pelo próximo Governo, a quem caberá colocar em prática ou manter no limbo as iniciativas do PNDH-3;
  • os alarmistas da grande imprensa caíram em ridículo total, ao apresentarem como golpe de estado um pacote de medidas que o Governo tem pleno direito de propor, mas cuja implementação depende do crivo parlamentar, como é regra nas democracias.
Talvez o mais auspicioso deste episódio tenha sido a constatação de que Lula aprendeu a dar o justo peso aos blefes militares.

Há dois anos e meio, uma nota oficial do alto comando do Exército o fez desistir da cassação do habeas corpus que os criminosos da ditadura militar previamente se concederam: impôs a diretriz de que a Lei de Anistia permaneceria intocável, no âmbito do Executivo.

De lá para cá, Lula adquiriu uma melhor percepção da força de que realmente dispõem os reacionários: não passam de liliputianos que os holofotes da mídia fazem parecer gigantes.

E está se permitindo até escarnecer das tempestades em copo d’água da imprensa, como quando negou que Jobim, Vannuchi e os comandantes militares o tivessem pressionado com pedidos de demissão:
“A única coisa que chegou na minha mão foram divergências entre dois ministros, que foram resolvidas hoje [13/01]".

13.1.10

CASO BATTISTI: LÍDER DA BANCADA DE BERLUSCONI AMEAÇA O BRASIL

O estilo de vida de ontem se mantém na Itália de hoje. Tomara que a desonra acabe amanhã...

O senador italiano Maurizio Gasparri, líder da bancada governista, acaba de deitar falação à Ansa, ameaçando: se o Brasil não extraditar o perseguido político Cesare Battisti, poderá haver "nefastas consequências" para o relacionamento entre os dois países.

Numa atitude de extremo desrespeito para com o primeiro mandatário da Nação brasileira, Gasparri tenta ganhar no grito do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, esquecendo-se, inclusive, de que não é ele o seu interlocutor protocolar, mas sim o presidente do Senado José Sarney.

Além da demonstração que deu de grosseria e desconhecimento das regras mais elementares da diplomacia, ele ainda incorreu noutro primarismo atroz: arrogou-se a questionar o presidente de uma república estrangeira não por declarações que tenha dado, mas pelas intenções que a mídia lhe atribui.

Assim, Gasparri disse esperar "que não seja verdadeira a notícia veiculada pela imprensa brasileira", de que Lula tende a confirmar a decisão soberana que o Governo brasileiro tomou um ano atrás.

Seria o caso de Sarney também dar entrevista a alguma agência noticiosa internacional, manifestando sua esperança de que não seja verdadeira a notícia veiculada pela imprensa italiana de que o premiê Silvio Berlusconi já prestou serviços à Máfia...

O certo é que as pressões insultuosas e descabidas das autoridades italianas sobre o Brasil começaram em janeiro/2009, quando o ministro da Justiça Tarso Genro, no exercício de suas prerrogativas, concedeu o refúgio humanitário a Battisti (depois absurdamente questionado pelo Supremo Tribunal Federal, num de seus muitos julgamentos recentes em que motivações políticas prevaleceram sobre a letra e o espírito da Lei).

Já daquela vez o direitista Gasparri havia revelado toda sua prepotência, ao qualificar de "patetice" a decisão de Genro .

E os destemperos verbais italianos não pararam mais, em flagrante contraste com os tímidos protestos que eles emitiram quando o presidente francês Nicolas Sarcozy lhes enfiou idêntico sapo goela adentro, no Caso Marina Petrella.

OS PONTAPÉS DA BOTA ITALIANA

Eis algumas das reações intempestivas dos herdeiros de Mussolini no ano passado:
  • ministros e até autoridades de segundo escalão ousaram conclamar Lula a revogar a decisão do seu ministro da Justiça, insultando a ambos e cometendo, também daquela vez, a gafe diplomática de não levar em conta a posição do presidente brasileiro, cujas interfaces são o presidente Giorgio Napolitano e o premiê Silvio Berlusconi;
  • o embaixador foi chamado à Itália para consultas e "discussão de novas diretrizes”;
  • o vice-presidente da bancada governista na Câmara dos Deputados da Itália pregou a suspensão das relações com o Brasil;
  • aproveitando o fato de estarem presidindo o G-8 (grupo dos países ricos), os italianos insinuaram que poderiam dificultar o almejado ingresso do Brasil;
  • o vice-prefeito de Milão conclamou os italianos a boicotarem os produtos brasileiros;
  • o vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado exortou os italianos a boicotarem o Brasil como destino turístico;
  • o ministro da Defesa Ignazio La Russa (aquele neofascista que até hoje homenageia os militares da República de Saló que enfrentaram as forças aliadas na 2ª Guerra Mundial...) e o subsecretário das Relações Exteriores defenderam o cancelamento de um amistoso futebolístico com o Brasil, enquanto a ministra da Juventude recomendou que os jogadores entrassem em campo com faixas de luto; e
  • o ministro da Justiça Angelino Alfano admitiu publicamente que não pretendia cumprir a promessa feita às autoridades brasileiras, de que, caso concedessem a extradição, a pena de Battisti seria reduzida para 30 anos, o máximo permitido por nossas leis.
Coerentemente, o jurista Dalmo de Abreu Dallari já explicou que o governo italiano, a despeito das promessas mentirosas que faça, não tem poder para modificar uma sentença judicial definitiva, daí a existência de um impedimento constitucional intransponível para a extradição de Battisti.

11.1.10

CRISE MILITAR: NOVA BATALHA DE ITARARÉ?

1930. As tropas insurgentes de Getúlio Vargas vêm do RS para tentarem tomar a capital federal (Rio de Janeiro). Os efetivos leais ao presidente que elas querem depor, Washington Luiz, esperam-nas na cidade de Itararé, divisa entre SP e PR. Canta-se em prosa e verso aquela que será a mais formidável e sangrenta das batalhas.

Mas, nem um único tiro é disparado: antes, o presidente bate em retirada, entregando o poder a uma junta governativa.

Ironizando, o grande humorista Aparício Torelly escreve que, como nada lhe reservaram no rateio de cargos governamentais entre os vencedores, ele próprio se outorgaria a recompensa:
"O Bergamini pulou em cima da prefeitura do Rio, outro companheiro que nem revolucionário era ficou com os Correios e Telégrafos, outros patriotas menores foram exercer o seu patriotismo a tantos por mês em cargos de mando e desmando… e eu fiquei chupando o dedo. Foi então que resolvi conceder a mim mesmo uma carta de nobreza. Se eu fosse esperar que alguém me reconhecesse o mérito, não arranjava nada. Então passei a Barão de Itararé, em homenagem à batalha que não houve".
Uma batalha que não houve é o desfecho para o qual, a crermos na Folha de S. Paulo desta 2ª feira (11), os ministros Nelson Jobim (Defesa) e Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) estariam encaminhando a divergência sobre se a Comissão Nacional da Verdade investigará apenas as atrocidades cometidas pelos carrascos da ditadura militar ou vai oferecer um contrapeso propagandístico à direita militar, incluindo os atos de resistência praticados pelas vítimas:
"O governo articula uma solução de meio termo para a questão nevrálgica do terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos: em vez de acrescentar ao texto do programa a investigação da esquerda armada durante a ditadura militar (1964-1985), como querem as Forças Armadas, seria suprimida a referência à 'repressão política' na diretriz 23, que cria a Comissão da Verdade.

"Ou seja, a questão seria resolvida semanticamente, sem especificar a apuração de excessos de nenhum dos dois lados. O texto passaria a prever a apuração da violação aos direitos humanos durante a ditadura, genericamente, sem especificar de quem e de que lado.

"Essa proposta está sendo colocada pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, e poderá ser aceita pelo ministro de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, que aposta numa 'solução de meio termo'."
Como não sou humorista nem participo da política oficial, só me resta dizer que transformar tudo numa Batalha de Itararé será uma afronta à dor dos torturados e à memória dos assassinados; e lembrar ao companheiro Vannuchi que ambiguidade e ambivalência não salvarão sua honra.

O que Jobim propõe, em última análise, é uma fórmula que implicitamente repetirá o descalabro da anistia de 1979, colocando no mesmo plano as bestas-feras de um governo golpista e os cidadãos que arriscaram sua vida e sua sanidade física e mental para confrontar uma tirania atroz.

A redação imprecisa não evitará que se produza exatamente aquela situação que, na entrevista publicada no domingo (10), Vannuchi afirmou ser motivo suficiente para ele pedir exoneração do cargo: a transformação do PNDH-3 "num monstrengo político único no planeta, sem respaldo da ONU nem da OEA".

Torço para que o jornal da ditabranda esteja mentindo mais uma vez e que nem sequer passe pela cabeça de Vannuchi ceder à manobra de Jobim.

Pois a manchete da Folha quase me fez vomitar.

10.1.10

GUERRA DA SUCESSÃO FAZ DO PROGRAMA DE DIREITOS HUMANOS UM ALVO

Dica de filme para o presidente Lula...

Mal entrou 2010, a campanha presidencial foi deflagrada para valer.

Não se iludam: é isto que está por trás do bombardeio contra a 3ª versão do Programa Nacional dos Direitos Humanos.

E os litigantes também acabam de ficar totalmente definidos. A verdadeira disputa não se vai travar entre Dilma Rousseff, José Serra, Marina Silva ou quem quer que seja.

Será entre o campo da direita, que detém o poder real -- o econômico --, traduzido na absoluta tendenciosidade com que a indústria cultural hoje aborda os tatos políticos, expressando sempre os interesses dominantes e invariavelmente mandando às favas a apuração e a disponibilização da verdade; e o campo da esquerda, que tenta contrabalançar a inferioridade de forças magnificando seus trunfos, quais sejam o fato de geralmente estar defendendo o bem comum contra a ganância predatória e a desumanidade capitalistas, a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, as ações do Governo Federal e a capacidade de mobilização dos movimentos sociais.

As escaramuças dos dois últimos anos já prenunciavam uma guerra cruenta. Duas delas, principalmente: o Caso Cesare Battisti e a polêmica sobre a punição dos torturadores do regime militar.

Em ambas, o fato gerador foi deturpado e superdimensionado ao extremo, em função do propósito obsessivo da direita de impor derrota contundente ao que há de mais representativo da esquerda no Governo Lula.

Daí o tratamento editorial de parcialidade absoluta, grita histérica e rolo compressor goebbeliano que a grande imprensa adotou, revelando, ademais, indisfarçado empenho em direcionar os acontecimentos, tangendo-os na direção contrária dos direitos humanos e das práticas civilizadas.

Agora, é para valer: a preliminar acabou e já estamos na partida principal.

Os primeiros a contestar o PNDH-3 foram os que estão na linha de frente do esquema direitista: comandantes militares que até hoje defendem a barbárie protagonizada por seus colegas de farda durante a ditadura de 1964/85.

UMA VELA PARA DEUS, OUTRA PARA O DIABO

Como no passado, os representantes dos interesses mais espúrios e retrógrados continuam acendendo uma vela para Deus e outra para o diabo: sonham com o êxito eleitoral, mas não descartam uma virada de mesa se vierem a sofrer a terceira derrota consecutiva.

Daí a insistência com que tentam atrelar a caserna aos seus propósitos de conquista do poder, exatamente como faziam durante os governos de Getúlio Vargas, Jânio Quadros e João Goulart.

As forças democráticas, entretanto, rechaçaram firmemente a pressão descabida que eles tentaram exercer sobre o comandante supremo das Forças Armadas -- o que, aliás, deveria ter-lhes valido (e também ao seu ancião de recados) a imediata destituição, como insubmissos que atropelaram a hierarquia e se manifestaram sobre o que está fora de sua alçada nas democracias.

Lula perdeu uma boa oportunidade para esmagar o ovo da serpente, mas não deu mostras de que se vergaria ao blefe militar: simplesmente postergou qualquer decisão por prazo indefinido (alguns disseram que se posicionaria quando voltasse de suas férias, outros em abril, mas poderia também ser nunca...).

Quando sua blitzkrieg atolou na indiferença presidencial, o Estado-Maior direitista lançou uma segunda ofensiva, no último dia 7, mobilizando uma constelação de efetivos secundários, mas fortes ao serem utilizados em conjunto.

O toque de clarim para o ataque, como sempre, foi dado pelo Jornal Nacional; as evidências de ação orquestrada saltaram aos olhos.

Enquanto os eternos golpistas nem sequer enrubeceram ao tentarem vender como uma tentativa de golpe o que não passou de ingenuidade canhestra do secretário especial de Direitos Humanos Paulo Vannuchi, coube ao comentarista político Fernando de Barros e Silva dissipar a cortina de fumaça:
"...o documento (...) prevê iniciativas em praticamente todas as esferas de governo.

"Da taxação de grandes fortunas à descriminalização do aborto, do enquadramento dos planos de saúde ao financiamento público de campanha (...) tem-se a impressão de que nesse programa tudo pode porque, no fundo, nada é para valer...

"Abrindo tantas frentes sem que de fato se comprometa com nenhuma, o ministro Paulo Vannuchi passa por promotor de eventos. O decreto que Lula assinou é um documento oficial, mas, sem efeito prático, confunde-se com uma carta de intenções."
Ao incluir nessa colcha de retalhos problemas que não são cacterísticos ou exclusivos da área de direitos humanos, Vannuchi parece não ter levado em conta o magnífico trunfo que concedia, de mão beijada, ao inimigo, na batalha para formar opinião.

Multiplicou e imantou os adversários, colocando a todos sob o comando dos inimigos ideológicos.

Ou seja, propiciou a formação de uma coalisão contrária praticamente invencível.

LUTA EM VÁRIAS FRENTES: PÉSSIMA ESTRATÉGIA

O quadro se delineava tão desastroso que nem me animei a fazer comentário para público mais amplo. Restringi a avaliação ao meu blogue:
"Lutarmos em todas essas frentes ao mesmo tempo é péssima estratégia. Não sabemos nem por onde começar.

"O que essa gente quer é o aval do Lula para retalhar e desfigurar todo o PNDH, inclusive a importantíssima instituição da Comissão Nacional da Verdade.

"Se eu estivesse no lugar do Paulo Vanucchi, nem tentaria resistir a esse rolo compressor. Abriria mão de algumas medidas, para retirar do campo de batalha parte dessas forças (algumas não passam de adversárias circunstanciais, as outras são inimigas figadais).

E fincaria pé na manutenção das que realmente importam..."
Talvez seja presunção acreditar que Vannuchi esteja seguindo o meu conselho, mas foi exatamente a linha de defesa que ele escolheu, ao condicionar sua permanência no governo ao não desvirtuamento da proposta realmente importante do PNDH-3, a instituição da Comissão Nacional da Verdade.

Sua tomada de posição é manchete (principal chamada de capa) da Folha de S. Paulo deste domingo (10): Vannuchi ameaça demissão se plano punir torturados. Eis os principais trechos:
"...Paulo Vannuchi, disse ontem à Folha que (...) pedirá demissão caso o terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos seja alterado para permitir a investigação de militantes da esquerda armada durante a ditadura militar (1964-1985), como exigem o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e as Forças Armadas.

"...'o que não posso admitir é transformarem o plano num monstrengo político único no planeta, sem respaldo da ONU nem da OEA', disse.

"Ele condena a tentativa de colocarem no mesmo nível torturadores e torturados. Uns agiram ilegalmente, com respaldo do Estado, os outros já foram julgados, presos, desaparecidos e mortos, comparou o secretário, citando o próprio presidente Lula, que foi julgado e condenado a três anos (pena depois revista) por liderar greves no ABC."
CAPITULAÇÃO ENSEJARIA DERROTAS AINDA PIORES

Foi o que eu afirmei no meu artigo de domingo passado:
"...o imperativo é que não se desvirtue a nova versão do PNDH.

"Que haja mesmo uma Comissão da Verdade, incumbida de levantar o véu que ainda encobre muitas práticas hediondas da ditadura.

"E que nem sequer se cogite a concessão da contrapartida que os militares estariam exigindo: a apuração simultânea dos excessos eventualmente cometidos pelos resistentes.

"Pois há uma diferença fundamental entre o que fizeram agentes do Estado por determinação de um governo golpista e o que fizeram cidadãos no curso de uma luta de resistência à tirania, travada em condições dramáticas e de extrema desigualdade de forças.

"O certo é que essa pretensa isonomia vem sendo há muito reivindicada nos sites de extrema-direita como o Ternuma, A Verdade Sufocada e Mídia Sem Máscara; nas tribunas virtuais dos militares, tipo Coturno Noturno; pelos eternos conspiradores do Grupo Guararapes; pelos remanescentes da ditadura (Jarbas Passarinho), da repressão (Brilhante Ustra), etc.

"No fundo, o que os comandantes militares estão querendo é munição propagandística para, contando com a conivência de setores da imprensa, tentarem diminuir o impacto das atrocidades da ditadura que deverão vir à tona.

"Daí ser fundamental que o Governo rejeite cabalmente tal pretensão."
Colocada a questão como Vannuchi acaba de colocar, temos de lhe dar total apoio e respaldo. O PNDH pode ser alterado em outros pontos, há penduricalhos passíveis de serem removidos, mas do que ele tem de essencial não devemos abrir mão, em nenhuma hipótese!

Mais: mesmo Vannuchi sendo, como admitiu, "um fusível removível", jamais deverá deixar o Ministério antes daqueles que estão no governo para melhor fazerem oposição ao governo, como os ministros da Defesa e da Agricultura.

Capitular ante um desafio tão frontal como o que a direita lhe lançou é pavimentar o terreno para muitas outras derrotas, até a derrocada final -- que o presidente Lula tenha isto bem claro na sua mente.

8.1.10

...MAS, COM GENTE É DIFERENTE!

"...porque gado a gente marca,
tange, ferra, engorda e mata,
mas com gente é diferente"
(
Vandré/Théo, "Disparada")

Com a maior sem cerimônia, os estados policiais sonegam de seus cidadãos as informações mais vitais para eles.

Foi o que fez a ditadura militar brasileira com as mortes de trabalhadores rurais intoxicados por defensivos agrícolas e com uma epidemia de meningite, nas duas vezes pretensamente para evitar o pânico.

O primeiro episódio eu acompanhei de perto. Trabalhava na agência de comunicação empresarial que, em meados da década de 1970, foi contratada por uma multinacional para evitar que repercutissem as seguidas ocorrências de envenenamento de cidadãos brasileiros nas áreas rurais.

Tratava-se de um contrato tão crapuloso que a conta era integralmente paga pela tal multinacional, mas o trabalho executado em nome de uma associação fantasma de fabricantes de agrotóxicos, criada às pressas para servir como fachada.

Coube-me redigir material de imprensa destacando a notável contribuição que os defensivos agrícolas estariam dando à agricultura brasileira e os terríveis prejuízos que sua eventual proibição acarretaria: fome da população, desemprego no campo, queda das exportações.

Eram textos aparentemente inocentes, mas não o que estava por trás deles: o raciocínio desumano de que, para evitarem-se tais prejuízos, poderiam ser relevadas algumas mortes.

Pior ainda era o papel do dono da agência, um pioneiro da área de assessoria de imprensa e eventos (por ele designados como promoções), que se incumbia pessoalmente de falar com os jornalistas influentes, distribuindo subornos e fazendo ameaças veladas.

Repugnava-me vê-lo elogiar a si próprio por haver conseguido sustar a publicação de uma notícia sobre mortes de trabalhadores rurais que já descera para a gráfica de um jornalão. “Eu parei as rotativas”, proclamava, orgulhoso, para os empresários interessados nos seus serviços.

Ele considerava que haver desempenhado papel tão infame lhe servia como galardão profissional. E não é que os empresários entravam na dele?! Eu assistia e ficava pensando: "este é o milagre brasileiro visto por dentro".

Participar dessa empreitada foi a primeira grande decepção de minha carreira jornalística. Muitas outras viriam, com os interesses econômicos prevalecendo sobre o bem comum e eu nada podendo fazer para remediar a situação, sob pena de perder o emprego e ficar com o mercado de trabalho fechado para mim.

Então, graças à censura sobre a imprensa e aos mecanismos de persuasão dos poderosos, o povo brasileiro deixou de ser informado dos riscos que corria quem utilizasse agrotóxicos. Ocultaram-lhe as mortes por envenenamento ocorridas em todo o País.

A tal multinacional jamais ousaria proceder de forma tão leviana no 1º mundo: para reduzir custos, deixara de investir no treinamento adequado dos usuários de seus produtos.

Mesmo assim, com a conivência do regime militar, conseguiu apagar o incêndio: ministrou rapidamente os cursos que deixara de promover no momento exato e não arcou com as multas astronômicas que lhe seriam aplicadas em qualquer país cujo governo zelasse pelos governados.

De quebra, indenizou mal e porcamente, por baixo do pano, as famílias das vítimas, que não tiveram como arrancar reparações à altura da gravidade das perdas que sofreram.

Ficou-me também a impressão de que o êxito da operação de acobertamento se deveu ao fato de que os mortos eram irrelevantes. Se os finados não fossem os coitadezas das zonas rurais, certamente aquelas mortes acabariam tendo maior repercussão.

UMA EMPRESA QUE FATURA US$ 14 BI
E UTILIZA TRABALHO ESCRAVO

Estas tristes lembranças me ocorreram ao ler que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social acaba não só suspender novas operações de concessão de financiamentos, como também de congelar um crédito já aprovado para a Cosan, gigante do setor sucroalcooleiro que foi colocada pelo Ministério do Trabalho na relação de empresas que mantém trabalhadores em situação análoga à de escravos.

Detentora das marcas de açúcar União e Da Barra, a Cosan ingressou em 2008 no mercado de distribuição de combustíveis e lubrificantes, ao comprar os ativos da Esso: 1.500 postos e quatro unidades de distribuição. Valor da transação: US$ 836 milhões.

Seu faturamento total em 2008 foi da ordem de US$ 14 bilhões.

Se queres um monumento ao capitalismo, não precisas nem olhar em torno. Basta comparares a expressão econômica da Cosan, expressa nos números acima, com o tratamento que dava a seus funcionários da usina Junqueira, em Igarapava/SP.

Ao resgatar 42 escravos dessa usina, em junho de 2007, o Ministério lavrou 13 autos de infração. Eis as causas -- as duas primeiras das quais foram consideradas gravíssimas:
  • adoção de práticas que impediam os empregados de se demitirem, por estarem sempre endividados com o contratante;
  • ausência de água potável no local de trabalho;
  • trabalhadores sem registro formal;
  • menores de 18 anos em trabalho pesado;
  • falta de vasilhas para refeições;
  • instalações sanitárias insuficientes;
  • ausência de local adequado para refeições;
  • alojamento sem condições adequadas;
  • chuveiros e roupas de cama insuficientes.
Segundo o auditor fiscal do trabalho Marcelo Campos, a situação encontrada na usina configurou as situações de servidão por dívida e de trabalho degradante, o que levou a inclusão da Cosan na lista suja do Ministério do Trabalho, depois de dois anos de processos administrativos.

PRODUTORES DE ETANOL NA MIRA
DA ANISTIA INTERNACIONAL


E o pior é que este caso está longe de ser uma ocorrência isolada: o relatório anual de 2008 da Anistia Internacional responsabilizou o setor canavieiro do Brasil, dedicado à produção do etanol, por abusos e violações de direitos humanos.

"Trabalho forçado e condições de trabalho exploradoras foram registrados em muitos Estados", disse o relatório, acrescentando que o Ministério do Trabalho teve de resgatar 288 trabalhadores de seis plantações de cana-de-açúcar em São Paulo (dentre eles, os 42 da Usina Junqueira), 409 de uma destilaria de etanol no Mato Grosso do Sul e mais de mil na plantação paraense de uma fabricante de etanol.

As ocorrências foram consideradas tão graves que a Anistia Internacional resolveu elaborar um estudo sobre o impacto do crescimento da agroindústria como um todo sobre o respeito aos direitos humanos no Brasil.

Vale destacar que, apesar do presidente Luiz Inácio Lula da Silva haver louvado os usineiros como "os novos heróis da nação" (deve estar amargamente arrependido desta frase!), seu governo tem agido com muita energia na fiscalização das condições de trabalho na área rural. Nem os heróis têm conseguido escapar...

Às rigorosas medidas adotadas pelo Ministério do Trabalho, soma-se, agora, o corte dos créditos do BNDES para as empresas que continuam tratando seres humanos como bestas de carga em pleno século 21.

6.1.10

PAULO FRANCIS, COM UM POUCO DE COMPREENSÃO

"Mas vocês, quando chegar o tempo
em que o homem seja amigo do homem,
pensem em nós
com um pouco de compreensão."
(Brecht, "Aos que virão depois de nós")

Está em fase de prelançamento um novo documentário de Nelson Hoineff, autor da cinebiografia do Chacrinha, desta vez focalizando o mais influente jornalista brasileiro do final do século passado: o analista político e crítico de cultura Franz Paul Trannin da Matta Heilborn, mais conhecido como Paulo Francis, que morreu no dia 4 de fevereiro de 1997, de enfarte, aos 66 anos de idade.

Os mais jovens, que não conheceram o Francis d'O Pasquim e da vibrante participação inicial na Folha de S. Paulo (quando esta ainda tinha como diretor de redação o inesquecível Cláudio Abramo, defenestrado pelos militares em 1977), guardam dele a imagem negativa, antipática, de sua última fase.

Eu não considero Francis um típico esquerdista que endireitou ao se tornar sexagenário, conforme a frase célebre do presidente Lula.

Prefiro vê-lo como quem caiu numa armadilha da História, pois suas convicções arraigadas e um cenário enganador o induziram a um terrível erro de avaliação. E não sobreviveu tempo suficiente para cair na real e, talvez, corrigir seu rumo.

Para um melhor entendimento do que estou falando, vou evocar sua trajetória toda.

Ele estudou em colégios de jesuítas e beneditinos, cursando depois, por uns tempos, a Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil. Trocou-a por uma pós-graduação em Literatura Dramática na Universidade de Columbia (Nova York), que também não concluiu.

Chegou a ser ator e diretor teatral, mas acabou no nicho tradicional dos que são melhores para escrever sobre suas paixões artísticas do que para personificá-las: a crítica, a partir de 1959, no Diário Carioca.

Paralelamente, colaborava com a revista Senhor (que mais tarde viria a editar) e escrevia sobre política no jornal Última Hora, de Samuel Wainer.

Relatou, mais tarde, um episódio pitoresco do seu noviciado. Entregou uma crítica teatral toda pomposa, repleta de termos pernósticos, ao seu editor. Ao recebê-la de volta, viu um grosso traço vermelho circundando a expressão “via de regra”. E o comentário: “Via de regra é a vagina”.

[Para os jovens que desconhecem o linguajar de outrora, esclareço que “regras” era um eufemismo para menstruação. E, claro, a palavra usada para designar o órgão genital feminino foi a chula, não esta...]

Francis disse que essa foi a primeira e única lição aproveitável de jornalismo que recebeu: escrever com simplicidade e clareza, em vez de pavonear-se com exibições desnecessárias de erudição.

Também comentou que tudo que há para se aprender de jornalismo, aprende-se em 15 dias numa redação. Daí sua avaliação de que o fundamental para o exercício dessa profissão é uma formação cultural sólida, humanística e universalizante.

Ou seja, jornalismo tem tudo a ver com história, sociologia, psicologia, antropologia, filosofia, política, economia, literatura. Isto, sim, é que deveria ser priorizado na formação de um jornalista, segundo Francis.

[E assim o lecionavam, p. ex., na Escola de Comunicações e Artes da USP quando a cursei, entre as décadas de 1970 e 1980. Os dois primeiros anos eram voltados para a formação geral e só os dois últimos para a formação específica - a proporção de 3 x 1 seria mais apropriada ainda. Depois, tragicamente, sobreveio a capitulação diante do capitalismo pós-industrial, que execra o pensamento crítico e reduz o ensino à mera capacitação profissional.]

NA TRINCHEIRA DAS PALAVRAS

Embora não deixasse de registrar os erros e limitações das esquerdas brasileiras, por ele tidas como muito distantes da grandeza histórica e intelectual do seu ídolo de então – Trotsky, o teórico da revolução permanente e mártir da oposição de esquerda ao stalinismo –, Francis considerava que a prioridade era combater as forças de direita.

Foi o que fez no conturbado período da renúncia de Jânio Quadros, da tentativa de golpe para impedir a posse do vice-presidente eleito e do ziguezagueante governo de João Goulart.

Não desistiu depois do golpe militar. No Correio da Manhã, na Tribuna da Imprensa e na revista Realidade, continuou manifestando seu inconformismo com o país da ordem unida.

O lançamento do semanário O Pasquim, em junho de 1969, lhe deu projeção nacional. A Senhor e a Realidade já o haviam tornado conhecido em outros estados, mas num circulo restrito de intelectuais e pessoas sofisticadas. O Pasquim sensibilizou o público jovem, atingindo tiragens mirabolantes para um veículo alternativo.

E o Francis era o guru da turma em todos os assuntos referentes à política nacional e internacional, bem como à visão de esquerda da cultura. Com seus conhecimentos vastíssimos, dominava qualquer discussão.

Leitor assíduo de um sem-número de publicações estrangeiras, tinha sempre algo novo a dizer sobre a Guerra do Vietnã, um dos grandes temas da época.

Furando toda a grande imprensa, Francis, n'O Pasquim, foi o primeiro a informar os leitores brasileiros sobre o massacre de My Lai, que fez crescer em muito o repúdio mundial à intervenção estadunidense.

Disponibilizava as informações que a mídia, por ideologia, covardia ou incompetência, sonegava do seu público.

Era também um crítico implacável da postura israelense de impor sua vontade pela força no Oriente Médio, o que lhe acarretava acusações rasteiras de que isto se deveria à sua ascendência alemã.

E, sendo um dos opositores mais contundentes do reacionarismo dos EUA, também não poupava a URSS, que colocava praticamente no mesmo plano, como grande potência que priorizava sempre seus interesses (e não os da revolução). Isso só fazia aumentar o seu prestígio aos olhos de uma geração que se decepcionara terrivelmente com o esmagamento da Primavera de Praga.

Cansado de ser preso pela ditadura, mudou em 1971 para Nova York, de onde mandava seus textos para o próprio Pasquim, a Tribuna da Imprensa, a revista Status e a Folha de S. Paulo (à qual chegou pelas mãos do diretor de redação Cláudio Abramo, também de formação trotskista).

Continuava, basicamente, um homem de esquerda, mas travava polêmicas azedas com quem ele considerava “esquerdistas de salão”, como a feminista Irede Cardoso. [Ela sofreu um dos maiores massacres intelectuais a que já assisti.]

SOB OS HOLOFOTES GLOBAIS

Paulo Francis, como muitos outros intelectuais de sua geração, foi perdendo o pique à medida que a ditadura ia deixando de exibir suas garras. Seu talento sobreviveu à ditadura, mas definhou na praia da redemocratização.

A partir de seu posto de observação privilegiado, captou bem a tendência desestatizante do final do século passado.

E foi quando toda sua história de opositor ferrenho da estatização compulsória e autoritária que caracterizaram o stalinismo fê-lo cometer um desatino: ajudou entusiasticamente a impulsionar a desestatização de Thatcher e Reagan, com seus escritos em O Estado de S. Paulo e suas participações no jornalismo da Rede Globo, bem como no programa de TV a cabo Manhattan Connection.

Se estava certo quanto à falta de pujança da economia soviética e o parasitismo das estatais brasileiras, não percebeu que o mundo engendrado pela globalização viria a ser uma versão mais desumanizada ainda do capitalismo selvagem.

O oásis que vislumbrou era ilusório. Todos aqueles avanços científicos e tecnológicos que estavam ocorrendo simultaneamente (informática, biotecnologia, engenharia genética, novos materiais e processos) pareciam mesmo augurar um futuro melhor para a humanidade... mas desembocaram, isto sim, numa forma mais avançada de dominação, como Marcuse previra. A ciência e a tecnologia ajudando a perpetuar a desigualdade social, as injustiças mais aberrantes e o embotamento do senso crítico.

Só que não era tão fácil adivinhar-se tal evolução naquele instante de enorme otimismo e euforia, assim como poucos apostariam que o milagre brasileiro de Delfim e Médici tivesse fôlego tão curto.

A intuição de Francis o traiu quando mais precisava dela, para evitar a nódoa final numa biografia impecável.

Acabou como um daqueles medalhões midiáticos que antes ridicularizava, aclamado mais por ter se tornado celebridade do sistema do que pela real qualidade do seu trabalho – como suas incursões pela literatura, em que a racionalidade e a mordacidade excessivas deixam tudo com um jeitão artificial, de tramas concebidas mecanicamente para demonstrar teses, ridicularizando comportamentos e desafetos.

Morreu na hora certa, antes que o admirável mundo novo erguido sobre os escombros do muro de Berlim mostrasse suas feições monstruosas, sepultando, en passant, as análises e avaliações que Francis fazia em seus últimos escritos -- os quais acabaram se revelando, mesmo, agônicos...

Ou, pelo contrário, talvez tenha perdido a chance de constatar que o fim do socialismo real não significava o fim da História, com o status quo se tornando tão insuportável que os homens estão sendo obrigados a buscar uma nova utopia.

Quem sabe até, em mais uma reviravolta surpreendente, não teria sido ele um dos arautos dessa nova utopia?

O certo é que, independentemente de, em seus estertores, haver-se extraviado num labirinto do destino, foi um intelectual articulado e consistente como dificilmente se vê nestes tristes trópicos, deixando o legado de uma atuação memorável nas décadas de 1960 e 1970.

Talvez o melhor epitáfio para Paulo Francis seja outra de suas frases célebres: "Não há quem não cometa erros e grandes homens cometem grandes erros".

5.1.10

OS JUDEUS ERRANTES DO 3º MILÊNIO

O judeu errante é um personagem mítico das tradições orais cristãs: um trabalhador de cortume ou oficina de sapateiro que teria hostlizado Jesus Cristo, quando passava carregando sua cruz. Como consequência, foi condenado a vagar pelo mundo até o fim dos tempos, sem nunca morrer.

Hoje, os judeus errantes são os representantes do estado de Israel: estão condenados a vagar pelo mundo sem receberem acolhida amistosa em lugar nenhum, fugindo da justiça, como réprobos da civilização, em decorrência dos massacres perpetrados contra os palestinos.

O paralelo me ocorreu ao ler que uma delegação de militares israelenses adiou visita ao Reino Unido porque seus integrantes temiam ser presos e acusados desses crimes.

Não estou inventando nem exagerando. O próprio vice-chanceler de Israel, Danny Ayalon, afirmou:

"Os militares foram convidados ao Reino Unido, porém permanecerão em Israel até que tenhamos 100% de certeza de que não serão objeto de denúncias judiciais naquele país".

O vice-ministro acrescentou que tentará convencer a procuradora geral britânica Patricia Janet Scotand da conveniência de reformar o princípio de competência universal incluído na legislação britânica, habilitando os juízes do Reino Unido a ordenarem a prisão de personalidades estrangeiras envolvidas com crimes de guerra ou contra a humanidade.

Pressionando descaradamente uma democracia, qual reles lobista, Ayalon insinuou que os interesses britânicos poderão ser alvos de retaliações:

"Esta legislação dá margem a todo tipo de equívocos. (...) Organizações terroristas como o Hamas a utilizam atualmente para tomar como reféns as democracias. É preciso acabar com esta situação absurda, que afeta as excelentes relações bilaterais israelo-britânicas [grifo meu]".

O que está por trás dessas pouco diplomáticas declarações é a ordem de prisão (aceita por um tribunal londrino no mês passado) contra Tzipi Livni, ex-chanceler e líder do partido de oposição Kadima -- um dos carrascos responsáveis pelos genocídios natalinos de um ano atrás na faixa de Gaza, quando o pogrom israelense deixou um saldo de 1.434 palestinos trucidados (incluindo 189 crianças e menores de 15 anos), contra apenas 13 agressores mortos.

Os próprios soldados israelenses, envergonhados e enojados, andaram denunciando as atrocidades que seu estado cometeu.

E o Conselho de Direitos Humanos da ONU publicou relatório no qual acusou Israel de ter usado força desproporcional e violado o direito humanitário internacional, cometendo "crimes de guerra e, possivelmente, contra a humanidade".

Até tenistas de Israel tiveram de disputar a Copa Davis com os portões fechados, para serem preservados de possíveis manifestações de repúdio dos cidadãos suecos.

A pergunta final é: até quando os dirigentes atuais do estado judeu continuarão espezinhando as nobres tradições de um povo que já nos deu Marx, Freud, Trotsky, Einstein, Kafka, Proust, os kibutzim, o Bund, etc.?

4.1.10

DESTINO ACERTA CONTAS COM BORIS CASOY

Na noite desta 3ª feira (5), as dezenas de postagens no YouTube referentes aos comentários que o apresentador Boris Casoy inadvertidamente fez sobre os garis no Jornal da Band já haviam sido vistas 2,5 milhões de vezes.

Só a mais assistida estava na casa de 940 mil hits. Casoy realmente bombou na Web... só que da forma mais negativa possível.

Se alguém ainda não sabe, o noticioso levou ao ar saudações de Ano Novo de dois simpáticos garis: um senhor branco com cabelos já grisalhos e um negro na faixa de 40 anos. Causaram ótima impressão, com seu ar digno e uma alegria que não parecia forçada.

Depois, enquanto eram exibidas vinhetas, ouviu-se a voz de Casoy no fundo, comentando com a equipe:
"Que merda! Dois lixeiros desejando felicidades do alto das suas vassouras... dois lixeiros... o mais baixo da escala de trabalho!"
No dia seguinte, a mando da TV Bandeirantes, Casoy pediu "profundas desculpas aos garis e aos telespetadores da Band" pelo que escutaram em razão de um "vazamento de audio" (na verdade, só ouviram isso porque ele disse...).

Fê-lo, entretanto, de maneira burocrática e pouco convincente, não aparentando estar nem um pouco arrependido do desprezo aristocrático que manifestou pelos trabalhadores humildes.

Lembrei-me da rainha Maria Antonieta recomendando aos pobres que, se não tinham pães, que comessem bolos. Perdeu a cabeça. Casoy teve mais sorte, só quebrou a cara...

Fiquei matutando sobre o destino e seus contrapesos. Às vezes a mesma pessoa é brindada com a sorte grande num momento e tira o azar grande adiante. Ou vice-versa.

UM JUDEU COM A SUÁSTICA DO CCC

Casoy é elitista, racista, conservador e reacionário desde muito cedo.

Um velho companheiro que com ele cursou Direito no Mackenzie me contou: aos 23 anos, Casoy já era um dos líderes da ala jovem do Comando de Caça aos Comunistas, que tinha nessa faculdade um de seus focos principais.

Para quem não sabe, o CCC foi uma organização terrorista de ultradireita que, depois de integrar o esquema golpista que derrubou o governo legítimo de João Goulart, atuou como força auxiliar da ditadura, sem vínculo formal com o regime militar, mas praticando impunemente as maiores barbaridades:
  • a vandalização do teatro Ruth Escobar e o espancamento dos atores da peça Roda Viva;
  • a explosão da bomba no Teatro Opinião do RJ;
  • o seqüestro e assassinato do padre Antonio Pereira Neto, no Recife;
  • o assassinato de um secundarista na chamada “guerra da rua Maria Antônia”;
  • a invasão da PUC/SP, com o apoio da Polícia Militar, etc.
Em novembro de 1968, Casoy chegou a ser citado em reportagem da revista Cruzeiro (O comando do terror) como um dos principais membros do CCC. Eis o trecho:
"Boris Cazoy ou Kassoy estuda Direito. Locutor da Rádio Eldorado. Conclamou os alunos do Mackenzie a tomar a USP, de cuja invasão participou. Anda armado mas, segundo os colegas, é incapaz de atirar em alguém. Mora na Rua Itapeva. Acham-no mole com os comunistas".
O jornalista, escritor e poeta Raul Longo fez a gentileza de me enviar dados complementares, segundo os quais o CCC também adotava como símbolo a suástica -- detalhe que tornou Casoy, de origem judaica, malvisto no clube A Hebraica.

Ainda de acordo com Longo, alguns frequentadores do clube chegaram a xingar Casoy de "nazista", sendo depois emboscados e espancados, sem que se identificassem os agressores.

A quartelada beneficiou Casoy, claro: foi homem de imprensa de um ministro do Governo Médici e do secretário da Agricultura de SP, Herbert Levy, outra figurinha carimbada da direita.

Mas, nem tinha texto de qualidade superior, nem era uma figura agradável na telinha, portanto estava direcionado para uma carreira mediana no jornalismo, não fosse uma moeda que caiu em pé.

HOMEM DE CONFIANÇA DO II EXÉRCITO

Isto aconteceu quando o comando do II Exército aproveitou uma frase imprudente do cronista Lourenço Diaféria (sobre mendigos urinarem na estátua de Caxias) para intervir na Folha de S. Paulo.

Os militares exigiram a destituição do diretor de redação Cláudio Abramo (trotskista histórico), o afastamento de alguns profissionais (demitidos ou realocados) e o abrandamento da linha editorial.

O proprietário Otávio Frias, que sempre se definiu como comerciante e não jornalista, negociou. Servil, aceitou até substituir Abramo por um homem de absoluta confiança do regime militar: Casoy, que editava o Painel (coluna sobre os bastidores políticos), então um espaço dos mais secundários no jornal.

Igualmente secundário era Casoy para os leitores da Folha e para os próprios militantes/simpatizantes da esquerda. Suas posições fascistóides eram ignoradas pela maioria.

Aí, como diretor de redação, calhou de ser ele o principal defensor do jornal num episódio de reação à censura.

Ou seja, sob palco iluminado, o lobo teve seu momento de cordeiro, o caçador de comunistas maquilou sua imagem para a de defensor da liberdade de expressão!

Sua carreira deslanchou. Depois de comandar a redação da Folha por sete anos (saiu para dar lugar ao filhinho do patrão), voltou a editar a coluna Painel, cuja importância crescera nesse interim.

Finalmente, tornou-se conhecido pelo grande público como apresentador do Telejornal Brasil do SBT, entre 1988 e 1997.

Novamente os fados o bafejaram. Numa emissora que investia pouco em jornalismo e não tinha reportagens para mostrar que, quantitativa e qualitativamente, chegassem nem perto das exibidas pela Rede Globo, o jeito foi deixar crescer o espaço do apresentador.

BORDÕES, POPULISMO E JUSTIÇA ILUSÓRIA

Casoy pôde, assim, atuar como um âncora à moda dos EUA, fazendo comentários catárticos sobre episódios de corrupção política (principalmente) que eram concluídos com um ou outro de seus bordões habituais: "Isto é uma vergonha!" e "É preciso passar o Brasil a limpo!".

Ou seja, para telespectadores da classe "C" e "D", ele passou a personificar o justiceiro que atirava a verdade na cara dos poderosos.

É um público que, em sua ingenuidade, valoriza desmesuradamente essa justiça retórica e ilusória, sem perceber que, depois do desabafo, continua tudo na mesma...

Assim, por novo golpe do destino, um comunicador azedo conquistou a simpatia dos pobres e dos muito pobres, ao expressar seu inconformismo impotente face às agruras que os atingem e eles são incapazes de compreender em toda sua extensão.

É fácil canalizar seu justo ressentimento contra os políticos desonestos. Tanto quanto é conveniente, para os poderosos, mantê-los na ignorância de que o maior vilão em suas sofridas existências atende pelo nome de capitalismo.

Servindo tão bem os interesses do sistema, Casoy atravessou as duas últimas décadas como um aclamado populista televisivo de direita.

Só teve alguns percalços ao exagerar na dose contra o Governo Lula, mas seus pés de barro continuaram, tanto quanto possível, ignorados pelo grande público.

Agora, um acaso revelou ao Brasil inteiro que indivíduo insensível e preconceituoso é, na verdade, Boris Casoy.

Alguns viram este episódio como um exemplo da justiça divina em ação. Quem sabe?

Obs.: depois de já divulgado o artigo, fiz esta nova versão, com o acréscimo de informações que me foram passadas pelo Raul Longo e da citação a respeito do Casoy na reportagem da revista "O Cruzeiro" sobre o CCC.
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