referentes aos comentários que o apresentador Boris Casoy inadvertidamente fez sobre os garis no
já haviam sido vistas 2,5 milhões de vezes.
Só a mais assistida estava na casa de 940 mil hits. Casoy realmente bombou na Web... só que da forma mais negativa possível.
Se alguém ainda não sabe, o noticioso levou ao ar saudações de Ano Novo de dois simpáticos garis: um senhor branco com cabelos já grisalhos e um negro na faixa de 40 anos. Causaram ótima impressão, com seu ar digno e uma alegria que não parecia forçada.
Depois, enquanto eram exibidas vinhetas, ouviu-se a voz de Casoy no fundo, comentando com a equipe:
"Que merda! Dois lixeiros desejando felicidades do alto das suas vassouras... dois lixeiros... o mais baixo da escala de trabalho!"
No dia seguinte, a mando da TV Bandeirantes, Casoy pediu "profundas desculpas aos garis e aos telespetadores da Band" pelo que escutaram em razão de um "vazamento de audio" (na verdade, só ouviram isso porque ele disse...).
Fê-lo, entretanto, de maneira burocrática e pouco convincente, não aparentando estar nem um pouco arrependido do desprezo aristocrático que manifestou pelos trabalhadores humildes.
Lembrei-me da rainha Maria Antonieta recomendando aos pobres que, se não tinham pães, que comessem bolos. Perdeu a cabeça. Casoy teve mais sorte, só quebrou a cara...
Fiquei matutando sobre o destino e seus contrapesos. Às vezes a mesma pessoa é brindada com a sorte grande num momento e tira o azar grande adiante. Ou vice-versa.
UM JUDEU COM A SUÁSTICA DO CCC
Casoy é elitista, racista, conservador e reacionário desde muito cedo.
Um velho companheiro que com ele cursou Direito no Mackenzie me contou: aos 23 anos, Casoy já era um dos líderes da ala jovem do Comando de Caça aos Comunistas, que tinha nessa faculdade um de seus focos principais.
Para quem não sabe, o CCC foi uma organização terrorista de ultradireita que, depois de integrar o esquema golpista que derrubou o governo legítimo de João Goulart, atuou como força auxiliar da ditadura, sem vínculo formal com o regime militar, mas praticando impunemente as maiores barbaridades:
- a vandalização do teatro Ruth Escobar e o espancamento dos atores da peça Roda Viva;
- a explosão da bomba no Teatro Opinião do RJ;
- o seqüestro e assassinato do padre Antonio Pereira Neto, no Recife;
- o assassinato de um secundarista na chamada “guerra da rua Maria Antônia”;
- a invasão da PUC/SP, com o apoio da Polícia Militar, etc.
Em novembro de 1968, Casoy chegou a ser citado em reportagem da revista
Cruzeiro (O comando do terror) como um dos principais membros do CCC. Eis o trecho:
"Boris Cazoy ou Kassoy estuda Direito. Locutor da Rádio Eldorado. Conclamou os alunos do Mackenzie a tomar a USP, de cuja invasão participou. Anda armado mas, segundo os colegas, é incapaz de atirar em alguém. Mora na Rua Itapeva. Acham-no mole com os comunistas".
O jornalista, escritor e poeta Raul Longo fez a gentileza de me enviar dados complementares, segundo os quais o CCC também adotava como símbolo a suástica -- detalhe que tornou Casoy, de origem judaica, malvisto no clube
A Hebraica.
Ainda de acordo com Longo, alguns frequentadores do clube chegaram a xingar Casoy de "nazista", sendo depois emboscados e espancados, sem que se identificassem os agressores.
A quartelada beneficiou Casoy, claro: foi homem de imprensa de um ministro do Governo Médici e do secretário da Agricultura de SP, Herbert Levy, outra figurinha carimbada da direita.
Mas, nem tinha texto de qualidade superior, nem era uma figura agradável na telinha, portanto estava direcionado para uma carreira mediana no jornalismo, não fosse uma moeda que caiu em pé.
HOMEM DE CONFIANÇA DO II EXÉRCITO
Isto aconteceu quando o comando do II Exército aproveitou uma frase imprudente do cronista Lourenço Diaféria (sobre mendigos urinarem na estátua de Caxias) para intervir na
Folha de S. Paulo.
Os militares exigiram a destituição do diretor de redação Cláudio Abramo (trotskista histórico), o afastamento de alguns profissionais (demitidos ou realocados) e o abrandamento da linha editorial.
O proprietário Otávio Frias, que sempre se definiu como comerciante e não jornalista, negociou. Servil, aceitou até substituir Abramo por um homem de absoluta confiança do regime militar: Casoy, que editava o
Painel (coluna sobre os bastidores políticos), então um espaço dos mais secundários no jornal.
Igualmente secundário era Casoy para os leitores da
Folha e para os próprios militantes/simpatizantes da esquerda. Suas posições fascistóides eram ignoradas pela maioria.
Aí, como diretor de redação, calhou de ser ele o principal defensor do jornal num episódio de reação à censura.
Ou seja, sob palco iluminado, o lobo teve seu momento de cordeiro, o caçador de comunistas maquilou sua imagem para a de defensor da liberdade de expressão!
Sua carreira deslanchou. Depois de comandar a redação da
Folha por sete anos (saiu para dar lugar ao filhinho do patrão), voltou a editar a coluna
Painel, cuja importância crescera nesse interim.
Finalmente, tornou-se conhecido pelo grande público como apresentador do
Telejornal Brasil do SBT, entre 1988 e 1997.
Novamente os fados o bafejaram. Numa emissora que investia pouco em jornalismo e não tinha reportagens para mostrar que, quantitativa e qualitativamente, chegassem nem perto das exibidas pela Rede Globo, o jeito foi deixar crescer o espaço do apresentador.
BORDÕES, POPULISMO E JUSTIÇA ILUSÓRIA
Casoy pôde, assim, atuar como um âncora à moda dos EUA, fazendo comentários catárticos sobre episódios de corrupção política (principalmente) que eram concluídos com um ou outro de seus bordões habituais: "Isto é uma vergonha!" e "É preciso passar o Brasil a limpo!".
Ou seja, para telespectadores da classe "C" e "D", ele passou a personificar o
justiceiro que atirava a verdade na cara dos poderosos.
É um público que, em sua ingenuidade, valoriza desmesuradamente essa
justiça retórica e ilusória, sem perceber que, depois do desabafo, continua tudo na mesma...
Assim, por novo golpe do destino, um comunicador azedo conquistou a simpatia dos pobres e dos muito pobres, ao expressar seu inconformismo impotente face às agruras que os atingem e eles são incapazes de compreender em toda sua extensão.
É fácil canalizar seu justo ressentimento contra os políticos desonestos. Tanto quanto é conveniente, para os poderosos, mantê-los na ignorância de que o maior vilão em suas sofridas existências atende pelo nome de capitalismo.
Servindo tão bem os interesses do sistema, Casoy atravessou as duas últimas décadas como um aclamado populista televisivo de direita.
Só teve alguns percalços ao exagerar na dose contra o Governo Lula, mas seus pés de barro continuaram, tanto quanto possível, ignorados pelo grande público.
Agora, um acaso revelou ao Brasil inteiro que indivíduo insensível e preconceituoso é, na verdade, Boris Ca
soy.
Alguns viram este episódio como um exemplo da justiça divina em ação. Quem sabe?
Obs.: depois de já divulgado o artigo, fiz esta nova versão, com o acréscimo de informações que me foram passadas pelo Raul Longo e da citação a respeito do Casoy na reportagem da revista "O Cruzeiro" sobre o CCC.