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21.5.07

Veja O ABUSO DE PODER DA GRANDE...

...IMPRENSA CONTRA UM PEQUENO JORNAL

Celso Lungaretti (*)

Uma batalha de opinião pública contra a revista Veja está sendo travada pelos ex-presos políticos, suas famílias, amigos e cidadãos imbuídos de espírito de justiça. Mas, longe de esgotar-se na luta para que os veteranos da resistência à ditadura recebem tratamento digno por parte da grande imprensa, o episódio encerra muitas lições, justificando uma reconstituição e abordagem mais aprofundada.

Tudo começou quando o colunista da Veja Diogo Mainardi foi condenado a indenizar o ex-guerrilheiro, jornalista e atual ministro da Comunicação Social Franklin Martins, por tê-lo caluniado.

Inconformado, Mainardi dedicou sua coluna semanal na Veja de 25/04/2007 à tentativa de desmoralizar a sentença, inclusive alegando que um antigo assessor de Lula teria publicado uma nota no Folha OnLine em que antecipava a decisão do juiz. E fez uma comparação revoltante: “Eu sou o Bacuri do petismo”.

Martírio interminável – Para quem não sabe, sua referência é a um dos episódios mais chocantes dos anos de chumbo. Eduardo Leite, o Bacuri, comandante de um pequeno grupo de resistência denominado Rede Democrática, foi preso no dia 21 de agosto de 1970 e passou pelo Cenimar/RJ, DOI-Codi/RJ, por um centro de torturas clandestino no RJ, por um distrito policial paulistano, pela Oban e pelo Deops/SP – sempre sendo barbaramente torturado.

Quando suas torturas causaram a morte de Joaquim Câmara Ferreira, a repressão noticiou que o aparelho desse dirigente da ALN teria sido delatado por Bacuri, e que este aproveitara a confusão para escapar. Enquanto isto, Bacuri estava preso no Deops, em condições tão lastimáveis que não conseguia nem manter-se em pé.

Sabendo que se tramava o assassinato de Bacuri, os outros presos montaram um esquema de vigia permanente. Assim, viram-no sendo arrastado da cela na madrugada do dia 27 de setembro, desfigurado e mutilado pelas torturas. De nada adiantaram os gritos e protestos desesperados em toda a ala.

A ditadura reconheceu oficialmente a morte de Bacuri no dia 8 de dezembro, para evitar que fosse um dos presos políticos trocados pelo embaixador suíço. Justificativa? Resistência à prisão. Seu corpo, além de hematomas, escoriações, cortes profundos e queimaduras, apresentava dentes arrancados, orelhas decepadas e os olhos vazados.

Garoto de programa – Uma afirmação tão pretensiosa e descabida como essa não poderia passar em branco. Ecoando a indignação de quantos sabem quem foi o Bacuri e quem é o Mainardi, o jornal do MR-8, Hora do Povo, publicou uma matéria com um trecho polêmico:

“Condenado com seus patrões da Veja a pagar 30.000 reais ao ministro Franklin Martins, em processo por calúnia, o garoto de programa Diego Mainardi houve por bem se auto-intitular ‘o Bacuri do petismo’. Bacuri foi martirizado por 109 dias seguidos no Deops e perdeu a vida em 1970 por negar-se a revelar aos algozes informações que pudessem prejudicar o andamento da luta revolucionária contra a ditadura. Foi um herói na plena acepção da palavra. Já o pequeno canalha perdeu apenas algum dinheiro. Sabemos o que o vil metal significa para certo tipo de pessoa. Ainda assim, ao que tudo indica ele está pedindo para perder algo mais. Pode ficar tranqüilo. Não faltarão almas pias para fazer a sua vontade”.

A reação da Veja veio em dose cavalar, na edição de 09/05/2007. O episódio foi tema tanto da coluna do Mainardi quanto de uma notícia, complementada por declarações de apoio ao ameaçado, arrancadas de várias celebridades ansiosas por continuarem nas boas graças da revista.

No subtítulo dessa notícia, a Veja acusou o MR-8 de ser “terrorista no passado” e no presente. E, no texto, acrescentou: “O MR-8 e a ALN foram duas das organizações esquerdistas que, sob a bandeira da luta contra o regime militar, promoveram seqüestros, roubos a banco e atos de intimidação".

Finalmente, na edição de 16/05/2007, a revista ignorou a minha mensagem de protesto, bem como a de todos os leitores indignados com a posição por ela assumida, publicando apenas oito cartas de leitores favoráveis a ela e ao Mainardi.

Desinformação e arrogância – A revista cometeu três graves pecados jornalísticos:
· publicar um texto informativo e um opinativo, na mesma edição, sobre o mesmo assunto e na mesmíssima linha, praticando antes proselitismo do que jornalismo;
· encampar, no espaço informativo, conceitos e terminologia da extrema-direita, que é apenas uma fração do espectro político, quando a obrigação da imprensa é tratar com equanimidade todas as frações, mantendo-se isenta e eqüidistante;
· não conceder espaço para o “outro lado”.

Ademais, o estardalhaço que a revista fez em torno de uma hipotética exortação ao assassinato de Diogo Mainardi nem de longe se justifica, se lermos com mais atenção a frase que lhe deu pretexto. Em nenhum lugar se afirma que o “algo mais” que Mainardi está sujeito a perder seja a vida. Por que não a liberdade? Afinal, um juiz de “alma pia” poderá concluir que, como criança pirracenta, ele calunia os outros por inconscientemente querer que os adultos lhe imponham limites...

O certo é que incitamento ao homicídio é uma acusação gravíssima, em termos legais. Por que a Veja e Mainardi não apresentaram queixa à Justiça? Simplesmente por estarem cientes de que nenhum juiz condenaria o Hora do Povo a partir de uma frase tão ambígua.

Então, tentou obter junto à opinião pública uma condenação moral do MR-8, num caso em que jamais conseguiria uma condenação judicial. Para mim, parece muito claro que se trata de um abuso de poder de uma grande revista contra um pequeno jornal.

Então, o protesto contra as más práticas jornalísticas da Veja, além de se constituir num desagravo aos combatentes e vítimas da ditadura militar, tem uma dimensão maior, ao ramificar-se com a eterna luta dos humildes e dos vilipendiados contra a arrogância dos poderosos.

* Celso Lungaretti é jornalista, escritor e ex-preso político.

2 comentários:

Anônimo disse...

o Bacuri era do MRT (Movimento Revolucionário Tiradentes).
Já a FRENTE foi uma "frente única" de organizações clandestinas de esquerda que faziam ações conjuntas.

celsolungaretti disse...

Companheiro, neste caso eu posso me considerar, como o antigo Repórter Esso, uma "testemunha ocular da História".

Conheci o "Bacuri" (então utilizando o codinome de "Basílio") no congresso de abril/1969 da VPR, em Mongaguá. Ele se desligou em seguida da Organização e formou seu grupo próprio, que se chamava mesmo Rede Democrática.

Já o MRT era o grupo formado pelo Devanir e seus irmãos. Quando os demais caíram e o Devanir escapou ferido, eu até mantive contato com ele, pois o "Moisés" (José Raimundo da Costa), seu contato com a VPR, teve de viajar e me mandou no seu lugar.

Mais tarde, no final de 1969, fiquei descontatado com a VPR e encontrei por acaso o Devanir nas ruas de São Paulo. Ele me abrigou num aparelho do MRT, enquanto cuidava de me "devolver" à VPR.

O MRT e a Rede faziam mesmo ações conjuntas, mas eram grupos diferentes. E ambos mantinham relações bem próximas com a VPR.

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