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19.10.09

INVESTIGAÇÃO SOBRE UMA IMPRENSA ABAIXO DE QUALQUER SUSPEITA

Ponha o dedo sobre cada item
Pergunte: o que é isso?

Você tem de assumir o comando"
(Brecht, "Elogio do Aprendizado")

Um ótimo exemplo da leviandade com que a imprensa nacional e internacional está cobrindo o Caso Battisti nos foi dado nas duas últimas semanas.

A Folha OnLine, o UOL Notícias e o portal da Band, entre outros, publicaram, no dia 07/10, uma notícia que a primeira creditou à "Ansa, em Milão" e as demais, simplesmente, à Ansa, mas não está disponibilizada nos portais dessa agência (nem no latinoamericano, nem mesmo no italiano):
"O italiano Alberto Torregiani, uma das vítimas de um dos crimes pelos quais o ex-ativista de esquerda Cesare Battisti é condenado na Itália, pediu nesta quarta-feira para ser ouvido pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que analisa o pedido de extradição feito pela Justiça italiana.

"Alberto é filho de Pierluigi Torregiani, que foi morto em frente à joalheria da família, em Milão, e também foi vítima da mesma ação, cometida em 1979. Ele foi atingido por um tiro e ficou hemiplégico.

"'Se os juízes não conseguem decidir porque falta alguma informação, eu os aconselho a escutarem também as vítimas. Eles conhecem a história apenas das cartas processuais', disse Torregiani, retomando um pedido que já havia feito.

"Em março passado, ele solicitou ser ouvido pelo Supremo, o que foi rejeitado, já que o STF não prevê depoimentos..."
Supõe-se que tenha sido uma besteirinha enviada pela Ansa a seus assinantes brasileiros, como um calhau para dar mais volume ao pacote diário desta agência -- ela mesmo consciente de que se tratava de uma total irrelevância.

Jornalisticamente, a pergunta que se impõe é: para que serve uma notícia destas, se não há hipótese nenhuma de Alberto Torregiani vir a depor na conclusão do julgamento do pedido de extradição italiano?

Obviamente, uma de suas serventias é criar prevenção contra Battisti, tentando tanger o STF para o desfecho que a Itália tanto quer enfiar-nos goela abaixo; outra, mais prosaica, é o que os antigos chamavam de "encher linguiça".

A Folha de S. Paulo percebeu que este mal dissimulado exercício de lobby era matéria de segunda linha, não lhe dando espaço na edição impressa.

ESTADÃO EMBARCA
NA CANOA FURADA


Surpreendentemente, O Estado de S. Paulo embarcou, atrasadíssimo, nessa canoa furada. O vetusto jornalão conservador publicou idêntica ladainha no dia 10/10, com a assinatura de Davide Sarsini e sem dar crédito à Ansa, óbvia fonte da notícia inicial.

Afora a repetição do mesmíssimo blablablá, a notícia Vítima de grupo de Battisti quer depor acrescentou duas informações reveladoras.

A primeira é que Torregiani não tem absolutamente nada a testemunhar no Supremo:
"É difícil traçar um quadro do que está ocorrendo, mas os acontecimentos nos levam a pensar que está sendo procurada uma maneira de adiar a extradição", avalia Torregiani. Battisti sempre afirmou sua inocência e sustenta que o disparo que deixou Torregiani numa cadeira de rodas partiu da arma de seu próprio pai.

"E o que isso tem a ver?", replica Torregiani. "Battisti não fazia parte do comando, mas é uma questão de responsabilidade. Ele foi condenado por ter participado da tomada de decisão, por ter sido o mandante do crime, e o que importa são as intenções. O crime foi premeditado e agora ele deve assumir a responsabilidade por seus atos."
Isto veio ao encontro do que ele mesmo havia declarado à Ansa, que publicou em 30/01 a notícia Filho de vítima diz que Battisti não estava presente em assassinato do pai:
"O italiano Alberto Torregiani, filho do joalheiro Pierluigi Torregiani, supostamente assassinado por Cesare Battisti, disse que não ficou surpreso com as declarações do ex-militante divulgadas pela imprensa brasileira, nas quais ele alega inocência.

"'Ele não disse nada de novo', considerou ele, que ficou paraplégico após ser atingido no mesmo tiroteio em que seu pai foi morto.

"Torregiani revelou que Battisti não participou da ação que culminou no assassinato de seu pai porque havia ido à localidade de Mestre, onde teria matado o açougueiro Lino Sabbadin. 'Está tudo nos autos do processo', explicou.

"Para ele, no entanto, 'o problema é que existe uma sentença de condenação definitiva e testemunhos que indicam ele e seus cúmplices como responsáveis pelo homicídio de meu pai'".
TORREGIANI E SUA
MEMÓRIA SELETIVA

Aqui também houve duas omissões significativas. Torregiani esqueceu de dizer:
  • que, segundo "os autos do processo", os dois assassinatos foram planejados na casa do dirigente máximo do grupo Proletários Armados para o Comunismo, Pietro Mutti, em reunião na qual é atribuída a Battisti (que, na verdade, não estava presente) apenas a omissão, ou seja, não teria objetado; e
  • que depois Mutti, como delator premiado, imputou mentirosamente a Battisti a autoria direta dos dois assassinatos, tendo a acusação engolido suas lorotas interesseiras como se fossem a tábua dos 10 mandamentos.
Aí a defesa levantou um pequeno e singelo detalhe: a distância entre as duas localidades (500 quilômetros) não podia ser transposta no intervalo de tempo transcorrido entre as ações (duas horas).

A derrubada de uma das mentiras de Mutti foi um embaraço? Longe disso. Os procuradores apenas remendaram a peça acusatória, colocando Battisti como assassino de Lino Sabbadin e autor intelectual da morte do joalheiro Pierluigi Torregiani...

Quanto a Mutti, a própria Corte de Milão assim se pronunciaria sobre sua teia de falsidades, em 31/03/1993:
"Este arrependido é afeito a jogos de prestidigitação entre os seus diferentes cúmplices, como quando implica Battisti no assalto de Viale Fulvio Testi para salvar Falcone, ou Battisti e Sebastiano Masala em lugar de Bitti e Marco Masala no assalto à loja de armas 'Tuttosport', ou ainda Lavazza ou Bergamin em lugar de Marco Masala em dois assaltos em Verona".
E o que pretenderia, afinal, Alberto Torregiani fazer no Brasil, se admite que não viu Battisti entre os assassinos do seu pai?

Ora ele afirma que "está tudo nos autos do processo", ora ele diz que os ministros do STF "conhecem a história apenas das cartas processuais".

Pretenderá dizer-nos aquilo que nem mesmo acusadores tão tendenciosos ousaram sustentar no julgamento de cartas marcadas a que Battisti foi submetido em 1987?

E é aqui que entra a segunda informação reveladora da matéria do Estadão:
"Autor do livro Já Estava na Guerra, Mas Não Sabia, em que contou sua experiência, Torregiani entrou há pouco tempo na política. É responsável pelo Departamento de Justiça do Movimento pela Itália, liderado por Daniela Santanchè...".
Para quem não sabe, trata-se de um agrupamento reacionário cuja líder é coproprietária de um night-club para ricaços da Sardenha, uma senhora assumidamente neofascista e que rompeu com Berlusconi por considerá-lo demasiado tímido na defesa dos ideais direitistas...

Então, a motivação de Alberto Torregiani se evidencia desde a cadeira de rodas que ocupa espaço tão destacado na capa do seu livro: é uma vítima profissional querendo aparecer no noticiário, já que engata uma carreira política e literária nas fileiras da extrema-direita italiana.

Que a Folha OnLine, o UOL Notícias e O Estado de S. Paulo, dentre outros veículos, tenham aproveitado esta não-notícia é patético... ou suspeito.

O único sítio apropriado para ela são os sites e blogues da extrema-direita, dedicados a martelar incessantemente propaganda enganosa, como Goebbels recomendava.

Para estes, aliás, acabou servindo como munição. Vários, começando pelo do Reinaldo Azevedo, a reproduziram.

SUPLICY REIVINDICA
OUTRA IMPOSSIBILIDADE

Em seguida, foi a vez do senador Eduardo Suplicy dar sua contribuição a esta comédia de erros, enviando aos ministros do STF um pedido de que, no caso de decidirem ouvir Torregiani, ouvissem também Battisti!

Evidentemente, nem uma coisa nem outra ocorrerá. Mas, foi o bastante para, no dia 14/10, a Ansa Brasil prosseguir com sua "história contada por um tolo, cheia de som e fúria, significando nada" (nunca a citação de Shakespeare foi tão apropriada!): aproveitou a vacilada de Suplicy para continuar dando quilometragem a uma impossibilidade.

A Folha OnLine novamente foi a reboque do incrível exército brancaleone.

Enviei à Folha OnLine e à Ansa pedidos de espaço para apresentar o outro lado da questão, da mesma forma como o expus aqui.

Ambas o ignoraram olimpicamente, o que, aliás, era previsível: não há mesmo justificativa possível ou imaginável para exercício tão medíocre do jornalismo.

Melhor enfiarem a cabeça na areia, como avestruzes.

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